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1 ORIENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NA BASE CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO E NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENCONTROS E DESENCONTROS 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LEILA BRITTO DE AMORIM LIMA ORIENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NA BASE CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO E NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENCONTROS E DESENCONTROS RECIFE 2010 3 LEILA BRITTO DE AMORIM LIMA ORIENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NA BASE CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO E NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENCONTROS E DESENCONTROS Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Drª Telma Ferraz Leal Recife 2010 Lima, Leila Britto de Amorim Orientações sobre o ensino dos gêneros discursivos na base curricular comum de Pernambuco e no livro didático de língua portuguesa: encontros e desencontros / Leila Britto de Amorim Lima. – Recife: O Autor, 2010. 323 f. : il. ; tab., graf. Orientadora: Profª Dra. Telma Ferraz Leal Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Mestrado em Educação, 2010. Inclui bibliografia. 1. Língua portuguesa - Estudo e ensino 2. Livros didáticos 3. I. Título. 869.0 407 CDU (2.ed.) CDD (22.ed.) UFPE CE2010-076 4 5 Para meu filho Luan, presente de Deus, que me fez compreender o que é o amor em sua plenitude. A ti, meu filho, todo meu esforço e meu amor. 6 AGRADECIMENTOS A Deus, por sua presença em minha vida e pela constante força para enfrentar os desafios. À professora Drª Telma Ferraz Leal, por oportunizar trocas significativas de conhecimento e sempre acreditar no potencial das pessoas e no que elas podem oferecer. É um exemplo de ética e competência. Suas ricas contribuições foram de suma importância para realização deste estudo. Aos professores Drª Eliana Albuquerque e Dr. Alexsandro Silva, pelas sugestões dadas na qualificação, as quais possibilitaram delinear novos caminhos para esta pesquisa. Aos meus pais, pelos exemplos de valores, luta e superação às adversidades. Pelo amor e constante apoio nas decisões por mim tomadas no percurso da vida. Por orientarem meu caminho e fomentarem meus sonhos. Ao meu esposo, como quem compartilho meus sentimentos, medos, expectativas, alegrias e sonhos. Por todo incentivo, força, compreensão, amor e carinho. Por estar ao meu lado sempre. Ao meu filho Luan, fruto do amor verdadeiro, por sua existência e por me proporcionar constantes desafios na construção do papel de mãe. As minhas irmãs, por toda a colaboração e amor. Por serem minhas amigas e companheiras em todas as situações. Ao meu avô Bida (em memória), meu avô Faninho (em memória) e meu tio Jaílton (em memória) que me fizeram lembrar da efemeridade da vida. Eternas saudades. As minhas queridas avós Lena e Néia, exemplos de coragem e dedicação. A todos os meus familiares, pela ajuda e compreensão das ausências necessárias para realização dessa pesquisa. 7 A todos os meus professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, por contribuírem para meu aprofundamento teórico e promoverem discussões pertinentes à Educação. À professora Drª Lívia Suassuna, que carinhosamente viabilizou alguns dos textos utilizados nessa pesquisa. Aos meus colegas da Pós-Graduação, a turma 26, pelo companheirismo. Em especial, Abda, Amara, Amanda, Cristiane, Cássia, Gilvânia, Sandra, Sirlene, Priscila, Renata, Viviane, pelo constante incentivo e pelas conversas acadêmicas que me ajudaram a crescer como pesquisadora. A Rozário Azevedo, Priscila Ximemes, Sirlene Souza, companheiras de graduação e pósgraduação, por compartilharem de experiências ímpares e maravilhosas. As minhas amigas Michele, Fabiane, Viviane, Socorro e Lourdes, por todo carinho. Por sempre disponibilizarem um ombro amigo e por comemorarem as minhas conquistas. A Iagrice, Esmeralda, Jaqueline, Dado, Verônica, Junior, Tarcísio, Sinésio, Reginaldo, Michele, Vilma, pessoas especiais que me ajudaram durante o percurso desta pesquisa. A vocês, minha imensa gratidão. A toda Equipe CEEL, pelas oportunidades de aprendizagem. Em especial, Severina Érika, Dayse Moura, Edla, Hérika Karina e Miriam. Ao grupo de pesquisa, pelo espaço de discussões e construção de pesquisa. À equipe Nova Aurora e a comunidade escolar, por me ajudarem a crescer como profissional. A todos que contribuíram, de algum modo, para realização desse trabalho. Obrigada! 8 RESUMO Neste estudo foram analisadas as orientações sobre o ensino dos gêneros discursivos na Base Curricular Comum de Pernambuco e na coleção de livros didáticos de língua portuguesa dos anos iniciais do Ensino Fundamental mais distribuída no estado de Pernambuco: “Porta Aberta”. Serviram de base para o diálogo teórico a concepção de Bakhtin (2000) sobre a perspectiva dialógica da linguagem e de gênero discursivo, a discussão de Schneuwly e Dolz (2004) em relação ao desdobramento do gênero no processo de ensino/aprendizagem, as contribuições dos pesquisadores como Marinho (2001), Albuquerque (2002) e Silva (2008) acerca de propostas curriculares, além de teóricos como Rojo (2003), Val e Castanheira (2005), Batista (2005), Bezerra (2005), Rangel (2005), Marcuschi e Leal (2009), entre outros que endossam a discussão sobre o livro didático. O aporte metodológico desta pesquisa foi embasado na Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2004). A análise de conteúdo e documental nos permitiu interpretar os significados nos documentos oficiais, ultrapassando uma simples compreensão do real para uma sistematização mais complexa dos dados apresentados. Os resultados revelaram movimentos de aproximações e afastamentos entre os princípios defendidos pelo documento curricular e os pressupostos bakhtinianos de linguagem, assim como entre tais pressupostos e as proposições didáticas dos livros didáticos. No que se refere às aproximações, observamos que, em geral, a coleção “Porta Aberta” retoma vários princípios apresentados na BCC-PE, sobretudo, no manual do professor. Nesse sentido, constatamos que os princípios orientadores para o ensino de língua materna da BCCPE e o manual do professor da coleção explicitam pressupostos e concepções de base bakhtiniana, embora tenham alguns princípios menos enfatizados. Já em relação aos afastamentos, verificamos que a coleção, ao mesmo tempo em que se aproxima de uma perspectiva de língua como prática social, se distancia, propondo atividades que se pautam nos usos descontextualizados e fragmentados da língua e, portanto, distantes dos princípios defendidos pela BCC-PE. Ainda sobre os encontros e desencontros, outro aspecto observado refere-se às lacunas na indicação dos objetos de ensino, articulando o trabalho com os gêneros e o desenvolvimento de estratégias de leitura/escrita. Nesse movimento, a BCC-PE, embora destaque que um dos aspectos centrais para o ensino da língua é a perspectiva se trabalhar com os gêneros, essa discussão, em geral, não está atrelada às competências propostas para o ensino fundamental e médio. Já a coleção, embora indique objetivos didáticos que retomem as dimensões do gênero, apresenta problemas na formulação das sequências de suas atividades, seja na ênfase em aspectos estruturais do gênero ou em exercícios gramaticais descontextualizados. Dessa forma, pode-se concluir que falta clareza sobre como conduzir um ensino que tenha como referência os gêneros como objeto e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem, tal como defendem Schneuwly e Dolz (2004). Sendo assim, afirmamos a necessidade de investigar a didática do ensino da língua para fomentar discussões voltadas a orientações e elaboração de documentos curriculares, bem como a elaboração e seleção de livros didáticos. Palavras-chave: Gênero discursivo; Currículo; Livro didático, Ensino da Língua Portuguesa. 9 ABSTRACT In this study, we analyzed the guidelines on the genres teaching in the Base Curricular Comum de Pernambuco and in “Porta Aberta”, the most distributed language textbook collection for the early years of elementary school in Pernambuco state. The theory was based on Bakhtin (2000) dialogical perspective on language and genre; the discussion of Schneuwly and Dolz (2004) regarding the deployment of genres in teaching and learning process, the studies from scientific researchers about curriculum proposals as Marinho (2001), Albuquerque (2002) and Silva (2008), as well as Rojo (2003), Val and Castanheira (2005), Batista (2005), Bezerra (2005), Rangel (2005), Marcuschi and Leal (2009) and others who endorse the discussion of the textbook. The methodological contributions of this research were based on content analysis proposed by Bardin (2004). The content analysis and documentary analysis allows us to interpret the meanings in official documents beyond a simple understanding of reality to a more complex systematization of the data presented. The results showed movements of theoretical proximities and theorical distances between the principles espoused by the curriculum document and the language assumptions by Bakhtin as well as between such assumptions and propositions of teaching textbooks. In relationship to proximities, we observe that, in general, the collection "Porta Aberta" incorporates several principles presented by the BCC-PE, especially in the teacher's manual. We also verified that the guiding principles for language teaching in the BCC-PE and teacher's manual explicit some bakhtinian theorical assumptions and conceptions, although some principles are not emphasized enough. In relation to theorical distances, the textbooks collection, while approaching a perspective of language as social practice, is offering activities which are based on fragmented and decontextualized uses of language, so far from the principles espoused by BCC-PE. We also pointed to another aspect related to gaps in the statement of education objects, linking the genres approach and developing reading and writing strategies. In this movement, the BCC-PE, while emphasizing that the main aspect to the language teaching is the prospect of working with genres in language classes, this discussion, in general, is not linked to the curriculum skills proposed for elementary and high school. In the textbook collection, although indicating some didactic objectives that resume the dimensions of the genre, it presents problems in formulating the sequences of activities, because the emphasis is on structural aspects of genre or decontextualized grammar exercises. Thus, we conclude that there is a lack of clarity about how to conduct an education process based on genres like object and pedagogical working tool for the development of language, such as defending Schneuwly and Dolz (2004). Therefore, we think it´s necessary to investigate the language teaching to carry on more discussions aimed at developing theorical guidelines for curriculum documents and textbooks. Keywords: genre; curriculum, textbook, language teaching. 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Frequência dos gêneros discursivos/textos nos livros dos anos 2, 3, 4 e 5 da coleção “Porta Aberta”.......................................................................................................... 208 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Agrupamento dos gêneros na coleção “Porta Aberta” ........................................................................................................................... 210 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Texto didático – Atividade de ortografia ............................................................................................................................... Figura 2: Texto didático – Emprego de palavras .............................................................................................................................. Figura 3: Texto didático – Atividade de paragrafação .............................................................................................................................. Figura 4: Texto didático – Atividade de gramática ............................................................................................................................... Figura 5: Texto didático – Atividade de pontuação .............................................................................................................................. Figura 6: Texto didático – Atividade diferença entre fala e escrita .............................................................................................................................. Figura 7: Texto didático – Seção “Fique Sabendo” ............................................................................................................................... Figura 8: HQ – Atividade de pontuação ............................................................................................................................. Figura 9: HQ – Atividade de pontuação ............................................................................................................................. Figuras 10, 11 e 12: HQ - O que fazer com tantas tábuas? ............................................................................................................................. Figuras 13, 14, 15 e 16: HQ – Estudo do texto O que fazer com tantas tábuas? ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. Figura 17: HQ – Produção do texto ............................................................................................................................. Figura 18: HQ – A formação da chuva ............................................................................................................................. Figuras 19 e 20: HQ – Atividade de leitura e compreensão ............................................................................................................................. Figura 21: Bilhete – Atividade de separação de sílabas ................................................................................................................................ Figura 22: Bilhete – Atividade de ortografia ................................................................................................................................ Figura 23: Bilhete – Atividade de gramática ............................................................................................................................... 214 215 216 217 218 219 220 222 222 223 224 225 226 227 228 229 232 232 232 11 Figura 24: Bilhete – Atividade de pontuação .............................................................................................................................. Figura 25: Bilhete – Atividade de leitura e compreensão .............................................................................................................................. Figura 26: Bilhete – Atividade de comparação entre textos .............................................................................................................................. Figuras 27 e 28: Bilhete – Atividade de produção de texto .............................................................................................................................. .............................................................................................................................. Figura 29: Conto – Estudo do texto ............................................................................................................................. Figura 30: Conto – Estudo do texto .............................................................................................................................. Figuras 31 e 32: Conto – A minhoca e os passarinhos .............................................................................................................................. Figura 33: Conto – Estudo do texto A minhoca e os passarinhos .............................................................................................................................. Figuras 34 e 35: Conto – Estudo do texto O umbigo do rei .............................................................................................................................. Figuras 36 e 37: Conto – Estudo do texto Timorato .............................................................................................................................. Figura 38: Conto – Atividade de preparação para a leitura ............................................................................................................................. Figuras 39, 40 e 41: Conto – Estudo do texto O casarão da esquina ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. Figura 42: Poema – Atividade de gramática .............................................................................................................................. Figura 43: Poema – Atividade de caligrafia ............................................................................................................................. Figura 44: Poema – Atividade de gramática ............................................................................................................................. Figura 45: Poema – Atividade de ortografia ............................................................................................................................. Figuras 46 e 47: Poema - Era uma vez um gato xadrez... ............................................................................................................................. Figuras 48, 49 e 50: Poema – Atividade de estudo do texto ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. Figura 51: Poema – Atividade de preparação para a leitura ............................................................................................................................. Figuras 52, 53 e 54: Poema – A guerra do gato ............................................................................................................................. Figura 55: Poema – Estudo do texto ............................................................................................................................. 232 233 234 236 237 239 240 242 243 245 246 248 249 250 250 253 253 254 254 255 256 257 258 259 260 261 12 Figuras 56 e 57: Poema - Quem tem medo de ridículo? ............................................................................................................................ Figuras 58, 59 e 60: Poema – Estudo do texto ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. ............................................................................................................................. Figura 61: Poema ............................................................................................................................. Figura 62: Poema – As estrelas ............................................................................................................................. Figura 63: Poema – Atividade de leitura e compreensão .............................................................................................................................. Figura 64: Poema – Lagoa .............................................................................................................................. Figura 65: Reportagem – Estudo do texto Mestres no disfarce ............................................................................................................................. Figura 66: Legenda – Estudo do texto Mestres no disfarce ............................................................................................................................. Figura 67: Resenha – Produção de texto ............................................................................................................................. Figura 68: Paródia – Produção de texto ............................................................................................................................. Figura 69: Mensagem de campanha educativa ............................................................................................................................. Figura 70: Mensagem de campanha educativa – Compreensão de texto .............................................................................................................................. Figura 71: Notícia – Produção de texto .............................................................................................................................. Figura 72: Verbete – Leitura e compreensão ............................................................................................................................. Figura 73: Cartaz educativo ............................................................................................................................. Figura 74: Cartaz educativo – Leitura e compreensão ............................................................................................................................ Figura 75: Cartaz educativo ............................................................................................................................. Figura 76: Cartaz educativo – Leitura e compreensão ............................................................................................................................. Figuras 77 e 78: Receita – Estudo do texto ............................................................................................................................. Figuras 79, 80 e 81: Entrevista .......................................................................................................................... Figura 82: Entrevista - Estudo do texto .......................................................................................................................... Figuras 83 e 84: Notícia - Estudo do texto Um macaco amigo para um leão faminto .......................................................................................................................... .......................................................................................................................... 262 263 264 264 265 267 267 269 272 273 275 277 278 279 280 282 284 285 286 287 289 291 294 295 296 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16 CAPÍTULO 1 - OS GÊNEROS DISCURSIVOS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ................................................................................................................... 22 1.1. Noção de gênero discursivo .......................................................................................... 22 1.2. Gêneros discursivos e letramento: tecendo conexões.................................................... 30 1.3. Contribuições dos estudos de gênero para o ensino da língua portuguesa................... 33 CAPÍTULO 2 – CURRÍCULO E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA...................... 44 2.1. Breve reflexão sobre as concepções de currículo......................................................... 44 2.2. O que dizem os textos prefigurativos nacionais para a elaboração de currículos?....... 47 2.3. Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: algumas implicações para as propostas curriculares....................................................................................................... 52 2.4. A Língua Portuguesa nos currículos: breve trajetória das propostas curriculares de Pernambuco dos séculos XIX e XX..................................................................................... 63 CAPÍTULO 3 – O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA........................... 80 3.1. Livro didático: uma breve retrospectiva....................................................................... 80 3.2. O livro didático de língua portuguesa.......................................................................... 86 CAPÍTULO 4 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................ 97 CAPÍTULO 5 – A BASE CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO................... 103 5.1 A Base Curricular Comum de Pernambuco: breve contextualização............................ 103 5.2 Fundamentos gerais e estrutura da proposta.................................................................. 106 14 CAPÍTULO 6 – O QUE PROPÕE A BASE CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA?............................ 114 6.1 Concepções de linguagem, texto e gênero...................................................................... 115 6.1.1. Língua como interação verbal.............................................................................. 115 6.1.2. Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica........ 119 6.1.3. Texto como entidade concreta materializado em algum gênero.......................... 122 6.1.4. Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado ....................... 125 6.1.5. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas........... 128 6.2 Os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros e texto que perpassam a proposta ................................................................................................................................ 131 6.2.1. Diversidade de gênero.......................................................................................... 131 6.2.2 Texto como unidade de ensino.............................................................................. 136 6.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos................................................................. 142 6.3 Os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos e textos indicados para as diferentes etapas de escolaridade...................................................................................... 144 6.3.1. Os saberes e habilidades no eixo da oralidade...................................................... 146 6.3.2 Os saberes e habilidades no eixo da leitura ......................................................... 150 6.3.3 Os saberes e habilidades no eixo da escrita ......................................................... 162 6.3.4 Os saberes e habilidades no eixo da análise linguística........................................ 169 6.4 As orientações relativas à escolha dos recursos didáticos.............................................. 171 CAPÍTULO 7 – O QUE PROPÕE A COLEÇÃO DE LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA MAIS DISTRIBUÍDA NAS REDES DE ENSINO DO ESTADO DE PERNAMBUCO EM 2007 PARA O TRABALHO COM OS GÊNEROS?.................... 179 7.1. Concepções de linguagem, texto e gênero..................................................................... 179 7.1.1. Língua como interação verbal.............................................................................. 180 7.1.2 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero........................... 187 7.1.3. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas........... 189 7.1.4 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica.......... 196 15 7.1.5 Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado.......................... 197 7.2. Os princípios didáticos relativos ao ensino de textos/gêneros discursivos que perpassam a obra................................................................................................................... 197 7.2.1. Diversidade de gêneros........................................................................................ 197 7.2.2 Texto como unidade de ensino............................................................................. 201 7.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos................................................................. 204 7.3 As orientações relativas à escolha dos textos............................................................... 204 CAPÍTULO 8 – OS SABERES E HABILIDADES RELACIONADOS AOS GÊNEROS DISCURSIVOS CONTEMPLADOS NAS ATIVIDADES DA COLEÇÃO PORTA ABERTA: DIALOGANDO COM A BCC-PE.................................................................... 208 8.1 Gêneros inseridos na coleção.......................................................................................... 208 8.2. Gêneros que são mais intensamente explorados............................................................ 212 8.2.1 texto didático.................................................................................................. 213 8.2.2 HQ/Tirinhas..................................................................................................... 221 8.2.3 bilhete.............................................................................................................. 231 8.2.4 conto................................................................................................................ 238 8.2.5 poema............................................................................................................... 252 8.3. Como os livros da coleção organizam a sequência e as propostas de atividades com os gêneros discursivos........................................................................................................... 271 8.3.1 Atividades que apresentam as características do gênero.................................. 272 8.3.2 Atividades que favorecem reflexões sobre as características dos gêneros....... 283 8.3.3. Atividades que aproximam o gênero das situações reais de uso..................... 297 CAPÍTULO 9 – CONSIDERANDO OS ENCONTROS E DESENCONTROS.................. 304 10. REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 315 16 INTRODUÇÃO O trabalho com a língua materna se constitui como uma preocupação por parte de educadores, uma vez que é por meio desta que o indivíduo se comunica com seus semelhantes, defende suas opiniões, amplia o conhecimento de si próprio e do mundo em que vive, enfim, constrói sua identidade e cidadania. É através da vivência nas situações de comunicação e do contato com gêneros distintos que surgem na vida cotidiana que os indivíduos exercitam as competências linguísticas e discursivas de falante/ouvinte produtor de enunciados. Dessa forma, a diversidade dos gêneros pode facilitar a construção do conhecimento do aluno, quando existe uma reflexão sobre seus aspectos funcionais, interacionais, composicionais, de estilo e temática. Segundo Marcuschi (2002), “um maior conhecimento dos gêneros textuais é importante tanto para sua produção quanto para sua compreensão”. (p.32) De acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (doravante PCN), a escola deve “viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los”. (BRASIL, 1997, p.30). Nesse sentido, percebemos uma preocupação dos PCN em articular as práticas sociais de uso dos gêneros discursivos orais ou escritos que ocorrem fora da escola com as práticas no âmbito escolar. Trata-se de uma oportunidade de ajudar os alunos a compreender que os gêneros são “fenômenos históricos profundamente vinculados à vida cultural e social” (MARCUSCHI, 2002, p.19). Dentro dessa perspectiva, o conhecimento de determinados gêneros vai permitir ao indivíduo antecipar quadros de sentidos e comportamentos nas diferentes situações de interlocução com as quais se depara. O trabalho com a diferenciação de diversos gêneros e o reconhecimento das estruturas formais e de sentido que os compõem contribuem para o desenvolvimento das competências sócio-comunicativas dos falantes. Nesse sentido, pode-se supor que seria papel da escola ajudar os estudantes a lidarem com textos de diferentes gêneros discursivos. Nessa direção, muitos sistemas de ensino, que explicitam preocupação com as novas discussões sobre os gêneros discursivos, suas funções interativas e os diversos suportes de materiais, empreenderam a reformulação curricular de suas Redes de Ensino, buscando melhorar suas orientações metodológicas, sua organização e suas metas de ensino. Em outros termos, para estarem em consonância com as novas perspectivas de ensino/aprendizagem e os novos objetivos didáticos do ensino de língua materna, os documentos oficiais de língua portuguesa, ao longo dos anos, vêm apresentando modificações. 17 A inserção do trabalho com os gêneros discursivos nos currículos oficiais, portanto, assume um papel relevante no ensino de língua portuguesa, pois as propostas curriculares são norteadoras de extrema relevância da produção do conhecimento escolar. A organização curricular oficial pode orientar os professores e suas práticas como também definir conteúdos que são necessários ao desenvolvimento cultural dos sujeitos. Segundo Schneuwly e Dolz (1997), os conteúdos escolares no currículo “são definidos em função das capacidades do aprendiz e das experiências a ele necessárias. Além disso, os conteúdos são sistematicamente postos em relação com os objetivos de aprendizagem e outros componentes do ensino” (p. 4243). Com a preocupação de tentar garantir aos alunos o acesso aos conhecimentos mínimos necessários ao exercício da vida cidadã, esta fonte documental está inserida num contexto em que as condições do enunciado numa perspectiva sócio-histórica de produção e os mecanismos cognitivos envolvidos no desenvolvimento de aquisição da linguagem assumem características importantes no processo de ensino/aprendizagem. Dessa forma, faz-se necessário refletir como o ensino dos gêneros discursivos está sendo concebido nesses documentos oficiais, em particular a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco (doravante BCC-PE), e nos materiais didáticos disponibilizados aos professores. Segundo Coll (1992 apud Schneuwly e Dolz, 2004, p.43) Um currículo para o ensino da expressão deveria fornecer aos professores, para cada um dos níveis de ensino informações concretas sobre os objetivos visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem que devem ser abordadas, sobre os saberes e habilidades implicados em sua apropriação. A BCC-PE é um documento resultante de um projeto elaborado por várias instituições educacionais1 preocupadas em redirecionar e educação de Pernambuco a um novo patamar e que tem como principal objetivo “destacar saberes e competências tidos como comuns aos vários sistemas públicos, ou seja, aqueles aos quais todos os alunos deveriam ter acesso, se considerada a formação para a cidadania [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.9). Trata-se de um instrumento importante que orienta as práticas dos professores que atuam em cento e oitenta e quatro municípios de estado de Pernambuco2, constituindo-se em um “referencial de 1 União de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Secretaria Estadual de Educação (SE), Conselho Estadual de Educação (CEE), Associação Municipal de Pernambuco (AMUPE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) (BCC - PE: 2008,p. 9) 2 Informações retiradas do documento da BCC-PE. 18 aprofundamento de sua prática pedagógica, uma proposta curricular moldada por recortes teórico-metodológicos.” (PERNAMBUCO, 2008, p.9) Segundo Coll (1992 apud Schneuwly e Dolz, 2004, p.43), as principais funções de um currículo são: descrever e explicitar o projeto educativo [...] em relação às finalidade da educação e às expectativas da sociedade; fornecer um instrumento que oriente as práticas dos professores; levar em conta as condições nas quais se realizam essas práticas; analisar as condições de exeqüibilidade [...] Portanto, é de extrema relevância investigar quais são as orientações expressas na BCCPE de Língua Portuguesa sobre os objetivos visados para o trabalho com os gêneros discursivos bem como os saberes e habilidades envolvidos em sua apropriação. Também destacamos como objeto de pesquisa analisar o livro didático mais distribuído nas redes públicas de ensino, para refletir como o ensino dos gêneros está sendo concebido nesse material didático. Em decorrência das exigências cada vez maiores do Programa Nacional do Livro Didático e das próprias secretarias de educação, os livros didáticos de Língua Portuguesa vêm apresentando modificações em suas propostas e atividades. A necessidade de acompanhar as novas tendências educacionais está provocando mudanças em alguns livros, dentre as quais, destacamos o trabalho didático com os diferentes textos que circulam na sociedade. A ênfase no trabalho com os textos decorre, como será mais bem discutido posteriormente, não só da preocupação de desenvolver a capacidade do aluno de produzir textos orais e escritos, como também enriquecer a capacidade de percepção do mundo através da leitura, compreensão e interpretação de textos. Assim, a didatização dos gêneros discursivos merece uma reflexão especial por se tratar de uma questão importante e substancial na construção do conhecimento linguístico-textual do aluno. Segundo Schneuwly e Dolz (1997): Na sua missão de ensinar os alunos a escrever, ler e a falar, a escola, forçosamente, sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de comunicação, portanto também aquela centrada na aprendizagem, cristalizase em formas de linguagem específicas. A particularidade da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um desdobramento que se opera, em que o gênero não é um instrumento de comunicação somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de ensino/ aprendizagem. (p.7) 19 Obviamente, o livro didático não é o único instrumento do educador e do aluno, mas é uma ferramenta importante no processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. O trabalho com a escrita e a oralidade é um dos norteadores da ação pedagógica e um livro de Língua Portuguesa deve trazer uma proposta voltada para o desenvolvimento de um sujeito que ao “produzir um discurso, conhecendo possibilidades que estão postas culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará, escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão”. (BRASIL, 1997, p.65) Dado o acima exposto, a BCC-PE é um documento oficial do estado que norteia não só as práticas dos professores, mas também os materiais didáticos a serem disponibilizados aos docentes. O livro didático, como aqui já foi defendido, é um instrumento que faz parte do processo de construção social do conhecimento e deve ser utilizado como instrumento de mediação da estratégia de ensino e como material de trabalho para o ensino da textualidade. Portanto, é relevante verificar se a coleção mais adotada no estado de Pernambuco contempla os princípios e objetivos propostos na BCC-PE, que garante uma unidade estadual com dimensões obrigatórias defendidas pela União. Nessa perspectiva, o interesse central da presente é verificar quais as orientações da BCC-PE para o trabalho com os gêneros e analisar se a coleção de livros didáticos mais adotada na rede pública contempla os mesmos princípios subjacentes a esta proposta curricular. Isto é, a nossa questão central é saber se os princípios relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a BCC-PE também são contemplados na coleção de livro didático mais distribuída na rede pública de ensino de Pernambuco. A hipótese em relação à Base Curricular Comum foi que nesse documento os gêneros discursivos são valorizados enquanto objetos de ensino, não só em relação aos aspectos composicionais, mas, também, aos aspectos sociodiscursivos. A respeito disso, Bezerra (2002), em seus estudos, ressalta que: é justamente essa desconsideração dos aspectos comunicativos e interacionais que contribui para que os alunos e professores se preocupem mais com a forma do texto do que com sua função e, conseqüentemente, o texto seja visto como formulário preenchido (para leitura) ou a preencher (para a escrita).(p.41) No processo de redefinição da nossa profissão e da compreensão da nossa prática, fazse necessário estarmos atentos às modificações feitas nos currículos e nos livros didáticos, bem como refletir se suas propostas estão sugerindo uma abordagem acerca do funcionamento dos gêneros discursivos, contribuindo para sua produção e compreensão. 20 Dado o exposto, o presente estudo é de extrema relevância social, uma vez que visa contribuir para uma reflexão no âmbito educacional acerca da didatização dos gêneros discursivos no processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. Em síntese, destacamos como objetivos desta pesquisa analisar a Base Curricular Comum de Pernambuco e a coleção de livros didáticos mais distribuída na rede pública de ensino de PE, para refletir como o ensino dos gêneros discursivos está sendo concebido nesses documentos. Mais especificamente, buscamos investigar em relação à Base Curricular Comum (BCC – PE): a concepção de linguagem, texto e gênero expressa na BCC-PE; os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a proposta; os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos indicados para as diferentes etapas de escolaridade; as orientações relativas à metodologia usada no trabalho com os gêneros discursivos na BCC-PE, tanto na modalidade oral, quanto escrita; as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos. Em relação à coleção de livros didáticos adotada pela maior quantidade de sistemas de ensino em Pernambuco, investigaremos: a concepção linguagem, texto e gênero expressa no manual do professor; os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a obra (princípios para definir a seleção dos textos; princípios relativos à seleção dos objetivos; princípios relativos à composição dos tipos de atividades – leitura, produção de textos, reflexão sobre o gênero; as orientações para o professor sobre o trabalho com os gêneros expressas nos manuais); os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos contemplados nas atividades (gêneros inseridos na coleção; gêneros que são mais intensamente explorados na coleção; dimensões ou características dos gêneros enfocadas); os tipos de atividades do livro que têm relação com o trabalho com os textos (se há ênfase em questões que ressaltam ou mobilizam conhecimentos relativos aos suportes textuais ou questões que têm relações com características dos gêneros discursivos; se 21 as coleções favorecem a reflexão / explicitação sobre as características dos gêneros; se há inserção de conceitos e propriedades dos gêneros discursivos); como as coleções organizam a seqüência e as propostas de atividades com os gêneros discursivos. se os princípios relativos aos gêneros discursivos que perpassam a coleção de livros didáticos são os mesmos orientados pela BCC. Diante o acima exposto, apresentaremos e discutiremos esse trabalho em nove capítulos. Nos capítulo 1, 2 e 3 estão destinados a discorrer sobre pressupostos teóricos do de estudo em questão. No primeiro capítulo, contemplamos as discussões sobre a noção de gênero discursivo, relações com o letramento e o ensino de língua portuguesa. Em seguida, teceremos algumas considerações sobre currículo e o ensino de língua portuguesa a partir das concepções de currículo, as orientações de documentos nacionais para elaboração dos textos preescritivos, as concepções de linguagem e o ensino de língua portuguesa, e por fim, considerações sobre a concepção de linguagem nos currículos de Pernambuco nos séculos XIX e XX. Já no capítulo 4, apresentaremos os pressupostos metodológicos utilizados nessa pesquisa. Por último, os capítulo 5, 6, 7 e 8 estão reservados ao debate dos dados, sendo os dois primeiros relacionados a BCC-PE e os dois últimos reservados a análise da coleção. Por fim, fazemos algumas considerações sobre os dados analisados nessa pesquisa. 22 Capítulo 1 Gêneros discursivos e o ensino de Língua Portuguesa Como foi explicitado anteriormente, os documentos curriculares oficiais vem nas duas últimas décadas discutindo uma perspectiva em que os gêneros discursivos são considerados centrais na organização curricular. Dentre tais documentos, a BCC-PE de Pernambuco também remete a tal conceito. Desse modo, torna-se particularmente importante tratar de tal tema nesse estudo. Assim, nesse capítulo procuraremos refletir sobre a concepção de gêneros discursivos na abordagem bakhtiniana, dada a influência dessa teoria na Educação Brasileira. Inicialmente, exporemos a noção de gêneros discursivos. Em seguida, destacaremos que o trabalho com os gêneros consiste numa prática na perspectiva de letramento. Nesse sentido, teceremos breves considerações relacionadas ao ponto de interlocução entre gêneros e letramento. Por último, abordaremos a questão da didatização dos gêneros discursivos. Para tal, apresentaremos autores que consideram o trabalho com os gêneros numa perspectiva didática. Problematizaremos, ainda, os aspectos que estão imbricados com as diferentes perspectivas com o trabalho com os gêneros. 1.1. Noção de gênero discursivo Ao analisarmos o contexto histórico, percebemos que o conceito de gênero vem sendo estudado desde a Antiguidade. Na literatura clássica, havia uma preocupação em classificar determinados textos, de acordo com suas características e modalidades. Dessa forma, na tradição greco-latina, o gênero estava associado aos estudos literários. Aristóteles (1959) fundamentava sua teoria sobre gêneros na natureza do discurso, apresentando distinções quanto à sua forma retórica. Em seus estudos, o autor ainda ressalta que o discurso é composto por três elementos: aquele que fala; aquilo sobre o que se fala e aquele a quem se fala. Trata-se de uma proposta de divisão do discurso na arte da persuasão e da oratória. Nesse sentido, de acordo com o tipo de ouvinte, a quem se fala, os gêneros são classificados em três tipos: “o espectador que olha o presente, a assembléia que olha o futuro e o juiz que julga as coisas passadas” (ARISTÓTELES, 1959, p.39). Segundo o autor supracitado: 23 O ouvinte é necessariamente, espectador ou juiz; se exerce as funções de juiz, terá de se pronunciar ou sobre o passado ou sobre o futuro. Aquele que tem de decidir sobre o futuro é, por exemplo, membro da assembléia; o que tem de se pronunciar sobre o passado é, por exemplo, o juiz propriamente dito. Aquele que só tem que se pronunciar sobre a faculdade oratória é o espectador. (p.39) Os gêneros do discurso retórico, por sua vez, estão associados a estes três tipos de julgamento, dividindo-se em discurso deliberativo, responsável por aconselhar ou desaconselhar; o judiciário que, por sua vez, exerce a função de acusar ou defender e, por último, o demonstrativo, que serve para elogiar ou censurar. Com isso, percebemos que as características peculiares aos gêneros atribuem a cada um “finalidade diferente; por que há três gêneros, há três fins distintos”. (ARISTÓTELES, 1959, p. 39) Observamos, ainda, o princípio da temporalidade em cada do gênero retórico que, segundo Aristóteles (1959), tem por objeto uma parte do tempo que lhe é próprio: para o deliberativo é o futuro [...] ; para o judiciário é o passado; [...] para gênero demonstrativo é o presente [...] (p.39). Ao discutir a natureza do discurso, Aristóteles afirma que o falante, o assunto e o ouvinte assumem um papel relevante, sendo este último o que determina o objeto e a finalidade desse discurso. Com o exposto, podemos perceber que Aristóteles, preocupado com as formas de prescrever as formas de dizer, organiza os gêneros de acordo com a categoria dos ouvintes do discurso, a funcionalidade do discurso e a sua temporalidade. Segundo Marcuschi (2008), “a visão de Aristóteles sobre as estratégias e estruturas dos gêneros foi desenvolvida amplamente na Idade Média”. (p.148) O conceito de gênero, normalmente associado aos estudos literários, é redimensionado com o advento dos estudos de Bakhtin, quando o gênero passou a ter relação com a comunicação oral e escrita. Ou seja, a concepção de gênero, agora, estava mais articulada às regularidades linguísticas e substanciais e às esferas das atividades humanas, numa perspectiva social e cultural da língua em uso. Por essa razão, a teoria bakhtiniana constitui um marco para os estudos sobre gêneros. Para Bakhtin (2000), a utilização da língua se materializa em forma de enunciado, ou seja, o complexo ato de comunicação se organiza e se agrupa por condições especiais de atuação e por objetivos específicos em cada esfera da atividade humana, dando origem, conseqüentemente, aos gêneros do discurso. De acordo com a sua definição, os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados, elaborados nas diferentes esferas sociais de utilização da língua. Esses enunciados produzidos pela atividade humana refletem: 24 as condições específicas e as finalidade de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – , mas também , e sobretudo, por sua construção composicional. (BAKTHIN, 2000, p. 279) Em sua teoria, Bakhtin (2000) faz uma análise sobre o estudo dos gêneros, a começar pelos gêneros literários. De acordo com o autor, estes gêneros foram os mais estudados, ocorrendo desde a idade antiga à contemporaneidade: os gêneros literários [...] sempre foram estudados pelo ângulo artísticoliterário de sua especificidade, das distinções diferenciais intergenéricas (nos limites da literatura), e não enquanto tipos particulares de enunciados, com os quais contudo têm em comum a natureza verbal (lingüística). (p. 280) Em seguida, foram estudados os gêneros retóricos. Quanto a estes, o autor ressalta: dava-se pelo menos maior atenção à natureza verbal do enunciado, a seus princípios constitutivos tais como: a relação com o ouvinte e a influência deste sobre o enunciado, a conclusão verbal peculiar ao enunciado (diferente da conclusão do pensamento), etc. A especificidade dos gêneros retóricos (jurídicos, políticos) encobria porém a natureza lingüística do enunciado. (p. 280) Por último, o autor ressalta os estudos dos gêneros do discurso no cotidiano, sobretudo, a réplica do diálogo cotidiano. Destaca, ainda, que não foi possível formular uma definição correta da natureza linguística do enunciado, uma vez que o mesmo “se limitava a pôr em evidência a especificidade do discurso cotidiano oral, operando no mais das vezes com enunciados deliberadamente primitivos (os behavioristas americanos).” (BAKTHIN, 2000, p. 281) Para Bakhtin, o enunciado é de natureza social, ou seja, um produto sócio-histórico resultado da interação comunicativa humana dotada de produção de efeitos de sentidos entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto ideológico. Concebendo a língua como forma de interação social realizada por meio de enunciações, o referido autor ressalta que “o discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma” (p. 293). Na reflexão bakhtiniana, um enunciado deve ser analisado levando-se em conta sua orientação para o outro, uma vez que o sujeito é o elemento constitutivo do próprio ato de 25 produção da linguagem. O ouvinte é o co-enunciador do texto e desempenha um papel importante na construção do significado e da produção. Dessa forma, o discurso incorpora dois elementos, sendo determinado tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Nessa perspectiva, o gênero se constitui justamente como produto da interação de interlocutores, ou seja, todo discurso serve de expressão de um em relação ao outro. Trata-se do dialogismo interacional, que se constitui como um princípio do discurso. Segundo Bakhtin (2000), “o índice substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário.” (p.320). O destinatário assume um papel relevante no processo discursivo, uma vez que: Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e nem poderia, haver enunciado. As diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a diversidade dos gêneros do discurso. (p. 321) Na perspectiva bakhtiniana, o ouvinte está em constante sintonia com o locutor na elaboração do discurso, ou seja, o ouvinte que recebe e compreende a significação de um discurso adota, simultaneamente para com este discurso, uma atitude responsiva ativa. Os enunciados dos interlocutores se alternam, buscando a compreensão e acionam a todo instante a atitude responsiva ativa diante do que ouvem, construindo uma interlocução permanentemente viva. Trata-se de ouvir a voz do outro na elaboração do enunciado: Os outros, para quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real (e, com isso, real para mim), não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal. Logo de início, o locutor espera deles uma resposta, uma compreensão responsiva ativa. Todo enunciado se elabora como que para ir ao encontro dessa resposta. (BAKHTIN, 2000, p.320) Ainda segundo essa teoria, o próprio locutor também pressupõe a compreensão ativa responsiva. Na medida em que se elabora um discurso, ele espera “uma resposta, uma concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, etc." (p. 291). A ação responsiva exige uma participação ativa dos interlocutores. Como o outro está sempre presente nas formulações do autor e tem tanto a função de quem recebe, como também de quem permite ao locutor perceber o seu próprio enunciado, o enunciado geralmente é dirigido a um interlocutor 26 que não se limita a compreender o locutor. A totalidade acabada do enunciado proporciona a possibilidade de compreendê-lo de modo responsivo. A perspectiva dialógica de linguagem nos pressupostos bakhtinianos não perpassa apenas pela compreensão de que o diálogo se constrói entre dois ou mais interlocutores, mas também pelo entendimento de que os discursos mantêm diálogo com outros discursos. O próprio autor ressalta que: O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas podese compreender a palavra diálogo num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas como toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 1992, p.123) Ou seja, como a enunciação se concretiza dentro de um contexto histórico e ideológico, o diálogo é uma ação socialmente partilhada que implica interfaces entre outros discursos produzidos em tempos e locais diferentes. Nesse sentido, o texto não se configura tão somente como resposta a um contexto imediato, mas sim como produto social, tecido numa cadeia constitutiva de vozes de outros textos e/ou discursos. Na relação falante/ouvinte é produzida uma estrutura comunicativa que se configurará em formas padrões relativamente estáveis de um enunciado, que são os já denominados gêneros do discurso. Segundo Bakhtin, a comunicação verbal seria quase impossível se não existissem os gêneros do discurso. Nessa perspectiva, os gêneros compõem-se de três elementos principais. São eles: conteúdo temático (objetos, significações, o assunto de que vai tratar o enunciado em questão, gerados numa esfera discursiva com suas realidades sócioculturais), estilo (seleção lexical, estruturas frasais, gramatical) e construção composicional (relações, procedimentos, organização, estruturação e acabamento do texto, a estrutura formal). Mesmo variando em termos de extensão, conteúdo e estrutura, os enunciados conservam características comuns, daí serem considerados tipos relativamente estáveis. Ainda segundo o autor, existe uma variedade de gêneros, pois suas formas “são mais maleáveis, mais plásticas, e mais livres do que as formas da língua” (p. 302). Dessa forma, Bakhtin os distribui em dois grupos: gêneros primários, aqueles precedentes de situações de comunicação verbal espontânea e informal; gêneros secundários, aqueles que envolvem uma forma mais elaborada de linguagem, normalmente a escrita (mas não apenas), numa situação cultural mais complexa. O primeiro grupo provém das interações 27 face-a-face, se constituem em situações de comunicação da esfera cotidiana da linguagem e possui um caráter mais imediatista. Tendem a ser apropriados em situações mais assistemáticas de relações cotidianas informais e íntimas. Já o segundo faz parte do uso mais formal da linguagem e se integra a situações de comunicação de esferas mais complexas, tais como: romances, dramas, etc. Como aparecem em circunstâncias mais formais, o modo de apropriação desses gêneros não está mais relacionado a circunstâncias mais imediatas, mas sim implexo na formação dos discursos sociais mais amplos. Em outros termos, vinculados a uma compreensão histórica e ideológica, a apropriação dos gêneros secundários se associa às experiências de formações discursivas mais complexas, transfigurando-se do âmbito individual para formas discursivas presentes nas esferas da sociedade. No entanto, esses dois grupos não considerados dicotômicos, mas sim correlativos, uma vez que os gêneros secundários correspondem a uma interface dos gêneros primários. Segundo Bakhtin (2000), os gêneros secundários, em seu processo de formação, reelaboram os primários, perdendo assim suas características conjunturais imediatas. Assim, mesmo se diferenciando no grau de complexidade e no processo de elaboração, a matéria dos gêneros primários serve de instrumento de criação para os secundários. Dessa forma, é de extrema relevância “levar em consideração a diferença essencial existente entre o gênero do discurso primário (simples) e o gênero do discurso secundário (complexo)” (p. 281). Nesse sentido, os enunciados são utilizados em toda e qualquer atividade da esfera humana, seguindo uma organização e um agrupamento. Esses enunciados se caracterizam por condições próprias de atuação e por objetivos específicos e, sendo inúmeros, se realizam em gêneros de discurso. Dado o exposto, a concepção de gêneros do discurso, na teoria bakhtiniana, está vinculada a um produto sócio-histórico, como forma de interação social realizada por meio de enunciações. O gênero é visto como forma do enunciado que, de acordo com a esfera em que é produzido, adquire uma determinada estrutura suscetível a modificações. Desse modo, o gênero do discurso é um instrumento cultural que medeia uma atividade dialógica de caráter sócio-interativo e representa um conjunto de formas disponíveis no funcionamento da linguagem e comunicação de uma sociedade. Compartilhando da ideia bakhtiniana, Schneuwly e Dolz (2004) concebem o gênero como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares. Segundo os referidos autores: 28 há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador que age discursivamente (falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com a ajuda de um instrumento que aqui é o gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de textos. (p.26-27) Nessa perspectiva, os gêneros constituem-se como instrumentos que possibilitam ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo. Ainda, segundo os autores supracitados, para compreender melhor essa nova perspectiva sobre o gênero, faz-se necessário o conhecimento de três conceitos básicos que estão correlacionados: práticas de linguagem, atividades de linguagem e gêneros de linguagem. As práticas de linguagem dizem respeito às particularidades do funcionamento da língua em todas suas dimensões (sociais, cognitivas e linguísticas) em relação às práticas sociais. Sua natureza é heterogênea e seus papéis são dinâmicos e variáveis, ou seja, são organizadas e determinadas pelas formas de estruturação e distribuição das diversas situações sociais de produção do discurso. Trata-se de perceber que, num determinado contexto de produção e nas diversas finalidades comunicativas, os indivíduos estabelecem diversos tipos de interação e interlocução comunicativa. Para compreender a linguagem como interação humana, dotada de efeitos de sentidos, numa determinada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico, faz-se necessário “analisar as diferenciações e variações, em função de sistemas de categorizações sociais à disposição dos sujeitos observados”. (p. 73) Nas práticas de linguagem, é importante analisar as relações sociais e os papéis sociais desempenhados pelas pessoas na interlocução, observando a esfera comunicativa, participante, tema, intenção, lugar e modalidade da língua, pois elas “fornecem um ponto de vista contextual e social das experiências humanas (e do funcionamento da linguagem)” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p.72) Já as atividades de linguagem são estruturas do comportamento e funcionam como conexões, ou seja, elas permitem a interação entre o sujeito e o meio e estão articuladas com um motivo geral de comunicação. Originam-se sempre de situações de comunicação e são determinadas pelas práticas sociais. Essas atividades podem ser decompostas em ações, que proporcionarão ao sujeito o desenvolvimento de diversas capacidades. São elas: adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e dominar as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas (capacidades lingüístico-discursivas). (p. 74) 29 Dessa forma, as atividades de linguagem são responsáveis pelas possibilidades de participação e inserção dos indivíduos nas práticas sociais. Elas se constituem num ponto de vista psicológico dos mecanismos, uma vez que seu objetivo é “dar conta dos mecanismos de construção interna dessas experiências humanas (e do funcionamento da linguagem)” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p.72) Quanto aos gêneros de discurso, são eles os responsáveis pela apropriação das práticas de linguagem nas atividades dos aprendizes, uma vez que se constituem como um referencial para as produções orais e escritas e são considerados suporte de uma atividade de linguagem. Para tal, Schneuwly e Dolz (2004), retomando Bakhtin, como já explicitamos anteriormente, ressaltam três dimensões relevantes: 1) os conteúdos e os conhecimentos que se tornam divisíveis por meio dele; 2) os elementos das estruturas comunicativas e semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes ao gêneros; 3) as configurações específicas de unidades de linguagem, traços, principalmente, da posição enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de seqüências textuais e tipos discursivos que formam sua estrutura. (p.75) Nessa perspectiva, os gêneros são referenciais relevantes para a construção das práticas de linguagem, pois, além de intermediarem as atividades de linguagem, se integram a estas, servindo de suporte para os sujeitos. Segundo os autores supracitados, “do ponto de vista do uso e da aprendizagem, o gênero pode, assim, ser considerado um megainstrumento que fornece um suporte para a atividade, nas situações de comunicação, e uma referência para os aprendizes.” (p. 75) Assim, os gêneros como suporte na sala de aula exercem um papel indispensável, fazendo-se necessário fornecer aos alunos alguns instrumentos para uma progressão contínua. Em outros termos, isso implica um trabalho com gêneros articulados aos procedimentos didáticos. Depois de feitas as considerações acerca de definições e características dos gêneros segundo a concepção de Bakhtin e a perspectiva seguida por Schneuwly e Dolz, passaremos ao estudo da segunda dimensão: a relação entre letramento e gêneros discursivos. 30 1.2 Gêneros discursivos e letramento: tecendo conexões Com o intuito de fazer uma breve reflexão acerca da relação entre letramento e gêneros discursivos, discutiremos nesse item como o letramento está imbricado no trabalho com os gêneros. Ou seja, quais são os pontos de intersecções que podemos fazer na interrelação entre os conceitos de letramento(s) e gêneros discursivos. O termo letramento emergiu com a necessidade de se explicar algo mais amplo do que o domínio da tecnologia da leitura e da escrita. Nesse sentido, outra palavra precisaria dar suporte às novas demandas sociais que não exigia somente saber ler e escrever, mas sim fazer uso da leitura e da escrita nas práticas sociais. Os conceitos de analfabeto e alfabetismo até determinado contexto histórico eram suficientes para a sociedade, ou seja, a condição de apenas ler e escrever era suficiente para justificar a corrente do analfabetismo. Soares (2006), discutindo sobre o conceito de letramento, afirma que: Só recentemente passamos a enfrentar essa nova realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente – daí o recente surgimento do termo letramento (que, como já foi dito, vem se tornando de uso corrente , em detrimento do termo alfabetismo) (p.20) Nessa perspectiva, a aprendizagem da leitura e da escrita se vincula aos usos contextualizados que os indivíduos fazem da língua em seu caráter dialógico. Para discutir acerca das dimensões que envolvem os conceitos de letramento, Soares (2006) destaca que existem duas fundamentais: individual e social. A primeira dimensão remete às habilidades individuais, psicológicas e linguísticas que os sujeitos desenvolvem na sua relação com a leitura e a escrita. Entretanto, a autora supracitada ressalta que o letramento envolve os processos de leitura e escrita e que, apesar do princípio de complementaridade, são distintos e possuem peculiaridades. Segundo (2006): Não levar em conta a coexistência, no conceito de letramento, desses dois constituintes heterogêneos – leitura e escrita – torna-se ainda mais sério, se considerar que cada um desses constituintes é um conjunto de habilidades bastante diferentes, e não uma habilidade única. (p. 68) A autora citada problematiza, ainda, a questão de se definir as habilidades, capacidades e materiais que determinam o indivíduo como letrado ou não. Em outros termos, diante da diversidade de habilidades e capacidades cognitivas e metacognitivas que se 31 constituem a partir da escrita e da leitura, como poderíamos definir o letramento individual de uma pessoa? Trata-se de se considerar a variabilidade do termo letramento. Já na segunda dimensão, a social, o letramento se relaciona a um arquétipo de atividades sociais que requerem o uso da leitura e escrita. Ou seja, “não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é um conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social” (p.72). Para Soares (2006), a perspectiva social pode ser compreendida pela óptica progressista ou revolucionária. Na progressivista, o letramento é “definido como habilidades necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social” (SOARES, 2006, p. 72). Para tal, o conceito de letramento se vincula às demandas que surgem na sociedade, fazendo com que o sujeito possua habilidades e capacidades necessárias ao engajamento das atividades exigidas no contexto social em que está inserido. Assim, o letramento seria responsável por impulsionar “desenvolvimento cognitivo e econômico, mobilidade social, progresso profissional, cidadania” (SOARES, 2006, p. 74). Já na perspectiva radical, o letramento é conceituado como um conjunto de práticas tecidas socialmente que objetivam modificar as práticas desiguais, assentadas social e culturalmente. Nesse sentido, o letramento não “pode ser considerado um „instrumento‟ neutro a ser usado nas práticas sociais quando exigido.” (SOARES, 2006, p.74). Assim, considerar o letramento como elemento para uma conscientização, e, conseqüentemente, transformação das relações sociais e de poder ou interligado à forma como a leitura e escrita estão sendo ideadas e vivenciadas nos vários contextos sociais recai na problemática de se tentar formular um conceito único de letramento. Compartilhamos com Soares (2006) quando ressalta que “há diferentes conceitos de letramento, conceitos que variam segundo a necessidade e condições específicas de determinado momento histórico e de determinado estágio de desenvolvimento.” (p. 80). Nesse sentido, não podemos desconsiderar que os sujeitos fazem usos diversos da leitura e da escrita e estão imersos no meio letrado de um determinado contexto sócio-histórico e cultural. Como existe uma grande diversidade das atividades dos sujeitos que se relacionam com a leitura e a escrita e a heterogeneidade das sociedades, os estudos de Kleiman (1999) e Soares (2006) destacam o modelo ideológico de letramento proposto por Street (1984,1993) em oposição ao modelo autônomo. Para esse autor, o letramento não pode ser desvinculado dos contextos culturais e das relações ideológicas e de poder. Ou seja, “as práticas de letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas e, como tal, os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos contextos e instituições 32 em que ela foi adquirida.” (Street 1984, apud Kleiman 1999, p.21). Trata-se de se observar a multiplicidade das práticas de letramento e sua relação com as estruturas de poder de uma sociedade. Como podemos observar, não existe uma forma de ser letrado e nem um único conceito de letramento. Assim, o termo letramento não corresponde tão somente à aquisição da escrita, mas, sim, é resultante de um processo social, se constituindo num conjunto de práticas em que os indivíduos participam de forma significativa de eventos que envolvem os usos sociais da leitura e da escrita. Nesse sentido, considerando o caráter dialógico do letramento, poderíamos afirmar que, se as habilidades de leitura e de escrita são tecidas no contexto de práticas sociais, os usos dos gêneros discursivos são inerentes a todo evento de letramento. Em outros termos, os gêneros são elaborados nas diferentes esferas sociais de utilização da língua e não podem ser dissociados do(s) processo(s) de letramento(s) dos indivíduos. Os sujeitos participam intensamente de práticas de leitura e escrita e, conseqüentemente, fazem usos dos gêneros, pois a “comunicação verbal só é possível por algum gênero textual”. (MARCUSCHI, 2002, p.22). Assim, as pessoas fazem uso dos gêneros, sejam os mesmos de domínio mais privado como bilhetes, cartas pessoais, convites, ou de situações de produção mais públicas de interlocução, tais como assembléias, reportagens, seminários. Partindo do pressuposto de que os eventos de letramento estão intrinsecamente relacionados às práticas sociais expressivas dos usos da leitura e da escrita, o uso social da língua alude aos usos dos gêneros discursivos. Como já foi exposto no capítulo anterior, toda esfera de atividade humana produz tipos relativamente estáveis de enunciados que se constituem nos gêneros (cf. Bakthin, 2000), portanto, as formas como os sujeitos estabelecem suas relações com a leitura e a escrita refletem as condições específicas e finalidades de cada esfera comunicativa. Em outros termos, perpassam pelas intenções e propósitos dos interlocutores, por meio dos seguintes aspectos já discutidos neste trabalho: temático, estilo verbal e estrutura composicional. Dessa forma, a noção de gênero não se dissocia das formas discursivas que os indivíduos fazem imersos em sua cultura, seu contexto histórico e ideológico. Ou seja, suas diferentes experiências nas diferentes práticas e eventos sociais de leitura e escrita demandam do indivíduo maior ou menor uso de determinados gêneros discursivos, a utilização de determinados gêneros de acordo com a situação de interlocução, a necessidade de aprendizagem de gêneros que a cultura ou as demandas sociais suscitam, enfim, os múltiplos 33 modos que os fazem participar dos diversos eventos de letramento. Portanto, as situações de leitura e de escrita que os sujeitos vivenciam são usos de diferentes linguagens sociais que possuem extrema relação com os gêneros discursivos. 1.3 Contribuições dos estudos de gênero para o ensino da língua portuguesa Estudos recentes sobre a noção de gênero têm contribuído significativamente para a metodologia do ensino e da aprendizagem de línguas. Ou seja, os gêneros passaram a ser concebidos como grandes instrumentos, uma vez que se “os textos se manifestam sempre num ou outro gênero textual, um maior conhecimento do funcionamento do gênero é importante tanto para a produção como para a compreensão”. (MARCUSCHI, 2002, p.32) Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997) também sugerem um trabalho didático com base nos gêneros discursivos para favorecer o ensino de leitura e produção de textos orais e escritos: Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (p.23) Dentro dessa perspectiva, o conhecimento sobre determinados gêneros possibilita ao indivíduo atuar nas diversas situações de comunicação com as quais se depara. Como já foi exposto, o trabalho na escola com o reconhecimento dos gêneros, suas estruturas de sentido, temáticas e formais contribuem para o desenvolvimento das habilidades sócio-comunicativas dos estudantes. Nesse sentido, Bezerra (2002) ressalta que “o estudo de gêneros pode ter conseqüência positiva nas aulas de Português, pois leva em conta seus usos e funções numa situação comunicativa”. (p. 41) Discutindo sobre a importância de se trabalhar com os gêneros nas aulas de Língua Portuguesa, Schneuwly e Dolz (2004) ressaltam que, na escola, o papel do gênero se amplia, pois passa a ser considerado, ao mesmo tempo, um instrumento de comunicação e objeto de ensino/aprendizagem. Assim, os gêneros são introduzidos na escola sob uma decisão didática, passando a ter novos objetivos: primeiro, o aluno precisa aprender a dominar o gênero para, posteriormente, desenvolver capacidades que lhe possibilitem ultrapassar outros gêneros. Nesse sentido, a escola visa ao domínio do gênero pelo aluno como condição necessária ao 34 desenvolvimento de outras capacidades. Em outros termos, pensar sobre os gêneros numa óptica didática perpassa pela compreensão de se ter objetivos precisos no processo de aprendizagem que visem ao desenvolvimento das capacidades de linguagem dos alunos em práticas de referência. Para atender a tal finalidade, é relevante refletir quais gêneros discursivos precisam ser discutidos para contemplar as capacidades de linguagem diversas. Diante de uma infinidade de gêneros de diferentes esferas sociais, fazer com que os alunos ampliem suas capacidades de linguagem significa desenvolver habilidades variadas que os levem a perceber as finalidades discursivas em determinados contextos de interlocução. Isto é, desenvolver habilidades que objetivem a compreensão de um objeto de discurso de difícil entendimento por parte do interlocutor; persuadir, através do ponto de vista trazido pelo locutor para o discurso; expor um fato/acontecimento a alguém e/ou interagir com um ou mais de um elemento numa situação de interlocução; enfim, compreender que a seleção dos recursos linguísticos é feita com base nas representações sobre o tema, destinatário e a intenção enunciativa em questão. Entretanto, “é preciso refletir se essa nova prática está se construindo em favor da eficácia comunicativa ou é apenas um novo modismo com velhos pretextos” (BIASIRODRIGUES, 2002, p.50). Ou seja, diante de uma enorme quantidade de gêneros que circulam na sociedade, quais seriam, de fato, necessários a serem selecionados e explorados em sala de aula? Quais dimensões textuais podem ser enfatizadas para o trabalho com os gêneros que contemplem as diversas capacidades discursivas dos alunos? De fato, corroboramos com a ideia de que os gêneros devem ser trabalhados em sala de aula, tal como defende Bezerra (2002): Aceitando-se o conceito “gênero discursivo” ou “gênero textual”, o que se constata é que a lingüística aplicada, preocupada com o ensino de língua materna, defende a idéia de que se deve favorecer o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos e, para isto, os textos escritos e orais sejam objetos de estudo na escola (leitura, análise e produção). Assim, o gênero é fundamental na escola, visto que, segundo Schneuwly e Dolz (no prelo 1), é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares [...] (p.41) Assim, acreditamos que as mudanças nas concepções acerca do trabalho com os gêneros discursivos consistem numa oportunidade compreender a língua em seus usos, pois “nada do que fizermos lingüisticamente está fora de ser feito em algum gênero” (MARCUSCHI, 2002, p.35). No entanto, a inserção de um repertório variado de gêneros na 35 sala de aula não garante o desenvolvimento das competências discursivas e linguísticas dos alunos. Diante desse quadro, precisamos discutir sobre alguns aspectos que permeiam o ensino dos gêneros na escola, dentre eles, os critérios de seleção dos gêneros a serem trabalhados na escola, ou seja, se a escolha do gênero deve ser aleatória ou partir de critérios que contemplem diferentes gêneros de acordo com ano/série dos alunos, bem como se os focos característicos dos gêneros (composicionais, temáticos, estilo) podem ser direcionados para um trabalho didático, considerando as especificidades ano/série. Em outros termos, é necessário refletirmos sobre o direcionamento metodológico que os livros didáticos, as propostas curriculares ou professores oferecem aos alunos quando se trata de selecionar os gêneros discursivos para estudo em sala de aula. Para refletir sobre as questões supracitadas, podemos encontrar autores que defendem uma orientação para uma proposta curricular que contemple certos critérios para a escolha dos gêneros a serem trabalhados na escola. Dentre eles, destacamos os estudos de Schneuwly e Dolz (2004) que, preocupados em refletir acerca da função interativa da linguagem, produzida em diversos espaços discursivos e numa relação de dialogicidade, propõem uma seleção de diferentes textos baseada em agrupamento e progressão. Para se pensar o ensino dos gêneros, os referidos autores propõem um agrupamento desses gêneros de acordo com sua tipologia e capacidades de linguagem a serem desenvolvidas pelos alunos em cada ciclo/série: gêneros da ordem do narrar; da ordem do relatar, da ordem do expor, da ordem do argumentar e da ordem do descrever ações. Ainda segundo os autores supracitados, a aprendizagem da expressão oral e escrita é considerada como um conjunto de aprendizagens específicas de gêneros discursivos variados. Dessa forma, o ensino de cada agrupamento de gêneros exige reflexões sobre aspectos linguísticos, estruturais e interacionais. “Os tempos verbais, por exemplo, não são os mesmos quando se relata uma experiência vivida ou quando se escrevem instruções para a fabricação de um objeto.” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 120) Nessa perspectiva, os agrupamentos são tomados como base no processo de construção de progressões, pois, para que funcionem, é necessário que: “1. Correspondam às grandes finalidades sociais atribuídas ao ensino [...] 2. Retomem de modo flexível certas distinções tipológicas [...] 3. Sejam relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem implicadas no domínio dos gêneros agrupados.” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 121) 36 Com relação à progressão, propõe-se que seja pensada em forma de “espiral”. Ou seja, um mesmo gênero ou agrupamento de gêneros é inserido em diferentes ciclos/ séries do ensino fundamental, com objetivos cada vez mais complexos. Nesse sentido, os referidos autores ressaltam que, “levando-se em conta os objetivos de aprendizagem nos domínios das situações de comunicação, da organização global do texto e do emprego das unidades linguísticas, é possível elaborar uma progressão em cada um dos cinco agrupamentos de gêneros.” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 123). Em outros termos, em todos os anos escolares os alunos deveriam se deparar com textos pertencentes aos cinco agrupamentos. De acordo com Schneuwly e Dolz (2004), neste tipo de progressão “o que varia de um nível para o outro são os objetivos a serem atingidos em relação a cada gênero: as dimensões trabalhadas, a complexidade dos conteúdos e as exigências quanto ao tamanho e acabamento do texto.” (p. 124). Desse modo, na proposta dos autores supracitados, a inserção de determinado gênero numa perspectiva didática deve estar articulada a um processo de interlocução, agrupamento e progressão, o que implica uma reflexão ampla acerca da didatização dos gêneros. Assim, a inserção didática dos gêneros perpassa pela questão de que devemos ter objetivos precisos no processo de aprendizagem que visem o desenvolvimento das capacidades de linguagem dos alunos em práticas de referência. Schneuwly e Dolz (1997) defendem que “quanto mais precisa a definição das dimensões ensináveis de um gênero, mais ela facilitará a apropriação deste como instrumento e possibilitará o desenvolvimento das capacidades de linguagem diversas que a ele estão associadas”. (p.15) Em seus estudos, Suassuna (2008) problematiza a didatização dos gêneros na escola. De acordo com a autora, nas orientações dadas aos projetos de seus alunos na Disciplina de Prática de Ensino de Português, realizou o seguinte direcionamento: elaborar um projeto em torno de um gênero específico (ou mais de um) e contemplar atividades nos eixos de leitura, escrita e análise linguística em torno do gênero. Entretanto, durante o processo, as seguintes inquietações foram surgindo: a) quais gêneros escolher para uma determinada turma/série; b) se o estudo dos recursos lingüísticos devem estar atrelados aos gêneros, qual seria o melhor deles para estudar os fenômenos da ortografia, a acentuação gráfica, a formação de palavras; [...] (p.112) Com isso, percebemos a preocupação de pesquisadores quando se trata de selecionar gêneros como objeto de ensino. Suassuna (2008) ainda ressalta que: 37 Se por um lado não temos dúvidas que a teoria dos gêneros é bastante produtiva quando se tratar de ensinar a ler e escrever, e nos aproxima mais da linguagem em uso, por outro lado, não podemos encará-la como uma receita definitiva, modismo a ser seguido ou solução para os problemas educacionais que enfrentamos cotidianamente. (p.113) Por outro lado, a discussão acerca do trabalho com os gêneros implica também na compreensão de que, numa perspectiva didática, o gênero sofre uma transmutação em relação aos gêneros de referência (cf. Schneuwly e Dolz, 2004). Ou seja, para atender ao desdobramento de ser, ao mesmo tempo, objeto de ensino e instrumento de linguagem, eles, em geral, não estão em práticas de circulação idênticas às que ocorrem fora da escola. Tratase de ressaltar que a escola possui especificidade e dinâmica própria e contempla objetivos didáticos específicos. Embora não deva desconsiderar elementos sociodiscursivos e linguísticos produzidos nas práticas de referência. Ainda segundo a abordagem de Schneuwly e Dolz (2004), o fato de objetivar o domínio de alguns gêneros, pelos estudantes, consiste em uma tentativa de propor um suporte para que as pessoas possam aprender outros, tendo em vista que se pode “desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes” (p. 80). Portanto, para adaptar-se a esses novos objetivos e, por estar fora de seu meio de circulação social, o gênero sofrerá transformações que visam sua apropriação pelo aluno. Segundo Schneuwly e Dolz (2004), “o gênero trabalhado na escola é sempre uma variação do gênero de referência, construída numa dinâmica de ensino/aprendizagem.” (p. 81). Ou seja, esses autores defendem que na escola realizamos algumas seleções de quais propriedades dos gêneros discursivos ressaltar para os alunos e os modos como iremos fazêlo, que implicam, em maior ou menor distanciamento, das práticas sociais nas quais tais gêneros circulam. Na verdade, eles defendem que se faz necessário instrumentalizar os alunos para usos autênticos da linguagem, expondo-os a verdadeiras situações de comunicação, sem perdermos de vista a necessidade de reflexão sobre tais textos fora dessas situações de comunicação. Podemos encontrar outros autores que também propõem alguns princípios para o ensino dos gêneros na escola. Bonini (2003) também propõe que essa seleção perpasse pelos campos sociais em que os gêneros circulam. Seguindo essa perspectiva, segundo o próprio autor: a relação entre gênero e atividade social fica mais explícita, favorecendo, na perspectiva do aluno, uma apropriação mais consciente desses instrumentos 38 de linguagem e identificação das questões de identidade e poder relacionadas aos usos da linguagem. (p. 6-7) O autor supracitado discute que os critérios de escolha dos gêneros não devem ser aleatórios, ou seja, devem possuir princípios norteadores que assegurem o desenvolvimento das habilidades na perspectiva da linguagem em uso. Para tal, defende que, quanto aos alunos, os gêneros selecionados devem: i) possibilitar-lhe a construção de uma ação de linguagem até certo ponto condizente com sua realidade e com seus objetivos pessoais; ii) propiciarlhe uma comparação entre os recursos da linguagem que já usa e os que estão sendo apreendido, de modo a ampliar-lhe o conjunto de recursos da linguagem; e iii) estarem minimamente adequados às suas possibilidades de apreensão, suas vivências, gostos e ao seu grau de maturidade. (BONINI, 2001, p. 14) Ainda segundo Bonini (2003), partindo dos princípios acima citados, os textos a serem selecionados devem (1) propiciar uma ação social efetiva, (2) abarcar, em grau de complexidade crescente, o usual (cotidiano) e as variedades de experiências (da fala, estéticos, da impressa, eletrônicos) e (3) adequar-se à experiência vivencial do aluno; A partir das ideias do autor acima citado, observamos a preocupação em propor orientações mais consistentes quando se trata de eleger os gêneros como objeto de ensino. Trata-se de propor princípios e critérios para um trabalho mais sistemático que oportunize alargamento dos saberes dos alunos e desenvolvimento de suas capacidades linguísticodiscursivas. Nesse sentido, devemos observar em quais condições, seja em propostas de livros didáticos, de orientações prescritivas e/ou de professores, estão sendo oferecidas aos alunos o trabalho com os gêneros. Ou seja, dependendo dos aspectos ressaltados, as práticas com esse objeto de ensino podem estar ou não distanciadas de algumas práticas de usos de referências. Corroboramos, como vimos discutindo, com a ideia de que as mudanças nas concepções acerca do trabalho com os gêneros discursivos consistem numa oportunidade de se lidar com a língua em práticas de usos reais. No entanto, destacamos a relevância de saber quais características dos gêneros precisariam ser enfocadas durante as atividades para suscitar uma reflexão sobre esses objetos de ensino. Em outros termos, para desenvolver habilidades diversas que instrumentalizem os alunos em diversas práticas de leitura e escrita que ocorrem fora da escola, o trabalho numa perspectiva de gêneros precisa levar em consideração a 39 clareza de quais dimensões, sociodiscursivas e/ou composicionais precisam ser alvos de reflexão no gênero em estudo. Na discussão sobre as dimensões ensináveis de um gênero, destacamos Machado e Cristovão (2006) que defendem a construção de um modelo didático para o ensino/aprendizagem de gênero. Segundo essas autoras, esse modelo permite “a visualização das dimensões constitutivas do gênero e seleção das que podem ser ensinadas e das que são necessárias para um determinado nível de ensino.” (p.557). Ainda segundo as autoras supracitadas, na construção de modelos didáticos para o ensino dos gêneros, alguns elementos precisam ser considerados: a) características da situação de produção (quem é o emissor, em que papel social se encontra, a quem se dirige, em que papel se encontra a receptor, em que local é produzido, em qual instituição social se produz e circula, em que momento, em qual suporte, com qual objetivo, em que tipo de linguagem, qual é a atividade não-verbal a que se relaciona, qual o valor social que lhe é atribuído, etc); b) os conteúdos típicos do gênero; c) as diferentes formas de mobilizar esses conteúdos; d) a construção composicional característica do gênero, ou seja, o plano global mais comum que organiza seus conteúdos; e) o seu estilo particular, ou em outras palavras: - as configurações específicas de unidade de linguagem que constituem como traços de posição enunciativa do enunciador: (presença/ausência de pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa, dêiticos, tempos verbais, modalizadores, inserção se vozes); - as seqüências textuais e os tipos de discursos predominantes e subordinados que caracterizam o gênero; - as características dos mecanismos de coesão nominal e verbal; - as características dos mecanismos de conexão; - as características dos períodos; - as características lexicais. (MACHADO e CRISTOVÃO, 2006, p.258) Com o exposto, percebemos que as propostas de atividades devem estar articuladas com atividades com diferentes gêneros e destinatários, com foco nos elementos sociodiscursivos, temáticos e linguísticos dos gêneros. Com isso, as dimensões ensináveis de um determinado gênero em foco devem ter como objetivo principal direcionar os alunos para que estes aprendam a escolher o gênero adequado a cada situação comunicativa, sem esquecer que, numa perspectiva didática, os gêneros são instrumentos de comunicação e, ao mesmo tempo, objetos de ensino-aprendizagem. Dessa forma, é de extrema relevância oportunizar aos alunos um estudo sistemático acerca dos gêneros discursivos, tanto em função de seus elementos sociodiscursivos, quanto 40 suas características linguísticas. Em outros termos, a capacidade de mobilizar o conteúdo temático de um gênero e organizá-lo de maneira adequada, encandeando as várias sequências exigidas numa determinada situação de interlocução é uma das habilidades exigidas nas práticas reais de utilização da língua. Para tal desenvolvimento, faz-se necessário pensar quais dimensões precisam se enfatizadas no gênero, como já foi dito. Dependendo da maneira como o estudo dos gêneros é abordado, a inserção didática dos gêneros discursivos no ensino de língua portuguesa pode tornar o ensino dos gêneros apenas uma prescrição. Em outros termos, ao invés de suscitar nos alunos uma reflexão acerca dos gêneros, com foco em desenvolver habilidades discursivas e linguísticas, algumas propostas podem se distanciar do desenvolvimento de determinadas capacidades de linguagem. Segundo Rojo (2002): [...] quando se fala em tomar os gêneros, e não meramente os textos ou tipo de textos, como objeto de ensino, fala-se de constituir um sujeito capaz de atividades de linguagem que envolvem tanto as capacidade lingüísticas ou lingüístico-discursivas, como a capacidades propriamente discursivas, relacionadas à apreciação valorativa da situação comunicativa e como, também capacidades de ação em contexto. (p.39) Nesse sentido, no ambiente escolar, a inserção de determinado gênero deve estar articulada a um processo de interlocução, o que implica a realização de uma série de atividades planejadas que não são unidimensionais e nem disjuntas, mas recursivas e interdependentes. Ou seja, os modelos didáticos para planificar o ensino de gêneros precisam ser bem elaborados, sequenciados e possuir objetivos precisos na aprendizagem. Considerando que os gêneros se transformam constantemente por se constituírem em “fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultura e social” (MARCUSCHI, 2002, p.19), faz-se necessário refletir se o ensino dos gêneros deve ser guiado por modelos prototípicos ou por uma reflexão sistemática sobre seus elementos constitutivos. Assim, como os gêneros se constituem como práticas de linguagem e devem ser utilizados como instrumentos de mediação da estratégia de ensino e como material de trabalho para o ensino da textualidade, faz-se necessário observar se é preciso explicitar e/ou sistematizar os conhecimentos sobre o gênero ou se basta levar os alunos a ler e produzir diferentes gêneros para desenvolver as habilidades discursivas e linguísticas. Em sua pesquisa com três coleções de língua portuguesa e PCN, Biasi-Rodrigues (2002) aponta que: 41 Há lacunas teóricas e metodológicas que precisam ser preenchidas, nos parâmetros curriculares e nos livros didáticos, para que o ensino com base nos gêneros textuais/discursivos não se torne apenas mais um modismo, que só faça reproduzir novos artificialismos. (p.62) Assim, devemos ter uma determinada cautela quando nos propomos a trabalhar com os gêneros discursivos nas aulas de língua materna, uma vez que, dependendo do tratamento que se dá a esse objeto de ensino, poderemos cair no modismo sem reflexões mais aprofundadas acerca de suas características ou realmente fazer com que seja um instrumento que ajude aos alunos a se inserirem em diversas práticas discursivas da sociedade. Antunes (2002), ressaltando o caráter enriquecedor dos gêneros como orientador de ensino, destaca algumas reformulações necessárias que perpassam por essa perspectiva: a) a apreensão dos fatos “lingüístico-comunicativos” e não o estudo de “fatos-gramaticais, difusos, virtuais, descontextualizados [...] b) a apreensão de estratégias e procedimentos para promover-se a adequação e eficácia do texto, ou o ensino da língua com objetivo explicito e determinado de ampliar-se a competência dos sujeitos para produzirem e compreenderem textos [...] c) a consideração entre as operações de como esses procedimentos e essas estratégias refletem-se na superfície do texto [...] d) a correlação entre as operações de textualização e os aspectos pragmáticos da situação [...] e) a ampliação de perspectiva na compreensão do fenômeno lingüístico [...] (p.71) Trata-se de uma ruptura com os aspectos meramente formalistas da língua e suas implicações para o ensino de língua portuguesa. Quando se trata de considerar os gêneros como objeto de ensino, a relação entre língua e sociedade se estreita, uma vez que toda atividade verbal possui, em seu cerne, o caráter dialógico e vinculação com o contexto social. Antunes (2002) ainda destaca que, quando considerado o trabalho com gêneros no desenvolvimento das competências textuais e discursivas dos alunos, a perspectiva de trabalho com o texto, as habilidades a serem desenvolvidas e a perspectiva de trabalho com a língua se reformulam. Assim, tornar presumível que: a) o texto – suas regularidades, suas normas, suas convenções de ocorrência - passem a ser o objeto de estudo das aula de língua [...]; b) os textos assumam sua dimensão concreta, particular, enquanto unidades, e sua dimensão de realização típica, enquanto se identificam como sendo um determinado gênero; c) as regras lingüísticas ganhem seu caráter de funcionalidade, uma vez que são definidas de acordo com as particularidade de cada gênero; d) as habilidades propostas, tanto para fala como para escrita, contemplem a variedade de textos [...] 42 e) as dificuldades de produção e recepção dos textos sejam atendidas e, progressivamente, superadas; a familiaridade dos alunos com a diversidade de gêneros deixa-os aptos a perceberem e a internalizarem as regularidade típicas desses gêneros; f) a língua virtual [...] ceda lugar à língua que é atuação dos sujeitos falantes [...] (p.72 ) Com base nesses pressupostos, a autora supracitada propõe uma grade programática em que, em cada unidade, um gênero poderia ser o ponto nuclear de objeto de análise para o ensino de língua portuguesa, considerando os eixos leitura, escrita, fala e análise lingüística. (cf. ANTUNES, 2002. p.73). Não se trata de eleger um único gênero a ser trabalhado por unidade, mas sim de selecionar alguns para estudos mais sistemáticos. Seguindo essa perspectiva, no final do ano letivo, o aluno “teria oportunidade de ampliar largamente o seu saber acerca de como se compreendem, se dizem e se escrevem diferentes gêneros de texto, certamente aqueles mais relevantes, de acordo com as exigências culturais do lugar e do momento”. (ANTUNES, 2002, p.73) Com suas ideias, podemos observar a preocupação não só de se eleger o gênero como objeto de ensino, mas de indicar algumas alternativas que oportunizem estudos mais sistemáticos acerca dos mesmos. Dado o que foi discutido neste capítulo, os instrumentos com os quais a sociedade legitima suas práticas discursivas e atua nos diversos domínios da atividade humana são os gêneros. Portanto, o gênero, como ferramenta de trabalho na escola para o desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas, merece uma reflexão especial. Assim, as questões didáticas e pedagógicas perpassam pela reflexão de que considerar a diversidade não significa escolher, como objeto de estudo, todos os gêneros, nem ensiná-los todos de uma vez, como também tornar o ensino dos gêneros como uma prescrição a ser seguida. Dessa forma, se faz necessário considerar uma reflexão acerca da seleção, critérios e princípios para o trabalho com os gêneros, objetivando o alargamento das atividades verbais e enunciativas das pessoas, pautada na perspectiva de estudo da língua como manifestação concreta e as suas considerações sobre contextos de produção e recepção e respectivas finalidades sociais. Tais reflexões serão retomadas posteriormente nesse estudo. No entanto, no capítulo a seguir, teceremos breves considerações acerca correntes teóricas sobre currículo. Posteriormente, discutiremos algumas das orientações nacionais para elaboração de currículos com base em documentos que orientam tal aspecto. Em seguida, faremos relações entre as concepções de língua e algumas implicações para o ensino da linguagem, momento em que as reflexões sobre o trabalho com gêneros será retomado. Por fim, faremos apreciações sobre o ensino de língua portuguesa em alguns currículos de Pernambuco dos séculos XIX e XX a 43 fim de refletir sobre as concepções que permearam tais propostas em diferentes contextos históricos. 44 . Capítulo 2 Currículo e ensino da língua portuguesa A reflexão acerca de currículo sempre consistiu numa preocupação de vários teóricos, uma vez que se trata de um construto representativo de concepções e subjetividades dos sujeitos num determinado contexto histórico. Afinal, o que significa interpretar as concepções de currículo e suas implicações para o ensino da língua? Toda proposta curricular está ancorada em visões acerca do homem, sociedade e conhecimento, assumindo, portanto, um caráter político, ideológico e filosófico. Nesse capítulo, procuraremos discutir, de forma mais geral, sobre algumas correntes tecidas historicamente acerca das teorias de currículo. Trata-se de um breve debate sobre como os currículos são abordados nas teorias tradicionais, críticas e pós-críticas. Logo em seguida, sentimos a necessidade de fazer um resgate das principais prescrições de textos oficiais brasileiros para a elaboração de propostas curriculares. Destacamos, nesse item, elementos relevantes orientados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e o documento “Indagações sobre o Currículo”. Posteriormente, faremos algumas considerações de conceitos indispensáveis sobre concepções de linguagem que permearam o ensino de Língua Portuguesa no Brasil, bem como algumas implicações para o currículo. Para tal, faremos um entrelace entre concepções de linguagem, ensino de Língua Portuguesa e implicações para as propostas curriculares. Por fim, discutiremos como o ensino de língua portuguesa estava sendo concebido em documentos oficiais do século XIX e XX. Trata-se de tentar fazer uma breve reflexão de como as concepções acerca de língua e linguagem se materializam nas diversas propostas curriculares do estado de Pernambuco em diferentes contextos históricos. 2.1 Breve reflexão sobre as concepções de currículo O currículo reflete várias interpretações nas relações pedagógicas. Dentre elas, Moreira (2003) destaca que, no vocabulário pedagógico, a palavra currículo assume dois sentidos mais usuais: 45 [...] No primeiro sentido, que também é visto ao longo dos tempos, o currículo é visto como conhecimento tratado pedagógica e didaticamente pela escola e aplicado pelo aluno. Para os que adotam essa concepção, as seguintes perguntas tornam-se básicas: O que deve um currículo conter? Como organizar esse conteúdo? A segunda concepção [...] Currículo passa a significar um conjunto de experiências a serem vividas pelo estudante sob a orientação da escola. Constituem perguntas centrais nessa abordagem: Como selecionar as experiências e aprendizagem a serem oferecidas? Como organizá-las relacionando-as aos interesses e desenvolvimento do estudante? (MOREIRA, 2003, p.12) De um lado ou de outro, podemos afirmar que currículo é um produto históricocultural, que se constitui como um instrumento contemporâneo norteador das práticas institucionais, com efeitos relativos ao desenvolvimento do indivíduo/cidadão. Ao longo da história, as concepções de currículo se modificaram, como resultado de mudanças sociais, políticas e econômicas das diferentes épocas. Desse modo, não podemos dissociar os estudos teóricos sobre as propostas curriculares das reflexões sobre as múltiplas determinações da realidade em que o processo curricular se insere, articuladas a reflexões acerca do projeto de homem e de sociedade de determinados momentos históricos. Nesse sentido, as ideias sobre currículo podem ser classificadas em dois tipos: (1) as concepções tradicionais, baseadas nos princípios da racionalização, que se preocupam com questões de organização (2) as concepções críticas e pós-críticas, preocupadas com a articulação entre saber, poder e identidade. Segundo Silva (2005), é “a questão do poder que vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo” (p.16) As teorias tradicionais interpretam o currículo como instrumento de natureza técnica, afastado dos processos sociais e com caráter de prescrição e formalidade. O campo sobre currículo é marcado com os estudos de Bobbitt (1918, apud Silva, 2005, p.24) que, visando atender a uma demanda por uma educação de massas, propunha que o sistema educacional deveria funcionar de acordo com os princípios da administração científica proposto por Taylor. O currículo, então, teria como finalidade central prescrever as habilidades necessárias para as diversas funções, o planejamento e elaboração de instrumentos de medição. As ideias de organização e desenvolvimento propostos por Taylor (1949, apud Silva, 2005, p.25) também influenciaram os estudos sobre currículo que buscavam responder a quatro questões básicas: 1. que objetivos educacionais a escola quer atingir?; 2. que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar 46 esse propósitos?; 3. como organizar eficientemente essas experiências?; 4. como podemos ter certeza que esses objetivos estão sendo alcançados? (p.25) Dado o exposto, percebemos que o foco principal nas discussões remete às regras de formulação dos objetivos, bem como seleção, ordenação e hierarquização dos itens do currículo. Em outros termos, os objetivos prescritivos tornam-se objetos centrais no processo educacional. Segundo Moreira (2003), a ênfase deslocava-se “ora para as prescrições (de conteúdo e atividades), isto é, para o documento escrito, ora para o processo, ou seja, para prática escolar efetiva.” (p.13) Nas décadas de 1960 e 1970, houve reações contra as simplificações das teorias prescritivas, com o surgimento de abordagens mais críticas das questões curriculares, ou seja, os fundamentos das teorias tradicionais são invertidos. Nesse contexto histórico, as teorias se voltavam para entender o chamado currículo oculto e caracterizava-se como referencial conceptual crítico por tratar o conhecimento como produto sócio-cultural dotado de múltiplas interpretações da realidade em que todo processo curricular está imerso. A preocupação consistia em analisar como o discurso implícito na materialização das propostas curriculares está vinculado às concepções de poder social, econômico e de ideologias dominantes. Segundo Aplle (1990), o currículo precisava ser refletido nos seguintes aspectos: “De quem é esse conhecimento? Quem o selecionou? Por que se encontra organizado e transmitido dessa forma?” (p.29) Em outros termos, as teorias críticas estavam voltadas à compreensão de como o currículo atua na sociedade que, segundo Silva (2005), “condensa uma preocupação sociológica permanente com os processos „invisíveis‟, com os processos que estão ocultos na compreensão comum que temos da vida cotidiana” (p.80). Nesse sentido, as contradições entre os conflitos e as resistências assumem um papel relevante numa visão mais ampla e complexa. Nas décadas de 1980 e 1990, vem à tona todo um aprofundamento entre currículo e as relações de poder na sociedade, enfatizando como esse produto sócio-histórico é “passível de ser concebido e interpretado como um todo significativo, como um texto, como um instrumento privilegiado de construção de identidades e subjetividades” (Moreira, 2003, p.15). Trata-se de centrar o lócus do debate no processo cultural, questionando-se os sentidos uniformizadores, estáticos, individualistas que se materializam no currículo, como também incorporar discussões acerca de etnia, raça, gênero, classe e sexo nas suas relações com a cultura. Nesse sentido, o conhecimento é considerado parte inerente do poder. Segundo Silva (2005), nas teorias pós-críticas, “o mapa do poder é ampliado para incluir os processos de 47 dominação centrados na raça, etnia, no gênero e na sexualidade” (p.149). O currículo é permeado por significações sociais do conhecimento em que os indivíduos, a partir de suas experiências, também produzem espaços culturais e intersubjetivos. Segundo Moreira (2003), essa visão de currículo sugere: representações, codificadas de forma complexa nos documentos, a partir de interesses, disputas e alianças, e decodificadas nas escolas, também de modo complexo, pelos indivíduos nelas presentes. Sugere, ainda, a visão do currículo como campo de lutas e conflitos em torno de símbolos e significados. (p.15) Com as ideias acima expostas, percebemos que, para analisar o currículo na área de linguagem, precisamos reconhecer as conexões históricas entre as concepções de currículo, bem como refletir sobre os significados ideológicos, de poder e de cultura hegemônica presentes nos documentos oficiais que selecionam os saberes e habilidades necessários para a vida na sociedade. A questão conflitante concretiza-se no seguinte questionamento: Quais os conhecimentos que são considerados válidos na sociedade contemporânea? Na tentativa de discutir a dinâmica social, política e cultural no processo de elaboração de currículos, vários documentos oficiais são elaborado com o objetivo de reorientar ou refletir sobre as propostas curriculares. É sobre esse aspecto que discutiremos a seguir, ou seja, verificaremos o que os documentos nacionais mais recentes estão discutindo sobre currículo. 2.2 O que dizem os textos prefigurativos3 nacionais para a elaboração de currículos? A elaboração de uma proposta curricular pressupõe um amplo debate sobre concepções de sujeito, sociedade, cultura, relações de poder e construção de subjetividades. Como nesse trabalho iremos investigar o que propõe a Base Curricular Comum de Pernambuco para ensino de Língua Portuguesa, ressaltamos a relevância de discutir o que dizem as orientações oficiais de ensino para o processo de elaboração do currículo. No cenário brasileiro, dispomos de documentos oficiais de ensino, elaborados em meio a lutas e contestações, que têm como finalidade nortear a preparação dos currículos nas escolas. Dentre eles, destacamos as Diretrizes Curriculares Nacionais (doravante DCN) que: 3 Textos prefigurativos podem ser compreendidos como os textos oficiais de orientação do ensino, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo. (cf. Cordeiro, 2007, p. 73) 48 constituem-se na doutrina sobre Princípios, Fundamentos e Procedimentos da Educação Básica, definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos diversos sistemas de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. (BRASIL, 1998, Art. 2º, p.48) Assim, as DCN, previstas na LDB nº9394/96 – art.26º, estabelecem diretrizes que orientam a educação brasileira em suas várias modalidades. Trata-se de uma política curricular que define eixos estruturantes para as escolas brasileiras. Ou seja, os planejamentos curriculares devem estar articulados com as Diretrizes Curriculares Nacionais embasados em princípios, fundamentos epistemológicos que visem ao "pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". (BRASIL, 1998, p. 6) Nesse sentido, um dos aspectos abordados nesse documento oficial se relaciona a elaboração de uma Base Comum Nacional que objetive “legitimar a unidade e a qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional” (Art. 3º inciso IV,p.48). Destaca também que essa base deve comportar uma parte diversificada a ser construída na proposta pedagógica e no regimento de cada unidade escolar no país com o objetivo de “enriquecer e complementar a Base Nacional Comum, propiciando, de maneira específica, a introdução de projeto e atividades do interesse de suas comunidades.” (Art. 3º, inciso VI, p.48). Como podemos perceber, esse dispositivo legal tem como finalidade orientar a formulação de currículos que estabeleçam relações entre aspectos educacionais e a vida cidadã. Em outros termos, se direciona a todos aqueles que, de forma direta ou indireta, estão implicados na preparação, efetivação e avaliação de currículos, programas e planos institucionais no que diz respeito à formação para cidadania. Com a preocupação de refletir sobre o desenvolvimento do currículo, o Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado à Secretaria de Educação Básica, com a colaboração de profissionais indicados pelo Consed, Undime e as diversas secretarias do MEC, elaborou um documento intitulado “Indagações sobre o Currículo”. Esse tem como principal finalidade “deflagrar, em âmbito nacional, um processo de debate, nas escolas e nos sistemas de ensino, sobre a concepção de currículo e seu processo de elaboração.” (BRASIL, 2006, p.7) Nessa perspectiva, a discussão no documento supracitado está organizada em torno de eixos, são eles: Currículo e Desenvolvimento Humano; “ Os Educandos, seus Direitos e o Currículo; Currículo, Conhecimento e Cultura; Currículo e Avaliação. Com essa estruturação, o documento ressalta que não pretende esgotar as possibilidades de reflexões nessas 49 publicações, mas sim se propor a “trabalhar concepções educacionais e a responder às questões postas pelos coletivos das escolas e das Redes, a refletir sobre elas, a buscar seus significados na perspectiva da reorientação do currículo e das práticas educativas”. ( p.9) No texto “Currículo e Desenvolvimento Humano”, a autora Lima (2006) tece considerações sobre como o currículo representa um instrumento de formação humana. Para fomentar o debate, a mesma aponta que os conhecimentos oriundos da neurociência, antropologia e linguística são relevantes para compreender os desafios de uma escola que promova a formação humana e ampliação de experiências. Ainda nesse documento, são abordadas questões referentes ao desenvolvimento humano sob as perspectivas biológica e cultural e a relação entre currículo e as aprendizagens escolares. Já em relação ao título “Os educandos, seus direitos e o currículo”, o autor Arroyo (2006) problematiza questões referentes acerca de como a dinâmica da organização curricular afeta a organização do trabalho docente e o trabalho dos educandos. O texto também fornece reflexões, principalmente, de como repensar e reinventar um currículo a partir das sensibilidades para com os educandos e na concepção de sujeitos de direitos ao conhecimento. Ressaltamos, ainda, que, para provocar a discussão, o autor destaca a necessidade de rever as concepções mercantilizadas sobre o currículo, conhecimento e os sujeitos do processo educativo. No que concerne ao texto “Currículo, Conhecimento e Cultura”, os autores, Moreira e Candau (2006) proporcionam reflexões sobre as relações conflituosas entre currículo e cultura. Antes de adentrar nesse debate, destacam a relevância de que, para a própria compreensão do processo pedagógico, se faz necessário problematizar o que se entende por conhecimento escolar. Verificamos, ainda, que os autores supracitados, além de inserirem debates sobre o conceito de cultura e diversidade e relações com o currículo, apontam princípios para a construção de currículos multiculturamente orientados. Por último, podemos encontrar no documento, o texto intitulado “Currículo e Avaliação” dos autores Fernandes e Freitas (2006). Nesse, de forma geral, a discussão se volta para os aspectos da avaliação escolar. Para fomentar o debate, os autores tecem considerações sobre a relação entre avaliação e o papel da educação, concepção de avaliação, as práticas de avaliação das aprendizagens, dentre outros. Destacam, principalmente, a extrema necessidade de refletir sobre a concepção de avaliação que privilegia a aprendizagem e o fato de os princípios avaliativos estarem articulados com a função que a educação assume na sociedade. Com base na leitura dos textos que compõem o documento, podemos perceber que vários autores se preocupam em ressaltar que o currículo é constituído num campo de lutas e 50 forças que estão se entrecruzando na sociedade, mas ao mesmo tempo é um instrumento que possibilita acesso aos conhecimentos sistematizados construídos pela humanidade. Vale destacar que, de forma não consensual, os teóricos dos textos procuram problematizar como a relação entre conhecimento, desenvolvimento humano, cultura, diversidade, avaliação são elementos importantes a serem discutidos na elaboração de um currículo. Na discussão acerca de currículo e desenvolvimento humano, por exemplo, Lima (2006) ressalta que: o conhecimento torna-se não somente uma aquisição individual, mas uma possibilidade de desenvolvimento da pessoa que terá reflexos na vida em sociedade. Formar a pessoa para situar-se, inclusive, como membro de um grupo passa a ser, também, um objetivo de uma educação escolar voltada para a humanização. (p.21) Trata-se de defender que o conhecimento é um elemento importante para a sociedade e se constitui como bem público que pode ser socializado através do currículo. Os artigos que compõem o documento convergem “para o desenvolvimento humano dos sujeitos do processo educativo e procuram dialogar com a prática desse processo” (BRASIL, 2006, p.10) Nesse sentido, os textos que compõem o documento “Indagações sobre o Currículo” objetivam contribuir para uma ampla discussão acerca dos significados implícitos de um currículo, uma vez que sua materialização perpassa por escolhas e seleções que se situam no âmbito da dinâmica social, seus jogos de conflitos e interesses. Assim, ressaltamos a importância de observarmos os significados implícitos nas propostas curriculares, como também tentar interpretar as concepções subjacentes ao seu processo de elaboração. Podemos, ainda, encontrar reflexões a serem discutidas na preparação de propostas curriculares nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Discutido em âmbito nacional, esse documento se configura como “uma referência curricular comum para todo o país, ao mesmo tempo em que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal com a Educação, busca garantir, também, o respeito à diversidade [...]” (p.36) Portanto, observamos, tal como nos documentos acima discutidos, que o sentido de unidade no documento não é de uniformidade, mas sim de respeito às diversidades com as adaptações necessárias às práticas educacionais. O documento destaca que, considerando a organização do sistema educacional brasileiro, se faz necessário relacionar a natureza do PCN a quatro níveis de concretização: 51 (1) curricular, se constituindo numa referência nacional para ensino fundamental que tem como finalidade principal subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios; (p.36) (2) nas propostas curriculares dos Estados e Municípios, em que pode ser utilizado como um material de suporte para adaptações de propostas já existentes ou norteador para elaboração de novos currículos; (p.37) (3) nas instituições escolares que, de acordo com seu projeto educativo, poderão utilizá-lo na elaboração de suas propostas; (p. 37) (4) e, por fim, nos momentos da programação das atividades de ensino e aprendizagem na sala de aula. (p.38) Com os trechos acima citados, percebemos a preocupação do PCN em articular sua natureza aos âmbitos nacional, estadual, municipal e, ainda, às especificidades de cada instituição escolar e atividades de ensino. Ou seja, observamos a intenção do documento em se configurar num suporte orientador de propostas curriculares diversas, destacando que a autonomia na adoção e interpretação é de fundamental importância para o atendimento às diversas realidades. Com o que foi discutido nesse tópico, observamos que os textos prefigurativos nacionais, elaborados num campo conflituoso de olhares, se constituem em fontes relevantes a serem discutidas nos processos de elaboração de currículos. Trata-se de atribuir aos mesmos o caráter dinâmico nas quais elementos como saberes, organização educacional, princípios, pressupostos teóricos e metodológicos, dentre outros, são alvos constantes de reflexão associados às necessidades suscitadas pela sociedade e pelo contexto histórico. A esse respeito, Marinho (1998) destaca: As prescrições governamentais sobre currículo representam, no entanto, importante acervo a ser levado em conta quando se procura entender as tendências que têm predominado no conteúdo veiculado pela escola. De algum modo, essas prescrições procuram responder às demandas feitas à escola por parte da sociedade em faces às transformações sociais, culturais e econômicas pelas quais esta tem passado. Além de veicularem certos valores compartilhados, as orientações curriculares constituem também instrumentos legitimadores de saberes e atitudes capazes de referendar interesses de grupos e segmentos que disputam a hegemonia na área. (p.2) Dessa forma, compartilhando com a ideia de que um currículo traz em si significações acerca dos conhecimentos necessários para a sociedade, precisamos realizar uma breve análise das concepções sobre linguagem e suas influências no ensino da língua materna, bem como as implicações dessas nas elaborações dos currículos de Língua Portuguesa. Ou seja, no tópico a seguir, discutiremos como as várias concepções materializadas acerca do ensino de 52 Língua Materna foram tecidas historicamente e como as propostas curriculares refletem acepções do contexto de sua elaboração. 3.3 Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: algumas implicações para as propostas curriculares Na perspectiva de se discutir os significados que as propostas curriculares trazem em seu cerne, discutiremos, neste subitem, as principais concepções acerca da linguagem e do ensino de língua portuguesa que tem permeado o ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Ao discorrer sobre as concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa, Soares (1998) ressalta que há diversas perspectivas a partir das quais podemos fazer uma reflexão sobre o ensino: a perspectiva da própria ciência, ou então as perspectivas psicológica, política, social, cultural e histórica (p.53). No presente tópico, destacamos a perspectiva sóciohistórica, cuja finalidade é realizar uma visão geral sobre como o saber escolar, especificamente, o ensino da língua materna, foi se constituindo ao longo da história. Isso não significa afirmar que as outras perspectivas são irrelevantes. Dentre as concepções de linguagem que permearam o ensino de língua portuguesa ao longo do tempo, destacamos três correntes distintas: linguagem com expressão do pensamento, instrumento de comunicação e processo de interação. A primeira concepção parte do pressuposto de que a capacidade de se expressar bem depende da organização do pensamento, ou seja, o desenvolvimento da retórica está articulado à forma como a linguagem se organiza e se estrutura na mente. Segundo Travaglia (1996), “presume-se que há regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e, conseqüentemente, da linguagem. São elas que se constituem nas normas do falar e escrever „bem‟, [...]”. (p.21) Essa concepção perdurou até meados dos anos 60, quando o ensino de português estava direcionado ao ensino da gramática4. Segundo Soares (1998), “a língua era estudada na escola sob a forma das disciplinas Gramática, Retórica e Poética" (p.55). Nesse contexto, a gramática possuía um papel de destaque, uma vez que o ensino estava direcionado ao desenvolvimento de falar e escrever bem, de acordo com os recursos estilísticos da poética. Louzada (1997), discutindo a articulação entre língua e literatura na perspectiva do currículo, destaca que no ensino de português: 4 A Língua Portuguesa ou Português, como disciplina escolar, só surge nas últimas décadas do século XIX. (Cf. Soares: 1998,55) 53 o foco era na língua, vale dizer na gramática normativa; da literatura extraíase bons exemplos a serem seguidos e as exceções virtuosas. Daí, advém, talvez, a concepção bastante arraigada de que ensinar a língua é ensinar normas de bom comportamento lingüístico; saber a língua equivale a deter o conhecimento de suas regras e exceções. (p.47) Na segunda perspectiva, da linguagem como instrumento de comunicação, acredita-se que os indivíduos utilizam a língua para transmitir e compreender informações, ou seja, o desenvolvimento das capacidades está direcionado ao entendimento do enunciado. A língua, por sua vez, é compreendida como ato social voltado para três aspectos: mensagem, emissor e receptor. Segundo Travaglia (1996): a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir mensagens, informações de um emissor a um receptor. Esse código deve ser dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser efetivada. (p.22) O ensino da língua como teoria da comunicação estava articulado às mudanças sóciopolíticas no Brasil, dentre elas: o acesso das classes populares à escolarização, que levanta questões relacionadas aos padrões culturais de prestígio e variantes linguísticas diferentes da norma culta, como também o desenvolvimento do capitalismo atrelado à expansão industrial, que atribui um papel diferenciado à escola: a qualificação para o trabalho (cf. Soares, 1998, p. 56). Os dois aspectos acima citados incidiram em reformulações no ensino da língua, agora mais instrumental e utilitário. Segundo Soares (1998): o ensino-aprendizagem da gramática e do texto, este considerado modelo da língua „bem escrita‟, perde sua proeminência; os objetivos são, agora, pragmáticos e utilitários: trata-se de desenvolver e aperfeiçoar os comportamentos do aluno como emissor-codificador e como recebedordecodificador de mensagens [...] (p.57) Nesse sentido, a ênfase recai no uso da língua como código que, seguindo regras específicas, desenvolve a competência comunicativa. É nesse contexto que a Teoria da Comunicação se amplia e “tenta construir um campo de estudos compatível com um momento de rica variedade de suportes de escrita e, portanto, de tipos de textos, principalmente combinando recursos verbais e não-verbais.” (MARINHO, 1998, p.48). Segundo Louzada (1997), no currículo, a disciplina passa a ser chamada Comunicação e Expressão, conforme a LDB/71, um dos objetivos prioritários era enfatizar a Língua Portuguesa como expressão da Cultura Brasileira para que o aluno entrasse em contato com seu próximo e com as expressões de sua personalidade. Ou seja, os objetivos de ensino se 54 voltavam ao desenvolvimento das capacidades comunicativas do “emissor” e “receptor”. Entretanto, apesar dos objetivos expressos através da disciplina acima supracitada, o realce no ensino da língua continuava sendo a gramática, no qual se valorizava a “estrutura das palavras e frases, deixando para uma etapa posterior a estrutura do discurso”. (Guias Curriculares para o ensino de 1º grau, 1997, p.5 apud Louzada 1997, p.49). A terceira concepção, língua como processo de interação, defende que a linguagem é lugar da interação humana, dotada de historicidade e ideologia, em que são considerados os fatores e condições de produção do discurso. Trata-se de ressaltar os efeitos de sentido produzidos pelos interlocutores num determinado contexto sócio-histórico. Bakthin (2000), um dos principais defensores dessa ideia, destaca que “o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana.” (p.261) Com a tessitura de um novo contexto na década de 80, os aspectos de redemocratização do país e o desenvolvimento de outras áreas de conhecimento (Linguística, Sociolinguística, Psicologia, Pragmática e Análise do Discurso), houve uma reformulação no ensino da língua baseada nas relações de contextos de produção e usos. Em outros termos, a acepção anterior da função do ensino de língua materna passa a ser questionada, bem como o foco da gramática nas situações didáticas. Esse olhar diferenciado concede um papel relevante ao ensino da leitura e da escrita, que passa agora a ter uma maior articulação com os contextos de produção e as práticas socioculturais, tal como ressalta Soares (1998): uma concepção que vê a língua como enunciação, discurso, não apenas como comunicação, que, portanto, inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização. (p59) Nesse cenário, a linguagem é vista como processo de interação, produzida em contextos de usos autênticos. Em outros termos, essa concepção: leva à consideração de que ao aluno se deve dar oportunidade de experimentar situações em que possa conviver e interagir com textos diversos, construídos sob diferentes propósitos, para interlocutores diferenciados, etc.. (LOUZADA, 1997, p.51) Com essa concepção, os objetivos para o ensino de língua materna são reformulados. Segundo Bagno (2009), trata-se de uma mudança de foco: da metalinguagem para operações com a linguagem 55 do conteúdo da frase solta para procedimentos textuais- discursivos para textos autênticos (p.167) Com o anseio de acompanhar as inovações dos saberes acadêmicos, as propostas curriculares recentes passaram a adotar a concepção geral de língua como prática social e de usos autênticos de textos orais ou escritos nos diversos eixos norteadores do ensino de língua materna: leitura, escrita, oralidade e análise linguística. Corroborando com tal discussão, estudos recentes como o de Leal, Brandão e Hiramine (2010), com o objetivo de investigar o tratamento dado às habilidades argumentativas nos em sete documentos curriculares brasileiros, observaram, dentre outros dados, a necessidade de se contemplar textos de diferentes gêneros para o ensino de língua materna. Ainda segundo as autoras, os gêneros mais citados nas propostas foram contos, lendas, histórias em quadrinhos, entrevistas, bilhetes, receitas culinárias, cartas e convites. No entanto, os modos como tal concepção geral se materializam revelam diferentes concepções específicas de língua e, sobretudo, de ensino da língua. Daí a necessidade de aprofundar as reflexões sobre tais documentos. Segundo Marinho e Carvalho (1996), “uma proposta curricular de língua portuguesa é um ponto de referência para nortear de forma implícita e explícita concepções de linguagem, de língua e de ensino e aprendizagem da prática escolar”. (p.42) Algumas pesquisas, como a citada acima, apontam que existe uma tendência dos documentos oficiais em tentar reformular algumas concepções acerca do ensino de língua portuguesa sempre buscando aproximarem-se das novas tendências contemporâneas dos estudos na área de linguagem. Nessa tentativa de romper com concepções anteriores acerca da linguagem, muitas vezes, as propostas curriculares apresentam incoerências entre embasamentos teóricos e orientações. Nessa perspectiva, Marinho e Carvalho (1996) destacam que: Em função da perspectiva renovadora, geralmente esperada de um currículo, é que encontramos nessas propostas curriculares uma das justificativas que explicam um movimento de mudanças no ensino de português. Não é gratuito então, que a maioria das propostas analisadas sintonizem com as tendências contemporâneas e inovadoras dos estudos na área de linguagem, ainda que, muitas vezes , de forma imparcial e incipiente.(p.42) 56 O movimento de mudanças nas propostas curriculares foi um dos aspectos constatado por Marinhoi5 (2001) que, em seus estudos, analisou dezenove propostas curriculares de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (1ª a 8ª séries) de vários estados brasileiros. Segundo a autora citada, para redefinirem o objeto de ensino de português, os currículos apresentam mudanças que refletem características entre antigas e novas concepções. Nesse sentido, “é sintomático que esses documentos dediquem um bom espaço traçando novos rumos para a disciplina, muitas vezes, estabelecendo um nítido confronto entre o novo e o velho.” (p.49) Outro aspecto ressaltado na pesquisa se refere à forma de organização da maioria das propostas curriculares que se constituiu historicamente em: pressupostos teóricos, objetivos, conteúdo, metodologia e avaliação. Segundo a pesquisadora supracitada, a observação dessa estrutura e a configuração do conteúdo permitiram verificar quais as concepções que direcionam o processo de produção de um texto. Ou seja, a ênfase em um dos aspectos pode ajudar a interpretar as concepções de ensino de língua portuguesa que estão veiculadas nos documentos. Com o anseio em modificar o conhecimento considerado ultrapassado, foi constatado que a maioria dos documentos analisados apresentou um esforço em tentar compor um novo campo de conhecimento direcionado ao professor-leitor. Para tal, diversas estratégias foram utilizadas, tais como a inserção de informações e exemplos que corroboram para a defesa dos pressupostos defendidos. No entanto, essa busca por mudanças de concepções para o ensino de Língua Portuguesa, embasadas na compreensão da língua como interação, também gerou algumas incoerências. Segundo a estudiosa supracitada: dado o momento de transição e busca de novos rumos epistemológicos, que os marcos teóricos funcionem mais como uma profissão de fé e não se concretizem nos procedimentos metodológicos ou nos conteúdos programáticos, apresentando, com freqüência, incompatibilidade entre si. Nesse sentido, encontramos currículos que, através da substituição das terminologias, preocupam-se em marcar, de forma reiterada, uma mudança conceitual, mas acabam, em outros momentos, repetindo e reforçando modelos anteriores. (p.58) 5 Segundo Marinho (2001), a análise dessas propostas fazia parte de um projeto realizado pelo Centro de Estudos de Alfabetização, Leitura e escrita (CEALE, FaE, UFMG) que objetivava subsidiar a equipe de técnicos do MEC responsáveis pela elaboração dos PCN. (p.22) 57 Trata-se de observar que as propostas, para mudar suas perspectivas e se contraporem ao ensino de português numa visão “tradicional”, optam em adotar “uma concepção interativa da linguagem, embora com contradições e equívocos”. (cf. Marinho, 2001, p.56) Em seu corpus, Marinho (2001) também observou aspectos diretamente relacionados ao ensino da gramática, leitura e produção. Em relação à gramática, constatou-se que a dificuldade apresentada na maioria dos documentos foi a de tentar articular uma perspectiva normativa da língua a uma concepção discursiva. Ou seja, as propostas muitas vezes ora explicitavam a concepção da gramática prescritiva com ênfase na internalização de regras, ora da gramática na perspectiva da enunciação focada na análise linguística. Ainda, segundo a autora supracitada, grande parte dos currículos, na tentativa de rompimento com o ensino de língua portuguesa focado na aprendizagem de regras gramaticais, apresentou a seção dos „conhecimentos linguísticos‟ ao invés de „gramática‟, o que parece: querer estabelecer e sedimentar uma concepção de estudo da língua que pretende, dentre outros aspectos sedimentar uma concepção de estudo da língua que pretende, dentre outros aspectos, interligar funcionalmente o estudo gramatical com o uso da língua, principalmente nas práticas de leitura e escrita e, sobretudo, dar a esses dois campos maior ênfase. (p.57) Entretanto, essa tentativa de ruptura conceitual não se configurou em mudanças nos pressupostos metodológicos e/ou nos conteúdos programáticos, uma vez que “retirar o termo gramática não significou, necessariamente, que seu status foi perdido ou relativizado”. (MARINHO, 2001, p.58) Tais aspectos podem ser observados em estudos mais recentes como, por exemplo, o realizado por Silva (2008), que buscou investigar o tratamento dado ao ensino da gramática ou análise linguística em currículos. O autor discute como os documentos oficiais estariam instituindo determinadas concepções e práticas sobre o ensino da “gramática” ou “análise lingüística”. Na pesquisa supracitada, foram analisados documentos oficiais, tais como: Parâmetros Curriculares Nacionais, currículos do estado de Pernambuco e da cidade do Recife. Os resultados desse estudo evidenciaram, dentre outros, uma complexa combinação entre tradição e inovação nos saberes a ensinar. Também foi observado que alguns textos oficiais usavam uma nova terminologia (“análise e reflexão da língua”, “prática de análise linguística”, “conhecimentos linguísticos”) para o eixo designado como “gramática”, já em outros documentos, mantiveram essa denominação. Com o exposto, podemos perceber que, atualmente, alguns documentos oficiais refletem aspectos de preocupação em tentar romper com concepções mais tradicionais em 58 relação ao ensino de gramática, apresentando pressupostos epistemológicos dentro das novas tendências de análise linguística, mas ainda apresentam contradições entre novas e velhas concepções. Retomando o estudo de Marinho (2001), foi constatado que, apesar da maioria das propostas enfocar a função social da linguagem e seus elementos de interlocução, não apresentaram definições compatíveis aos objetivos relacionados à leitura e à produção. Dentre os resultados, foi observada a preocupação em definir a necessidade do desenvolvimento da leitura de diversos textos de circulação social. No entanto, as atividade e estratégias didáticas direcionavam o foco da leitura para exploração de tipos textuais: descritivo, narrativo e dissertativo. Sendo esse último, considerado o mais difícil a ser apreendido. A autora supracitada aponta que, embora a maioria das propostas curriculares apresente pressupostos voltados para função social da linguagem e seus elementos de interlocução, foi observado que os objetivos relacionados à leitura e produção de texto não possuem uma clareza concomitante com esses pressupostos. Ou seja, “reconhecer o papel da escola na formação do leitor e escritor pode significar, na maioria deles, a busca por estratégias de formação de habilidades no „manejo do texto‟, através de orientações para o trabalho de interpretação de textos”. (MARINHO, 2001, p. 69) Um ponto destacado pela pesquisadora se remete ao fato de que, na maioria das propostas, a ênfase na leitura por prazer, “pode representar uma falta de uma perspectiva mais consistente sobre a função da leitura como atividade cognoscente.” (p.73) Outro aspecto a ser ressaltado, se refere à ansiedade de estar em consonância com os usos sociais da escrita. A maior parte das propostas acreditava que a explicitação da importância da diversidade de texto garantiria a coerência teórica com as teorias discursivas da linguagem. Segundo Marinho (2001): O trabalho com uma variedade de textos não garante por si mesmo uma concepção discursivo-textual, se vem orientada exclusivamente pela exploração dos tipos textuais, descritivos, narrativos e dissertativos ou por descrições a fim de normatizar os gêneros. Esses textos seriam, então, um arremedo de textos ou uma outra versão da gramática classificatória. (p.74) Nessa perspectiva, o contato com uma maior quantidade de diferentes tipos de textos se configura numa preocupação das propostas embasadas na “necessidade inquestionável de que os alunos precisam aprender a ler e escrever qualquer tipo de texto que circula na sociedade”. (MARINHO, 2001, p.73). Ainda, conforme Marinho (2001), a ênfase na diversidade textual parece ser uma tentativa de resolver a ansiedade de se trabalhar numa 59 perspectiva de usos sociais da língua. Em outros termos, o contato por si só com uma gama de textos que circulam socialmente não explica o pressuposto de se trabalhar a língua como prática social. Na maioria das propostas analisadas, a autora destaca que eram listados diversos textos de circulação social. No entanto, as funções sócio-comunicaticas dos gêneros não eram destacadas. Nesse sentido, embora não se descarte que o discurso voltado para um trabalho com a diversidade textual frente aos pseudo-textos utilizados no contexto escolar consiste num movimento positivo, a pesquisadora ressalta que: a noção de texto como parâmetro para a definição dos conteúdos, objetivos, estratégias de ensino/aprendizagem da leitura e da escrita vem indicar ainda mais a necessidade e dificuldade de se tomar o texto como o recorte lingüístico básico do ensino/aprendizagem, numa concepção discursiva ou interativa da linguagem. (p.78) Por fim, para sintetizar, Marinho (2001) destaca que um “quadro de definição e orientação da leitura e da escrita, nesses currículos, remete à necessidade de concretizar um pressuposto básico desse momento de ruptura, que concebe a leitura como atividade de produção de sentidos”. (p.72) Em estudos mais recentes, como o de Albuquerque (2002), que analisou a proposta do Recife intitulada “Tecendo a Proposta Pedagógica” de 1996, podemos encontrar resultados concernentes à necessidade de mudanças teórico-metodológicas para o ensino de Língua Portuguesa. Segundo a referida autora, o documento em foco, para justificar as “novas tendências” para o ensino da linguagem, tece considerações acerca de práticas “tradicionais” que necessitariam ser suplantadas, tal como destaca abaixo: O documento apresenta-se, então, como denunciador e possibilitador de mudanças. A primeira parte, correspondentes aos “Fundamentos teóricometodológicos”, busca fazer um diagnostico das práticas de ensino da linguagem nas escolas, práticas essas desenvolvidas pelos professores/leitores do documento. Para falar do novo, do que deve ser feito, é preciso da crítica ao que se faz e este é o “primeiro passo para a construção de uma proposta curricular” (p.39) Nesse sentido, a autora supracitada discute fragmentos, dos diversos eixos de ensino, explicitados na proposta em foco, em que são direcionados ao professor/leitor alguns pontos sobre “o que não deve mais ser feito em relação ao ensino de Língua Portuguesa”. (2002, p.42) 60 A questão da necessidade de mudança nas práticas dos professores, ressaltadas na proposta, perpassa por uma mudança na concepção de linguagem, de forma a orientar o professor a desenvolver uma prática embasada nesses pressupostos, como também possibilitar pontos de reflexões para mudanças nas práticas pedagógicas dos professores considerados tradicionais. (ALBUQUERQUE, 2002, p. 44) Albuquerque (2002) também observou no documento curricular que a ideia interacionista de linguagem não é apresentada com clareza, uma vez que se remete a múltiplas concepções, como também suas relações com as diferentes dimensões não são discutidas de forma aprofundada. (p.46-47) Nesse sentido, a autora citada destaca: A concepção de linguagem como interação é o que prevalece nesse documento, e é essa concepção que deveria orientar, hoje, a organização da prática pedagógica. Sua origem, relacionada a estudos desenvolvidos em diferentes campos do conhecimento, foi focalizada, mas em que consiste essa concepção ainda não está claro para o leitor. (p. 49) Ainda nesse estudo, constatou-se que, didaticamente, a transposição dessa concepção apresenta inconsistências, além do que a estratégia discursiva adotada, no documento analisado, se destina mais a explicitar o rompimento da concepção de língua como código do que apresentar com mais clareza ao leitor as relações entre concepção interacionista e ensino da língua. (p.58-50) Outro aspecto importante a ser ressaltado se refere ao fato das implicações metodológicas para o trabalho com leitura e produção de textos, ou seja, a concepção interacionista da língua que o documento assume adotar parece estar mais voltada para os aspectos da comunicação oral entre professor e aluno, tal como ressalta a pesquisadora: O termo interação foi apresentado como envolvendo uma comunicação oral direta entre pessoas (no caso professor e alunos), o que desconsidera a natureza discursiva da linguagem que extrapola, como abordado por BAKHTIN, essa comunicação oral “face a face” (p.59) Em relação ao ensino da leitura, dentre os resultados encontrados na pesquisa de Albuquerque (2002), destacamos que a proposta analisada também utilizava a estratégia discursiva de se contrapor ao ensino desse eixo numa perspectiva tradicional para justificar a adoção de novas perspectivas. Nesse sentido, utiliza, num primeiro momento, a defesa de uma perspectiva de leitura vinculada à leitura do mundo e, posteriormente, a discussão de que o texto escrito deve estar associado com as diferentes linguagens. No entanto, não é esclarecida 61 ao leitor a relação entre a concepção de linguagem defendida, discutida anteriormente, e a perspectiva de leitura do mundo, como também qual a concepção de texto que deveria orientar o ensino de leitura. (p.61-62) Já em relação à análise dos conteúdos programáticos, primeiramente, a pesquisadora faz uma ressalva a área de conhecimento da proposta intitulada “compreensão de leitura”, uma vez que a leitura, nesses termos, representa um complemento e não um eixo sobre o qual se deva refletir de forma mais específica, numa perspectiva interacionista, tal como propõem os pressupostos teóricos da proposta. (p.72). Foi observado também que, apesar de haver no documento analisado conteúdos que se remetam ao desenvolvimento de habilidades voltadas para o contato com diversos tipos de textos, não se esclarece as inter-relações entre esses diferentes tipos de textos e suas relações com os usos e finalidades sociais da leitura. (p.73) Outro aspecto relevante se refere ao fato de indicar na parte destinada a “sugestões de atividades” uma lista de tipos de textos que apresentam confusões entre tipo, gênero e portadores de textos e não algumas orientações de atividades para o trabalho com a leitura e escrita. Segundo Albuquerque (2002), fica à margem de interpretação do professor-leitor compreender as diferenças entre tipo, gêneros e portadores de texto e tomar decisões a respeitos dos aspectos metodológicos de usos nas situações de leitura e escrita dos mesmos. (p.73) Ainda sobre tal aspecto em foco, Albuquerque (2002) faz algumas ressalvas em relação a alguns pontos da listagem de conteúdos para o trabalho com a compreensão de leitura. Dentre elas, destaca a forma de indicar conteúdos mais gerais, desconsiderando as especificidades de cada gênero. Para tal, a autora ressalta vários exemplos, dentre os quais destacamos o fato da proposta indicar o conteúdo “identificação da ideia principal e secundária”. No entanto, o questionamento realizado pela pesquisadora se remete ao fato de que não são todos os gêneros que possuem ideia principal e secundária. (p.74). Segundo a própria autora: Esta concepção implicitamente significa que todo texto comunica uma idéia única, que precisa ser apreendida pelo leitor-aluno/professor. Relacionada a essa concepção de texto, encontra-se uma concepção de leitura como apreensão do sentido único do texto. (p.75) Para finalizar, a pesquisadora destaca que, apesar do documento apresentar a intenção de superar práticas de leituras distanciadas de seus usos reais, esse intuito “permanece sem resposta”. (ALBUQUERQUE, 2002, p.75). Ou seja, os pressupostos que orientam a proposta 62 não oferecem subsídios suficientes para estabelecimento de relações entre a concepção defendida e suas implicações para o ensino da leitura. Dado o exposto, podemos perceber que o movimento de mudanças no ensino de língua portuguesa, muitas vezes, reflete uma tentativa das propostas curriculares se contraporem a um ensino descontextualizado de língua materna. Ou seja, a apropriação discursiva articulada com a perspectiva interacionista, muitas vezes, é materializada nos currículos, embora ainda apresente contradições. Essas contradições são observadas ora na tentativa de articulações entre os pressupostos teóricos defendidos e orientações metodológicas, ora no aprofundamento de embasamento teórico que subsidiem o ensino de língua materna ou nas relações teóricas da perspectiva interacionista da linguagem e suas implicações para o ensino. Portanto, corroboramos com Marinho (1998) quando defende que as concepções sintetizadas no currículo representam a “mentalidade de um momento da história do ensino de Português.” (p.50) Dessa forma, é de extrema relevância refletir como as propostas curriculares abordam determinadas concepções sobre a linguagem e o ensino de língua portuguesa e suas implicações nas propostas curriculares, especificamente, a inserção dos gêneros discursivos nos textos prefigurativos. No tópico a seguir, destacaremos algumas reflexões sobre o lugar da língua portuguesa nas propostas curriculares de Pernambuco séculos XIX e XX. Para tal, apontaremos a organização dos cursos e disciplinas nos diversos contextos históricos. Posteriormente, indicaremos exemplos de alguns currículos de Língua Portuguesa e por fim, faremos uma breve análise das concepções de linguagem, língua e suas implicações no ensino nas propostas curriculares de Língua Portuguesa. 63 4.4 A Língua Portuguesa nos currículos: uma breve trajetória das propostas curriculares de Pernambuco dos séculos XIX e XX. As concepções de linguagem, língua e de ensino e aprendizagem da prática escolar estão intrinsecamente vinculadas ao seu contexto histórico. Nesse sentido, observar as propostas curriculares, em seu processo de produção, pode nos oferecer indícios de como a Língua Portuguesa estava sendo concebida nos séculos XIX e XX nos currículos de ensino no Estado de Pernambuco. Em outros termos, verificar os embasamentos teóricos, os objetivos, conteúdos abordados nos diversos textos prefigurativos podem nos indicar algumas pistas se o foco do ensino de português estava subsidiado numa concepção de linguagem como expressão do pensamento, comunicação ou interação. Nessa discussão, não temos a pretensão de analisar minuciosamente as propostas curriculares de Pernambuco6, mas sim suscitar uma reflexão acerca das concepções de linguagem que permeiam o ensino de português em várias orientações curriculares do estado de Pernambuco. Britto (2005), em seus estudos, discute sobre a trajetória do currículo de ensino fundamental na rede estadual de Pernambuco. De acordo com a autora, o ensino primário, em 1865, era dividido em primeiro grau, que corresponde à instrução elementar, e segundo grau, que acrescentava rudimentos das ciências à formação inicial. Nesse contexto, o currículo se organizava da seguinte forma: Primeiro grau: Instrução Moral e Religiosa; Leitura e Escrita e noções de gramática Nacional; Princípios de Aritmética Elementar e suas operações sobre números inteiros; Sistemas de Pesos e Medidas usados na Província. Segundo grau: Desenvolvimento da Aritmética e suas aplicações práticas, quer em quadrados e decimais, quer em complexos e proporções; Leitura de Evangelhos; Elementos de Geografia e História; [...] (BRITTO, 2005, p.38 – grifo nosso) Observando o trecho acima, podemos verificar que o foco da Língua Portuguesa se direcionava ao ensino da leitura, escrita e gramática. Entretanto, ao analisarmos documentos internos da “Directoria Geral de Instrução Pública de Pernambuco”, publicado em 1864, constatamos que para um professor assumir as cadeiras do ensino do primeiro grau era necessário realizar um exame de habilitação de Grammatica, Arithmetica, Doutrina Christã e Moral Religiosa e Systema Prático e Methodo de Ensino. Nas perguntas destinadas à prova de 6 Nesse item, dialogaremos com os dados da autora Britto (2005) e com propostas curriculares encontradas no arquivo público e nas bibliotecas públicas de Pernambuco. Parte da análise dessas propostas curriculares foi publicada no 17º COLE. (cf. Amorim, 2009) 64 Grammatica, pudemos perceber que o foco para a seleção de um professor era na gramática. Vejamos abaixo: Prova Grammatica 1) O que são verbos nas línguas? 2) Qual é a melhor, mais clara e mais lógica classificação dos verbos? 3) O que é prosódia? 4) Como se dividem os sons fundamentais que constituem a base da pronuncia? 5) O que se entende por sons acidentaes? 6) O que é Orthographia? 7) Qual é a Orthographia chamada de pronuncia, etymologia e usual? (folha 207) Os elementos acima expostos podem nos dar indícios de que o ensino de língua portuguesa estava voltado para a teorização gramatical, uma vez que os elementos que eram exigidos para aprovação de um professor eram o entendimento da língua como estrutura. No contexto da Província, a valorização de um ensino de língua voltado para gramática e leitura de textos religiosos foi marcante. Podemos destacar como exemplo um documento intitulado de “Reorganisação do Ensino Público em Pernambuco”, publicado em 1874, no qual o ensino primário nas escolas públicas compreendia quinze disciplinas, observemos as relacionadas ao ensino de português: [...] 1. Leitura e escripta. 2. Elementos de grammatica nacional. [...] 6. Leitura de Evangelhos e história sagrada; [...] Título III. Seção I Art. 33 (PERNAMBUCO, 1874, p.21) Já no documento intitulado “Regulamento orgânico da administração do ensino público (Reorganização da Instrução Provincial)”, publicado em 1879, podemos observar que a língua nacional tornou-se uma disciplina dentre as demais: Art. 58. O ensino nas escolas públicas comprehende: [...] Leitura, Escripta e desenho, Língua Nacional, [...] (PERNAMBUCO, 1879, p.15) 65 A tendência da organização das propostas de ensino, em 1884, ainda continuou seguindo a sistemática acima citada, ou seja, o ensino estava organizado em Leitura, Escripta e Língua Nacional. Já no documento intitulado “Regimento das Escolas de Instrução Primária”, publicado em 1885, podemos constatar uma articulação dos eixos na estrutura da disciplina: II – Língua Nacional – leitura, recitação, exercícios grammaticaes práticos, redacção e composição. II – Língua Nacional – leitura, recitação, exercícios grammaticaes práticos, redacção e composição. (PERNAMBUCO, 1885, p.19) Ainda nesse documento, encontramos um “Plano Gradual de Ensino Primário”, onde estão listados vários conteúdos de ensino da disciplina Língua Nacional. Destacamos os conteúdos do segundo grau: Leitura corrente e explicada; exercícios de linguagem. Regras grammaticaes deduzidas de trechos clássicos, prática de redacção e composição com elementos dado pelo professor. Recitação de pequenas fábulas, trechos seletos de poesia. Noticia das principais obras clássicas, dada em conversação pelo professor. (PERNAMBUCO, 1885) Com o acima exposto, podemos constatar o foco de ensino voltado para leitura e escrita, como também podemos entender que a ênfase dada era à arte do bem escrever, conforme a literatura clássica. Observamos, ainda, que mesmo com o enfoque numa perspectiva prescritiva de linguagem, os gêneros discursivos são utilizados, no caso acima, nas indicações para o trabalho com fábulas e poesias. Já no século XX, o cenário nacional vivenciou grandes movimentos 7 de tendências pedagógicas, tais como: Escola Nova, Tecnicista e Crítica. Esses movimentos, de forma direta ou indireta, empreenderam reformulações na educação brasileira. O currículo do estado de Pernambuco, por sua vez, também sofreu influências dessas tendências que materializaram reformulações nas propostas. Segundo Britto (2005): Houve situações em que foram vivenciados aspectos de mais de um movimento no desenvolver de uma Proposta Curricular. 7 Não é nosso objetivo discutir os conceitos implícitos em cada uma das correntes, nem abordar suas contribuições, mas situá-las na história do estado de Pernambuco. 66 Idéias novas foram surgindo na condução do processo ensino-aprendizagem da leitura, da escrita, da gramática, [...] e outro, que não se constituíram grande movimentos, mas foram de muita importância. (p.47) Na década de 20, o currículo no curso primário estava estruturado em ensino fundamental complementar, sendo a primeira etapa em cinco anos e a segunda em dois anos. Segundo Britto (2005), o trabalho docente era orientado por um documento intitulado de “Programa de Ensino para o curso Primário”, o qual dividia as disciplinas do curso primário em: Aritmética; Álgebra; Geometria; Leitura; Linguagem oral; Linguagem Escrita; Francês; Geografia, Cosmografia; História; Física; Química; Higiene; Música; Desenho: Caligrafia; Trabalhos Manuais; Educação Física; Escotismo; Educação Cívica; Moral e Estética. (BRITTO, 2005, p.95 – grifo nosso) Com o acima exposto, podemos perceber que a leitura, a linguagem oral e a escrita consistiam em disciplinas separadas. Corresponde a uma visão fragmentada, na qual leitura, oralidade e escrita são disciplinas trabalhadas separadamente e não como eixos articulados de ensino da língua materna. Já em documentos, especificamente, o de “Instrucção Primária”, publicado em 1928, constatamos que a leitura e a escrita são trabalhadas na disciplina Leitura e Língua Nacional, sendo a concepção que subjaz a proposta curricular voltada ao estudo da estrutura da língua, conforme a lista de conteúdos no exemplo abaixo Leitura e Língua Nacional 1º classe Leitura diária do livro adoptado, attendendo-se logo, quanto possível, à regra de pronnucia e à inflexão da voz; Graphia no quadro negro das palavras mais difícies e das expressões novas [...] Reprodução de toda licção [...] Exercitar a classe no conhecimento de diphtongo e triphthongo, grupos consonantaes, numero de syllabas de uma palavra: das palavras simples e compostas, primitivas e derivadas. Escripta Continuação dos exercícios dados na classe infantil [...] Cópias de sentenças. Cópia de lição do dia. Dictado de pequenas sentenças. Formar pequenas pharares com elementos dados pelo professor [...] (PERNAMBUCO, 1928, p.2 ) 67 Em 1929, um plano de reestruturação, proposto por Carneiro Leão, intitulado “Organização da Educação” no estado de Pernambuco, reorganizou a educação primária em sete anos: fundamental de cinco anos e complementar de dois anos. Nesse contexto, a preocupação era que a escola se articulasse com a sociedade: Art. º - A escola primaria deve ser alguma coisa mais do que um estabelecimento em que se aprende a ler, escrever e contar. Deve ministrar, pela observação e pela experiência, um conhecimento exacto da vida corrente, de modo que seja possível preparar o individuo para tornar-se um elemento activo na sociedade. (PERNAMBUCO, 1929, p.55-56) Segundo Britto (2005), na década de 30, foi implementada uma reformulação nos programas de ensino, na qual os assuntos passaram a ser distribuídos por Grupos de Assuntos Correlatos. Nessa perspectiva, o docente deveria realizar as adaptações necessárias, abordando um conteúdo por tema e em diferentes etapas (observação, associação e expressão). Para exemplificar, autora supracitada destaca um exemplo: Centro de interesse para o 2º ano: O meio próximo Tema: aspecto material da cidade. OBSERVAÇÃO – a cidade- os rios – ponte – bairros- ruas – praças e avenidas [...] ASSOCIAÇÃO – aproveitar os desenhos e maquetes para o estudo das linhas e ângulos- Sinais aritméticos – Mecanismo de adição e da multiplicação [...] EXPRESSÃO – Leitura comentada de pequenas histórias do livro de classe. Leitura de trechos sobre a cidade. Iniciação de leitura silenciosa. Cópia de trechos. „Ditado de sentenças visualizadas‟. „Narração oral e escrita de excursões e passeios‟.[...] (BRITTO, 2005,p.107 - grifo nosso) Na estruturação acima exposta, podemos verificar que os eixos de leitura e escrita estão articulados por uma temática para tentar atender ao objetivo da educação de preparar as pessoas para serem elementos ativos na sociedade. Entretanto, mesmo com a preocupação de se trabalhar com temas, encontramos documentos específicos da época que listavam os objetivos e conteúdos a serem trabalhados nas diversas etapas da escolaridade. Nesse sentido, destacamos o documento intitulado “Programa de Educação Primária”, apresentado pela Diretoria Técnica de Educação, em 1937. Esse Programa enfatizava a importância de ordenar, de maneira clara e precisa, o conteúdo do currículo escolar, cabendo ao professor “desenvolvê-lo e adaptá-lo às condições peculiares ao meio e às necessidades, aptidões e grau de desenvolvimento dos escolares.” (p.2) Em relação ao ensino da língua, os objetivos eram 68 estabelecidos por meios da disciplina “meios de expressão e atividades manuais”, nos diferentes anos, tais como: 1º Dar aos alunos possibilidades de associar sentenças e palavras escritas aos significados das mesmas; 2º Habituá-los a articular com clareza e precisão as palavras lidas; [...] 4º Desenvolver-lhes a disciplina do pensamento por todos os meios oportunos e aconselháveis. [...] (PERNAMBUCO, 1937, p.5) Dado o exposto, podemos perceber que o ensino de Língua Portuguesa estava voltado para o desenvolvimento do pensamento por meio de um trabalho articulado com a estruturação de frases, sendo estas o objeto central do ensino. Em outros termos, os conteúdos da disciplina “meios de expressão e atividades manuais” do primeiro ao quarto ano resumiamse a atividades como cópias, ditados, preenchimento de sentenças, como podemos observar no exemplo abaixo: Primeiro ano Conversação generalizada sobre as causas e fatos do próprio mundo dos alunos. Visualização de sentenças curtas e simples [...]. Exercícios de visualização.[...] Cópia, a lápis de cor, de sentenças em cadernos feitos pelos alunos. Uso do livro de leitura, em momento oportuno. [...] Representação de memória de todas as sentenças e palavras visualizadas; Escrever com clareza, o nome, o endereço, o lugar e a data do nascimento [...] Substantivo: gênero e número. O ponto final e de interrogação. (PERNAMBUCO, 1937. p.6) A preocupação com a correlação entre as disciplinas ainda perdurou na década de 40. Segundo Britto (2005), “na definição dos objetivos nas diversas disciplinas observou-se a preocupação de fazer o professor sentir o valor e a utilidade das mesmas, bem como a oportunidade de formar habilidades e desenvolver atitudes em conseqüência dos conhecimentos adquiridos.” (p.116). Já em 1945, cria-se outro programa intitulado “Programa de Educação Primária”, objetivando resgatar o prestígio das aulas de linguagem em Pernambuco, considerando-as “o ponto mais interessante da educação intelectual e moral de uma escola” (BRITTO, 2005, p.18) Segundo Britto (2005), nas décadas de 50/60, vários programas mínimos de ensino, desenvolvidos nas diversas unidades escolares do estado e diferentes períodos do ano letivo, foram elaborados com o intuito de produzir um produto final intitulado de “Programa de Ensino para o Curso Primário Infantil”, publicado em 1961. 69 Observando o documento “Programa de Ensino para o Curso Primário Infantil”, publicado em 1961, constatamos que esse estava estruturado em objetivos gerais, objetivos especiais da disciplina em cada série, matéria de estudo e sugestões práticas para aplicação dos objetivos da matéria de estudo. Como a disciplina linguagem era articulada pelos eixos de ensino: leitura, escrita e gramática, podemos destacar alguns objetivos gerais de cada uma: Leitura Manter no aluno um interesse profundo e permanente pela leitura, firmandolhe a noção de utilidade da mesma, através da vida [...] Desenvolver a habilidade de ler com compreensão procurando sempre interpretar o que fôr lido. Ampliar o campo de leitura do aluno introduzindo-lhe novas variedades de livro (...) Estimular o gosto pela boa literatura despertando o interêsse dos alunos pelo estudo da língua pátria e pela literatura nacional, fortalecendolhe corretamente o sentimento de brasilidade. (PERNAMBUCO, 1961, p.3) Escrita Levar a criança a adquirir maior capacidade de organizar mentalmente o pensamento e de exprimi-lo por escrito, com simplicidade, clareza e correção, sob várias formas – correspondência, relatório, descrição, composição, narração, exposições de fatos, atas, requerimentos, etc. (PERNAMBUCO, 1961, p.8) Gramática O objetivo final do ensino de gramática é assegurar, no curso complementar, a formação de uma atitude favorável ao estudo das noções gramaticais básicas. (p.12) (PERNAMBUCO, 1961, p.12) Com objetivos acima expostos, verificamos a preocupação da proposta em desenvolver o gosto pela leitura, principalmente, para a literatura nacional brasileira, como também o estímulo da leitura para diversas finalidades e utilidades práticas. Assim, observamos que, ao mesmo tempo em que atribui à literatura nacional um papel de destaque, não descarta a possibilidade de ampliação da leitura através de outros tipos de textos nãoliterários, tal como discutiremos adiante. Já em relação à escrita, constatamos que, apesar do foco se direcionar à produção de alguns gêneros (relatório, requerimentos) ou para um trabalho com sequências discursivas (narração, descrição, exposição), encontramos também implicações oriundas da ênfase no desenvolvimento da capacidade de escrever, conforme organização do pensamento. Essa noção de escrita se veicula a arte de dominar as regras gramaticais a fim de escrever corretamente, tal como é retratado nos objetivos mais específicos desse eixo: “Tornar a criança sensível às incorreções da linguagem; Despertar-lhe 70 o desejo de falar e escrever corretamente ou capacitá-la a descobrir e corrigir os próprios defeitos da linguagem.” (PERNAMBUCO, 1961, p.12) Ainda no documento “Programa de Ensino para o Curso Primário Infantil” publicado em 1961, podemos encontrar, na seção “Sugestões práticas para a aplicação dos objetivos e da matéria de estudo” de leitura, diversas finalidades: “ler para extrair ideia principal, identificar detalhes, responder a questionários, reproduzir oralmente o que foi lido, resumir um longo trecho, distinguir material factual de material de ficção, ler para comentar, etc”(PERNAMBUCO, 1961, p.5- 6). Já na seção destinada a “Sugestões práticas para a aplicação dos objetivos e da matéria de estudo” de escrita, observamos orientações para a produção de redações com foco nas sequências discursivas e, quando se tratava de redações de temas livre, alguns princípios deveriam ser seguidos, tais como: “seqüência lógica da frase, emprego correto de conectivos para integração exata do pensamento, subordinação apropriadas às ideias principais, forma de frase, clareza na exposição, escolha adequada da frase”. (PERNAMBUCO, 1961, p.9 e 10) Ao mesmo tempo em que encontrarmos orientações para a produção de alguns gêneros, tais como resumo, diário, telegramas, artigos e entrevistas para o jornal da escola, autobiografias (p.10 e 11), dentre outros, verificamos também orientações para composições de histórias descontextualizadas a partir de gravuras, de títulos sugestivos, de palavras dadas. Com isso, constatamos que, ora as orientações se baseavam em uma gama de diversidade de textos, ora enfatizava o emprego correto de elementos linguísticos, como também tinham como proposta um trabalho com textos soltos. Em relação ao trabalho com gramática, nas sugestões práticas, eram propostos “jogos e exercícios para substituição de formas incorretas pelas corretas, trabalhos escritos com oportunidade de uso de casos em foco, repetidos em situações diversas, até que o hábito fosse assegurado [...]” (PERNAMBUCO,1961, p.13) Podemos verificar na seção “Matéria de Estudo” uma lista de conteúdos voltados para as classes gramaticais, classificação de palavras, pontuação, concordância, revisão de alfabeto e consoantes, etc. (Cf. PERNAMBUCO, 1961, p.12-13) Com os elementos acima discutidos da referida proposta, observamos que a mesma manifesta uma ampliação das finalidades de leitura e um trabalho com uma diversidade de textos, se compararmos a programas e propostas de décadas anteriores. Nesse sentido, apesar de verificarmos uma grande preocupação com o escrever segundo as regras gramaticais, o documento em foco parece introduzir elementos importantes para o ensino de língua materna, tais como o contato com alguns textos na leitura e produção, mesmo que as implicações 71 pedagógicas apresentem lacunas no momento de materializar orientações para o trabalho com esses textos articulados aos eixos de ensino. Nesse sentido, podemos encontrar, ainda, algumas mudanças na perspectiva de se trabalhar a linguagem contextualizada com outras áreas de conhecimento e com articulações entre os eixos de ensino de língua portuguesa, tal como é ressaltado em alguns princípios do documento “Programa de Ensino para o Curso Primário Infantil”: O ensino da linguagem não se fará isoladamente, mas em estreita conexão com as demais matérias do programa [...] É oportuno esclarecer que apenas por motivos de ordem didática e para efeito de esquematização [...] acha-se o programa de linguagem dividido em três partes – leitura, escrita e gramática – não significando de modo algum que se devam aulas de isoladas de cada uma delas. O ensino da linguagem atenderá, igualmente, à integração ecológica [...] O professor não poderá ignorar as condições físico-sociais do meio, tal relevantes no Nordeste [...] (PERNAMBUCO, 1961, p.14) No entanto, não podemos deixar de ressaltar que o documento ainda traz implicações vinculadas a uma perspectiva de língua como estrutura do pensamento, principalmente quando ressalta, em seus objetivos gerais para escrita é “Levar a criança a adquirir maior capacidade de organizar mentalmente o pensamento e de exprimí-lo por escrito, com simplicidade, clareza e correção, [...]”. (PERNAMBUCO, 1961, p.8) Segundo Britto (2005), na década de 60, especificamente em 1968, foi elaborado outro programa de Ensino, o documento “Currículo da Escola Primária em Pernambuco”, cujo enfoque era uma organização de uma proposta por níveis. Com o objetivo de atender adequadamente o desenvolvimento das capacidades dos alunos, o programa do Curso Primário possuía seis níveis e possibilitava que os alunos avançassem de acordo com o desenvolvimento de suas potencialidades. Os conteúdos eram abordados em nível crescente de dificuldade e complexidade. Ainda conforme Britto (2005), o foco do trabalho com a linguagem nesse documento estava direcionado a “Gramática de maneira menos formal, dando mais relevo ao falar e escrever corretamente a língua pátria, diminuindo a preocupação com a aprendizagem de regras, definições e classificações.” (p.149) Já na década de 70, foi implementado oficialmente o tecnicismo e algumas reformulações a nível nacional são realizadas. A organização do ensino no Brasil passava a ser subdividida em primeiro grau e segundo grau. Nesse contexto, os conhecimentos de Língua Portuguesa se constituíam na matéria intitulada “Comunicação e Expressão”. Em Pernambuco, a Proposta Curricular de Ensino – 1º grau, publicada em 1978, se constituiu 72 inicialmente nos seguintes documentos: Volume I - Fundamentação filosófica, sócioeconômica – cultural e psicológica; Volume II – Comunicação e Expressão; Volume III – Ciências incluindo Matemática e Volume IV – Estudos Sociais. Essa proposta materializava a concepção de língua como instrumento de comunicação atendendo às exigências das orientações nacionais. Segundo Louzada (1997), “com a edição da LDB, em 1971, a disciplina passou [...] a integrar o núcleo comum do currículo do 1º Grau e a chamar-se Comunicação e Expressão.” (p.47) Nos anos 80, foi elaborado um documento intitulado “Perfis de saída dos alunos de 1ª a 4ª série – Viabilização de uma Proposta de Conteúdos Mínimos”, com o objetivo de “garantir a socialização dos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade como um instrumento de lutas para atenuar as desigualdades socais” (BRITTO, 2005, p.165). Essa contemplou as disciplinas Língua Portuguesa, Matemática, Iniciação às Ciências, Integração Social, Ensino Religioso, Educação Física e Educação Artística. Segundo Britto (2005), essa proposta era um “documento de referência para o trabalho individual de cada escola e de cada professor” (p.166) Na década de 90, o documento “Coleção Professor Carlos Maciel: subsídios para a prática pedagógica” foi proposto pela Secretaria de Educação e Cultura. Nessa, vinte e quatro documentos estavam direcionados ao Ensino Fundamental e Médio e tinham como objetivo suscitar reflexões para o ensino. No que se refere ao ensino da Língua Portuguesa, destacamos o volume vinte e três 8 que, além de representar “o empenho em trazer à discussão questões teóricas e práticas fundamentais sobre o ensino da Língua” (PERNAMBUCO, 1994, p.7), destaca sua especificidade, cuja pretensão é “acentuar a orientação do ensino da língua para a comunicação.” (PERNAMBUCO, 1994, p.7) Ainda nesse documento, podemos observar que toda sua proposta curricular está articulada a uma forma de aquisição e aprendizagem funcional da língua: Assumimos, portanto, que o núcleo maior da presente proposta é a concepção funcionalista da língua, da qual se deriva o princípio geral de que a língua só atualiza através dos textos, a serviço da comunicação intersubjetiva, em situações de atuação social. É, pois esse núcleo que deve constituir o ponto de referência para a determinação de todas as opções pedagógicas, seja a definição dos objetivos, dos conteúdos programáticos, seja a escolha das atividades e da forma particular de realizá-las e avaliá-las. (PERNAMBUCO, 1994, p.17) 8 O volume 23 (vinte e três) corresponde ao Ensino de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª série. 73 Com o exposto, podemos observar que a concepção de língua se volta às práticas sociais em que o texto assume um papel de destaque. Com a intenção de romper com as concepções de língua como sistema abstrato, a proposta da “Coleção Professor Carlos Maciel” assume que “somente uma concepção funcionalista da linguagem pode, de forma ampla e legítima, fundamentar um ensino da língua que seja individual e socialmente produtivo e relevante”. (PERNAMBUCO, 1994, p.17) Nesse sentido, o documento supracitado destina duas páginas para discutir concepções que norteiam as práticas do ensino do Português mostrando ao leitor as implicações de um ensino mecânico, descontextualizado e centrado nas estruturas da língua, como podemos observar nos exemplos abaixo: No que se refere à prática da escrita, tem-se constatado: [...] predomina a prática de uma escrita mecânica e periférica, centrada, inicialmente, nas habilidades motoras de produzir sinais gráficos e, mais adiante, na apreensão pura e simples de regras ortográficas; predomina a prática de uma escrita artificial e inexpressiva, com “exercícios” de palavras soltas ou, ainda, de frases isoladas, fora de qualquer contexto comunicativo, vazia, portanto, do sentido e da força da atividade verbal cotidiana; predomina a prática de uma escrita sem função, destituída de qualquer valor interacional, [...] (PERNAMBUCO, 1994,p.14) No que se refere à prática da leitura, tem-se constatado: prevalece uma atividade de leitura centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, sem dirigir, contudo, para o aspecto da interação verbal, a aquisição dessas habilidades; prevalece uma leitura sem interesse, sem função, pois aparece inteiramente desvinculada dos diferentes usos sociais da escrita; prevalece uma leitura, sem gosto, sem prazer, convertida em momento de treino e reduzida, assim, aos exercícios de “leitura em voz alta” realizados, quase sempre com interesses avaliativos; (PERNAMBUCO, 1994,p.14) [...] No que se refere à gramática, tem-se constatado: uma gramática abstrata, que é “sobre a língua”, quase sempre sem vinculação com a língua escrita ou falada na comunicação do dia-a-dia; uma gramática fragmentada, da palavra e da frase isoladas, das palavras e das frases descontextualizadas, sem sujeitos interlocutores, sem contexto, sem função, posta para servir de lição, para virar exercício; [...] uma gramática do aspecto prescritivo, preocupada apenas com o “certo” e o “errado”, dicotomicamente extremados [...] (PERNAMBUCO, 1994,p.15) [...] 74 Com isso, observamos a proposta utilizar estratégias de leitura que tecem argumentos ao leitor que justifiquem a perspectiva a ser adotada para o ensino de língua materna dissonante do que, tradicionalmente, vinha sendo proposto: uma perspectiva voltada para aprendizagem da estrutura da língua, suas normas e exceções, bem como suas aplicações nos diferentes eixos de ensino. Assim, verificamos a intenção da “Proposta Professor Carlos Maciel: subsídios para a prática pedagógica” propõe a adoção de “princípios teóricos capazes de sustentar um ensino produtivo da língua” (PERNAMBUCO, 1994, p.16). Para tal, explicita que duas tendências circuncidaram o ensino da linguagem: uma primeira, centrada na língua enquanto sistema virtual, abstrato, independente de suas condições de realização; uma segunda, centrada na língua enquanto atividade verbal de dois ou mais interlocutores, enquanto sistema-em-função, vinculando, portanto, às circunstâncias concretas de sua atualização. (PERNAMBUCO, 1994, p.17) O pressuposto assumido pela proposta baseia-se na segunda tendência, evidenciando que “se a língua-em-função apenas ocorre em função da textualidade [...], admite-se também que só o estudo das regularidades textuais, na sua produção e interpretação, pode constituir o objeto de um ensino da língua que pretenda ser, como se disse acima, produtivo e relevante” (PERNAMBUCO, 1994, p.17). Nessa perspectiva, as seções destinadas à exposição dos princípios norteadores dos eixos de ensino, bem como suas implicações pedagógicas, manifestam o desejo de não se basear na perspectiva de ensinar normas do bom comportamento lingüístico, mas sim na visão funcionalista da leitura, escrita e gramática. Dessa forma, nas orientações destinadas aos conteúdos programáticos, podemos observar uma indicação de qual seria o objetivo mais geral ao definir determinados conteúdos para o Ensino Fundamental, o de “ampliar a competência da criança para o exercício cada vez mais pleno, mais fluente e interessante da fala e da escrita”. (p.29) Para tal, o documento em foco explicita a preocupação em reorientar a prática não mais centrada nas estruturas da língua, mas sim em sua língua-em-função (PERNAMBUCO, 1994, p.29). Ainda segundos essas orientações, o programa para as aulas de Português, em termos gerais, seria: falar, ouvir, 75 ler e escrever textos em língua portuguesa, dentro de uma distribuição e complexidade gradativas, atendendo-se ao desenvolvimento conseguido no domínio de cada habilidade. Mais uma vez, explicitamos o princípio de que toda atividade lingüística é necessariamente textual e, assim, é no texto e para o texto que se deve centrar o estudo relevante e produtivo da língua. (PERNAMBUCO, 1994, p.29) Com o exposto, podemos perceber que a ênfase no texto nos diversos eixos de ensino se constitui uma preocupação para o ensino de língua portuguesa. Ainda, nessa proposta, constatamos orientações para o desenvolvimento das habilidades de falar e ouvir, escrever e ler, no item “os conteúdos programáticos”, tais como: Falar e ouvir: contar histórias, reais ou imaginadas, inventando-as ou reproduzindo-as; relatar acontecimentos; debater, discutir acerca dos temas variados [...] [...] fazer e dar entrevista; dar depoimentos; apresentar resumos, etc; (PERNAMBUCO, 1994, p.29-30) Escrever: avisos aos colegas; pequenas informações aos pais e outras pessoas da comunidade escolar; [...] convites; lista de cooperadores, de aniversariante, de materiais, de livros [...] cartas, uns aos outros, aos professores, às pessoas da escola [...] esquemas, resumos,[...] pequenas narrativas (criadas ou recriadas a partir de outras lidas ou ouvidas) [...] poemas; canções infantis e regionais; cartazes [...] (PERNAMBUCO, 1994, p.30) Ler historinhas, com ou sem gravuras e em quadrinhos (incluindo, é claro, pequenas narrativas de caráter literário) poemas (apropriados à faixa etária dos alunos) canções infantis e regionais; notícias de jornal; folhetos; cartazes; [...] (PERNAMBUCO, 1994,p.31-32) 76 Nas orientações expostas acima, percebemos a grande preocupação da proposta em diversificar o material textual nos diversos eixos de ensino, reforçando a necessidade de ensinar a língua materna a partir dos textos: Por essa amostragem, fica evidente nossa pretensão quanto à diversidade de texto que a escola deve providenciar. É importante que a criança, sistematicamente, confronte a multiplicidade de usos e funções a que se presta a língua, na variedade de situações em que acontece. (PERNAMBUCO, 1994, p.32) Nessa perspectiva, a diversidade textual é inserida na proposta de forma integrada ao eixos de ensino de língua portuguesa com o propósito de não só aproximar a língua nos diversos contextos e usos, mas também se contrapor a uma perspectiva descontextualizada da leitura e escrita, tal como o documento manifesta: “o importante é que deixe a escrita vazia de palavras soltas, de frases soltas, que não dizem nada do mundo, da experiência e da fantasia das crianças”. (PERNAMBUCO, 1994, p.31) Ainda em relação a essa diversidade textual encontrada nas orientações para os conteúdos programáticos de Português, observamos que não são elencados apenas tipos de textos, mas também uma mistura entre gêneros (poema, convites, notícias, etc), tipos (desenvolvimento de pequenas narrativas) e portadores (cartazes). Outro aspecto relevante a ser ressaltado é fato de haver muito mais uma preocupação da proposta em oportunizar ao aluno uma grande quantidade de textos, cabendo ao professorleitor selecionar os textos de acordo com as séries. Sendo assim, não aprofunda orientações de quais aspectos dos textos poderiam ser enfocados e, ao mesmo tempo, alvo de reflexões mais sistemáticas. Nesse sentido, quando o documento destaca “que a escolha desses diferentes tipos de texto deverá ir acontecendo gradativamente”, na verdade, se remete a perspectiva de que existem textos que são mais apropriados por serem menos extensos para as séries iniciais e os textos longos para as séries posteriores. Como exemplo, podemos encontrar, nas orientações da proposta, a ideia de que os rótulos e as listas poderiam ser utilizados nas fases iniciais por serem textos mais curtos. Com o desenvolvimento das habilidades das crianças, as reflexões perpassariam por textos mais longos. (Cf. PERNAMBUCO, 1994, p.31) Assim, como vimos discutindo, constatamos que a principal preocupação da proposta era evidenciar mudanças no que concerne à concepção de linguagem. Para tal, enfatiza uma negação de um ensino da língua como estrutura. Nesse sentido, o próprio eixo de ensino “gramática”, nessa proposta, está voltado para um estudo natural no texto, ou seja, se estudar a gramática numa “perspectiva eminentemente textual, o que significa perceber com o as 77 categorias e regras gramaticais, na verdade, funcionam na construção dos textos, orais e escritos, curtos e longos”. (PERNAMBUCO, 1994, p.34) Silva (2008), analisando a referida proposta no que concerne ao eixo “gramática” ou análise “linguística”, observou que esse documento: apenas delimitou alguns conteúdos gramaticais, nele considerados como relevantes para a compreensão de como a língua funciona em textos. Observou-se, no caso, uma organização dos conteúdos um tanto distinta daquela encontrada no antigo ensino de gramática. (p.97) Ou seja, na tentativa de se articular os pressupostos teóricos assumidos, o ensino da gramática está articulado com os outros eixos de ensino, sendo concebida como “um conhecimento diretamente relacionado – na verdade subordinado – à compreensão e à produção de textos orais e escritos [...] (SILVA, 2008, p.78). Tal aspecto pode ser verificado quando o documento destaca que “o estudo do texto, da sua sequência e de sua organização sintático semântica conduzirá forçosamente o professor a lidar com as categorias gramaticais: do substantivo, do adjetivo, do verbo [...]” (PERNAMBUCO, 1994, p.33) Como a ideia trazida pela proposta é de trabalhar com a gramática com base nos textos, ressaltamos ainda que o objeto de estudo da gramática não está indicado nas seções de orientações dos “conteúdos programáticos”, mas sim destacados nos objetivos e metodologia das atividades como levantamentos de algumas questões gramaticais importantes para funcionamento da língua no texto (Cf. PERNAMBUCO, 1994, p.34). Dessa forma, indica sete pontos referentes aos assuntos gramaticais, destacando o trabalho com os mesmos articulado com o texto, como por exemplo: [...] o uso dos artigos definidos e indefinidos, considerando-se, também, as implicações que tem o seu emprego no desenvolvimento do texto [...] (PERNAMBUCO, 1994, p.35) Tal aspecto também foi observado por Silva (2008) ao constatar que “o documento curricular da rede estadual de Pernambuco não sugere uma organização e distribuição dos conhecimentos gramaticais a serem ensinados em cada ano/série, cabendo este trabalho ao professor.” (p.82). Com base nos pressupostos apresentados pela coleção “Professor Carlos Maciel”, podemos observar que se trata de uma tentativa de implementar mudanças em concepções sobre língua, texto e novas orientações para o trabalho nos vários eixos de ensino. Constatamos também que a mesma tenta se articular com as novas perspectivas, ao 78 observarmos, nos eixos acima citados, uma ênfase muito grande no texto como unidade de ensino de Língua Portuguesa a serviço da comunicação. No entanto, não aprofunda questões importantes de ordem teórica e metodológica nas especificidades dos diferentes eixos de ensino. Tais contradições também foram evidenciadas na pesquisa de Marinho (1998), a qual concluiu que: Algumas propostas pretendem ser exclusivamente interacionistas e, por isso mesmo, julgam suficiente como conteúdo curricular explicitar essa concepção, sugerindo o seu desdobramento par uma concepção geral nas três áreas básicas de ensino: leitura, produção de texto e conhecimentos lingüísticos ou gramática. (p.55-56) Portanto, para romper com velhas tradições, no que se refere ao ensino da língua materna, as orientações referenciam propostas inovadoras que, muitas vezes, refletem contradições que trazem implicações nas suas orientações metodológicas ou não apresentam explicações mais aprofundadas e articuladas. Com o que foi discutido ao longo desse subcapítulo, podemos observar que, primeiramente, no ensino de língua portuguesa, a ênfase recaía sobre a necessidade de aprender as regras gramaticais. Para tal, era de extrema relevância um trabalho voltado para o ensino de frases fragmentadas, de elementos estruturais da língua, uma vez que o objetivo era o domínio da arte do escrever bem segundo as normas gramaticais. Com o advento de uma perspectiva mais utilitária da linguagem, as proeminências dos tipos textuais ganham espaço no ensino de língua materna, passando a ser vinculadas aos aspectos relacionados à apreensão de macro-estruturas que definem o tipo textual. Em outros termos, a preocupação maior das orientações prescritivas incidia, muitas vezes, sobre o repasse do conhecimento das configurações textuais típicas, tais como narração, descrição, dentre outras. Por fim, vemos um discurso mais voltado ao uso de uma grande diversidade textual para o desenvolvimento das habilidades do aluno, através de uma ampla variedade de textos que circulam socialmente. Ou seja, de acordo com essa perspectiva, o contato com uma gama de textos possibilita o desenvolvimento de capacidades necessárias ao reconhecimento de determinados textos e seus efeitos de sentido (cf. Mendonça, 2002). Nessa perspectiva, o texto é utilizado a serviço da comunicação, na qual a ênfase dar-se-á no contato amplo de produção e recepção de texto. Ressaltamos também que, ao fazermos uma breve discussão sobre as propostas curriculares de Pernambuco, relacionando-as com concepções de língua e linguagem, apresentamos o que estava sendo proposto para o ensino de língua materna em determinados 79 contextos históricos. Tal discussão fornece elementos relevantes para analisar a proposta curricular mais recente para as escolas públicas do estado de Pernambuco, a BCC-PE. Dessa forma, podemos observar que toda proposta curricular tem subjacente uma determinada concepção de linguagem. Assim, os elementos que a compõem, objetivos do ensino, conteúdos, orientações metodológicas, sugestões de atividades, perpassam por uma escolha de como conceber a língua, sua aquisição e sua aprendizagem. Nessa perspectiva, nada do que se concretiza nos textos prefigurativos deixa de se relacionar a um corpo de princípios, a partir dos quais se percebem os fenômenos linguísticos e discursivos. Considerando que não apenas os documentos curriculares oficiais orientam o trabalho do professor, neste estudo dedicamo-nos, a refletir sobre outro tipo de documento que também desenvolve um papel fundamental na organização do trabalho pedagógico: o livro didático. No próximo capítulo, nos deteremos a tecer considerações acerca do livro didático de língua portuguesa. Nesse sentido, primeiramente apresentaremos algumas reflexões sobre o livro didático e suas relações com os documentos oficiais e o mercado editorial. Posteriormente, refletiremos sobre o papel do livro nas relações de ensino-aprendizagem. Em seguida, traçaremos um perfil do livro didático de língua portuguesa. Por último, discutiremos acerca da didatização dos gêneros discursivos no livro didático. 80 Capítulo 3 O Livro didático de Língua Portuguesa Conforme anunciamos nos objetivos dessa pesquisa, o foco de análise nesta investigação também será o livro mais distribuído no estado de Pernambuco em 2007. Portanto, nesse capítulo, acreditamos ser de extrema relevância debater alguns tópicos referentes a este tipo de recurso didático tão presente no cotidiano das escolas brasileiras. Inicialmente, refletiremos acerca de como o livro foi tecendo seu percurso histórico, a partir de documentos oficiais e mercado editorial. Em seguida, abordaremos aspectos relacionados ao papel do livro didático na sala de aula, estabelecendo conexões entre as temáticas abordadas. Posteriormente, nos deteremos nas especificidades do livro didático de língua portuguesa, a fim de apontar seus avanços e entraves no que concerne ao ensino de língua materna. Nesse sentido, apontaremos alguns estudos que realizaram uma análise mais qualitativa dos livros didáticos de língua portuguesa e ressaltaram aspectos positivos e negativos dos mesmos. 3.1 Livro didático: uma breve retrospectiva O livro didático é um material que assume o lócus nas discussões contemporâneas, por fazer parte da cultura, das políticas públicas e por ser um instrumento de apoio no processo de ensino-aprendizagem. Um levantamento realizado por Batista, Rojo e Zúñiga (2005) envolvendo a produção acadêmica sobre os livros didáticos no Brasil constatou a existência de 1927 trabalhos sobre LD, no período que corresponde de 1975 a 2003 9, sendo a maioria delas destinada à área de Ciência da Linguagem (37,2%). Esse objeto complexo se constitui, segundo Stray (1993 apud CHOPPIN, 2004, p. 563) no “cruzamento de cultura, da pedagogia, da produção editorial e da sociedade” . As transformações sofridas pelo livro didático ao longo dos tempos foram muitas. Antes da invenção da imprensa, os povos formulavam seus livros com os materiais que dispunham na época para constituí-lo, tais como papiro, papel, etc. A produção de livros, em 9 Os referidos autores destacam que utilizaram a Plataforma Lattes do CNPq para o levantamento das pesquisas sobre o tema. Como essa Plataforma foi implementada na década 1990, destacam que os dados que permitiram uma maior segurança estão no período entre 1990 a 2003. 81 larga escala, ganha espaço quando a imprensa, no final do século XV, impulsiona a divulgação e a impressão dos mesmos. Em seus estudos sobre o livro didático no Brasil, Freitag et al. (1989), em um dos tópicos de sua análise, se refere ao histórico do livro didático. Segundo os referidos autores: Poder-se-ia mesmo afirmar que o livro didático não tem história própria no Brasil. Sua história não passa de uma seqüência de decretos, a partir de 1930, de forma aparentemente desordenada, e sem a correção ou crítica de outros setores da sociedade [...] Essa história de leis e decretos somente passa a ter sentido quando interpretada à luz das mudanças estruturais como um todo, ocorridas na sociedade brasileira, desde o Estado Novo até a “Nova República” (p.11) Com o exposto, podemos perceber que, para as autoras supracitadas, o histórico do livro didático está intrinsecamente relacionado às políticas públicas de livro didático e ao contexto histórico-social no qual está inserido. No Brasil, o aumento da produção se incrementa com a criação do Instituto Nacional de Livro (INL), em 1937, que tinha como objetivo legitimar o livro didático em escala nacional e, ao mesmo tempo, estimular sua produção. Segundo Freitag et al. (1989), seriam “as primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado Novo para assegurar a divulgação e a distribuição de obras de interesse educacional e cultural, criando-se o INL.” (p.12). O controle dessas produções é instituído com o surgimento da Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), conforme Decreto-Lei nº 1.006 de 1938, cuja função se atrelava à fiscalização política e ideológica do que meramente didática. Ainda nesse decreto, foi definido, pela primeira vez, o que seria livro didático: Art. 2º, inciso 1º - Compêndios são livros que exponham total ou parcialmente a matéria das disciplinas constantes nos programas escolares; 2º - Livros de leitura de classe são livros usados para a leitura dos alunos em aula; tais livros são também chamados de livros de texto, livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe, manual, livro didático (Oliveira, 1980, p. 13, apud Freitag et al. 1989, p.12 e13) Em 1945, pelo Decreto-Lei nº 8.460, se consolida a legislação sobre o processo de autorização para adoção e uso do livro didático, problemas de atualização e distribuição dos mesmos, além de medidas em relação à especulação comercial. (Cf. Freitag et al.,1989, p.13). Essa legislação surgiu a partir das críticas contra a legitimidade da CNLD. Na época da ditadura militar, diversos acordos são assinados entre o governo brasileiro, na representatividade do MEC (Ministério da Educação), e o governo americano, 82 representado pela USAID (Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Nacional). Esses acordos culminaram na criação da COLTED (Comissão do livro Técnico e do Livro Didático) que tinha como finalidade dirigir as ações de edição, produção e distribuição do livro didático. Um acordo firmado em 1967, entre MEC/USAID e SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), tinha como pretensão “tornar disponível cerca de 51 milhões de livros para os estudantes brasileiros no período de três anos”. (Cf. Freitag et al. 1989, p.14). Os educadores brasileiros realizaram diversas críticas a respeito desses acordos, uma vez que as responsabilidades de execução recaiam sobre o MEC e SNEL e os mecanismos de controle sobre os órgãos da USAID. Em 1971, a COLTED foi extinta e o INL passou a desenvolver o PLID (Programa do Livro Didático). Em 1976, surgiu a FENAME (Fundação Nacional de Material Escolar), tendo como responsabilidade definir diretrizes, coordenar distribuições do LD, formular programa editorial, executar programas do LD e cooperar com instituições educacionais, científicas e culturais. (cf. Freitag et al. 1989, p.15) Já em 1983, houve uma concentração de vários programas do governo, com a criação da FAE (Fundação de Assistência ao Estudante). Segundo Freitag et al. (1989): foram reunidas em uma instituição única vários programas de assistência ao governo, como PANAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) PLIDEF (Programa Nacional do Livro Didático – Ensino Fundamental), programas editoriais, de material escolar, bolsas de estudos e outros. (p.16) Essa centralização política assistencialista gerou críticas e denúncias. As autoras supracitadas salientam que dentre as denúncias se destacam: os livros didáticos não eram distribuídos nos prazos estabelecidos, havia pressão das editoras junto aos órgãos responsáveis e o autoritarismo nas escolhas dos livros didáticos. (cf. Freitag,1989, p.16) Quando o PLIDEF é substituído pelo PNLD, com a edição do decreto 91.542, de 19/8/85, algumas mudanças são inseridas no que se refere ao programa de livro didático. Dentre elas, a adoção de livros reutilizáveis (exceto para a 1ª série), escolha do livro pelo conjunto de professores, sua distribuição gratuita às escolas e sua aquisição com recursos do Governo Federal (cf. Brasília, FNDE). O PNLD, tal como se configura atualmente, passou por uma série de transformações que definiram a relação do Estado brasileiro com o livro. Segundo Batista (2003), o desenvolvimento desse Programa esteve sempre dependente a resolver duas questões centrais: “a questão da qualidade dos livros que eram adquiridos e das condições políticas e 83 operacionais do conjunto de processos envolvidos na escolha, aquisição e distribuição desses livros” (p.27) Segundo Batista (2003), a questão da qualidade consistiu numa preocupação do MEC que passou, desde 1996, a elaborar e executar medidas para avaliar, de forma sistemática e contínua, o livro didático, como também discutir as perspectiva das características, funções e qualidade do LD com os diversos setores relacionados à sua produção e consumo. Ainda segundo o autor supracitado, dois aspectos repercutem sobre o PNLD: a natureza centralizada do Programa e a utilização de recursos federais. A primeira se trata de “uma ação dependente de um grande volume de recursos e organizada em torno de processos de grande complexidade e envergadura” (BATISTA, 2003, p.35). Já a segunda aborda toda discussão acerca do financiamento diante a necessidade de um acentuado volume de recursos para todo processo de avaliação, escolha e compra dos LDs no Brasil. Não podemos deixar de ressaltar que muitas das melhorias que os LDs sofreram, ao longo desses anos, foram impulsionadas pelo PNLD, uma vez que foi instaurado: um consenso em torno de seu papel fundamental para construir com a comunidade escolar e universitária e com as editoras envolvidas no esforço de melhoria dos materiais didáticos, um novo padrão de qualidade para o livro escolar. (BATISTA, 2003, p.39) Nesse sentido, as avaliações, de certa forma, orientam as editoras a reformularem suas propostas, objetivando transformar os livros didáticos disponibilizados para a escolha pelas escolas públicas. Esses materiais constituem-se, então, em instrumentos que contribuem para o aprendizado de várias áreas de conhecimento segundo as orientações de documentos como os parâmetros e referenciais curriculares nacionais. Dentre os impactos positivos do PNLD, Batista (2003) ressalta: [...] -, a avaliação pedagógica dos livros ensejou uma ampla renovação da produção didática brasileira, evidenciada tanto pela participação de novas editoras a cada PNLD, com a inscrição de novo títulos, quanto pelo surgimento de uma nova geração de autores, o que revela, em princípio, a preocupação crescente das editoras com a adequação dos livros didáticos. (p.38) Assim, com os critérios ao qual são submetidos alguns livros didáticos, “os editores passaram a encontrar, portanto, na avaliação, uma forte barreira para a venda de seus livros para o Governo Federal” (BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2005, p.52) 84 É importante salientar que, além de todo esse processo de confronto entre mercado editorial e política de controle do MEC, encontramos também as forças oriundas da sala de aula: quem não mais está entrelaçado a esse processo senão o professor e aluno? Para tal, a escolha, muitas vezes, se configura numa oportunidade de discussão das propostas de várias editoras e a seleção do recurso a ser utilizado no processo de aprendizagem. Nesse sentido, “o livro didático está presente cotidianamente na sala de aula e constitui um dos elementos básicos da organização do trabalho docente”. (BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2005, p.52) Com o exposto, podemos observar que a compreensão sobre a história do livro didático no Brasil não pode ser desvinculada do estudo sobre os decretos, leis e medidas governamentais. Nesse sentido, pode-se conceber que o livro, como um instrumento complexo, nem sempre atendeu às necessidades da escola, mas sim a interesses de gabinetes, levando em consideração a política vigente e a produção cultural de um determinado contexto histórico. Atualmente, observamos que um dos focos das políticas governamentais é a qualidade dos livros didáticos que, em torno de toda uma complexidade, se configura pela interposição de múltiplos sujeitos em sua produção, circulação e consumo. A abordagem do livro didático é sempre polêmica, por isso, pesquisadores investem em seus estudos, procurando observar a qualidade do livro didático, indicando suas deficiências e ressaltando suas melhorias. Dentre os pesquisadores, destacamos Rojo (2003), Val e Castanheira (2005), Batista (2005), Bezerra (2005), Rangel (2005), Morais e Albuquerque (2005), Marcuschi e Leal (2009), Leal, Brandão e Torres (2009) e outros que endossam, há duas décadas, o interesse por esse objeto multifacetado. No contexto escolar, o livro assume um papel relevante, uma vez que é um dos instrumentos mais utilizados, servindo como fonte de consulta tanto para o aluno, quanto para o professor. Batista et al (2005) ressalta que: Num país - como um Brasil – de parcimoniosa distribuição do livro, o manual didático é um dos poucos gêneros de impresso com base nos quais parcelas expressivas da população brasileira realizam uma primeira – e muitas vezes a principal – inserção na cultura escrita. É, também, um dos poucos materiais didáticos presentes cotidianamente na sala de aula, constituído o conjunto de possibilidades a partir do qual a escola seleciona seus saberes, organiza-os, aborda-os. (p. 47) Assim, esse material didático pode ser utilizado como apoio às atividades propostas em sala, como fonte bibliográfica, como suporte para planejamentos e preparação das aulas 85 e/ou como fonte de formação para o professor. Nesse sentido, não podemos deixar de ressaltar que o livro possui um papel específico na sala de aula, sendo o mesmo capaz de contribuir para a aprendizagem dos alunos. Os usos que os professores e alunos fazem do LD também perpassa pela questão de que ele não é um mero instrumento, mas sim um objeto material complexo que aborda o conhecimento e os conteúdos escolares de acordo com princípios metodológicos e concepções definidas pelos autores e editores. Entretanto, ressaltamos que, muitas vezes, esse também apresenta lacunas, indefinições metodológicas, simplificação de conhecimentos, enfim, alguns percalços que podem prejudicar sua intenção de realizar contribuições para aprendizagem. Por isso, cada vez mais o MEC explicita a preocupação em avaliar a qualidade dos LD. Nesse sentido, destacamos um fragmento que ressalta tal inquietação num documento sobre os princípios e critérios para avaliação de livros didáticos publicado pelo MEC: [...] é fundamental melhorar a qualidade do livro didático no Brasil. Um passo está sendo dado nesse sentido ao produzir-se um catálogo com os títulos recomendados, a partir de sua análise por especialistas de área, com experiência docente, apoiados por critérios cuidadosamente elaborados. (BRASIL, 1998) Nesse contexto, o docente se configura num sujeito que interfere nesse processo, por ser dado ao mesmo a oportunidade de selecionar qual o livro que será utilizado como instrumento facilitador da aprendizagem do aluno. Portanto, faz-se necessário também que o docente questione o papel do livro didático, observando suas características positivas, como também suas limitações, a fim de fazer complementações adequadas às realidades específicas do contexto escolar. Nesse sentido, acreditando que o desenvolvimento de algumas capacidades não se dá forma natural, mas sim necessitam de intervenções mais peculiares da escola, consideramos que o estudo dos livros didáticos, que orientam intervenções nas salas de aula, é de extrema importância. Para tal, o livro é visto como espaço educativo possibilitador da aprendizagem. Val e Castanheiras (2005) salientam: Acredita-se que o desenvolvimento das capacidades lingüísticas – de natureza discursiva, textual e gramatical – envolvidas no pleno exercício da cidadania numa sociedade letrada não são apreendidas espontaneamente, precisam ser ensinadas. Daí a necessidade de os livros didáticos que no Brasil, têm funcionado como importante apoio ao trabalho do professor, apresentarem atividades de leitura, produção de textos, práticas orais e reflexão sobre a linguagem bem conduzidas, com a exploração de estratégias pertinentes e diversificadas. (p.154) 86 Dado o exposto, percebemos que o livro poderá ser utilizado como um recurso eficiente integrado no processo de aprendizagem, desde que se reflita acerca de seus avanços e limitações para que, em funções dos objetivos que se deseja alcançar, o mesmo possa ser um recurso pedagógico eficiente que contribua efetivamente na relação de ensino-aprendizagem. No próximo item, discutiremos, especificamente, sobre o livro didático de Língua Portuguesa, bem como faremos algumas reflexões sobre alguns de seus avanços e entraves para o aprendizado de língua materna. 3.2. Livro didático de Língua Portuguesa Nem sempre o livro didático de Língua Portuguesa (doravante LDLP), tal com se configura atualmente, era o instrumento utilizado no ensino de língua materna. Até certo contexto histórico, em meados dos anos 60, quem subsidiava as aulas de português eram os manuais didáticos com excertos de textos literários: ora separados em gramática e antologia, ora unificados num só livro, mas com partes independentes. Vale salientar que a concepção de língua que permeou esse período, como já foi discutido no capítulo I, era: a concepção de língua como sistema: ensinar português era ensinar a conhecer/reconhecer o sistema lingüístico, ou apresentando e fazendo aprender a gramática da língua , ou usando textos para buscar neles as estruturas lingüísticas que eram submetidas a análise gramatical. (SOARES, 1998, p.55) Nesse sentido, para o ensino de língua materna, alguns materiais foram utilizados. Tal como ressaltam Bunzen e Rojo (2005), o ensino da língua foi, “durante alguns séculos, feito por meio de cartilhas e livros de leituras nas séries iniciais [...] e por meio de antologias [...], gramáticas, manuais de Retórica e Poética, nas séries mais avançadas”. (p.76) Alguns estudos, como o de Razzini (2000, apud Bunzen e Rojo, 2005) ressaltam que o arquétipo de LDP, tal como conhecemos nos anos 70, foi fruto das transformações educacionais do contexto da ditadura e da publicação da lei 5692/71. Entretanto, o mesmo ainda ressalta que esse livro didático fora pensado num período de tempo maior entre as décadas de 50 e 60. Atualmente, como já foi exposto, todo LDLP adotado na rede pública via distribuição MEC se submete a uma avaliação do PNLD, segundo critérios avaliativos que orientam sua recomendação. Em decorrência dessa avaliação, os autores e editores passaram a se preocupar 87 mais com a qualidade desse material. Ou seja, para se adequar às novas exigências e prérequisitos para serem aceitos pelo PNLD, reformulações são realizadas e, muitas vezes, as concepções acerca do ensino da língua materna são redirecionadas. Rangel (2005), discutindo sobre o despertar do interesse de pesquisadores e educadores pelo LDP, ressalta que: O PNLD, especialmente a partir da avaliação, estabeleceu perspectivas teóricas e metodológicas bastantes definidas para o LDP, perspectivas estas que se tornaram possíveis graças a uma movimentação no campo de reflexão sobre o ensino da língua materna que bem poderíamos considerar como uma mudança de paradigma. (p.14) Para que LDLP se configure como um instrumento de ensino pautado na concepção de língua como prática social, conforme a mudança de concepções citada acima, os autores de livros “precisam enfrentar novos objetivos didáticos do ensino de língua materna: o discurso, os padrões de letramento, a língua oral, a textualidade, as diferentes “gramáticas” de uma mesma língua.” (RANGEL, 2005, p.19). No entanto, nem sempre as reformulações realizadas se configuram em mudanças amadurecidas de paradigma. Rojo (2003), discutindo sobre o perfil do LDP de 5ª a 8ª, concernente a avaliação dos livros de 2002, destaca que: Embora possamos dizer que os procedimentos de avaliação do PNLD tenham surgido efeito na melhoria da qualidade de alguns aspectos do material didático distribuído em nossas escolas, o LD ainda está a exigir um enorme montante de esforços para o incremento de sua condição didáticometodológica nos campos específicos de ensino de língua materna a que se dedica, especialmente no caso do ensino de gramática e da construção e uso da oralidade em sala de aula. Mas não muito menos, no campo da leitura e da produção de textos escritos. Faz ver também que são de ordem didáticometodológica seus principais problemas remanescentes. (p.98) Bezerra (2002) também ressalta que, apesar das pressões que os livros didáticos sofrem para empreenderem reformulações em suas bases metodológicas, de conteúdo e teóricas, ainda podemos encontrar mudanças aparentes se consagrando antigas práticas e concepções teóricas. Os vários problemas a serem resolvidos pelos livros didáticos de língua portuguesa se articulam a uma questão crucial: o que um bom LDLP deve oferecer? Como definir a questão da qualidade do LDLP que vá além do atendimento das necessidades do professor, do papel de instrumento na formação do professor e, principalmente, da oferta de propostas produtivas ao trabalho escolar? Marcuschi e Cavalcanti (2005) destacam que: 88 o bom LDPD será aquele que: 1) permitir a problematização das práticas de letramento, oportunizando momento diversificados de trabalho textual em contextos de uso; 2) operar com os gêneros textuais que circulam socialmente, considerando-se aí as práticas discursivas dos interlocutores. Esse enfoque está estreitamente interligado à noção de letramento, visto como “o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter se apropriado da escrita (SOARES,1998), de língua enquanto atividade histórica e situada, nas qual se acham envolvidos os usuários para construir e reconstruir permanentemente uma visão pública do mundo, e de gênero textual como entidade sócio-discursiva e forma de ação social incontornável em qualquer situação de comunicativa (MARCUSCHI, 2000) Essas são as opções esperadas de LDPL que se propunha estar em sintonia com aspirações da sociedade, em termos de formação básica com qualidade social para as crianças e os jovens brasileiros, numa perspectiva socio-interacionista, em que o conhecimento é compreendido e apreendido como construção histórico-social. (p.240) (MARCUSCHI, CAVALCANTI, 2005, p.240) Com o exposto, pode-se perceber que a qualidade do material do LDP para as referidas autoras está intrinsecamente ligada à noção de língua como atividade dialógica, considerando todas as condições enunciativas que presidem toda produção de linguagem. Bezerra (2002) destaca que, diante do contexto atual, se faz necessário que o LDLP trabalhe com uma diversidade de textos com a finalidade de desenvolver as competências linguísticas, textuais e comunicativas dos alunos. Considerando os aspectos discursivos da linguagem e aspectos relacionados à cultura escrita e oral, Rojo (2003) ressalta que: Lidar com os aspectos discursivos dos textos em sua efetividade, reconhecer os interdiscursos e as diversas linguagens sociais presentes nos textos orais e escritos, encarar a fala oral pública como objeto letrado sobre o qual a escola tem um papel, trabalhar as propriedades formais e estilísticas da linguagem em sua relação com o funcionamento dos textos e discursos são atividades – centrais, no processo de letramentos – que ainda estão longe da realidade dos LDs que circulam em nossa rede pública hoje. (p.99) No entanto, embora vários autores destaquem a necessidade de trabalhar a língua materna numa perspectiva sócio-discursiva, podemos encontrar, em pesquisas de cunho qualitativo, LDLP que ainda estão destoantes das concepções da linguagem como prática social. Nessa perspectiva, destacamos um estudo realizado pela pesquisadora Val (2003) sobre as atividades de produção de textos escritos em livros didáticos de 5ª série do Ensino Fundamental. Esse teve como corpus 11 coleções avaliadas pelo PNLD/2002 e 3 coleções excluídas com base na Ficha de Avaliação do PNLD/2002 relativa às atividades de produção de textos escritos. Dentre os dados destacados pela autora, foi constatado que a maioria dos 89 livros didáticos indicava os gêneros em suas propostas. Entretanto, não desenvolviam um trabalho mais sistemático acerca desse conceito, uma vez que não se preocupavam com os objetivos e funções sociais, com o perfil dos destinatários, a esfera de circulação e do suporte, enfim, com algumas características relevantes dos gêneros. Ainda, segundo esse estudo, o que é priorizado nas atividades de produção de texto e nas propostas de revisão e auto-avaliação são aspectos relacionados à forma do texto. A própria autora salienta que: os fatores determinantes na escolha do que vai se dizer e do modo como vai se dizer, ligados à representação que se faz dos objetivos do texto, do leitor a que se destina, do contexto e do suporte em que deverá circular, da situação em que será lido, ou não chegam a ser explicitados, ou são mencionados apenas eventualmente.(p.151) Observamos, com o acima exposto, que ainda existem muitas propostas nos LDLP que desconsideram os elementos fundamentais para a produção de um texto escrito, os quais implicam na escolha de um determinado gênero de acordo com a situação de interlocução: para quê, para quem, sobre o quê e em que esfera e suporte circularão. Rojo (2003), discutindo sobre os resultados da avaliação pedagógica realizada pela Comdipe/SEF/MEC dentro do PNLD/2002 acerca dos LDs de Língua Portuguesa da 5º série a 8º série do ensino fundamental, destaca, que, na seleção do material textual: há diversidade de gêneros (97%), de tipos de textos (89%) e de contextos sociais de usos dos textos (esferas de circulação, 86%), com incidência representativa da esfera literária (81%), o que parece colaborar com a ampliação do repertório literário do aluno (72%). Também há diversidade de suportes de origem dos textos (86%), sem que, entretanto, haja sempre fidelidade à representação dos suportes em questão (64%). (p.85) Esse aspecto pode evidenciar um avanço no que concerne à diversidade de gêneros que os editores selecionam para os LDs. Entretanto, é necessário refletir se as propostas didáticas dos livros sugerem um trabalho articulado com atividades que explorem os elementos sociodiscursivos e linguísticos do gênero em questão. A respeito disso, a autora supracitada salienta que “os textos apresentam-se também em gêneros bastante diversificados (97%), embora nem sempre as características destes gêneros sejam exploradas nas atividades de leitura e produção”. (ROJO, 2003, p.84) Tal aspecto foi observado por Marcuschi e Leal (2009) que, ao refletirem sobre o trabalho com condições de produção dos textos dos livros didáticos do PNLD 2009, anos iniciais, constataram que: 90 Segundo os dados do PNLD 2007, todas as 37 coleções de 1ª a 4ª série aprovadas contemplam a diversidade de gêneros textuais em suas atividades de escrita. Todavia, nem sempre o trabalho com os gêneros textuais está associado a encaminhamentos que considerem as condições de produção e circulação. Quatro das coleções analisadas costumam negar ao aluno indicações a respeito do destinatário do texto. [...] Em cinco obras didáticas, pouco se diz quanto ao contexto social em que o texto poderia circular [...] de forma a caracterizar uma situação efetiva de interlocução. Seis da coleção não apontaram rotineiramente os objetivos do ato de escrita. [...] Por fim, sete das coleções avaliadas, não é sempre indicado o suporte em que o texto será apresentado ao leitor – nem mesmo os suportes próprios da cultura escolar [...] (p.136) Bezerra (2005), ao analisar um LDP, observou que favorecer o contato com a diversidade de textos que circulam socialmente consiste num avanço dos autores de LD. Entretanto, ainda não se configura em realidade um trabalho mais sistemático com os gêneros em seus usos sociais e sua distinção de tipo textual. Com o exposto, observamos mudanças nos LDLP no que se refere à natureza do material textual, principalmente, à inserção de vários gêneros discursivos nos mesmos. No entanto, as atividades voltadas para os gêneros ainda precisam ser mais bem investigadas, de forma a observar se favorecem ou não o desenvolvimento das capacidades linguísticas e discursivas dos alunos. Em um estudo acerca do perfil dos livros avaliados no PNLD 2004, as pesquisadoras Val e Castanheiras (2005), a partir dos dados do PNLD 2004, a fim de verificar as implicações de sua configuração para o ensino de língua materna, discutem os perfis de 41 livros de alfabetização e 42 coleções de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª. Dentre os resultados encontrados, destacamos aqueles que se referem à seleção do material textual e ao tratamento com as atividades de leitura e escrita nos LDPs de 1ª a 4ª. Nesse estudo, constatou-se que os textos inseridos nos livros didáticos pertencem a gêneros e tipos variados, como também contemplam diversidade de temática ficando entre 80 a 93% a frequência nas obras analisadas. No entanto, no que se refere ao item fidelidade ao suporte original dos textos, o índice apresenta menor frequência (52%). Segundo as autoras supracitadas, “o que pode significar um índice alto de descaracterização de textos extraídos da imprensa ou de suportes muito específicos, como propagandas e as embalagens comerciais”. (p.167) No que se refere às atividades de leitura e compreensão de textos, a exploração dos gêneros textuais se apresenta numa boa frequência em 71% das coleções analisadas. Foi observado também que as estratégias de leitura (comparação entre informações, ativação de conhecimentos prévios e produção de inferências) estavam razoavelmente presentes em mais 91 de 80% dos livros. No entanto, as estratégias de generalização, predição e formulação de hipóteses apresentavam-se em menor frequência, abaixo de 60% e checagem de hipótese com uma presença ainda menor, 30%. Já as atividades de produção de textos escritos, a diversidade de gêneros, de tipos textuais e a indicação do gênero e do tipo de texto atingiram uma alta frequência, sendo respectivamente 98%, 100% e 95%. A respeito disso, as autoras da pesquisa ressaltam que: o mais significativo é que a diversidade de gêneros e de tipos parece estar incorporada às propostas das obras didáticas, tanto nos materiais oferecidos à leitura quanto nas atividades de produção escrita, porque isso pode ser um indicio de que a diversidade das manifestações da escrita em circulação na sociedade está efetivamente presente nas salas de aulas. (p.175) Todavia, menos da metade das obras se preocupam em orientar os elementos fundamentais das condições de produção e circulação dos textos nas propostas escritas. Com os resultados da pesquisa acima expostos, podemos observar mudanças nas coleções de LDLP, principalmente, no que concerne à diversidade de gêneros e tipos textuais e sua relação com o trabalho com a leitura e a escrita. Com isso, percebemos a preocupação dos autores e editores dos livros didáticos de língua portuguesa em empreender reformulações em suas propostas com base em novas discussões sobre o ensino da língua como processo de interação, em contextos de usos autênticos, com os diferentes gêneros discursivos, suas funções interativas e os diversos suportes de materiais. Entretanto, os estudos apontados nesse tópico mostram que propostas descontextualizadas, fragmentadas e com objetivos imprecisos não oferecem a oportunidade de refletir mais sistematicamente acerca das características dos gêneros selecionados, como também não promovem articulações para que os alunos percebam as semelhanças e diferenças de um gênero em relação a outro. As avaliações nacionais de LDLP, por sua vez, apontam uma tendência dos autores de livros didáticos de inserirem em suas coleções uma variedade de gêneros e temas. No entanto, o desenvolvimento de um estudo sistemático em que se diferencie tipo de gênero e reflita acerca dos usos reais de cada gênero ainda é incipiente. (cf. Bezerra, 2005, p.42) Nesse sentido, algumas pesquisas apontam para uma necessidade de reflexões maiores para o trabalho didático com os gêneros, como no caso da pesquisa realizada por Barros e Nascimento (2007). Esse estudo tinha com o objetivo de observar o tratamento didático que os autores dos LDs atribuem a produção textual do gênero crítica em um capítulo de um livro didático do Ensino Médio, volume dois. 92 Dentre os resultados encontrados, os pesquisadores supracitados observaram que o Manual do professor do LD se propõe a trabalhar as dimensões dos gêneros de acordo com os pressupostos teóricos de Bakhtin, no entanto, apesar dessas serem alvos de reflexões nas atividades do LD, muitas vezes as reflexões são superficiais e não aprofundadas. Outro aspecto a ser destacado se remete ao favorecimento por parte das atividades da assimilação das características prototípicas do gênero em foco, entretanto o trabalho articulado com alguns pontos de análise linguística merece maior reflexão. Constatou-se também que as propostas de produção do gênero crítica são bem formuladas, mas que poderiam apresentar sugestões voltadas para um trabalho prévio e coletivo com expansão das características dos gêneros abordados. Quim e Martins (2006), analisando a diversidade de gêneros textuais e o ensino de leitura no livro didático em um livro de 4ª série do ensino fundamental, de forma mais específica o primeiro capítulo, observaram que o mesmo explora gêneros relevantes e são propostas algumas atividades de leitura que exploram conhecimentos sobre os gêneros No entanto, poderia favorecer o contato maior com gêneros do cotidiano dos alunos e que permitissem explorar a estrutura e funcionamento da linguagem nestes textos. Em relação a atividade com o gênero biografia, as autoras apontam que, apesar do livro explorar questões de leitura sobre o gênero, poderia oportunizar um maior contato com outras biografias e ampliar as atividades que trabalham com características do gênero em questão. Como podemos observar, a inserção dos gêneros nos livros didáticos nem sempre vem acompanhada de um trabalho mais sistemático que ressalte as suas características. Alves (2005), ressalta que: nos LDP destinados aos terceiros e quartos ciclo do ensino fundamental, a presença de poemas é uma constante, mas o modo como são utilizados apresenta problemas sérios. Há problemas relativos à qualidade estética dos textos, à adequação ao leitor a que se destina e, sobretudo, ao modo de abordagem. (p.63). Biasi- Rodrigues (2002), analisando o tratamento dos gêneros em três livros didáticos destaca que: o termo gênero e tudo que envolve o reconhecimento de um gênero textual/discursivo passam a largo nas três coleções analisadas. As atividades propostas não exploram as condições de produção ou instâncias comunicativas em que os gêneros são construídos e praticados, seus propósitos comunicativos e as relações que se estabelecem em função desses propósitos entre produtor (falante/escritor) e receptor (ouvinte/leitor). (p.57) 93 Ainda sobre esse estudo, a autora supracitada ressalta, em seu artigo, três atividades que não suscitam reflexões mais sistemáticas sobre os gêneros, e, portanto, apresentaram lacunas no que se refere ao trabalho com os mesmos numa perspectiva enunciativa da linguagem e as características sociodiscursivas. Primeiramente, a pesquisadora cita uma atividade envolvendo uma certidão de casamento, na qual o livro explora questões referentes às suas características estruturais e condições de produção. No entanto, na seção de “Produção” é solicitada ao aluno a confecção de um convite. Assim, segundo Biasi-Rodrigues (2002) “há uma lacuna nessa proposta de atividade de produção que pode ser preenchida pelo professor, explorando as características do gênero convite e examinando em vários exemplos os aspectos lingüísticos e formais”. (p.57). Outro exemplo apontando pela autora remete a duas atividades da outra coleção: a primeira voltada para uma letra de música, com questões sobre o texto e, em seguida, com a indicação de uma proposta de produção de uma narração e a segunda com a exploração de um poema, seguido de uma explanação sobre descrição e com uma proposta de produção de uma descrição de um prédio ou monumento da cidade. Em ambas, a pesquisadora afirma que “os autores privilegiam a classificação formal ao solicitar que os alunos produzam uma narração e uma descrição vistas como gêneros.” (BIASI-RODRIGUES, 2002, p.59) Por último, a terceira coleção na subseção “Pesquisa e produção de texto” traz uma proposta de exploração de uma pesquisa centrada numa crônica sobre censura, após é solicitado aos alunos que os resultados sejam apresentados em forma de debate apresentando para os mesmos elementos importantes para o debate, por fim, convida os estudantes a escreverem uma dissertação sobre censura e preconceito explicando a estrutura tradicional da dissertação. Essa atividade, Biasi-Rodrigues (2002) ressalta que é: um claro exemplo de que se praticam ainda alguns equívocos sobre o que é produção de textos autênticos e sobre os seus propósitos comunicativos e efeitos sócio-comunicativos. E ainda é preciso salientar que o gênero crônica, utilizado como ponto de partida para as duas atividades, não foi explorado ou sequer foi comentado! (p.60) No entanto, podemos encontrar alguns estudos que se remetem a uma reflexão dos gêneros nos LDs como alvo de reflexões mais sistemáticas como o de Amorim e Silva (2007). Neste trabalho foi analisado o trabalho didático com quatro gêneros de uma coleção de livro didático de língua portuguesa das séries iniciais. Nesse, foram observados os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros poema, conto, reportagem e tirinha nos livros didáticos. As autoras supracitadas observaram que, em relação ao poema, os volumes 1 e 2 evidenciaram 94 uma preocupação em trabalhar como evidenciar os contextualizadores do poema, sua estrutura e sua funcionalidade e os volumes 3 e 4 fora observado um maior aprofundamento dos recursos linguísticos usados no gênero, sempre articuladas às propostas de leitura, interpretação oral e escrita e produção. Ainda no estudo em questão, em relação ao gênero conto, constatou-se que, apesar do gênero a ser lido não ser indicado, existe uma preocupação da autora com uma sequência didática, uma vez que propicia atividades de antecipação à leitura do conto. Nesse sentido, os alunos são estimulados a desenvolver as capacidades linguístico-discursivas, ao construírem um significado global de um texto, utilizando as unidades sócio-discursivas próprias de cada gênero. No entanto, em algumas atividades com o gênero conto não há uma articulação direta entre a leitura e produção, uma vez que o aluno é convidado a escrever outros gêneros. Com o gênero reportagem verificou-se que há LDs uma preocupação com o reconhecimento do plano textual geral dos gêneros, os tipos de discurso e de seqüências mobilizadas. Nesse sentido, a proposta de trabalho com o gênero reportagem está direcionada aos elementos sóciodiscursivos básicos desse gênero: para quê, para quem, em que esfera e qual o suporte. Já em relação a tirinha percebeu-se que as atividades são direcionadas para identificação e apropriação das características sócio-discursivas e estruturais do gênero textual tirinha. Há constantemente a exploração dos recursos lexicais, frasais e das estruturas gráficas da tirinha necessárias a formação de um leitor capaz de construir sentidos do texto. Cafiero e Corrêa (2009), analisando seis coleções aprovadas no PNLD 2008, de 5ª a 8ª séries, a partir do Guia de Livros Didáticos e as fichas avaliativas, observaram , dentre outros resultados, dois conjuntos de práticas em relação aos textos literários: o primeiro pouco contribui para formação do leitor e o segundo aborda um perspectiva interessante para o trabalho com os textos de literatura. Nessa direção, verificaram que as coleções do primeiro grupo incorporam “um número restrito de textos literários para exploração de atividades de leitura, priorizando gêneros de outras esferas de circulação [...] Nelas há também um excesso de textos e muitos constituem recortes das obras de onde foram extraídos” (CAFIERO e CORRÊA, 2009, p.164). Já as do segundo grupo, alguns fatores contribuem para a formação do leitor literário, tais como: “seleção de autores que oportunizam ao aluno contato com leitura de qualidade, [...], apresentação de textos integrais, [...] e exploração das escolhas linguísticas [...]” (CAFIERO e CORRÊA, 2009, p. 165). Ainda nesse estudo, os autores supracitados elaboraram um quadro síntese das características das coleções no trato literário, destacando não só a presença de diversidade de gêneros, mas também o enfoque dado ao tratamento didático: 95 QUADRO 2: Síntese das características das coleções no trato do texto literário Fatores que contribuem para formação do Fatores que contribuem pouco para formação leitor literário no LD do leitor literário no LD (ou não contribuem) Boa seleção de textos e autores. Número restrito de textos literários – apesar da Diversidade nos gêneros da literatura. diversidade de gêneros. Exploração de textos integrais. (longos) Excesso de textos fragmentados. No trabalho com textos literários, exploração das Exploração que privilegia sentidos literais, escolhas linguísticas, dos efeitos de sentido, do inclusive na abordagem de textos literários. pacto ficcional. Textos literários Exploração das imagens evocadas por algumas gramaticais ou ortográficos. palavras, da relação simbólica, via metáfora ou Exploração comparação. usados limitada a para poucos exercícios recursos expressivos e estéticos usados, em geral, nos No tratamento de poemas, exploração da poemas. sonoridade. Exploração da forma composicional dos textos Tratamento dos gêneros como se fossem formas (na narração: situação inicial, complicação, fixas, não levando os alunos a perceber o que há clímax, desfecho), combinada com a exploração de recorrente neles, mas apenas informando do estilo e da função do gênero. “quais são as partes do gênero X”. Estímulo à leitura da obra literária completa. Análise e discussão do contexto de produção dos textos. Instauração do lúdico, do prazer. Fonte: CAFIERO E CORRÊA, 2009, p. 165 Como vemos, dentre as características que Cafiero e Corrêa apontam, como boas práticas para formação do leitor literário nas coleções analisadas, as que retomam a necessidade de não só a explorar os aspectos estruturais dos gêneros literários, mas também outras dimensões, tais como o estilo e a função do gênero. Com os estudos discutidos nesse capítulo, de forma geral, podemos observar que existe uma tendência dos livros didáticos em diversificar o material textual. Entretanto, faz-se necessário discutir como essa material está sendo aproveitado nas atividades dos LDs e quais os enfoques estão sendo dados ao trabalho com os mesmo. Segundo Hoffnagel (2002): se vamos seguir a recomendação dos PCN de possibilitar a compreensão crítica dos vários gêneros discursivos que o cidadão lida no seu cotidiano, precisamos ir além de simplesmente apresentar os vários gêneros como 96 exemplos de formas: isto é uma carta, uma entrevista, um artigo de opinião, etc. (p.192) Corroboramos com a ideia de que o conhecimento do gênero é uma ferramenta muito importante para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e discursivas do indivíduo. Os livros didáticos, por sua vez, podem propor atividades com diferentes gêneros e destinatários enfocando os aspectos sociodiscursivos. A abordagem dos gêneros de diferentes esferas sociais que apresentam uma grande variedade de suportes (revistas, jornais, enciclopédias) e de autorias é uma tentativa de contemplar as necessidades de múltiplos letramentos exigidos por uma sociedade contemporânea. Rojo (2003) ressalta que, “muitas vezes, o LD é o único material de leitura disponível nas casas destes alunos do Ensino Fundamental e, por isso mesmo, é importantíssimo para o seu processo de letramento que esses textos sejam de qualidade.” (p.83). Dessa forma, acreditamos que o livro didático não é o único instrumento do educador e do aluno, mas é uma ferramenta importante no processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. O trabalho com a escrita, leitura e oralidade é um dos norteadores da ação pedagógica e um livro de Língua Portuguesa deve trazer uma proposta voltada para o desenvolvimento de um sujeito que, ao “produzir um discurso, conhecendo possibilidades que estão postas culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará, escolhendo aquele que for apropriado aos seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão.” (BRASIL, 1997, p.65). No próximo capítulo apresentaremos a metodologia do estudo em questão. Para tal, tecermos algumas considerações sobre o aporte metodológico adotado, as fases de realização da pesquisa e os aspectos observados. 97 Capítulo 4 Procedimentos metodológicos A metodologia empregada neste trabalho foi baseada na análise de conteúdo e documental (Bardin, 2004), uma vez que a preocupação central foi analisar a Base Curricular Comum de Pernambuco e a coleção de livros didáticos mais distribuída nas redes de ensino do referido estado, de forma a refletir sobre como o ensino dos gêneros discursivos está sendo concebido nesses documentos. Segundo Bardin (2004), a análise documental é definida como “uma operação ou um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma diferente da original num estado ulterior a sua consulta e referenciação” (p.40). A análise de conteúdo e documental nos permitiu interpretar os significados nos documentos oficiais, ultrapassando uma simples compreensão do real para uma sistematização mais complexa dos dados apresentados, como também proporcionou instrumentos técnicos que colaboraram para o rigor na produção do conhecimento científico. Nesse sentido, Bardin (2004) ressalta que: a “atitude de vigilância crítica exige o rodeio metodológico e o emprego de técnicas de ruptura e afigura-se tanto mais útil para o especialista das ciências humanas, quanto mais ele tenha sempre uma impressão de familiaridade face a face ao seu objeto de análise”(p.24) Assim, o desejo de rigor e a necessidade de descobrir nos incitou a realizar uma análise minuciosa de como o ensino dos gêneros discursivos está sendo concebido na Base Curricular do Estado de PE e no livro mais adotado no conjunto das redes públicas de ensino do estado. Para realização da análise do objeto de pesquisa, dividimos os procedimentos em duas fases: a análise da BCC-PE e a análise do livro didático de língua portuguesa. Sendo que, em ambas as fases, utilizamos os momentos propostos por Bardin (2004). Vale ressaltar que o percurso metodológico10 escolhido se assemelha ao trajeto utilizado pelo pesquisador Silva (2008), que analisou o tratamento dados ao ensino da “gramática” ou “análise lingüística” em documentos oficiais e livros mais solicitados na rede pública de ensino de Pernambuco através da análise de conteúdo. 10 Conferir os estudos de Silva (2008) 98 Nesse sentido, tanto na análise da Base Curricular Comum quanto na coleção mais adotada na rede pública de ensino, empregamos os momentos da análise propostos pela autora supracitada: (1) a pré-análise, cujo objetivo é “tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise (p.89); (2) a exploração do material, que tem como finalidade “a administração sistemática das decisões tomadas” (p. 95) e; (3) por último, o tratamento dos resultados, em que “o analista pode propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos” [...] (p. 95). No que se refere à pré-análise, esta teve como finalidade “a escolha dos documentos, a formulação de hipóteses e a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final”. (89). Esta fase nos permitiu observar as manifestações explícitas para uma organização sistemática dos indicadores. Com isso, observamos, no corpo do documento, fragmentos que mencionam alguma orientação para organização dos indicadores. Essa organização nos ajudou a isolar os dados e, posteriormente, confrontá-los em suas semelhanças e/ou diferenças com o objetivo de montar a categorização. Posteriormente, fizemos a exploração mais detalhada dos dados identificadas na préanálise. Para tal, inicialmente, isolamos as recorrências das informações, suas características semelhantes e/ou relacionadas para, em seguida, darmos continuidade ao processo de classificação e agregação, ou seja, a formulação de categorias. Nesse sentido, utilizamos, como unidade de registro, „o tema‟ que nos permite, segundo a autora supracitada, “que o texto seja recortado em idéias, constituintes, em enunciados e proposições portadores de significações isoláveis”. (p. 99). Dessa forma, conseguimos isolar os fragmentos que representam unidades de significação para, então, descobrir “os <<núcleos de sentido>> que compõem a comunicação cuja presença ou frequência de aparição significou alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”. (BARDIN, 2004, p.99). Em seguida, agrupamos as unidades de sentido para categorização que, segundo Bardin (2004), “tem como primeiro objetivo [...] fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos”. (p. 112-113). Tratou-se de organizar os referentes para mapear as observações, fragmentos e temas que surgem e reaparecem em diferentes situações, enfim, verificar as regularidades e construir categorias. A partir dos mesmos, aprofundar, ampliar e fazer interligações com o objetivo de reorganizar as categorias e levantar elementos relevantes acerca do objeto de pesquisa. Segundo Bardin (2004): 99 os conteúdos encontram-se ligados a outra coisa, ou seja, aos códigos que contém, suportam e estruturam estas significações primeiras (cf. supra), ou então, às significações <<segundas>> que estas significações primeiras escondem e que a análise, contudo, procura extrair: mitos, símbolos e valores, todos estes sentidos segundos que movem com descrição e experiência sob o sentido primeiro. (p.129) Por último, na fase final, a partir das evidências categorizadas, realizamos a interpretação dos dados cujo objetivo foi “propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas”. (p.95). Tratou-se, portanto, de analisar os dados, interpretando-os além do que está explícito. A autora supracitada destaca que a “análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça [...] é uma busca de realidade através das mensagens”. (BARDIN, 2004, p.38) 4.1. Análise da Base Curricular Comum Na primeira fase da pesquisa, fizemos uma análise documental da BCC-PE, observando os seguintes aspectos: a concepção de gênero discursivo expressa na BCC-PE; os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a proposta; os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos indicados para as diferentes etapas de escolaridade; as orientações relativas à metodologia a ser empregada no trabalho com os gêneros discursivos na BCC-PE, tanto na modalidade oral, quanto escrita; as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos, com foco na escolha dos livros didáticos de língua portuguesa. Seguindo as fases propostas por Bardin (2004), observamos alguns aspectos, abaixo descritos, de forma minuciosa. 100 4.1.1 Concepção de língua, texto e gênero discursivo Nessa categoria identificamos as referências oriundas da teoria dos gêneros discursivos a fim de mapear as concepções subjacentes à proposta. Para tal, verificamos as seções que apresentam os objetivos, as competências e saberes, as referências, os exemplos dados, enfim, dados que estavam sendo orientados pela abordagem dos gêneros e que consistiam em princípios norteadores da proposta. Em outros termos, foram mapeadas, em todas as subdivisões do documento, as informações que tivessem relação com os pressupostos teóricos sobre língua, texto e gênero; em seguida, essas foram submetidas ao tratamento inferencial para identificação da concepção de gêneros discursivo. 4.1.2 Análise das orientações para o trabalho com leitura, produção de textos e oralidade Nessa categoria, mapeamos todas as orientações referentes ao trabalho com leitura, produção de texto e oralidade com a finalidade de verificar se existem itens que remetem ao trabalho com os gêneros discursivos. Ou seja, observamos no documento em foco as orientações metodológicas que se remetiam ao trabalho com os gêneros discursivos nos diferentes eixos de ensino que, em seguida, foram submetidas a uma interpretação minuciosa. Assim, conseguimos inferir os significados referentes ao trabalho com os gêneros nos diferentes eixos de LP, como também suas respectivas orientações para o leitor referentes aos procedimentos metodológicos. 4.1.3 Análise das orientações específicas para o trabalho com alguns gêneros discursivos e textos Já nesse aspecto, observamos na BCC-PE as orientações mais específicas para o trabalho com alguns gêneros discursivos. Com os dados referentes a essa categoria conseguimos mapear e interpretar quais os saberes e habilidades suscitados pelas orientações oferecidas pelo documento, como também suas indicações para as diferentes etapas de escolaridade. Portanto, a análise inferencial nos permitiu identificar quais orientações específicas para o trabalho com determinados gêneros o documento em lócus manifesta. 101 4.1.4 As orientações relativas à escolha dos recursos didáticos Nessa categoria, verificamos se o documento traz algumas contribuições acerca das orientações referentes à escolha dos recursos didáticos. Primeiramente, mapeamos e discutimos os critérios norteadores para seleção dos textos para no ensino de língua materna. Depois, discorremos sobre as orientações dadas para escolha do livro didático na BCC-PE. 4.2. Análise da coleção de livro didático mais distribuída nas escolas públicas de Pernambuco Na segunda fase, nos dedicamos a investigar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros discursivos na coleção de Língua Portuguesa dos anos iniciais mais distribuída na rede pública de ensino de Pernambuco. Para isso, verificamos, a partir dos dados coletados pelo pesquisador Silva (2008), que a coleção mais distribuída na rede pública de ensino do estado supracitado e aprovada no PNLD 2007 foi “Porta Aberta11”, de Isabella P. de M. Carpaneda e Angiolina D. Bragança. Após realizada a identificação da coleção, realizamos a análise do manual do professor, o levantamento dos gêneros discursivos abordado no livro mais adotado e análise do trabalho didático com os gêneros discursivos. Nesse sentido, primeiramente fizemos uma análise da proposta com o trabalho de gêneros discursivos expressa no manual do professor, observando os seguintes aspectos: a concepção de gênero subjacente ao manual; os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a obra. Esta análise nos permitiu uma reflexão acerca dos princípios para definir a seleção dos textos, a seleção dos objetivos, a composição dos tipos de atividades – leitura, produção de textos, reflexão sobre o gênero e as orientações para professor sobre o trabalho com os gêneros expressas nos manuais. No segundo momento, realizamos um levantamento dos gêneros discursivos presentes nos livros. Para isso, elaboramos uma tabela contendo os gêneros discursivos encontrados no 11 Conferir Silva (2008, p.108). 102 livro didático e suas distribuições nas respectivas unidades e páginas. Isso nos possibilitou saber: quais gêneros discursivos estão inseridos nos livros; os gêneros que são mais intensamente explorados nos livros. Por último, analisamos a abordagem didática dos gêneros nos livros das coleções cuja finalidade foi verificar qual tratamento didático a coleção em foco direciona para o trabalho com os gêneros. Ou seja, observamos, nesta análise, os tipos de atividades do livro que têm relação com o trabalho com os textos: se há ênfase em questões que ressaltam ou mobilizam conhecimentos relativos aos gêneros discursivos ou questões que têm relações com características dos gêneros discursivos; se favorecem a reflexão/explicitação sobre as características dos gêneros discursivos; se há inserção de conceitos e propriedades dos gêneros discursivos; como o livro organiza a seqüência e as propostas de atividades com os gêneros discursivos. Na análise da coleção de LD, buscou-se investigar se os princípios relativos aos gêneros discursivos que perpassam a coleção de livros didáticos são os mesmos orientados pela BCC. Tratou-se de uma oportunidade de verificar se os materiais didáticos disponibilizados aos professores possuíam princípios relativos ao trabalho com os gêneros discursivos que perpassam a Base Curricular Comum do Estado de Pernambuco. Desse modo, as reflexões feitas com na análise do LD já incorporaram comparações com os resultados obtidos por meio da análise da BCC-PE. 103 Capítulo 5 A Base Curricular Comum de Pernambuco Neste capítulo, teceremos considerações mais gerais sobre a BCC- PE. Sendo assim, no primeiro tópico apresentaremos informação sobre o processo de elaboração do referido documento, cuja finalidade é fornecer uma breve contextualização sobre os procedimentos que orientaram a construção da Base Curricular. Em seguida, debateremos os fundamentos gerais e estrutura da proposta, a fim de oportunizar reflexões tanto sobre a forma como tal documento está estruturado, como também a análise dos princípios explícitos que norteiam a educação neste documento. 5.1. A Base Curricular Comum de Pernambuco: breve contextualização A Base Curricular Comum de Pernambuco tem como finalidade não só orientar propostas curriculares de ensino, como também fornecer subsídios para as políticas avaliativas realizadas no Estado. Em outros termos, a mesma objetiva oferecer elementos que sejam levados em consideração nos processos avaliativos a nível estadual. Tal aspecto se relaciona a necessidade de endossar a discussão sobre a oferta de educação de qualidade a todos, tal como é ressaltado em um documento que fornece informações sobre as ações para elaboração da BCC-PE: A necessidade de uma Base Curricular Comum é imperiosa. Como se sabe, ainda que cerca de 98% das crianças brasileiras tenham vagas asseguradas na escola a qualidade da educação que lhes é oferecida está muito distante de corresponder às exigências da sociedade democrática e do conhecimento, hoje em processo de gestação e consolidação no Brasil e no mundo. A sociedade brasileira exige uma educação que atenda aos requisitos da qualidade social. (RECIFE, 2004, p.87) Sendo assim, para elaboração de uma base comum a todos, foram convocados representantes de vários órgãos públicos e representantes de conselhos e instituições, tais como: União de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Secretaria Estadual de Educação (SE), Conselho Estadual de Educação (CEE), Associação Municipal de Pernambuco (AMUPE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). 104 (PERNAMBUCO, 2008, p. 9) Destacamos, ainda, que o processo de elaboração do documento foi iniciado em 2004. A comissão de elaboração do referido documento contou com uma equipe de coordenação composta por representantes da UNDIME e SEE/PE, professores das redes públicas e também representantes das instituições acima citadas, além de pareceristas de instituições federais e estaduais, tais como: UNICSUL/SP, PUC/SP, UFPE, UFMG e UEL/PR. (PERNAMBUCO, 2008, p.4). Com o acima, observamos que vários segmentos da sociedade foram convidados a discutir e elaborar um documento comum orientador da educação pública no estado de Pernambuco. Essa comissão interestadual, também tinha como objetivos: Garantir a implementação de estratégias de avaliação e monitoramento da educação Básica; Implementar propostas pedagógicas que contemplem as competências e conteúdos comuns às redes municipais e estadual geradas pelo SAEPE e, ao mesmo tempo, aquelas que decorrem das especificidades de cada Município; Assegurar informações necessárias ao controle social da qualidade da aprendizagem em Língua Portuguesa e em Matemática nas redes públicas; Fortalecer os Núcleos de Avaliação propiciando sua participação na avaliação SAEPE. (RECIFE, 2004, p.90) Ainda, sobre o processo de elaboração, uma equipe pedagógica composta por coordenadores, consultores em Avaliação em Língua Portuguesa e Matemática, seria orientada pelas perspectivas de: a) Contemplar as questões postas pela legislação educacional consubstanciada pela Constituição, na LDB, nos atos de Conselho de Educação, em especial, nas Diretrizes Nacionais; b) Avaliar os descritores do SAEB e os Descritores do SAEPE, visando os eixos estruturados da Base Curricular Comum; c) Elaborar a versão preliminar da Base Curricular Comum a ser apresentada e discutida com a Comissão Interinstitucional, os Dirigentes Municipais de educação e os (as) professores (as) das redes municipais e estadual; d) Integrar ao documento – Base Curricular Comum: versão final, as recomendações indicadas no processo de discussão e negociação dos agentes públicos envolvidos.(RECIFE, 2004, p.90-91) Como podemos observar, os pressupostos norteadores do processo de elaboração, além de ressaltarem a necessidade de pleitear os aspectos legais, também estavam preocupados com os descritores das avaliações nacionais e estaduais. Quando destaca a 105 necessidade de cooptar as sugestões apontadas durante o processo, está destacando o caráter público de debate dado aos objetivos de se construir uma base comum às redes públicas de educação. No projeto de elaboração, a equipe pedagógica também era responsável por alguns procedimentos expressos nas atividades, tais como: a) Reunião da comissão de elaboração e da diretoria da UNDIME com três expositores. Reflexões sobre as questões relacionadas a: ética/cidadania, ciclo/série, competência, interdisciplinaridade, área/disciplina; b) Elaboração da primeira versão do documento introdutório da Base Curricular Comum às Redes públicas Estadual e Municipais de Pernambuco – Língua Portuguesa e Matemática, pela equipe de coordenação da elaboração; c) Reunião da comissão de elaboração e da diretoria da UNDIME: discussão da primeira versão do documento introdutório e reflexões sobre questões especificas das áreas (em dois grupos: Português e Matemática) com um expositor para cada área; d) Revisão do documento: elaboração da segunda versão do documento introdutório e da primeira versão dos documentos específicos das áreas de Língua Portuguesa e Matemática, pela equipe da coordenação da elaboração; e) Reunião da comissão de elaboração, da diretoria da UNDIME e representantes do MEC, para discussão da primeira versão dos documentos específicos (em dois subgrupos: Português e Matemática); f) Revisão dos documentos pela comissão de elaboração. (RECIFE, 2004, p.92) Dentro da perspectiva de oferta de uma educação de qualidade, reforçada pela necessidade de nortear as políticas avaliativas do estado de Pernambuco, a elaboração e análise da BCC-PE foram realizadas através de reuniões e seminários que: ocorreram ao longo de todo o processo [...] e deles participaram debatedores convidados [...], membros da SEDUC e da diretoria da UNDIME, professores da educação básica das redes públicas [...], integrantes dos movimentos sociais [...] , representantes dos núcleos de avaliação [...], representantes do Conselho Estadual de Educação e conselhos municipais de educação [...]. (PERNAMBUCO, 2008, p.12-13) Os seminários regionais, por sua vez, realizados também com parcerias, tinham como objetivo: analisar a versão do Projeto – Base Curricular Comum às Redes Públicas Estadual e Municipais de Pernambuco, com vistas a sua reformulação, e validação, avaliar as competências analisadas pelos dirigentes municipais de educação, apresentar plano de trabalho completo para implementação da Base Curricular Comum. (RECIFE, 2004, p.94) 106 Como podemos observar, dada a natureza da proposta da base curricular comum às redes públicas de ensino, os procedimentos adotados não poderiam estar destoantes de uma discussão coletiva. Ou seja, para o atendimento à tessitura do documento, eram necessárias vozes dos vários segmentos sociais, bem como representantes dos municípios e de várias instituições. 5.2. Fundamentos gerais e estrutura da proposta Em relação à organização da BCC-PE, verificamos que, primeiramente, é oferecida ao leitor uma „apresentação’ geral do documento com informações referentes ao processo de elaboração, observando a ênfase dada ao princípio democrático de participação, tal como é ressaltado no seguinte fragmento: A elaboração da BCC foi resultado de um processo democrático e participativo sob a responsabilidade de gestores das redes municipais e estaduais, através da coordenação do projeto e das comissões de elaboradores, compostas por assessores de universidades e por professores especialistas das redes públicas de ensino [...] (PERNAMBUCO, 2008, p.9) Ainda nesse tópico de apresentação, podemos encontrar aspectos referentes aos objetivos aos quais se propõe o referido documento, dentre os quais o que destaca que: “[...] A BCC cumpre o objetivo de contribuir e orientar os sistemas de ensino, na formação e atuação de professores da Educação básica [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.10) e um convite ao público-alvo a não só conhecê-lo, mas também torná-lo alvo de futuras reflexões. (Cf. PERNAMBUCO, 2008, p.10) Após a apresentação, é destacada uma seção referente à „introdução’, a qual faz uma explanação sobre aspectos referentes à necessidade de refletir sobre a possibilidade de Pernambuco alcançar outros patamares na educação, ou seja, galgar melhorias em sua qualidade. (cf. PERNAMBUCO, 2008, p.11) Para tal, ainda nesse tópico, são discutidos elementos concernentes ao caráter de flexibilização perante as possibilidades de futuras reflexões e modificações a partir das críticas suscitadas, pois “a versão aqui apresentada é um momento especial desse processo, mas novos encaminhamentos que ampliem seu alcance e eficácia são indispensáveis” (PERNAMBUCO, 2008, p.11). Em seguida, o documento em foco destaca que, apesar da BCC se remeter a um amplo público-alvo, tais como, “equipe gestora e os técnicos de ensino, os integrantes dos conselhos de educação, os professores dos cursos de licenciatura, os estudiosos da área educacional [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.13), o 107 principal interlocutor é o professor atuante nas redes públicas de ensino. Por fim, na introdução, são anunciados os tópicos que fundamentam a proposta, bem como seus princípios e suas orientações para o ensino. Nesse sentido, o documento se estrutura da seguinte maneira: (1) Fundamentos e Bases Legais (2) Eixos Metodológicos: mobilizando saberes (3) Eixos da organização curricular (4) Questões do ensino e da aprendizagem (5) Projeto político pedagógico da escola (6) Princípios orientadores (7) Competências e saberes (8) Os aspectos didáticos No que concerne à primeira seção, de “Fundamentos e Bases Legais”, observamos que a proposta, inicialmente, suscita uma reflexão sobre modernidade e sua construção histórica a partir das ideias do autor Martins (cf. PERNAMBUCO, 2008, p.17). Para tal, insere reflexões sobre paradigmas no subtópico intitulado 1.1 “Paradigma: solidariedade, vínculo social e cidadania”. Observamos que, para a defesa do princípio norteador paradigma da solidariedade e suas implicações para a educação, o documento apresenta algumas considerações acerca do paradigma do interesse e da obrigação nas páginas 19 e 20. Há, no documento, a explicitação de que o paradigma do interesse é edificado sob a óptica individualista e mercantilista, ou seja, os interesses pessoais se sobressaem em relação ao coletivo. Trata-se de uma perspectiva utilitarista associada às questões econômicas de expansão de mercado e ao ideário do bem-estar social através do consumo de bens. As implicações educacionais, por sua vez, se reduzem ao fator econômico, sendo o aluno, o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso. Já no paradigma da obrigação, o documento destaca que a ênfase recai sobre o controle dos fenômenos sociais para manutenção da ordem coletiva. Sendo assim, essa perspectiva credita ao estado um poder centralizador e organizador do processo de modernização, o qual é de suma importância “garantir o sistema social como um todo, mesmo que sacrifique o individuo” (PERNAMBUCO, 2008, p.21). Nesse contexto, a educação assume o papel de defender o ideário do Estado corroborando com as leis que regulamentam as condutas da sociedade e, portanto, ajudam na construção de um projeto de modernidade. 108 Dessa forma, a educação se torna um instrumento para a formação de uma sociedade em constante progresso e baseada num estereótipo de cultura desejável. Por fim, o documento tece considerações sobre o paradigma da solidariedade, assumindo tal perspectiva como norte da proposta. Este paradigma se apresenta como alternativa a ideias edificadas tão somente a partir de interesses econômicos e individualistas. Assim, a solidariedade se vincula à superação da exclusão, cabendo ao Estado a obrigação de articular meios para superá-la. Nesse sentido, as bases da educação estão fixadas na melhoria da qualidade de vida das pessoas, no compromisso com a dignidade humana, a justiça social, a ética e a cidadania. Trata-se de estabelecer fundamentos no reconhecimento do outro, suas diferenças e singularidades, como também pressupõe conhecimentos para o bem comum. Percebe-se, então, que a primazia de escolha pelo paradigma da solidariedade para educação emerge da necessidade de construir uma “cidadania democrática e plural [...] , bem como no respeito à diversidade dos atores sociais envolvidos no processo. (PERNAMBUCO, 2008, p. 23)” Para referendar tal aspecto, a proposta apresenta um subtópico intitulado “1.2 Bases legais da proposta curricular”, citando documentos como a Carta Magna, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a legislação, tais como, Constituição Federal, Constituição do Estado de Pernambuco e a LDBEN. Nessa perspectiva, a discussão se atém à educação como direito e dever do Estado, ressaltando que a pessoa, a cidadania e o trabalho são alvos da escolarização, como também os princípios de liberdade e solidariedade. Podemos encontrar, ainda, um debate acerca do embasamento legal para a construção de uma base curricular referenciado nas constituições nacional e estadual, como também nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Já no subtópico “1.3 Diretrizes: identidade, diversidade e autonomia” o foco volta-se à reflexão sobre a construção da identidade cidadã que, sem desconsiderar aspectos relacionados as diversidade de cada grupo ou indivíduo, necessita de conhecimentos para o exercício da cidadania. Trata-se de apresentar ao leitor um dos argumentos para a constituição de uma base comum para o estado com a proposição de que conhecimentos mínimos são relevantes para a constituição da identidade. Entretanto, o documento também ressalta o caráter da flexibilização e autonomia, ou seja, não se trata de desconsiderar conhecimentos dos diversos grupos, uma vez que as redes municipais e estaduais devem dialogar com a diversidade e, consequentemente, ampliar ou aprofundar proposições sobre conhecimentos dos grupos pertencentes à cultura local. Os princípios de solidariedade, vínculo social e cidadania oferecem subsídios para as orientações sobre as concepções referentes ao ensino e aprendizagem no tópico “Eixos Metodológicos: mobilizando saberes”. Nesse sentido, o documento destaca que a escolha 109 pelo desenvolvimento de saberes e competências está articulada ao principio da possibilidade de intervenção humana, ou seja, na capacidade do indivíduo interferir em sua realidade. É no conceito de competência, com base no autor Perrenoud (cf. PERNAMBUCO, 2008, p.32), que a BCC estabelece suas diretrizes em relação ao processo de ensino e aprendizagem. Tal conceito também representa a superação da mera transmissão de conteúdos e da dicotomia entre tempo para adquirir saberes e tempo para desenvolver competências (cf. PERNAMBUCO, 2008, p.33). Dentro dessa perspectiva, o papel do professor se reformula, pois se configura em um ser que também vivencia saberes e sabe mobilizá-los nas mais variadas situações. Os alunos, por sua vez, tornam-se sujeitos questionadores e participativos nos processos de construção de conhecimento. Segundo o documento, “na perspectiva das competências, não se concede destaque, portanto, à ótica da transferência de conhecimentos nem à figura do professor como mero multiplicador de informações.” (PERNAMBUCO, 2008, p. 34). Com isso, verificamos que a proposta ressalta a necessidade de mudanças nas concepções de ensino-aprendizagem contrárias às perspectivas que privilegiavam um ensino pautado na valorização excessiva de conteúdos e na recepção passiva dos mesmos. Ou seja, destaca para o leitor a necessidade do processo de ensino-aprendizagem não se configurar numa atividade mecânica de repetição e vazia de significações, tanto para o professor como para o aluno. Cabe, ainda, salientar que, a partir dos resultados das avaliações institucionais, o documento indica as competências que necessitam ser alvo da escola, tais como: análise, reflexão, crítica e autocrítica, argumentação consistente, discernimento fundamentado, apreciação dos valores éticos, afetivos e estéticos, compreensão e expressão dos sentidos culturais, científicos e tecnológicos em circulação nos grupos sociais (Cf. PERNAMBUCO, 2008, p.35). Como os usos das diferentes linguagens estão presentes em todas as áreas, é de extrema relevância que competências em análise, leitura e produção das múltiplas linguagens sejam também priorizadas na escola. (Cf. PERNAMBUCO, 2008, p.36). Nesse sentido, um ensino com base em competências incita reformulações nos objetivos da escola que passa, agora, a ter uma visão mais ampla de formação e de oferecimento de práticas contextualizadas que permitam aos alunos lançar mão dos mais variados recursos para enfrentar uma determinada situação. Com novos objetivos, os saberes a serem contemplados no currículo devem possibilitar “o enfrentamento dos diversos desafios imediatos e mediatos e o pleno desenvolvimento da pessoa e da sociedade” (PERNAMBUCO, 2008, p.37). As práticas pedagógicas, por sua vez, se redimensionam distantes da postura transmissora, passiva, 110 acrítica e desvinculada da realidade, quando o documento enfatiza que “uma pedagogia voltada para a ampliação de saberes e competências ultrapassa a prática tradicional de simplesmente dar aula, quase sempre reduzida a momentos de mera explicação oral dos conteúdos” (PERNAMBUCO, 2008, p. 37-38). Com isso, verificamos que o trabalho a partir das competências preconiza também a superação da concepção tradicional de ensino. Outro princípio da BCC-PE em relação ao ensino por competências se remete à relevância de discutir a perspectiva da interdisciplinaridade, a qual visa minimizar a fragmentação do conhecimento. Segundo o documento, a implementação de tal perspectiva na escola encontra obstáculos, uma vez que requer modificações em todo sistema educacional e sua organização. Assume ainda que a temática é de extrema relevância para a formação inicial e continuada dos professores, sendo que essas “exercem inegável papel na moldagem das concepções desses educadores”. (PERNAMBUCO, 2008, p.40) Como podemos verificar, o documento, embora reconheça as limitações da implementação da interdisciplinaridade, indica a necessidade de inseri-la nas práticas da escola. Entretanto, acreditamos que não se trata de “moldagem” das concepções dos professores acerca do tema, mas sim da reflexão de como tal abordagem pode auxiliar na construção do conhecimento dos alunos. Observamos, ainda, que a proposta orienta que “a perspectiva interdisciplinar adequada nutre-se do aprofundamento nas várias áreas do saber, desde que esses saberes sejam articulados de forma mais diversificada e consistente possível” (PERNAMBUCO, 2008, p.40). Ou seja, trabalhar com prática interdisciplinar não significa desconsiderar as especificidades de cada área de conhecimento, mas sim integrar diferentes saberes e aprofundá-los em suas peculiaridades. Outro elemento discutido nesse tópico é a preocupação de inserir o principio de contextualização como instrumento relevante para que os alunos construam seus conhecimentos a partir de relações mais amplas. Segundo a proposta, “são os diferentes movimentos de contextualização e descontextualização que irão possibilitar ao aluno a construção significativa dos conhecimentos, permitindo que ele identifique e se identifique com as situações que lhe são apresentadas [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p. 42). A inserção da contextualização no processo de ensino e aprendizagem não significa dar exemplos acerca do conteúdo abordado, mas sim incitar a mobilização de um leque de saberes que o aluno já possui através da proposição de uma situação desafiadora. Em relação ao item que se refere à seção “Eixos da organização curricular”, verificamos que os aspectos ressaltados recaem sobre a natureza de flexibilização, na organização da educação escolar e na concepção de avaliação norteadora da proposta. Em 111 relação ao princípio de flexibilização, o documento destaca que “não pode, portanto, afastarse desse ideal de flexibilidade, para que se possa preservar o “rosto” de cada comunidade, de cada região, ao mesmo tempo em que se garanta, por outro lado, os mais amplos e legítimos objetivos da educação nacional” (PERNAMBUCO, 2008, p.47). Trata-se de afirmar que, ao mesmo tempo em que a base representa a possibilidade de ofertar conhecimentos comuns para o desenvolvimento do cidadão consciente dos seus direitos e capaz de intervir socialmente, não se pode deixar de considerar as singularidades dos grupos sociais e valorização de suas tradições. Em outros termos, postula a orientação de que a escola tem autonomia para dialogar com outras culturas sem qualquer distinção ou exclusão na busca por uma educação de qualidade. Para apresentar a concepção de avaliação, a proposta ressalta que o processo avaliativo envolve uma cadeia de representações, concepções e emissão de juízo de valor que estão intrinsecamente articulados ao caráter dinâmico e processual da prática avaliativa. Em seguida, faz uma retrospectiva da tradição de uma avaliação baseada na perspectiva somativa e pautada num momento regulador do processo de construção do conhecimento, pois se trata de uma classificação de desempenhos que, através de provas e testes, visa a um produto quantitativo e numérico. Por fim, aborda a concepção de avaliação norteadora da proposta, a qual é pautada no caráter formativo. Seguindo essa perspectiva, a avaliação admite um significado orientador e cooperativo que visa à melhoria da qualidade do ensino e a construção do conhecimento, conferindo ao educando um papel ativo e dinâmico. Portanto, a avaliação, “além de estar a serviço das aprendizagens, deve ainda permitir a adaptação e o redimensionamento do processo de formação empreendido pelo docente, levando o máximo de alunos à aprendizagem” (PERNAMBUCO, 2008, p.55). Como podemos observar, o documento atribui à avaliação o caráter integrador do processo de ensino-aprendizagem e a prática de identificar os conhecimentos construídos e as dificuldades de uma forma dialógica. No que se refere ao item “Questão do ensino e da aprendizagem”, verificamos que a proposta faz uma breve discussão sobre as três grandes correntes que nortearam historicamente o processo de ensino e aprendizagem, assumindo a terceira perspectiva, a qual é embasada nos pressupostos sociointeracionistas de Vygotsky. Tal concepção orienta a aprendizagem dos conceitos, a qual partiria de uma situação-problema para definição, generalização e sistematização ao longo do processo. Verificamos, ainda, a ressalva para que esses conceitos sejam “retomados posteriormente, em níveis mais complexos, de forma a relacionar o que já sabia com o que veio a aprender em um novo contexto” (PERNAMBUCO, 2008, p.59). Trata-se, portanto, de destacar que os conhecimentos não devem ser abordados de 112 forma linear durante os anos de escolaridade, mas sim com níveis de complexidade diferenciados a cada ano. Em seguida, o documento discute as diferenças entre contrato pedagógico e didático. O primeiro se constitui nas especificidades da sala de aula entre professor e aluno onde é definido um conjunto de parâmetros que orientará as ações para promover a aprendizagem, como, por exemplo, programa da área, cronograma de atividades, metodologias, formas de avaliação, dentre outros. A violação das regras desse tipo de contrato acarreta transformações e conflitos nas relações professor e alunos. Já o segundo, contrato didático, se remete diretamente ao conhecimento e às expectativas envoltas no processo de ensino-aprendizagem. Segundo a proposta, “ele representa o “motor” para aprendizagem de um determinado conceito, é firmado com base em “cláusulas” cultural e cognitivamente construídas “ (PERNAMBUCO, 2008, p. 59). Nesse tipo de contrato, diferentemente do contrato pedagógico, o rompimento suscita entraves na aprendizagem. Podemos encontrar também um destaque ao lugar da transposição didática no processo de ensino-aprendizagem. Para isso, o documento apresenta ao leitor a diferença entre a transposição didática interna e externa. Segundo a proposta, a primeira se refere às “transformações, inclusões e exclusões sofridas pelos objetos de conhecimento, desde o momento de sua produção, até o momento em que eles chegam à porta da escola” (p.60). Trata-se, portanto, de ressaltar os momentos de transformação que os saberes sofrem desde sua elaboração, no âmbito acadêmico, até se configurarem em saberes a ensinar, ou seja, destaca que o processo de alterações, eliminações, ampliações e reformulações didáticas que os objetos de conhecimento podem sofrer, geralmente, são materializados no currículo formal e/ou dos livros didáticos. Já a segunda, a interna, se remete “ao momento em que cada professor vai transformar esses conhecimentos que lhes foram designados para serem ensinados em objetos de conhecimento efetivamente ensinado” (PERNAMBUCO, 2008, p. 61). Assim, no movimento entre o saber e o aluno, o professor também produz seu texto de saber no bojo da sala de aula. Todavia, não verificamos na proposta um maior esclarecimento sobre o que é transposição didática e suas implicações, ou seja, as discussões suscitadas nas páginas 60 e 61 já pressupõem que o leitor tenha conhecimento prévio sobre o referido conceito. Posteriormente, observamos um espaço reservado ao papel do livro didático no processo de ensino-aprendizagem. Primeiramente, ressalta que muitos dos livros destinados à escola pública seguem os mesmos princípios teórico-metodológicos e de ensinoaprendizagem propostos pelo documento. Após, destaca que as concepções do(s) autor(s) em relação ao processo de ensino-aprendizagem dialogam com os professores. Ou seja, o livro, 113 como suporte de conhecimento e métodos de ensino, traz em seu bojo visões sobre o que é conhecimento, ensino, aprendizagem, avaliação, enfim, abordagens teórico-metodológicas que incitam os docentes a reverem e/ou construírem suas concepções e suas práticas pedagógicas. Em relação ao item “Projeto político-pedagógico da escola: autonomia e responsabilidade”, é proporcionada ao leitor uma reflexão sobre as dimensões do projeto político-pedagógico. Nesse sentido, os princípios de responsabilidade, liberdade e autonomia são defendidos como nortes para a elaboração de um projeto embasado no paradigma da solidariedade. Verificamos também que o documento ressalta que, do ponto de vista do conteúdo, a definição dos objetivos deve estar articulada com as questões mais amplas da escola, sendo os mesmos “de especial importância” (p. 65) Por fim, reitera-se a afirmação de que a seleção e organização dos saberes são de extrema relevância na dinâmica existente entre contexto social e currículo. Os elementos das três últimas seções do documento serão alvo de reflexões mais sistemáticas por abordarem aspectos diretamente relacionados ao ensino de língua portuguesa. Em outros termos, discutiremos, de forma mais específica, os dados referentes aos itens: “Princípios orientadores”, no qual são oferecidos ao leitor os subsídios para o ensino de língua; “Competências e saberes”, que discute elementos referentes ao processo de desenvolvimento das competências e apresenta as competências para os eixos da língua materna - oralidade, leitura, escrita e análise linguística; e, por último, “Os aspectos didáticos”, que destaca o papel de recursos didáticos como o texto e o livro no processo de ensino-aprendizagem, como também o lugar do processo de avaliação em linguagem. Dado o exposto, podemos constatar que, de forma geral, a BCC-PE aborda questões referentes aos pressupostos teóricos e metodológicos que respaldam o processo de ensinoaprendizagem. Verificamos também o embasamento pautado no paradigma da solidariedade e suas implicações na organização curricular, no projeto político pedagógico, nas competências, enfim, nos diversos aspectos que podem subsidiar os professores e profissionais da área de educação. 114 Capítulo 6 O que propõe a Base Curricular Comum de Pernambuco para o ensino de Língua Portuguesa? Neste capítulo discutiremos os dados referentes à análise da Base Curricular Comum com a finalidade de refletir acerca de como o ensino dos textos está sendo concebido nas seções teóricas e metodológicas do referido documento. No primeiro tópico discorreremos acerca das concepções de linguagem, texto e gênero presentes no documento. Para tal, apresentaremos os pressupostos encontrados no documento que orientam a defesa por um ensino de língua materna pautado na perspectiva de língua como prática social. Observaremos também os princípios que caracterizam o texto como resposta a outros textos e como entidade materializada em algum gênero. No que se refere ao gênero, mapearemos os fragmentos do documento que destacam o gênero como forma relativamente estável e suas características composicionais e sociodiscursivas. Em seguida, o foco do debate recairá sobre os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a proposta. Destacaremos, dentre eles, os que se voltam para trabalho coma língua materna a partir da diversidade de gênero, do texto como unidade de ensino e com diferentes textos orais e escritos. Posteriormente, suscitaremos reflexões a partir dos dados referentes aos saberes e habilidades indicados para as diferentes etapas da escolaridade. Nessas, foram identificados trechos que se reportavam ao que está sendo proposto para o trabalho com textos, como também indicações de aspectos metodológicos. Ressaltamos, ainda, que os dados serão discutidos a partir dos diferentes eixos da língua portuguesa: oralidade, leitura, escrita e análise linguística. Por fim, apresentaremos os elementos referentes à escolha dos recursos didáticos. Para tal, levantaremos questões que concernem a todos os fragmentos que discutem alguma orientação à seleção dos materiais e suas implicações para o ensino. 115 6.1. Concepções de linguagem, texto e gênero Ao analisarmos a BCC-PE, buscamos identificar a concepção de língua, texto e gênero subjacentes à proposta. Para tal, mapeamos os conceitos e princípios defendidos no documento. Os princípios reincidentes no documento foram: 6.1.1.. Língua como interação verbal 6.1.2. Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica 6.1.3. Texto como entidade concreta materializado em algum gênero 6.1.4. Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado 6.1.5. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas 6.1.1. Língua como interação verbal Com base na análise da BCC-PE, verificamos alguns conceitos subjacentes à orientação para o ensino de Língua Portuguesa. Primeiramente, observamos que o documento fundamenta seus princípios para o trabalho com a linguagem numa perspectiva discursiva. Nesse sentido, já na seção “Princípios orientadores”, podemos encontrar o subitem “A língua como interação verbal” que mostra ao público-leitor o embasamento teórico referente à noção de língua e, consequentemente, algumas implicações para o ensino da linguagem. Ainda nesse item, observamos que a orientação teórica do documento para o trabalho de língua portuguesa se embasa no entendimento da linguagem como processo de interação social, tal como verificamos no fragmento abaixo: [...] As noções básicas de que a linguagem é uma atividade de interação social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p.67) Essa maneira de conceber a linguagem atribui ao ensino da língua um caráter dialógico, uma vez que a consideração do discurso como prática social, forma de interação humana e seus fatores de condições e produções tornam-se elementos de extrema relevância para o estudo da língua. Tal compreensão se aproxima do pressuposto defendido por Bakhtin, o qual ressalta que: 116 A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação e das enunciações (BAKHTIN,1992, p.123). Verificamos a presença do pressuposto acima discutido também nos fragmentos abaixo: [...] é esperado que a BCC-PE conceba inteira relevância ao estudo e à pesquisa de uma língua que seja vista como uma forma de interação social, pela qual os interlocutores, em “mútua cooperação”, realizam a “interatividade” da troca verbal, numa condição, portanto, marcadamente dialogal. (PERNAMBUCO, 2008, p.67) Com o excerto acima, observamos que o documento adota uma noção de língua associada a um conjunto de práticas sociais e cognitivas e não tão somente restrito ao funcionamento do sistema linguístico. Essa ideia sobrepuja a compreensão da língua como sistema centrado no código, uma vez que a mesma assume o diálogo como pressuposto da interação social. Portanto, de forma reincidente, o fragmento afirma a concepção de linguagem como inter-ação, uma vez que se constitui como “produto da interação do locutor e ouvinte” (BAKHTIN, 1992, p.113) Consequentemente, defende-se, no documento, a existência dos gêneros como instrumentos da mediação social: A linguagem é uma atividade de interação social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p.67) Nessa passagem, observa-se que a proposta, além de reafirmar a necessidade de se conceber a linguagem produzida dentro da coletividade permitindo aos sujeitos a atuarem sobre os outros, o mundo e a respeito de si mesmo, também ressalta que os gêneros são instrumentos pelos quais os usuários da língua agem. Como isso, observamos que o fragmento acima retoma a compreensão bakhtiniana de que “para falar, utilizamos sempre os gêneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo.” (BAKHTIN, 1992, p.282) Verificamos, com o acima exposto, que a concepção de linguagem veiculada na proposta em foco difere das ideias presentes nos currículos de Pernambuco até meados da 117 década de 60. Ou seja, princípios teóricos da BCC-PE referentes ao ensino de língua materna se propõem a superar um ensino da linguagem pautado na supervalorização das formas gramaticais que desconsidera o funcionamento da língua a partir de suas condições de produção e efeitos de sentidos, tal como foi discutido no capítulo 2.4. Assim, os contextos de produção e circulação dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, as intenções dos interlocutores e produtores do discurso assumem pauta de destaque no processo de redefinição de ensino da linguagem. Podemos verificar essas nuances também a partir dos próprios subtítulos apresentados pelo documento, nos quais são discutidos os princípios orientadores para o ensino de língua portuguesa da proposta. São eles: 6.1 A língua como processo de interação (p. 67) 6.2 As condições de realização da interação verbal (p. 69) 6.3 Tipos de conhecimentos mobilizados na interação verbal (p.69) 6.4 O léxico da língua: marcas e funções (p. 71) Marinho (2001) observou que a estrutura das propostas curriculares oferece indícios que podem ajudar a interpretar as concepções que estão sendo difundidas. Nesse sentido, verificamos que os três primeiros subtítulos anunciam ao leitor pressupostos para que o ensino de língua materna seja edificado numa compreensão interativa da linguagem e o último, de forma mais específica, ressalta a vinculação entre as palavras disponíveis, características e funcionalidade. Tal organização nos indica a preocupação em defender que “a interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”. (BAKHTIN, 1992, p.123) Entende-se, ainda nesse contexto, uma concepção de linguagem extremamente vinculada às diversas práticas socioculturais e, desse modo, a noção de língua assume o pressuposto de ser variável de acordo com os usos, tal como observamos no fragmento abaixo: Língua flexível, ainda, por admitir diferentes modos de interação oral (por exemplo, a conversa coloquial, o contato telefônico, a entrevista, o comentário radiofônico, o debate público) ou de interação escrita (por exemplo, a escrita convencional, o bate-papo eletrônico, o hipertexto), por conta das inovações tecnológicas em vigor. (PERNAMBUCO, 2008, p.68) 118 Observamos, no trecho acima, que, tal como postula Bakthin (2000), “o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana” (p.261). Portanto, a língua não pode ser vista tão somente por suas propriedades estruturais ou dissociadas de seu funcionamento na interação verbal, mas sim numa perspectiva de pressupostos ancorados nas condições de produção do processo de interação. Diante os fragmentos acima citados, podemos verificar que, subjacentes aos princípios orientadores para o ensino da linguagem na BCC-PE, estão as perspectivas histórica, social, dialógica e interativa da língua. Nesse sentido, parece haver no documento a indicação de que é no movimento de interação social que os sujeitos atribuem efeitos a seus discursos, pautados no contexto histórico e social, nas condições de produção e nos papéis sociais que na linguagem se constituem. Desse modo, apesar das filiações teóricas não serem explicitadas, há indícios de uma concepção de linguagem pautada nos pressupostos bakhtinianos. Embora verifiquemos que o ocultamento dos autores é uma característica das propostas curriculares, acreditamos que a indicação de diálogos teóricos, ao longo da apresentação do documento, poderia ajudar o público-alvo a compreender os pressupostos que orientam a proposta e, consequentemente, o ensino de língua materna no estado de Pernambuco. Se, segundo o próprio documento, “o contingente de professores que exerce o magistério nas redes municipais e estadual de Pernambuco é o interlocutor principal” (p.13), os currículos poderiam apresentar diálogos mais intensos entre pressupostos adotados e os referenciais teóricos, de forma a contribuir para a formação docente, de forma mais específica, à compreensão da língua em uso e vinculada à necessidade de uma maior articulação com os contextos de produção e as práticas socioculturais Outro aspecto a ser ressaltado é que, embora seja reincidente no documento a afirmação de que a “língua/linguagem é uma atividade de interação social”, ressaltamos que o documento poderia apresentar uma compreensão mais clara do que seria essa concepção interacionista da linguagem. A pesquisadora Albuquerque (2002) observou na análise da proposta curricular de Recife, publicada em 1996, que a concepção interacionista da linguagem remete a várias dimensões que não são discutidas de forma aprofundada, nem tampouco são apresentadas com clareza ao público leitor. Dado o exposto, constatamos que o documento em foco é pautado numa perspectiva dialógica da linguagem, ou seja, resultado da interação humana dotada de efeitos de sentidos entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e contexto, tal como é defendido 119 por Bakthin (2000). Portanto, observamos que, no que se refere à concepção de linguagem, o documento se embasa nos pressupostos bakhtinianos, embora não apresente explicitações mais diretas ao autor supracitado. Marcuschi (2008) ressalta que, atualmente, os pressupostos de Bakhtin representam uma espécie de bom senso teórico. 6.1.2 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica Já no que se refere ao trabalho com os textos, observamos, na proposta em foco, que existe uma compreensão de que o texto surge como resposta a uma situação específica de interlocução. Assim, as condições de produção, interlocutores e finalidades são elementos relevantes a serem considerados na produção dos textos, sejam eles orais ou escritos. Nesse sentido, encontramos na BCC-PE uma indicativa de que os textos são tecidos com base nas imagens e pontos de vistas que os interlocutores constroem um do outro, na representação acerca do momento e espaço de interlocução, enfim, elementos que dão suporte à adequação, à elaboração e à compreensão dos textos às circunstâncias em questão, como no caso das competências abaixo: Adequar-se às condições de produção e de recepção dos diferentes gêneros textuais orais. Todo texto realiza-se sob diversas condições culturais. Tais condições determinam muitas das decisões que devem ser tomadas no decorrer da interação. Nessa perspectiva, saber adequar-se às condições de interação significa ser capaz de ajustar o dialeto (regional e social) e o registro (mais ou menos formal ou informal) à imensa variedade de situações sociais em que o evento comunicativo se insere. Pode-se, assim, relacionar a variedade de registros orais com variedade de contextos situacionais de uso da língua. (1EF, 2EF, EM12) ((PERNAMBUCO, 2008, p.80) Identificar o objetivo ou os objetivos de um determinado texto. Os textos respondem aos objetivos dos interlocutores e, desta forma, sempre respondem a alguma finalidade comunicativa. Existem elementos verbais e não-verbais que servem como pistas para o reconhecimento de tais objetivos ou finalidades. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.79) Ao ler as competências acima citadas, localizadas na seção “7.3 As competências básicas em produção e compreensão de textos orais” da BCC-PE, entendemos que existe um princípio de que os textos são respostas às situações específicas, e, portanto, não podem ser compreendidos fora do contexto situacional no qual são produzidos. Quando o documento 12 1EF corresponde aos anos iniciais do Ensino Fundamental, 2EF aos anos finais do Ensino Fundamental e EM ao Ensino Médio. 120 destaca que “Todo texto realiza-se sob diversas condições culturais”, observamos a relação direta entre texto e elementos situacionais, uma vez que são as circunstâncias tecidas no processo de interlocução que orientam as escolhas verbais ou não-verbais que os sujeitos fazem realizando as adequações necessárias à tessitura do texto. Todavia, não observamos, nessa competência, uma discussão sobre a relação entre a adequação de produção e recepção dos gêneros e a vontade discursiva dos sujeitos. Em outros termos, a própria escolha de um gênero “é determinada pela especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc.” (BAKHTIN, 2000, p.301). Portanto, a habilidade de saber adequar-se às condições de interação não perpassa apenas pela questão do registro e dialeto, mas também pelas intenções dos indivíduos. Segundo o postulado bakhtiniano, a totalidade acabada do enunciado é determinada, dentre outros fatores, pelo querer-dizer do locutor. Trata-se de destacar o elemento subjetivo do enunciado que, articulado à finalidade, “forma uma unidade indissolúvel, que ele limita, vincula à situação concreta (única) da comunicação verbal [...] (BAKHTIN, 2000, p.300). Dessa forma, tal competência poderia contemplar a dupla relação em que os gêneros orais se constituem: contexto de produção e intenção. Já quando a proposta ressalta que “Os textos respondem aos objetivos dos interlocutores”, constatamos a relação intrínseca entre texto e intencionalidade. Nessa, os elementos são construídos com base nas representações dos sujeitos envolvidos, suas posições e, dessa forma, as finalidades estabelecidas na interação têm a participação efetiva das expectativas, dos valores e quereres dos mesmos. Trata-se, na verdade, de se destacar que os textos sempre têm algo a dizer, estão interligados às situações nas quais foram produzidos e se constituem nas relações estabelecidas entre os atores da situação. Por isso, quando a competência ressalta que os textos respondem aos objetivos dos interlocutores, perpassa pelos princípios de que o ouvinte também assume uma postura ativa no processo de interação e que a comunicação discursiva se estabelece pela alternância dos sujeitos, uma vez que “o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso adota simultaneamente para com este discurso uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda [...], completa, adapta, apronta-se para executar, etc [...]”. (BAKHTIN, 2000, p.300). Em outros termos, observarmos que um texto, ao mesmo tempo em que se relaciona com outros, também está à espera de uma resposta, ou seja, o texto, como produto inacabado, quer respostas e estas, por sua vez, provocam e antecipam outras. 121 No entanto, não verificamos, na explicação da competência, como as formas típicas composicionais e de gênero também poderiam auxiliam na identificação dos objetivos. Para Bakthin (2000), a possibilidade de responder também está atrelada às formas típicas de estruturação do gênero e do acabamento do enunciado. Partindo de tal pressuposto, a consideração da composição do gênero e suas dimensões oferecem pistas aos alunos anteciparem a(s) finalidade(s) dos textos. Corroboramos com Bakthin (2000) quando ressalta que: Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero, e ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhes o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o inicio, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala evidenciará suas diferenciações. (p.302) Dentro da compreensão de que os sentidos dos textos são tecidos sempre num determinado contexto e numa relação de significação dos interlocutores, há, ainda, no documento em foco, a compreensão de que os textos remetem às vozes dos outros. Em outros termos, os textos estão imersos numa cadeia constitutiva de discursos já construídos pela sociedade, como no fragmento abaixo: Deve-se prever, ainda, que os textos mobilizam, de forma ampla ou restrita, outros textos já em circulação e, dessa forma, se constituem autênticos intertextos, do que resulta a compreensão de que nosso discurso se insere no imenso conjunto de outros discursos já em circulação. (p.70) Como verificamos acima, a BCC-PE destaca que os textos não são neutros, mas sim trazem em seu cerne uma teia de discursos já produzida por outros sujeitos em outras situações sociais. Na compreensão dialógica da linguagem, Bakhtin (2000) destaca que: Os enunciados não são indiferentes uns aos outros, nem são auto-suficientes; conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente. São precisamente esses reflexos recíprocos que lhes determinam o caráter. O enunciado está repleto de ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. (p.316) Nesse contexto, entende-se que o texto é um tecido de muitas vozes, ou seja, traz significações de construções coletivas e é dotado de discursos que se entrecruzam e se complementam. Portanto, possui marcas, recursos linguísticos e discursivos oriundos de vários sujeitos. 122 Parte-se, assim, da compreensão de que o processo de produção dos textos é constituído num fluxo de comunicação verbal ininterrupto no qual os enunciados são tecidos num processo contínuo e dotados de vozes de outrem. Nesse sentido, todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e os que o sucederão, sendo o mesmo um “elo na cadeia da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2000, p. 308). Trata-se de ressaltar que, no processo de interação verbal, a enunciação é fundada numa acepção dialógica, uma vez que “qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política, etc)” (BAKHTIN, 1992, p.122) Dado o exposto, o texto, tal como foi discutido nessa categoria, se configura numa conexão de falas de outros sujeitos e está intrinsecamente vinculado ao atendimento aos seus possíveis interlocutores e finalidades. Entretanto, não observamos maiores discussões sobre o papel da intencionalidade dos sujeitos na adequação de produção e recepção dos gêneros orais, como também acerca de quais dimensões dos gêneros poderiam auxiliam na identificação dos objetivos dos textos. 6.1.3 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero Ao realizarmos uma leitura minuciosa da BCC-PE, verificamos que, em alguns fragmentos, parece haver a compreensão de que o conjunto de textos com características similares se materializa em gêneros diversos. Assim, considerando o processo de interação, os gêneros são entendidos como artefatos sócio-históricos tecidos para alcançar as finalidades de uma determinada ação de linguagem, tal como observamos abaixo: Toda língua se materializa na forma de textos, que se manifestam para além da palavra ou frase isolada, de onde se pode concluir que, no estudo do Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita de textos devam constituir o eixo da prática pedagógica [...]. Os textos se concretizam em diferentes gêneros (poema, aviso, anúncio, convite, carta, e-mail, provérbio, notícia, fábula, conto, editorial, boletim meteorológico, instrução de uso, fatura, ficha cadastral, projeto, relatório, artigo, entre tantos outros), cada um com suas particularidades temáticas, suas intenções específicas (o texto é pra quê?) e seus modelos de organização e de sequência (mais rígidos ou mais flexíveis). Atendem a diversos setores da atividade social e preenchem diferentes funções interativas, distribuídos, assim como: textos didáticos, literários, de humor, de crítica social, de análise política, de informação, de divulgação científica, de advertência, de legislação, de reflexão, de auto-ajuda etc. Circulam em diferentes suportes de materiais (jornais, revistas, livros, fitas cassetes, disquetes, CD-ROM, vídeos, faixas, cartazes, outdoors, entre 123 outros), os quais interferem de maneira significativa, nos modos de se elaborar e se compreender a atividade interativa e implicam, ainda, uma determinada periodicidade de circulação e de validade. (PERNAMBUCO, 2008, p.69 – grifo nosso) Primeiramente observamos que, ao destacar que a língua se materializa no texto, a proposta se remete ao fato de considerar o texto como algo concreto construído no processo de interação. Em outros termos, o texto se configura como evento interativo, dotado de materialidade e que leva em consideração elementos, tais como: contexto, significações e participantes. Trata-se de considerar o mesmo como uma parte mais visível configurado no uso interativo da língua. Bakhtin (2000) ressalta que para um texto se tornar um enunciado, dois elementos são determinantes: um projeto de dizer (a intenção) e a realização desse projeto. (p.330). Sendo assim, assumindo tais pressupostos, o texto no ensino de língua materna não poderia se embasar numa perspectiva fragmentada e descontextualiza da língua, mas sim ser compreendido como unidade de sentido, produzido em situações de interação e com participação ativa dos sujeitos. Verificamos também que o documento indica uma compreensão de que os textos se materializam nos gêneros, como também a articulação dos mesmos com o tema, intenção e modos de organização. Tal aspecto se aproxima da compreensão de que “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos de gêneros do discurso.” (BAKHTIN, 2000, p. 279). Ainda no fragmento acima citado, há indicação que os textos materializados nos gêneros atendem as diversas finalidades, aos diferentes setores da sociedade e circulam em distintos suportes. Ou seja, os gêneros operam como uma peça nas diversas situações sociais, funcionando como mediadores das atividades dos sujeitos. Destacamos, a seguir, outra competência que destaca o princípio de que os textos se materializam em diversos gêneros: Analisar a variedade de gêneros de discursos orais para poder ajustarse a essa variedade. Os textos ocorrem sob a forma de variados gêneros, conforme os contextos sociais de uso em que se inserem. Desta forma, é que se pode estabelecer distinções entre a conversa coloquial, o debate, a exposição de motivos ou de idéias, a explicação, o elogio, a critica, a advertência, o aviso, o convite, o recado, a defesa de argumentos, para citar apenas estes poucos exemplares de gêneros do discurso oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.79 – grifo nosso) 124 Trata-se de considerar que todo texto observável é pertencente a um determinado gênero, sendo assim, os sujeitos utilizam os mesmos e fazem as escolhas necessárias às situações de usos. Ou seja, na utilização de um determinado gênero, os sujeitos observam quem é o interlocutor e seus papéis, os efeitos pretendidos, além de mobilizarem os elementos linguísticos e discursivos apropriados. Dessa forma, verificamos que a competência sugere que, nas diferentes situações de uso da linguagem, os indivíduos utilizam modelos de referência e, a partir das decisões a serem tomadas, realizam as escolhas necessárias. Em outros termos, dentro de uma gama de gêneros que circulam socialmente, os sujeitos mobilizam saberes que indicam a capacidade de eleger o que mais atende às condições de interlocução, realizando as modificações necessárias. Portanto, há a indicativa de condição da ação do sujeito de linguagem à manifestação do gênero. A compreensão de que os gêneros assumem caráter de instrumentos que intermedeiam as atividades de linguagem num processo de construção histórica, também está presente no documento, tal como é ressaltado no trecho em seguida: A linguagem é uma atividade de interação social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p.67- grifo nosso) Esse aspecto reporta à compreensão de que os gêneros são elementos constitutivos na interação verbal, tal como afirma Bakhtin (2000): Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. (p.302) Como vemos acima, há uma indicação no documento de que o gênero funciona como articulador das ações verbais dos sujeitos. Trata-se defini-lo como instrumento cultural e cognitivo de ação social. Schneuwly & Dolz (2004), ao explicar a tese de que o gênero é um instrumento, destaca: Os instrumentos encontram-se entre o indivíduo que age e o objeto sobre o qual a situação na qual ele age: eles determinam seu comportamento, guiamno, afinam e diferenciam sua percepção da situação na qual é levado a agir. A intervenção do instrumento-objeto socialmente elaborado- nessa estrutura diferenciada dá a atividade uma certa forma;a transformação do instrumento 125 transforma evidentemente as maneiras de nos comportamos numa situação. (p.23) Essa compreensão nos sugere que, no processo de interação, o sujeito mobiliza diferentes saberes para a escolha adequada e significativa do gênero. Ou seja, na ação de linguagem, ele se reporta ao repertório de gêneros disponíveis ao seu redor, se apropria e escolhe aquele necessário à situação de interação. Diante as discussões apresentadas nesse item, verificamos indicações no documento do princípio de que o texto se concretiza em formas diferentes, os gêneros, e que possuem diferenças específicas. 6.1.4. Gênero como forma relativamente estável do enunciado Como já vimos, na compreensão bakhtiniana, os gêneros são observados a partir de suas unidades convencionais relacionadas com a natureza histórica, dialógica e discursiva do enunciado. Isso não significa afirmar que os gêneros são apenas definidos pelos tipos de sequências textuais. Como os enunciados são produzidos em relação ao outro, a escolha das sequências, por sua vez, também se construirá num caráter dialógico interligado às determinações dos gêneros em questão. Partindo dessa compreensão, os gêneros apresentam, em seus elementos, certos traços de regularidades comuns, tecidos historicamente nos processos de interação humana, os quais são reconhecidos na relação falante/ouvinte. Nesse sentido, é “a ideia que temos da forma do nosso enunciado, isto é, de um gênero preciso do discurso, dirige-nos em nosso processo discursivo” (BAKHTIN, 2000, p.305) Na análise da BCC-PE, verificamos que, em algumas seções, o princípio acima discutido permeia as orientações teóricas ou metodológicas para o ensino de língua portuguesa, como no caso abaixo: Reconhecer características próprias do tipo ou do gênero a que pertence o texto. Todo texto é a concretização de um tipo e de um determinado gênero textual (notícia, fábula, aviso, anuncio, propaganda, carta, convite, requerimento, instrução de uso, resumo, editorial, etc) Não existem textos fora desse enquadramento. Ou seja, a produção de cada texto é regulada a partir de modelos – mais ou menos fixos – que as convenções sociais instituem. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.85) 126 O item acima se refere a uma das competências localizadas na seção “7.4 As competências básicas em leitura e compreensão de textos” e, como podemos observar, o documento elege como necessidade o desenvolvimento de habilidades e o reconhecimento das estruturas relativamente estáveis de alguns gêneros. Com isso, a adoção de que o gênero possui uma identidade própria não pode ser totalmente livre do ponto de vista do tema e de sua estrutura composicional, como também não pode ser considerado fechado e restrito, pois o estilo e as escolhas se configuram em opções do autor. De acordo com Bakhtin (2000): Os gêneros do discurso são, em comparação com as formas da língua, muito mais fácies de combinar, mais ágeis, porém, para o individuo falante, não deixam de ter um valor normativo: eles lhe são dados, não é ele que os cria. É por isso que o enunciado, em sua singularidade, apesar de sua individualidade e de sua criatividade, não pode ser considerado como uma combinação absolutamente livre das formas da língua [...] (p.304) A partir das considerações do autor supracitado, quando a competência destaca que “a produção de cada texto é regulada a partir de modelos – mais ou menos fixos – que as convenções sociais instituem” está se reportando ao caráter relativamente estável do enunciado, o que ajuda os alunos a considerarem a natureza e a peculiaridade do gênero relativo à variedade do discurso. No entanto, ao mesmo tempo em que a competência indica a necessidade de desenvolver habilidades para o reconhecimento das características próprias do gênero, permite que também seja feito um trabalho em torno da identificação dos elementos próprios dos tipos textuais. Em outros termos, não encontramos na indicação da competência especificações de que os tipos se realizam no gênero que, por sua vez, pode apresentar dois ou mais tipos. Trata-se de compreender que o gênero e tipo não podem ser vistos de forma dicotômica, ou seja, as sequências também fazem parte das características do gênero e precisam ser vistas como objeto de ensino no currículo. Ou seja, quando estudadas e associadas a algum gênero, são vistas como complementares e fazem parte das dimensões ensináveis de um gênero. Segundo Machado e Cristovão (2006), as sequências textuais e os tipos de discursos predominantes e subordinados que caracterizam o gênero também precisam ser considerados no ensino dos gêneros associados às características da situação de produção, os conteúdos típicos do gênero e sua construção composicional. Destacamos também outra competência da seção “7.5 As competências básicas em produção de textos escritos” que se relaciona aos aspectos de organização interna dos gêneros: 127 Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes gêneros de texto. Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata, atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de desenvolver-se, de apresentar-se. Organizar-se em blocos, os quais aparecem numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos definidas e reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.94) Com o acima exposto, verificamos que, subjacente ao desenvolvimento da habilidade, está o princípio de identificação das características composicionais do gênero numa dada situação e esfera de comunicação. Trata-se de destacar o princípio de que o enunciado é considerado na unidade concreta da comunicação e que possui formas relativamente estáveis, tal como postula Bakhtin (2000). Dentro dessa perspectiva, a gramática também é vista como elemento constitutivo do estilo, pois as unidades específicas de linguagem também se associam às condições específicas da situação de interlocução e posições do enunciador. O documento em foco, na seção “6.5 A gramática da língua: funções e limites”, ressalta o paradoxo da gramática que, ao mesmo tempo em se vincula as regras de sua própria natureza, também possui um caráter mutável de acordo com as condições de produção e a natureza interativa da língua: Essa gramática constitui, portanto, um componente mutável da língua, sujeito a alterações que as exigências do uso vão ditando, embora, paradoxalmente, a própria natureza da língua implique um certo grau de preservação de seus padrões. Ou seja, a gramática, ao lado de um componente (mais ou menos) fixo, dispõe também de um corpo de princípios não totalmente autônomos, cuja maior ou menor aceitação depende em última instância, das condições de cada interação, das pretensões dos enunciadores, dos gêneros e dos suportes em que essa interação circula. (PERNAMBUCO, 2008, p.72) Verificamos que o trecho acima destaca que, ao mesmo tempo em que a gramática é um componente constitutivo da língua, a mesma não está abstraída dos contextos sociais e de suas funções interativas. Tal aspecto corrobora com o pensamento de que “o locutor serve-se da língua para as suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas normativas [...] num dado contexto concreto” (BAKHTIN, 1992, p.305) Dado o exposto, observamos que o documento em foco traz à tona a compreensão de que os gêneros se constituem como formas relativamente estáveis. Ou seja, os gêneros são 128 produzidos e podem ser considerados relativamente estáveis do ponto de vista temático, composicional e de estilo, tal como postula a perspectiva bakhtiniana, numa determinada esfera da comunicação verbal, dadas as condições específicas do enunciado. Entretanto, em alguns momentos13, é possível verificar que esse princípio não é retomado nas competências selecionadas para o ensino de língua portuguesa. 6.1.5. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas Os gêneros, na perspectiva bakhtiniana, são definidos por três principais elementos. São eles: (1) conteúdo temático (objetos, significações, o assunto de que vai tratar o enunciado em questão, gerados numa esfera discursiva com suas realidades sócio-culturais), (2) estilo (seleção lexical, estruturas frasais, gramatical) e (3) construção composicional (relações, procedimentos, organização, estruturação e acabamento do texto, a estrutura formal). Nesse sentido, encontramos, no documento em foco, fragmentos que se remetem aos elementos acima citados. Primeiramente, destacamos na seção intitulada “6.2 As condições da realização da interação verbal”, o seguinte fragmento: [...]. Os textos se concretizam em diferentes gêneros (poema, aviso, anúncio, convite, carta, e-mail, provérbio, notícia, fábula, conto, editorial, boletim meteorológico, instrução de uso, fatura, ficha cadastral, projeto, relatório, artigo, entre tantos outros), cada um com suas particularidadestemáticas, suas intenções específicas (o texto é pra quê?) e seus modelos de organização e de sequência (mais rígidos ou mais flexíveis). Atendem a diversos setores da atividade social e preenchem diferentes funções interativas, distribuídos, assim como: textos didáticos, literários, de humor, de crítica social, de análise política, de informação, de divulgação científica, de advertência, de legislação, de reflexão, de autoajuda etc. Circulam em diferentes suportes de materiais (jornais, revistas, livros, fitas cassetes, disquetes, CD-ROM, vídeos, faixas, cartazes, outdoors, entre outros), os quais interferem de maneira significativa, nos modos de se elaborar e se compreender a atividade interativa e implicam, ainda, uma determinada periodicidade de circulação e de validade. (PERNAMBUCO, 2008, p.69 – grifo nosso) Observamos, com o exposto, a menção aos elementos constitutivos dos gêneros. Primeiramente, quando destaca que cada gênero possui “particularidades temáticas” , se remete aos temas constitutivos do enunciado a ser produzido, associado a diversas esferas da atividade humana, tal como também é ressaltado acima: “a diversos setores da atividade 13 Essa discussão será retomada numa categoria específica. 129 social e preenchem diferentes funções interativas.” Em seguida, verificamos o enfoque dado aos “modelos de organização” dos gêneros, o que remete a um dos elementos da construção composicional e a um dos elementos referentes ao estilo e a organização das sequências que podem estar associadas a características peculiares do autor ou do gênero a ser utilizado, por isso no documento é ressaltado o aspecto dos modelos de organização e de sequência sererm mais rígidos ou mais flexíveis”. Como verificamos acima, os aspectos ressaltados no fragmento acima se aproximam da compreensão de que “uma dada função [...] e dadas condições, especificas para cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um dado gênero, ou seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico.” (BAKHTIN, 2000, p.284) Também podemos encontrar, nas seções destinadas ao desenvolvimento das competências, alguns dos elementos constitutivos dos gêneros sendo ressaltados: Usar as convenções gráficas da apresentação dos diferentes gêneros de texto. Os diferentes gêneros textuais distinguem também por diferentes formas e recursos de apresentação, tais como margem, distribuição no espaço do suporte textual, segmentação em parágrafos, etc. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96 – grifo nosso) Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes gêneros de texto. Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata, atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de desenvolver-se, de apresentar-se. Organizar-se em blocos, os quais aparecem numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos definidas e reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p 94 – grifo nosso) Reconhecer características próprias do tipo ou do gênero a que pertence o texto. Todo texto é a concretização de um tipo e de um determinado gênero textual (notícia, fábula, aviso, anuncio, propaganda, carta, convite, requerimento, instrução de uso, resumo, editorial, etc) Não existem textos fora desse enquadramento. Ou seja, a produção de cada texto é regulada a partir de modelos – mais ou menos fixos – que as convenções sociais instituem. (1EF, 2EF, EM) (p.85) (PERNAMBUCO, 2008, p. 85 – grifo nosso) Como podemos observar nas competências acima listadas, o enfoque dado ao trabalho com os gêneros remete mais a construção composicional ou a formas de organização textual ou a escolha de recursos linguísticos do que ao conteúdo ou seleção dos temas de acordo com as esferas sociais. Não queremos com isso afirmar que esses elementos são vistos de forma 130 dissociada, mas sim ressaltar que o tema também assume especificidades na relação dinâmica entre os sujeitos da linguagem e o gênero em foco. Como a ênfase recai na forma composicional do gênero, tal compreensão se afasta do postulado de que “três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação.” (BAKHTIN, 2000, p.284) Ressaltamos, ainda, que não observamos, nas seções das competências voltadas para os eixos de língua portuguesa, leitura e compreensão de textos, produção de textos escritos, produção e compreensão de textos orais e análise linguística, aspectos direcionados ao trabalho com os gêneros considerando as condições de produção e circulação dos mesmos. Em outros termos, no documento em foco, não são discutidas, de forma mais aprofundada, questões referentes aos propósitos e às situações de interlocução mais variadas em que diversos gêneros circulam. Entretanto, podemos encontrar discussões sobre elementos sociodiscursivos, quando as competências se relacionam mais diretamente aos textos como unidades concretas singulares, ou seja, o documento insere mais discussões acerca do texto e sua relação com os interlocutores, contexto de produção e efeitos de sentido. Tal aspecto será discutido em outras categorias de análise. Outro aspecto a ser ressaltado é que, apesar de o documento destacar a relação existente entre estruturas e padrões inerentes à gramática e o caráter de flexibilidade perante as situações de usos da língua (p.72), não observamos, na seção intitulada “7.6 As competências básicas em análise lingüística e em reflexão sobre a língua”, maior detalhamento de como essa flexibilização da estrutura de padrões poderia estar associadas ao trabalho com os gêneros. Ou seja, das vinte e cinco competências apresentadas na seção supracitada, não observamos competências que discutam a relação entre gramática e gênero. Vejamos, por exemplo, a competência abaixo: Analisar os padrões de combinação e de distribuição das palavras na sequência das frases, como constituintes dos textos. As normas da gramática prevêem padrões de combinação e de distribuição das palavras na frase, de modo que não de inteira liberdade do usuário dispor as palavras como bem lhe aprouver. Existem combinações possíveis e existe uma ordem em que as palavras podem se suceder. (PERNAMBUCO, 2008, p.102) Nessa, verificamos que a competência chama a atenção para o caráter padrão de organização como parte constitutiva no texto. No entanto, não destina maiores reflexões sobre 131 a associação desses padrões ao caráter de elementos característicos dos gêneros. Em outros termos, em certas situações sociocomunicativas, os elementos composicionais, temáticos e de estilo podem dar pistas de como os padrões de combinação e de distribuição das palavras na frase podem ser organizados. Trata-se, na verdade, de levar em consideração que os aspectos relativos às condições de produção, estruturas composicionais e posições dos enunciadores influenciam as formas de organização de usos da língua. Segundo Bakhtin (2000) ”se a oração está dentro de um contexto, alcança sua plenitude de sentido unicamente no interior desse contexto, ou seja, unicamente dentro do todo do enunciado, e será possível responder a esse enunciado completo cujo elemento significante é a dada oração” (p.306-307) Dado o exposto, observamos que, na proposta, alguns fragmentos ressaltam dimensões do gênero, conforme a perspectiva bakhtiniana. Vale ressaltar, ainda, que o estilo como característica constitutiva do gênero é pouco discutido pela proposta. 6.2 Os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros e texto que perpassam a proposta Com o objetivo de investigar quais as orientações para o trabalho com os gêneros e textos no documento em lócus, discutiremos, neste item, os dados referentes aos princípios didáticos que estão sendo contemplados no trabalho com os gêneros discursivos e textos. Sendo assim, agrupamos os resultados nas categorias abaixo: 6.2.1. Diversidade de gênero 6.2.2 Texto como unidade de ensino 6.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos 6.2.1. Diversidade de gênero Como vimos no capítulo 1, vários teóricos defendem a importância da variedade de gêneros para o ensino de Língua Portuguesa. Com a leitura do documento em foco, observamos que tal aspecto é contemplado, uma vez que encontramos fragmentos recorrentes, tanto na fundamentação teórica do documento, como nas indicações de algumas competências para o trabalho com os eixos de ensino da língua materna. Nesse sentido, destacamos que, dentre as dezesseis vezes que a palavra gênero é ressaltada no texto da BCC-PE, em dez 132 situações essa palavra vem associada aos termos „variedade‟, „diferente‟ ou „diversidade‟ distribuídos nas seções “Princípios Orientadores” e “Competências e Saberes.” Já na parte introdutória da fundamentação teórica, podemos encontrar indicações para que o trabalho com a linguagem, além de estar articulado com as práticas sociais, também se vincule ao favorecimento do contato com diversos gêneros, tal como está ressaltado abaixo: A proposta de Língua Portuguesa da BCC-PE deverá considerar as modalidades oral e escrita da língua e, nelas, as habilidades de compreensão e produção. As noções básicas que fundamentam a base curricular estão apoiadas na compreensão de que a linguagem é uma atividade de interação social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p. 67grifo nosso) Como observamos acima, há uma indicação de que os pressupostos que permeiam o ensino de língua materna devem se pautar numa concepção de linguagem como práxis na qual o contato dos alunos com uma quantidade de gêneros se faz necessário para o desenvolvimento de determinadas competências linguísticas e discursivas. Podemos encontrar, em outras seções, a ideia de oferecer aos alunos contato com uma gama de gêneros que circulam na sociedade, como no caso abaixo: No que se refere aos textos orais, vale a pena definir que merece todo cuidado o interesse da escola por promover o contato dos alunos com diferentes gêneros orais. Entre esses, vale a pena lembrar: conversas, planejamento e realizações de atividades em grupo, defesa ou justificativa de opiniões, apresentação de resultados, saudações, apresentação de propostas, entrevistas etc. e, em diferentes situações sociais, envolvendo alguns poucos ou muitos interlocutores, da mesma ou de outras comunidades. Somente assim se garante a convivência do aluno com a pluralidade de intervenções e de contextos da comunicação oral pública e, dessa maneira, se ultrapasse a simples oralidade da conversa informal e privada entre pares do mesmo grupo. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.1. A seleção e apresentação dos textos, p.75- grifo nosso) Nessa perspectiva, o documento aponta a necessidade de possibilitar aos alunos conhecimento de gêneros variados para o trabalho com a oralidade, como também faz sugestões de alguns gêneros a serem alvo de trabalho didático. Acredita-se, ainda, que, o contato com essa diversidade favorecerá aos sujeitos operarem nas mais distintas circunstâncias de comunicação. Esse aspecto também é enfatizado na seção “7.1 A seleção e apresentação dos textos”, tal como podemos verificar no fragmento abaixo: 133 Nesta perspectiva, espera-se todo o cuidado para que os textos: [...] Mostrem a diversidade de gêneros de textos que circulam nos diferentes meios sociais, tais como comentários, informações científicas, notícias, trechos de reportagens, trechos de entrevistas, narrativas, crônicas, fábulas, histórias em quadrinhos, tiras, charges, poemas, anúncios, avisos, cartas, convites, declarações,para citar apenas estes. (PERNAMBUCO, 2008, p.76 – grifo nosso) Tal aspecto se remete à ideia de que é imprescindível o trabalho com os gêneros, entretanto, a indicativa de um repertório variado de gêneros do currículo não garante o desenvolvimento das competências discursivas e linguísticas dos alunos, como nos mostra Biasi (2002). A autora afirma que em função do tratamento em que se dá ao trabalho com os gêneros nos currículos e livros didáticos, os mesmos podem se tornar alvo de estudos no ensino de língua materna sem reflexões mais sistemáticas. Destarte, ressaltar que a inserção da discussão dos gêneros nos currículos é de extrema relevância, uma vez que se trata de uma forma de articular as práticas sociais aos objetos escolares, tal como defendem Schneuwly e Dolz (2004). Porém, apenas o contato com uma gama de gêneros pode não favorecer a inserção dos alunos em determinadas práticas discursivas da sociedade. Ou seja, os autores destacam a necessidade de haver orientações que discutam a seleção, sistematização e estudo reflexivo de suas dimensões quanto se propõe um trabalho a partir dos gêneros. Em relação aos gêneros citados, verificamos que a proposta em lócus sugere ao leitor cinquenta e cinco gêneros que poderiam ser trabalhados no ensino de língua portuguesa. São eles14: anúncio (4), notícia (4), carta (4), convite (3), fábula (3), aviso (3), editorial (3), artigo (2), convite (2), aviso (2), poema, (2), relatório (2), e-mail (1), provérbio (1), conto (1), boletim meteorológico (1), instrução de uso (1), fatura (1), projeto (1), ficha cadastral (1), conversa (2), planejamento (1), realizações de atividades em grupo (1), defesa ou justificativa de opiniões (1), apresentação de resultados (1), saudações (1), apresentação de propostas (1), entrevistas (1), debate (1), exposição de motivos ou de ideias (1), explicação (1), elogio (1), crítica (1), advertência (1), recado (1), defesa de argumentos (1), propaganda (1), bilhete (1), ata (1), requerimento (1), instrução de uso (1), resumo (1), comentários (1), informações científicas (1), atestado (1), trechos de entrevistas (1), trechos de reportagens (1), crônicas (1), história em quadrinhos (1), tira (1), charges (1), narrativa (1), declaração (1). 14 Ressaltamos a frequência nas quais tais gêneros são citados no documento. 134 Primeiramente, observamos que nas indicações existe uma confusão entre gênero e tipo, como narrativa, por exemplo, ou casos que não são gêneros, tais como, explicação, exposição de motivos ou ideias, comentários, defesa ou justificativa de opiniões, entre outros. Verificamos que tais gêneros são citados tanto na fundamentação teórica da proposta como também no espaço destinado a algumas competências. Como podemos observar, são diversas esferas de circulação, tais como, burocrática, jornalística, literária, divulgação cientifica, cotidiano, didático-pedagógica e pertencem a diferentes ordens, como narrar, expor, descrever ações, argumentar e relatar. Bakhtin (2000) ressalta que: a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (p.279) Todavia, os gêneros indicados, ao longo da proposta, geralmente cumprem a função de exemplificar a variedade de gêneros que podem ser trabalhados. Portanto, não verificamos indicações sobre a necessidade de um trabalho mais sistemático com os gêneros, embora seja ressaltado em alguns trechos a necessidade de enfocar os aspectos específicos dos gêneros, tal como vemos no trecho a seguir: Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes gêneros de texto. Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata, atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de desenvolver-se, de apresentar-se, organizar-se em blocos, os quais aparecem numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos definidas e reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, As competências básicas em produção de textos, p.94 – grifo nosso) Como observamos acima, a exemplificação está associada ao desenvolvimento de uma competência voltada para apropriação dos aspectos composicionais dos gêneros. Nesse contexto, a citação dos mesmos surge como ilustração de quais gêneros poderiam ser trabalhados no eixo produção textual. No entanto, não observamos no documento a alerta para a necessidade de um trabalho sistemático com o gênero. Destacamos outro fragmento no qual são citados gêneros, mas não há discussões sobre quais dimensões do gênero precisariam ser enfocadas. Vejamos: 135 Analisar a variedade de gêneros de discursos orais para poder ajustarse a essa variedade. Os textos ocorrem sob a forma de variados gêneros, conforme os contextos sociais de uso em que se inserem. Desta forma, é que se pode estabelecer distinções entre a conversa coloquial, o debate, a exposição de motivos ou de idéias, a explicação, o elogio, a critica, a advertência, o aviso, o convite, o recado, a defesa de argumentos, para citar apenas estes poucos exemplares de gêneros do discurso oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.79) Na indicação acima são sugeridos os gêneros a serem trabalhados para o desenvolvimento de tal habilidade. Entretanto, de forma reincidente, não são problematizadas as características dos gêneros a serem trabalhados de forma a oferecer ao aluno suporte para analisar a variedade de gêneros de discursos orais, sobretudo os mais formais. Para Bakhtin (2000), as três dimensões do gênero (tema, elementos da estrutura e estilo de linguagem) são essenciais e indissociáveis. A competência acima se afasta, em parte, do que é apresentado nos pressupostos teóricos da proposta. Ou seja, na seção “6.2 As condições de realização da interação verbal” é discutida a importância de se considerar tanto os textos, quantos os gêneros e suas características nos usos da língua. Segundo o próprio documento, “os textos se concretizam em diferentes gêneros [...] cada um com suas particularidades temáticas, suas intenções especificas [...] e seus modelos de organização e sequência” (p.69). Como verificamos, há indicação na proposta de que se deve considerar as dimensões do gênero. No entanto, quando a competência supracitada não ressalta a possibilidade de analisar a diversidade dos gêneros também pelas particularidades de suas características contradiz o que está sendo proposto no embasamento teórico, como também se afasta do princípio de que os gêneros e suas dimensões “devam se constituir pontos centrais”. (PERNAMBUCO, 2008, p.69) Como podemos observar, o contato com a variedade de gêneros faz parte de um dos princípios para a seleção do material a ser trabalhado, competências e fundamentação teórica no documento. Entretanto, não verificamos discussões mais aprofundadas sobre outros critérios que poderiam ser contemplados, como, por exemplo, a sugestão dos gêneros a serem trabalhados em cada etapa da escolaridade, a seleção de acordo com os gêneros de diversas ordens ou os focos que poderiam ser alvo de reflexões mais sistemáticas considerando as especificidades de cada ano/série. O documento cita a necessidade de se escolher os textos de acordo com sua organização interna e tamanho, tal como verificamos abaixo: 136 Na verdade, o que vai funcionar como elemento diferenciador de uma etapa para outra é o nível de complexidade das situações comunicativas – e dentro destas, o texto – a partir das quais as atividades são propostas. Nessas situações, o grau de dificuldade dos textos constitui um diferenciador importante, seja, ainda, pela organização interna que adotam, ou ainda pela extensão que tem, conforme sejam textos mais curtos ou textos ou mais longos. Quer dizer, a natureza do texto, objeto de estudo e análise é que representa o diferenciador para a exploração pretendida. Não se pode pois interpretar as indicações das etapas para cada competência, como limite rígido, uma espécie de marcador que reduz, que leva à fragmentação e a compartimentalização. Nada impede que se vá além do que está indicado. Cada contexto pode suscitar alterações. (PERNAMBUCO, 2008, p.74) No entanto, não verificamos maior aprofundamento sobre a relevância de se discutir critérios sobre quais gêneros/textos precisariam ser alvo de análise mais minuciosa e com objetivos mais específicos dependendo do ano/série. Trata-se de levar em consideração a questão da progressão no que concerne ao ensino dos gêneros na língua materna. Em outros termos, inserir discussões referentes às especificidades de cada gênero, bem como as dimensões a serem trabalhadas em cada ano de escolaridade. Nessa perspectiva, os objetivos a serem atingidos a cada ano/série com o trabalho com os gêneros seriam diferenciados e estariam articulados ao grau de complexidade exigido por várias situações de comunicação. Dado e exposto, verificamos que o princípio de oportunizar ao aluno o contato com os gêneros é citado em alguns trechos do documento, como também a indicação de gêneros de acordo com os usos sociais mais frequentes. Entretanto, acreditamos ser pertinente discutir outros critérios que auxiliam na discussão acerca de quais gêneros podem ser alvo de estudos mais aprofundados de acordo com os princípios da proposta em foco. 6.2.2. Texto como unidade de ensino O trabalho com os textos no ensino de língua materna passou por transformações ao longo do tempo. Até meados da década de 70, o trabalho com os textos se pautava nas questões concernentes às nomenclaturas e regras gramaticais. Com as contribuições da Linguística Textual, Sociolinguística, Análise do Discurso, Psicolinguística o trabalho com os textos se modifica, passando a ser visto como unidade fundamental da interação verbal. Corroborando com essa discussão, a proposta em foco enfatiza a importância do trabalho com o texto para o desenvolvimento das competências comunicativas dos alunos. Para tal, disponibiliza ao leitor uma seção intitulada „O lugar do texto no desenvolvimento de 137 competências em linguagem‟ e alguns fragmentos distribuídos ao longo da proposta acerca dessa temática. A ênfase dada na relevância do trabalho com os textos é tecida com argumentos na seção supracitada. Primeiramente, o documento discute acerca da importância de eleger o texto como unidade de ensino para o desenvolvimento das competências comunicativas. Sendo assim, esse princípio deve estar presente nas diversas competências da proposta, tal como é ressaltado: Estudos e propostas de diversas ordens, que resultam de diferentes fontes institucionais, reiteram o princípio de que o texto deve constituir o objeto de exploração de toda competências comunicativas. (PERNAMBUCO , 2008, Seção 8.1 O lugar do texto no desenvolvimento de competências em linguagem p.104) Posteriormente, o documento em lócus utiliza-se de estratégias discursivas para defender o redimensionamento dado ao trabalho com os textos, ou seja, comenta o fato do texto, por longos anos, ter sido alvo apenas de reflexões gramaticais sem levar em consideração a dimensão interacionista e discursiva da língua. Soares (1998) ressalta que a perspectiva da linguagem como prática social confere um olhar diferenciado ao ensino de Língua Portuguesa, passando a questionar o foco da gramática no processo de ensino– aprendizagem. Tal aspecto é ressaltado pelo documento: Dessa forma, o texto – oral e escrito – é o objeto de estudo, o que significa dizer que suas regularidades, seus modos de ocorrer, de se concretizar é que constitui o foco dos saberes a serem explorados. Não se deve recorrer ao texto simplesmente para apoiar o estudo de uma noção de gramática. O que deve prevalecer é exatamente o contrário: o estudo da noção gramatical surge quando se faz necessário para um maior entendimento do texto ou para conseguir sua adequação às condições sociais da interação. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.1 O lugar do texto no desenvolvimento de competências em linguagem p.104, 105) O trabalho com os textos, por sua vez, se articula com as diferentes condições de produção e das funções pretendidas. Nesse contexto, o texto é visto como processo que leva em consideração aspectos relacionados à sua circulação, produção e recepção. Observamos, ainda, que essa discussão é ressaltada em outras seções da proposta de língua portuguesa, ou seja, o trabalho com a linguagem associado ao texto como unidade básica para o desenvolvimento de certas habilidades, tal como verificamos abaixo: 138 Toda língua somente se atualiza sob a forma de textos, que se manifestam para além da palavra ou da frase isoladas, de onde se pode concluir que, no estudo do Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita de textos devam constituir o eixo da prática pedagógica, até porque essas atividades constituem também habilidades fundamentais no estudo de qualquer domínio do saber. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 6.2 As condições de realização da interação verbal, p.69) No trecho acima, verificamos que, para o desenvolvimento das competências oral, escrita e leitura, o texto é visto como ferramenta fundamental. Assim, não existe espaço para o trabalho com frases e palavras, uma vez que o foco é o desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas dos alunos através da unidade de estudo: o texto. Como o embasamento teórico da proposta se pauta numa visão de língua como prática social, podemos encontrar um fragmento que destaca a relevância de romper uma visão descontextualizada no que se refere ao trabalho com os textos, tal como vemos abaixo: Essa visão de língua, na perspectiva da atividade verbal, considera ainda, as condições de produção e de circulação dos textos como constituintes da interação, o que evidencia, portanto, que o conhecimento do léxico e da gramática de uma língua não chega a ser suficiente para que alguém atue verbalmente com sucesso. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 6.3 Tipos de conhecimentos mobilizados na interação verbal p.70) Assim, verificamos argumentos que remetem à consideração dos elementos situacionais dos textos, em que o contexto de produção e recepção constitui-se como elemento intrínseco às condições de interação verbal em que o texto assume unidade de significação no processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa. Portanto, não adianta enfocar a análise da língua e gramática num ensino prescritivo, mas sim redimensionar o trabalho com os textos levando em consideração suas finalidades e representações nas diversas situações sociais. No levantamento das competências da BCC-PE, observamos que, das cento e cinco competências, quarenta e nove, distribuídas nos eixos da oralidade, leitura, escrita e reflexão sobre a língua, se relacionam de forma direta ou indireta mais diretamente ao desenvolvimento de habilidades voltadas paro o texto. Dentre elas, podemos destacar: Identificar o objetivo ou os objetivos de um determinado texto. Os textos respondem a objetivos dos interlocutores e, desta forma, sempre respondem a alguma finalidade comunicativa. Existem elementos verbais e não-verbais que servem como pistas para o reconhecimento de tais objetivos ou inalidades. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, Seção 139 7.3 As competências básicas em produção e compreensão de textos orais, p.79) Como podemos observar, a competência acima chama atenção aos objetivos pelos quais os textos são constituídos, ou seja, para o atendimento a uma finalidade comunicativa, os textos possuem objetivos. Esses, por sua vez, respondem às situações de comunicação específicas numa relação onde o produtor se preocupa com as expectativas do interlocutor e, ao mesmo tempo, este espectador também participa do processo de construção de sentido do texto. Assim, o outro tem um papel relevante no processo dialógico da linguagem. Podemos citar outras competências que destacam o desenvolvimento de capacidades a partir do texto: Identificar a finalidade ou objetivo pretendido para o texto. Todo texto tem uma finalidade específica, ou seja, é produzido com um determinado objetivo, tal como: apresentar, definir, ressaltar, comentar ou refutar uma idéia, defender um ponto de vista, fazer uma advertência, apresentar uma explicação, revelar dados ou informações acerca de um fato, descrever, explicar, reformular um princípio, entre muitos outros. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.4 As competências básicas em leitura e compreensão de textos, p.86) Responder ao objetivo específico previsto para o texto. Cada texto, independentemente da função que cumpre, tem uma finalidade particular. Pretende-se, assim; fundamentar, defender, ressaltar, refutar, opinar, persuadir, advertir, divulgar, explicar, ironizar, divertir, emocionar, por exemplo. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.4 As competências básicas em produção de textos escritos, p.93) O foco, portanto, se detém mais na intenção que perpassa os textos nas diversas situações de interlocução. Nessa perspectiva, a competência em leitura e compreensão de textos destaca a identificação dos objetivos pretendidos do texto, ou seja, as estratégias e elementos linguísticos e discursivos utilizados pelo autor indicam pistas que favorecem a compreensão de qual é a finalidade do texto. Já em relação à competência em produção, verificamos um destaque para as respostas produzidas através dos textos numa determinada situação de comunicação. Em outros termos, a finalidade para a qual o texto está sendo produzido orienta a seleção dos recursos e elementos discursivos e linguísticos a serem utilizados. Como podemos observar, nas três competências acima discutidas, o texto surge como unidade de estudo. Entretanto, não percebemos discussões como as reflexões sobre as 140 dimensões especificas dos gêneros poderiam ser objeto de reflexão para ajudar o desenvolvimento de tais habilidades. Partindo da compreensão de que toda situação de interação, inevitavelmente, organizase em algum gênero, suas dimensões podem nos oferecem pistas para identificação de seu propósito comunicativo, uma vez que “o gênero do discurso não é uma forma da língua, mas uma forma do enunciado que, como tal, recebe do gênero uma expressividade determinada, típica, própria do gênero dado.” (BAKHTIN, 2000, p.312). Portanto, quando a competência se propõe a “identificar a finalidade de texto”, sem fazer referência à relação entre gênero e texto empírico, não leva em consideração que o gênero se organiza a partir da função social e intenções do locutor, da representação que faz do tema e seu interlocutor, da posição social dos sujeitos e o suporte que veicula. Todos esses aspectos poderiam ser considerados para o desenvolvimento da habilidade de reconhecer as finalidades pretendidas dos textos. Tal aspecto também é observado quando se propõe o desenvolvimento da habilidade de “responder ao objetivo especifico previsto para o texto”, sem nenhuma referência à ideia de que os textos assumem formas relativamente estáveis justamente por adotarem determinados gêneros adequados a tais finalidades. Ou seja, apesar de assumir, sobretudo, nas partes iniciais da proposta, a perspectiva bakhtiniana de gêneros, não parte do princípio de que o desenvolvimento da competência discursiva do aluno referente ao texto tem relação com sua familiaridade com as práticas de linguagem e, consequentemente, com os gêneros. Segundo Schneuwly e Dolz (2004), os gêneros podem proporcionar orientações para que os alunos produzam de acordo com sua função social. Trata-se de considerar que, para responder aos objetivos previstos, também se faz necessária a compreensão de que o propósito está intrinsecamente relacionado à situação de interação e à intenção do locutor. Se, por exemplo, a produção textual se destina à elaboração de um artigo de opinião, as estratégias e elementos eleitos se articulam ao desenvolvimento de sequências da ordem do argumentar, uma vez que a tessitura de defesa de determinados pontos de vista se faz presente no gênero citado. Na perspectiva sociointeracionista, que parece estar subjacente ao documento, o trabalho com os textos associado aos gêneros discursivos favorece o desenvolvimento das capacidades linguísticas e discursivas dos aprendizes. Segundo Bakhtin (2000): É de acordo com nosso domínio dos gêneros que usamos com desembaraço, que descobrimos mais depressa e melhor nossa individualidade neles [...], que refletimos, com maior agilidade, a situação irreproduzível da comunicação verbal, que realizamos, com máximo de perfeição, o intuito discursivo que livremente concebemos. (p.304) 141 A apresentação das competências acima citadas desarticuladas com a discussão sobre os gêneros vão de encontro ao que é proposto pelo documento no que se refere ao princípio de que todo texto se materializa em algum gênero. Em outros termos, quando encontramos no embasamento teórico, do documento em lócus, fragmentos que ressaltam que “todo texto se concretiza em diferentes gêneros” (PERNAMBUCO, 2008, p.69) ou que “a linguagem é uma atividade de interação social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.67) estão incoerentes com as competências acima discutidas, as quais não se articulam à compreensão dos gêneros. Na competência em análise linguística abaixo, por exemplo, a ampliação dessa discussão também poderia ser pertinente. Vejamos a competência abaixo: Analisar os padrões de combinação e de distribuição das palavras na sequência das frases, como constituintes dos textos. As normas da gramática prevêem padrões de combinação das palavras nas frases, de modo que não é de inteira liberdade do usuário dispor as palavras como bem lhe aprouver. Existem combinações possíveis e existe uma ordem em que as palavras devem se suceder. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.4 As competências básicas em análise lingüística e em reflexão sobre a língua, p.101 e 102) Como observamos acima, o debate para o desenvolvimento das habilidades de distribuição das palavras e frases nos textos também poderia ser alargado com um trabalho a partir dos gêneros. Ou seja, a estrutura composicional dos mesmos ajuda a organização dos padrões de combinação e das distribuições das frases. Trata-se de levar em consideração as estruturas relativamente estáveis por meio das quais se constituem os gêneros. Segundo Bakhtin (2000): Quando escolhemos uma palavra, durante o processo de elaboração de um enunciado, nem sempre a tiramos, pelo contrário, do sistema da língua, da neutralidade lexicográfica. Costumamos tirá-la de outros enunciados, e, acima de tudo, de enunciados que são apresentados ao nosso pelo gênero, isto é, pelo tema, composição e estilo: selecionamos as palavras segundo as especificidades de um gênero. (p.312) De forma geral, verificamos que as competências acima citadas suscitam a necessidade de desenvolver habilidades a partir do trabalho com os textos. Entretanto, destacamos a relevância de se discutir como esse princípio poderia ser atrelado mais ao trabalho com os gêneros como objeto de ensino, tal como foi citado em alguns momentos da fundamentação teórica da proposta. 142 6.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos No ensino de língua materna é de suma relevância a realização de um trabalho voltado para a modalidades escrita e oral. No que se refere à oralidade, ainda vigora uma visão distorcida e equivocada a respeito dessa modalidade, a qual, muitas vezes, é vista como uma habilidade inerente ao ser humano e, portanto, dispensável de qualquer trabalho mais sistemático. Marcuschi (2004) destaca que: a oralidade e a escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostos para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante. (p.17) Observamos que a BCC-PE elege, como estudo básico, os textos orais e escritos que circulam socialmente: [...] o estudo e a pesquisa em torno da Língua Portuguesa terão como objetivo mais amplo e desenvolvimento e a ampliação das competências relacionadas às atividades do uso oral e escrito da língua, em situações reais da interação social. O foco e apoio desse trabalho no âmbito de seu aparato teórico-metodológico é o texto oral e escrito, na sua produção e recepção. Daí as competências e os saberes pretendidos implicam a concentração no texto, dessa forma, centro para onde tudo vai convergir. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.1 O processo de desenvolvimento das competências p.73) No trecho acima, o enfoque dado remete à utilização do texto oral e escrito como unidade básica para o trabalho com a língua. Nesse sentido, o próprio documento explicita que “esta língua se expressa na modalidade oral e na modalidade escrita, respeitadas as propriedades e convenções das condições de produção e de circulação de cada uma dessas modalidades de uso da linguagem verbal”. (PERNAMBUCO, 2008, 6.1 As condições de realização da interação verbal, p.68) Partindo de uma perspectiva de usos da língua, a introdução dos textos orais e escritos, na proposta, é vista como fundamental para a utilização da linguagem, tal como verificamos no excerto abaixo: Como já foi visto, nenhuma manifestação de linguagem dispensa o texto, que, ao lado de outros componentes, compõe o universo da interação. Dessa forma, o texto – oral e escrito – é o objeto de estudo, o que significa dizer 143 que suas regularidades, seus modos de ocorrer, de se concretizar é que constitui o foco dos saberes a serem explorados. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.1 O lugar do texto no desenvolvimento das competências em linguagem, p.104) A partir desse fragmento, constatamos que a proposta atribui um papel relevante ao trabalho com os textos orais e escritos, visto que as manifestações da língua não podem ser consideradas fora dessa perspectiva. Todavia, eleger os textos orais e escritos como objeto de ensino não significa afirmar que os mesmos serão alvo de reflexões mais sistemáticas. É possível conceber, como parece estar subjacente à proposta, um ensino por imersão, ou seja, um ensino cuja ênfase seja a de promover muitas atividades de ler e produzir, com pouca atenção às situações de análise de textos, quanto à forma composicional, estilo ou mesmo sobre os contextos de produção. O documento se preocupa em destacar o ensino a partir dos textos para romper com a perspectiva de utilizar o texto apenas para um estudo gramatical, tal como vemos abaixo: Não se deve recorrer ao texto simplesmente para apoiar o estudo de uma noção de gramática. O que deve prevalecer é exatamente o contrário: o estudo da noção gramatical surge quando se faz necessário para um maior entendimento do texto ou para conseguir sua adequação às condições sociais de interação. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.1 O lugar do texto no desenvolvimento das competências em linguagem, p.105) Como observamos, o alvo de reflexão sobre o papel do texto no ensino de língua portuguesa perpassa pela compreensão de que o mesmo não pode ser alvo de um trabalho fundamentado em concepções de cunho estruturalista, o que consideramos relevante. No entanto, ressaltamos, ao eleger os textos orais e escritos como objeto de ensino, a necessidade de uma reflexão acerca de como tal material se configura como suporte relevante para o desenvolvimento das competências discursivas e cognitiva dos aprendizes. Em outros termos, o ensino da língua pode ocorrer só pelo contato com os textos ou o trabalho pode ocorrer também em situações que possibilitam categorizações e teorizações. Guimarães (1998) ressalta “a visão do texto na sua dupla natureza de atividade e objeto – atividade comunicativa e atividade cognitiva – ao mesmo tempo em que objeto sobre o qual se pode sistematizar” (p.154) O ensino de língua materna é visto como um processo contínuo que necessita de reflexões sistemáticas e o embasamento teórico para se trabalhar com esses textos. Entretanto, também se faz necessário orientar não só a perspectiva da necessidade de exploração dos textos, mas também de como trabalhar com os mesmos a partir da óptica do contato, reflexão, 144 teorização e explicitação, desenvolvendo não só as capacidades de linguagem dos aprendizes, mas também o monitoramento de suas aprendizagens. Na explanação de algumas competências, verificamos que a indicação de se trabalhar com os textos orais e escritos também está presente, como no caso abaixo: Comparar fenômenos lingüísticos em texto orais e escritos. As modalidades oral e escrita da língua guardam similaridades e apresentam diferenças. O confronto entre uma e outra modalidade pode ser bastante produtivo para a compreensão daquelas similaridades e diferenças, desde que se considerem os mesmos níveis de registro (fala formal X escrita formal, por exemplo). (1EF, 2EF, EM). (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.3 As competências básicas em produção e compreensão de textos orais, p.79) A partir da competência acima, observamos que ênfase está no estudo das relações entre as modalidades oral e escrita. Tal competência retoma a importância de se trabalhar a partir do confronto entre textos orais e escritos, ratificando a compreensão das similaridades e diferenças. Trata-se de ressaltar as características das duas práticas discursivas cujas semelhanças e diferenças devem ser analisadas não de maneira dicotômicas, mas sim com aproximações e afastamentos dentro de um mesmo nível de formalismo ou informalidade. Nesse sentido, acreditamos também ser relevante a indicação de exemplos de gêneros que poderiam ser postos em comparação, como, por exemplo, a comparação entre conversa informal e um bilhete. Nesta competência aparece o foco no trabalho de reflexão sobre os textos e não apenas nas situações de leitura e produção, mas esta não é uma tendência muito marcante no documento. Dado o exposto, a proposta indica a necessidade de se trabalhar com os textos orais e escritos para que os usuários da língua, em determinadas situações, façam uso da bimodalidade. No entanto, não percebemos debates sobre como tais textos também poderiam ser utilizados como alvo de sistematizações de outras dimensões linguísticas. 6.3 Os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos e texto indicados para as diferentes etapas de escolaridade Primeiramente, ao analisarmos as competências sugeridas pelo documento, verificamos que as mesmas se destinam ao ensino fundamental e médio. O perfil de entrada dessas crianças é traçado na página 78 do documento: 145 [...] as competências aqui pretendidas pressupõem um sujeito já alfabetizado e em processo de letramento mais avançado. Essa pressuposição, não significa, no entanto, que as condições gerais apresentadas, em qual quer tópico da BCC-PE, não possam se aplicar à etapa da educação infantil. (PERNAMBUCO, 2008, p.78) Como observamos acima, apesar do documento advertir que nada impede a utilização das competências para a Educação Infantil, existe uma indicativa de que ele foi pensado para uso em contextos em que os alunos estejam alfabetizados15. Entretanto, esse pressuposto parece ser contraditório, visto que os anos iniciais do ensino fundamental também se destinam aos alunos que estão em processo de alfabetização. Ou seja, é excludente não propor competências relacionadas a essa etapa da escolaridade, uma vez que, “a BCC cumpre o objetivo de contribuir e orientar os sistemas de ensino, na formação e atuação dos professores da Educação Básica”. (p.10) Trata-se da necessidade de refletir acerca do pré-requisito acima apresentado: as competências a serem desenvolvidas necessitam de aprendizes já alfabetizados? Não sendo este o propósito deste estudo, não nos dedicaremos a tal discussão, mas podemos apontar que tal pressuposto seja resultado de uma interpretação de que o letramento é o foco por excelência do ensino e que outros objetos de aprendizagem, como o sistema de escrita alfabética, seriam menos importantes ou fossem decorrência do próprio processo de letramento. Assim, não há, no documento, nenhuma menção a este eixo do ensino. Em relação à distribuição das competências, a BCC-PE destina vinte e seis páginas para sua apresentação nas seções intituladas: As competências básicas em produção e compreensão de textos orais As competências básicas em leitura e compreensão de textos As competências básicas em produção de textos escritos As competências básicas em análise linguística e em reflexão sobre a língua Para analisarmos os dados referentes aos saberes e habilidades contemplados na proposta, organizamos os dados da seguinte forma: 15 Como se trata de um documento orientador para todo estado de Pernambuco, tal fragmento apresenta uma visão excludente por pressupor que todas as crianças já se encontram alfabetizadas nas séries iniciais do ensino fundamental. Tal aspecto precisa ser repensado para o atendimento do próprio paradigma defendido pelo documento “da solidariedade, do vínculo social e da cidadania” (p.22). 146 6.3.1. Os saberes e habilidades no eixo da oralidade 6.3.2. Os saberes e habilidades no eixo da leitura 6.3.3. Os saberes e habilidades no eixo da escrita 6.3.4. Os saberes e habilidades no eixo da análise linguística 6.3.1. Os saberes e habilidades no eixo da oralidade No documento são apresentadas dezoito competências no eixo da oralidade. Destas, no que concerne às habilidades e saberes relacionados aos gêneros para o trabalho com a modalidade oral, observamos que a proposta sugere duas competências: Analisar a variedade de gêneros de discursos orais para poder ajustarse a essa variedade. Os textos ocorrem sob a forma de variados gêneros, conforme os contextos sociais de uso em que se inserem. Desta forma, é que se pode estabelecer distinções entre a conversa coloquial, o debate, a exposição de motivos ou de idéias, a explicação, o elogio, a critica, a advertência, o aviso, o convite, o recado, a defesa de argumentos, para citar apenas estes poucos exemplares de gêneros do discurso oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.7980) Adequar-se às condições de produção e de recepção dos diferentes gêneros textuais orais. Todo texto realiza-se sob diversas condições culturais. Tais condições determinam muitas das decisões que devem ser tomadas no decorrer da interação. Nessa perspectiva, saber adequar-se às condições de interação significa ser capaz de ajustar o dialeto (regional e social) e o registro (mais ou menos formal ou informal) à imensa variedade de situações socais em que o evento comunicativo se insere. Pode-se, assim, relacionar a variedade de registros orais com variedade de contextos situacionais de uso da língua. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 80) A primeira suscita no aprendiz a capacidade de refletir acerca de vários gêneros orais que circulam em diferentes esferas sociais. Nessa reflexão, se faz necessária a distinção entre os gêneros orais frente aos diferentes objetivos e intenções para o reconhecimento de seus elementos discursivos e linguísticos. Assim, dependendo das situações de uso, os gêneros assumem características peculiares e, essas, por sua vez, se vinculam à complexidade exigida situações de interlocução determinadas. Todavia, não verificamos orientações sobre quais dimensões do gênero poderiam ajudar no desenvolvimento das habilidades de produção e leitura dos variados textos que circulam socialmente. Ou seja, a compreensão de que “o enunciado reflete as condições específicas e as finalidade de cada uma dessas esferas, não só 147 pelo seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal [...], mas também e, sobretudo, por sua construção composicional” (BAKHTIN, 2000, p.279) Ainda sobre a primeira competência, observamos que os gêneros exemplificados procedem tanto de interações mais imediatas, como da conversa coloquial e de situações mais elaboradas da linguagem, como o debate. Sobre tal aspecto, observamos uma aproximação à teoria bakhtiniana no que se refere à diferença entre os gêneros primários e secundários. Segundo o próprio autor: Importa nesse ponto, levar em consideração a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os gêneros secundários do discurso [...] aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mas complexa e relativamente mais evoluída, principalmente a escrita [...]. Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea [...] (BAKHTIN, 2000, p. 281) Já em relação à segunda competência, adequar-se às condições de produção e de recepção dos diferentes gêneros textuais orais, verificamos a vinculação das condições de produção e recepção dos gêneros às condições culturais nas quais são produzidos, ou seja, as condições e os processos que regulam a produção e recepção dos gêneros estão imersos em um universo comunicativo no qual as diferenças de variedade e registro se fazem presentes, pois respondem a uma situação específica de interlocução. Entretanto, ressaltamos um problema de reducionismo ao vincular as condições de produção e recepção dos gêneros tão somente à adoção da variedade de registro, uma vez que desconsidera que tais condições também determinam o estilo e a forma composicional do texto que estão também relacionadas às intencionalidades do discurso. Há, no documento, quatro competências que se relacionam ao trabalho com o texto, tais como as que se voltam para a identificação do ponto de vista, dos objetivos, de comparações entre textos orais e escritos e reconhecimento dos seus elementos linguísticos. Nesse sentido, um dos pontos abordados para o desenvolvimento das competências para produção e compreensão dos textos orais é a capacidade de distinguir o ponto de vista presente num determinado texto: 148 Reconhecer o ponto de vista a partir do qual o tema do texto é tratado. Mesmo restrito a um tema particular, o autor adota para seu texto um determinado ponto de vista, que define também as condições de sua coerência global. (PERNAMBUCO, 2008, p.79) Com o fragmento acima, percebemos que os textos não são neutros, uma vez que materializam pontos de vistas do próprio autor acerca de um determinado tema. Assim, o documento em foco apresenta a possibilidade de desenvolvimento e reconhecimento de tais pontos pelos aprendizes. Trata-se de considerar a relação entre o tema discutido e as condições de produção do autor, de forma mais especifica, as intenções. No entanto, não percebemos a indicativa de esclarecimentos em torno do fato de que nem todo gênero possui ponto de vista do autor. Em outros termos, existem textos que circulam socialmente e não apresentam um ponto de vista específico, como, por exemplo, a parlenda e o trava-língua. Nesse sentido, a competência acima citada não se aplicaria a todos os gêneros, uma vez que a identificação das marcas do autor frente ao tema não são características peculiares a todos. A identificação dos objetivos do texto também é um aspecto contemplado na proposta: Identificar o objetivo ou os objetivos de um determinado texto. Os textos respondem a objetivos dos interlocutores e, desta forma, sempre respondem a alguma finalidade comunicativa. Existem elementos verbais e não-verbais que servem como pistas para o reconhecimento de tais objetivos ou finalidades. (1EF, 2EF, EM) ((PERNAMBUCO, 2008, p.79) Como os textos se definem pelos fatores de situações de usos, percebemos no fragmento acima a indicação para o desenvolvimento da habilidade de identificar os objetivos dos mesmos. Nessa perspectiva, a proposta enfatiza as condições de produção e recepção dos textos com o foco voltado para a finalidade de cada um. Em outros termos, os textos materializam determinados fins de acordo com a situação de interlocução e suas características. Sendo assim, os elementos que os constituem são relevantes para o processo de resposta a uma situação específica de comunicação. Porém, se todo texto se concretiza num determinado gênero, princípio defendido no documento, tal competência poderia relacionar o reconhecimento da finalidade do texto aos diversos gêneros que circulam socialmente. Outra competência se remete mais para as particularidades e semelhanças dos elementos linguísticos dos textos orais e escritos, tal como é ressaltado abaixo: Comparar fenômenos lingüísticos em texto orais e escritos. As modalidades oral e escrita da língua guardam similaridades e apresentam diferenças. O confronto entre uma e outra modalidade pode ser bastante 149 produtivo para a compreensão daquelas similaridades e diferenças, desde que se considerem os mesmos níveis de registro (fala formal X escrita formal, por exemplo). (1EF, 2EF, EM). (PERNAMBUCO, 2008, p.79) Observamos acima a indicativa para desenvolver a capacidade dos alunos de correlacionar os fenômenos linguísticos que emergem na superfície dos textos orais e escritos. Em outros termos, elementos distintos e semelhantes entre a modalidade oral e escrita podem ser alvos de reflexão, uma vez que o aluno desenvolve a capacidade de refletir os aspectos pertinentes as duas modalidades de acordo com a situação de interlocução. No entanto, mais uma vez, o foco recai na reflexão sobre o nível de registro e não em outras dimensões dos gêneros. Verificamos que os recursos coesivos presentes no discurso oral também se tornam alvo de reflexão: Reconhecer e utilizar os procedimentos coesivos presentes no desenvolvimento do discurso oral. Os textos orais não dispensam os recursos coesivos. O uso de elementos reiterativos (como repetições, paráfrases, paralelismos, substituições pronominais ou adverbiais, substituições por sinônimos, por hiperônimos, associações semânticas entre palavras) ou de elementos conectores (como preposições, conjunções, locuções adverbiais) é fundamental para promover a coesão do texto oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 80) Como percebemos acima, existe a indicativa do documento para o desenvolvimento da habilidade de reconhecer e utilizar os elementos linguísticos responsáveis pela coesão dos textos orais. Sendo assim, a apreensão desses fenômenos é elemento relevante para a eficácia do discurso oral. No entanto, ressaltamos que, além de reconhecê-los e utilizá-los, os aprendizes necessitam refletir sobre os efeitos que esses recursos coesivos podem produzir dentro de um determinado gênero, ou seja, a utilização desses recursos está associada aos efeitos pretendidos numa determinada situação de interlocução considerando o gênero escolhido. Dado o exposto, verificamos que os saberes e as habilidades contemplados no eixo da oralidade relacionados ao trabalho com os gêneros são apresentados de forma mais precisa apenas em duas competências. Essas, por sua vez, ora se aproximam da teoria bakhtiniana, principalmente quando ressaltam a diferença entre gêneros primários e secundários e ora se afastam, quando não discute o gênero em suas variadas dimensões. O documento ressalta, em relação à oralidade, a necessidade de se desenvolver habilidades relacionadas à utilização do registro, dos recursos coesivos, identificação de objetivos e ponto de vistas. Todavia, não 150 apresenta maiores discussões de como tais habilidades poderiam ser compreendidas através do principio proposto pelo documento: a materialização dos textos em determinados gêneros. 6.3.2. Os saberes e habilidades no eixo da leitura No documento são apresentadas quarenta e três competências no eixo da leitura e compreensão de textos. Destas, encontramos apenas uma competência que se remete diretamente ao trabalho com os gêneros: Reconhecer características próprias do tipo ou do gênero a que pertence o texto. Todo texto é a concretização de um tipo e de um determinado gênero textual (notícia, fábula, aviso, anuncio, propaganda, carta, convite, requerimento, instrução de uso, resumo, editorial, etc) Não existem textos fora desse enquadramento. Ou seja, a produção de cada texto é regulada a partir de modelos – mais ou menos fixos – que as convenções sociais instituem. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 85) Verificamos, com o acima exposto, a relação entre a competência e os elementos composicionais do gênero, ou seja, indicação para desenvolver a habilidade de reconhecimento das características peculiares aos mesmos. Trata-se de considerar as formas relativamente estáveis dos enunciados, tal como defende Bakthin (2000). Ainda na competência acima, observamos a ressalva de que esses modelos não são totalmente fechados, uma vez que são mutáveis por se constituírem nas diversas esferas de usos da língua. No que refere às habilidades do eixo da leitura que se relacionam com o trabalho com os textos, há, no documento, vinte seis competências. Estas, podem ser podem ser agrupadas em três grandes blocos16: a) as que ressalvam os elementos sociodiscursivos dos textos; b) as que indicam o desenvolvimento de estratégias de leitura com base nos textos; c) as que destacam os aspectos linguísticos dos textos. No que concerne às competências que destacam os elementos sociodiscursivos dos textos, o documento em foco destaca a relevância de se considerar os elementos presentes nas condições de produção e recepção dos textos, tal como vemos abaixo: 16 Isso não significa afirma que as competências não possuem peculiaridades e que não pertencem também ao outro agrupamento. 151 Identificar elementos indicadores das condições do locutor e do interlocutor do texto. Os textos oferecem pistas a partir das quais é possível identificar características próprias do locutor, inclusive traços de seu grupo dialetal. Também é possível identificar o interlocutor de um texto ou, pelo menos, presumi-lo, a partir de determinadas marcas textuais ou outras pressupostas no contexto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 88- 89) Identificar elementos indicadores das condições do espaço cultural de produção e de circulação do texto. Todo texto procede de um determinado espaço cultural e se destina a um outro. Recuperar os elementos do contexto cultural em que o texto foi produzido e vai circular constitui uma estratégia relevante para a construção do sentido e das intenções pretendidas. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 89) Identificar o universo de referência do texto. Um texto pode remeter para diferentes contextos do mundo real ou do mundo fictício e, assim, privilegiar esse ou aquele universo de referência, tal como o universo dos mitos (infantis ou não), o universo dos temas sociais, dos temas científicos, dos temas religiosos, por exemplo.(1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 84- 85) Identificar a finalidade ou objetivo pretendido para o texto. Todo texto tem uma finalidade específica, ou seja, é produzido com um determinado objetivo, tal como: apresentar, definir, ressaltar, comentar ou refutar uma idéia, defender um ponto de vista, fazer uma advertência, apresentar uma explicação, revelar dados ou informações acerca de um fato, descrever, explicar, reformular um princípio, entre muitos outros. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 86) Em geral, as competências acima se relacionam à importância de se desenvolver a habilidade dos alunos para perceber onde os textos circulam, a quem se dirigem, suas finalidades e intenções, estimulando o desenvolvimento social dos aprendizes. A primeira destaca os indicadores que os textos podem oferecer para identificação dos elementos do próprio locutor e do interlocutor do texto, ou seja, a partir de características expressas na superfície textual, seria possível observar a quem o texto se destina e quem fala. Trata-se de uma habilidade que favorece a percepção das intenções do autor e as expectativas do público leitor, e, portanto, a compreensão de sentidos dos textos. Já a segunda, ressalta a importância da identificação das esferas sociais nas quais os textos circulam, uma vez que contribuem para a construção dos sentidos e intenções dos mesmos. Em outros termos, identificar e refletir sobre os meios sociais nos quais os textos circulam ajuda ao aprendiz a desenvolver estratégias de compreensão dos significados implícitos dos textos, e consequentemente, se tornarem mais ativos diante deles. 152 A terceira indica a relevância de relacionar os diversos contextos nas quais os textos estão inseridos. Ou seja, apesar dos textos estarem imersos em variados domínios discursivos, os mesmos podem apresentar a predominância de um, portanto, a competência se volta para a capacidade de correlacionar o tema abordado em um determinado texto ao seu universo de referência. Na quarta competência, o destaque se volta para a identificação da função e objetivo de um determinado texto. Tal habilidade se relaciona com as diferentes intenções comunicativas que os textos assumem de acordo com a situação de interlocução. Assim, quando exemplifica possíveis objetivos dos textos, tais como, “apresentar, definir, ressaltar, comentar [...]” subjacente à competência existe a ideia de oferecer aos alunos contato com uma gama de textos. Com a discussão acima, verificamos que os saberes contemplados, em ambas competências, se relacionam a possibilidade de saber reconhecer os interlocutores e os processos que regem a circulação dos textos na sociedade, bem como suas intenções. Tal compreensão se aproxima do principio dialógico da linguagem, visto que ressalta que os textos se constituem pelo diálogo entre interlocutores. Quando a proposta destaca a necessidade de desenvolver habilidades para identificar características do locutor presente nos textos e também e/o reconhecimento do possível interlocutor do texto, através de pistas, está reportando à compreensão de que um discurso sempre é produzido em relação ao outro. Ou seja, está destacando que “a enunciação é produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados, e mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor” (BAKHTIN, 1992, p.112). Nesse sentido, verificamos, ainda nas competências supracitadas, a preocupação em relacionar os textos ao seu espaço cultural, condições de circulação e universo de referência. Tais aspectos são relevantes para oportunizar uma compreensão de que “a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação (BAKHTIN, 1992, p.113) Porém, os elementos sociodiscursivos destacados através das competências não se articulam com a compreensão de que na utilização da língua produzimos formas relativamente estáveis do enunciado, tal como defende Bakthin (2000). Ou seja, embora o documento indique uma preocupação com os interlocutores e situação de interlocução não discute de forma aprofundada como toda comunicação se dá por meio dos gêneros, e esses, por sua vez, se constituem em campos específicos da comunicação verbal. 153 Ainda em relação às competências que ressalvam os elementos sociodiscursivos dos textos, encontramos uma que destaca a correlação entre as condições de produção e as variedades linguísticas presentes em alguns textos: Avaliar a adequação de determinados usos dialetais e de registro às condições da situação de interação. Nenhum texto ocorre fora de uma determinada situação social (mais ou menos formal ou informal) devem-se adequar às condições desta situação. Essa adequação constitui parte da coerência global dos textos. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 91) Observamos que as condições de uma determinada situação comunicativa orientam os usos das variedades linguísticas dialetais e de registro. Nesse sentido, a competência destaca a necessidade de avaliar a adequação de determinados elementos de variações dialetais, uma vez que tais variedades se atrelam ao contexto, à intenção comunicativa e aos possíveis interlocutores. Trata-se de discutir a questão de que não existe uma única maneira de falar ou escrever, mas sim saber utilizar o registro às diferentes situações comunicativas e conseguir atingir o efeito almejado. Dessa forma, a competência ressalva a capacidade de necessidade de identificar se os usos dialetais e de registro são ou não pertinentes a situação de interação e se contribuem para o uso eficiente da linguagem. Outra competência se remete a habilidade de reconhecimento dos efeitos de sentido oriundos de marcas típicas da oralidade na escrita, tal como verificamos abaixo: Reconhecer os efeitos de sentido do uso de marcas típicas da oralidade. Trazer, para a escrita, padrões típicos da oralidade representa um outro recurso discursivo, cujo efeito também precisa ser identificado, para que se construa, por inteiro, os sentidos e as intenções do texto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 91) Como verificamos acima, a competência ressalta a importância de reconhecer determinadas marcas linguísticas da oralidade na escrita, essas por sua vez, são utilizadas por alguns autores para provocar efeitos de sentido nos textos. Nesse sentido, quando os marcadores típicos da oralidade são utilizados com determinada intenção nos textos, exigem dos aprendizes a utilização de estratégias que analisem a intencionalidade que essas marcas poderão provocar dependendo da situação de interlocução e, assim, ajudar na compreensão do texto. Tais marcas típicas portanto podem estar associadas com a intenção discursiva do locutor, uma vez que em função dos objetivos a serem atingidos o querer-dizer orienta as escolhas. Segundo Bakthin (2000): 154 esse intuito discursivo determina a escolha, enquanto tal, do objeto, com suas fronteiras (nas circunstâncias precisas da comunicação verbal e necessariamente em relação aos enunciados anteriores) e o tratamento exaustivo do objeto de sentido que lhe é próprio. (p.300) Portanto, se é por meio querer-dizer do locutor que as fronteiras do tema de seu discurso dão delimitadas, a escolha das marcas típicas também se articula constantemente com o tema do enunciado. Observamos também que o aspecto da intertextualidade é contemplado no documento: Estabelecer relações temáticas ou estruturais, de semelhança ou de oposição, entre dois textos de diferentes autores ou de diferentes épocas. Dois textos sobre o mesmo tema, de autores ou de épocas diferentes podem ser observados e comparados e, a partir de diversos elementos, pode-se perceber o tratamento temático ou a perspectiva de abordagem de cada um deles. Pode-se, ainda, reconhecer, nessas diferenças ou semelhanças, traços de um autor, de um grupo, de um espaço, de uma época. (1EF, 2 EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 93) Tal como verificamos acima, existe a indicativa do documento em desenvolver as habilidades dos alunos para identificarem as manifestações simbólicas presentes entre textos de um mesmo tema, entre autores e textos de períodos diferentes. Assim, os aprendizes aprenderiam a reconhecer os diálogos estabelecidos entre textos diferentes, discutindo um mesmo tema, e as ideias de autores distintos e de épocas díspares. Em outros termos, desenvolveriam saberes relacionados à identificação dos jogos intertextuais que emitem vozes que circulam na sociedade, contribuindo para o desenvolvimento da capacidade crítica. Tal compreensão se aproxima do princípio de que todo enunciado pressupõe autoria e consiste numa resposta a outros enunciados. Segundo Bakthin (2000): Por mais monológico que seja um enunciado [...], por mais que se concentre no seu objeto, ele não pode deixar de ser também, em certo grau, uma resposta ao que já foi dito sobre o mesmo objeto, sobre o mesmo problema, ainda que esse caráter de resposta não receba uma expressão externa bem perceptível. (p. 317) Na proposta em foco encontramos competências que se relacionam, de forma direta ou indireta, com o desenvolvimento de estratégias de leitura com base nos textos: Localizar informações explícitas. No percurso do texto, podem ser encontradas informações explícitas, isto é, informações identificáveis linguisticamente na superfície do texto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 83) 155 Depreender uma informação implícita. Em um texto também são comuns as informações implícitas, ou seja, informações não-ditas linearmente, mas que podem ser identificadas a partir de outras informações disponíveis no texto ou derivadas dos conhecimentos prévios do leitor. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 83) Identificar o tema central do texto. A compreensão global do texto pressupõe a identificação de sua idéia central ou do ponto de vista que constitui o eixo em torno do qual o texto se organiza. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 86) As competências acima ressaltam a necessidade de desenvolver habilidades de localização de informações e identificação do tema central dos textos. No que se refere à localização explícita, o aluno, a partir das pistas textuais presentes na superfície dos textos, poderá ser capaz de responder questões que se remetem a identificar: quem, como, onde, por que, quando, para quê, dentre outras. Já a que se refere às informações implícitas, a competência exige saberes que ultrapassam as informações presentes na base textual, ou seja, os aprendizes necessitariam fazer inferências indicadas pelas marcas presentes nos textos. Assim, a competência se volta para o desenvolvimento da habilidade de ler o que está nas entrelinhas do texto. No que concerne à identificação do tema central, verificamos a relação com o significado global do texto, uma vez que envolve a habilidade dos alunos perceberem o texto como um todo. Em outros termos, através dos recursos utilizados pelo autor, os alunos poderiam identificar o que está sendo abordado no texto. Dessa forma, observamos que as competências acima discutidas, dependendo dos objetivos pretendidos na leitura, desenvolvem habilidades que ajudam aos aprendizes a se situarem frentes aos textos para compreendê-los. Nesse sentido, o foco se destina a apreensão de estratégias que facilitem a compreensão dos textos. No entanto, destacamos que nas competências supracitadas não são discutidas como determinados gêneros podem proporcionar ao leitor o desenvolvimento de estratégias de modo mais efetivo a partir da compreensão de suas dimensões. Portanto, as competências em foco não se propõem a desenvolver certas estratégias de leitura articuladas com a compreensão de que o gênero pode mobilizar expectativas no leitor. Além do mais, a não indicação de gêneros que poderão ser explorados para desenvolver as estratégias de leitura, não esclarece ao leitor, por exemplo, que nem todo texto se presta a identificação de tema central ou depreensão de uma informação implícita. Como exemplo, podemos citar os gêneros receita e ofício, respectivamente. 156 Podemos encontrar outras competências que se correlacionam ao desenvolvimento de estratégias para facilitar a compreensão dos textos: Relacionar informações oferecidas por gráfico ou tabela com outras constantes em um texto verbal. A compreensão global de um texto pode depender da relação entre seus elementos verbais e outros não-verbais presentes. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 84) Relacionar uma idéia ou informação com a outra ou outras presentes no texto ou pressupostas no contexto extraverbal. No texto, tudo pode estar em articulação: seja uma idéia ou uma informação com outras também presentes no texto, seja uma idéia ou informação apenas pressupostas na situação em que a interação verbal acontece. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 84) Distinguir entre informações principais e informações secundárias. É inteiramente provável que, em um texto de maior extensão, se possa constatar informações principais e informações secundárias. Perceber esta distinção é fundamental para a compreensão global do texto e para a compreensão do grau de relevância dessas informações. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 86) A primeira competência destaca a relevância do contexto extralinguístico na compreensão dos textos, ou seja, os elementos não-verbais são pistas que ajudam a construir representações acerca do que está sendo tratado nos textos. Assim, tal competência ressalta a importância do aluno desenvolver a habilidade de integrar os materiais gráficos e o texto para ajudar a compreender as ideias presentes no texto quando esses elementos gráficos facilitam a constituição de sentidos do texto. A segunda destaca a necessidade de estabelecer relações entre as informações presentes na superfície do texto ou no contexto extraverbal. Tal habilidade favorece a compreensão do texto como um todo e conhecimento de aspectos extraverbais, uma vez que a unidade entre as ideias de determinado texto é um dos elementos responsáveis pela coerência. Ou seja, tal competência ajuda os aprendizes a compreenderem o que está sendo abordado no texto para o estabelecimento de possíveis diálogos. A terceira ressalta o desenvolvimento da habilidade de diferenciar as informações principais e secundárias dos textos. Para tal, os alunos necessitariam desenvolver a capacidade de correlacionar as partes do texto e a ideia principal. Nesse sentido, o texto apresenta uma forma de organização na qual as relações entre as partes do texto podem ser percebidas na superfície textual, bem como a relação com o assunto central. Trata-se uma estratégia importante que facilita a compreensão dos textos. 157 Podemos encontrar, ainda, competências que suscitam habilidades para o desenvolvimento de estratégias que ajudam na interpretação dos textos: Identificar a síntese (mais ampla ou mais reduzida) de um texto ou de parte dele (de um parágrafo, por exemplo) Um texto ou parte dele podem ser resumidos, de forma mais ou menos ampla. Discernir sobre a fidelidade da síntese às idéias do texto original constitui um indicativo relevante de que o texto foi compreendido na sua totalidade. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 87) Identificar as palavras-chave de um texto ou parte dele. Inserido na habilidade de discernir sobre aspectos globais do texto, encontrase também o procedimento de identificar quais as palavras-chave do texto, ou seja, quais as palavras mais diretamente relacionadas com o eixo semântico que constitui a unidade do texto. (2EF, EM). (PERNAMBUCO, 2008, p. 88) A primeira ressalta que a capacidade de identificar como a síntese de um texto pode auxiliar na distinção entre as ideias que são fiéis ao texto original e as que não são. Trata-se de uma habilidade que suscita do aprendiz tanto a compreensão do que está sendo abordado, quanto a capacidade de selecionar os aspectos mais relevantes do texto. Já a segunda destaca a importância dos alunos identificarem as palavras-chave no texto como forma de auxiliar no processo de compreensão do mesmo. Embora tal competência destaque uma estratégia relevante para o processo de compreensão dos textos, nem todos os gêneros são favoráveis à identificação de palavras-chave ou à construção de sínteses. No que concerne às competências que remetem aos aspectos linguísticos dos textos, verificamos a indicativa de reflexões acerca da superfície textual: Reconhecer características próprias do texto de ficção. Os textos que remetem para o campo de ficção – sejam em prosa sejam em verso – apresentam formas e marcas típicas de representar, pela expressão verbal, a realidade. A compreensão global do texto supõe o entendimento destas particularidades. (2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 85) Reconhecer os critérios de ordenação ou de sequência do texto na apresentação das idéias e informações. O autor de um texto elege determinadas estratégias ou critérios de desenvolvimento, de sequenciação das idéias ou informações. Identificar essa seqüência constitui um recurso relevante para a compreensão global do texto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 87) Identificar elementos que indiquem a posição do autor frente aos textos ou autores referidos. Quando recorre a um elemento de intertextualidade, o autor assume uma determinada posição – de aproximação ou de afastamento em relação à outra voz. Não basta, portanto, apenas identificar o segmento prova da 158 intertextualidade. É preciso reconhecer o grau de adesão do autor ao texto do outro. (2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 92- 93) Identificar referências ou remissões a outros textos ou a outros autores. Em um texto podem ser inseridas alusões, paráfrases ou citações de outros textos, um procedimento pelo qual se pretende algum efeito discursivo, tal como buscar apoio, manifestar adesão, fundamentar uma posição. Perceber a dimensão intertextual do texto constitui um aspecto de sua coerência global. (1EF, 2EF, 2EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 92) A primeira competência destaca o reconhecimento de elementos característicos de textos de ficção. Esses, por sua vez, possuem manifestações linguísticas produzidas em contextos específicos e com determinadas finalidades. Assim, perceber como esses elementos se organizam, como também suas marcas características ajudariam na compreensão dos textos. Entretanto, para o aluno compreender as diferentes situações comunicativas que envolvem a ficção, seria interessante apresentar alguns gêneros que utilizem a mesma, como, por exemplo, contos, fábulas, romance, dentre outros. Já em relação à segunda, o destaque é dado ao reconhecimento das variadas estratégias utilizados pelos autores na sequenciação das ideias ou informação de seus textos. Trata-se de sugerir reflexão acerca da organização textual, mais especificamente, sobre a distribuição das ideias no texto e sua relação com as estratégias utilizadas pelos autores. Assim, favorecer o desenvolvimento de habilidades na esfera das manifestações discursivas e sua relação com a leitura e compreensão de textos. Com relação à terceira, observamos a relação entre a intertextualidade e as posições assumidas pelo autor frente às ideias de outros. Trata-se do desenvolvimento da habilidade de reconhecimento de como o autor se utiliza de outros discursos para emitir opiniões sobre os mesmos, sejam eles de concordância ou não. A quarta competência se relaciona com a questão da intertextualidade, uma vez que indica o desenvolvimento da habilidade de identificar os elementos presentes no texto que se remetem a outras obras ou ideias de outros autores. Nessa perspectiva, suscita do aprendiz a necessidade de não só perceber os diálogos estabelecidos entre autores, mas sim o grau de adesão ou contraposição nas quais as referências ou remissões estão sendo inseridas na superfície do texto. Assim, o reconhecimento dessas estratégias utilizadas pelo autor aciona a percepção de que os textos podem se remeter a outros no processo de construção de sentidos. Trata-se de ressaltar a relação do enunciador com os outros enunciados, tal como enfatiza Bakthin (2000): 159 nossos enunciados [...] estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas , também em gruais variáveis, por um emprego consciente e decalcado. (p. 314) Observamos indicadores no documento que ressaltam o desenvolvimento de habilidades para as relações estabelecidas entre os mecanismos de coesão e/ou coerência dos textos, tal como vemos abaixo: Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições, substituições ou associações que contribuem para sua coesão e coerência. Em qualquer texto de maior extensão, dois ou mais termos podem estabelecer uma ligação (de referência ou de sentido), criando um nexo coesivo entre partes do texto. Esses termos podem ocorrer sob a forma de repetições ou substituições de palavras (substituições pronominais, adverbiais, sinonímicas, metonímicas, hiperonímicas). De qualquer forma, constituem indicadores dos „nós‟ que „atam‟ o texto e o deixam coeso e coerente. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 89) Reconhecer, entre as partes dos textos, as relações textuais indicadas por meio de expressões conectoras. Além das relações léxico-gramaticais, também concorrem para a coesão e coerência do texto as relações textuais que se estabelecem, mediante o uso dos conectores (preposições, conjunções e respectivas locuções) e de outros elementos lingüísticos, como os advérbios e as locuções adverbiais. Tais relações podem indicar, semanticamente, relações de temporalidade, finalidade, causalidade, comparação, oposição, condição, conclusão, adição, etc. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 89- 90) Estabelecer relações de articulação e de dependência entre tópicos e subtópicos. O desenvolvimento de um texto, principalmente de um texto de comentário ou um texto opinativo, organiza-se segundo um esquema em que subtópicos estão subordinados a um determinado tópico constituindo a rede de articulações que caracteriza sua coerência. (2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 86) Estabelecer relações semânticas entre partes de um texto indicadas por marcas morfossintáticas. Certas marcas morfossintáticas, como as desinências verbais, por exemplo, podem constituir pistas para se estabelecer uma articulação entre diferentes partes do texto e, assim, reconstruir sua unidade. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.90) Primeiramente, observamos que as competências acima se inter-relacionam por não ser possível dissociar a relação existente entre os elementos de coesão e a coerência para o estabelecimento de sentido dos textos. Nesse sentido, verificamos que a primeira destaca 160 como as repetições, associações ou substituições utilizadas no texto contribuem para a manutenção das relações entre as partes dos textos. Trata-se de enfocar o desenvolvimento da habilidade de como determinados elementos coesivos contribuem para estabelecer a continuidade de um texto e sua unidade de sentido. Já a segunda, suscita a habilidade de não só reconhecer os conectores, mas também suas funções em determinadas situações na microestrutura dos textos. Assim, compreender as articulações entre os elementos coesivos e sua relações de efeito, sejam eles de causa, consequência, comparação, conclusão, etc. A compreensão dos textos também necessitam da identificação dos tipos de relações semânticas instituídas pelos usos de conectores, ou seja, trata-se se uma competência relevante para apreensão da coerência do texto. A terceira se relaciona com as relações de articulações dos textos que organizam em tópicos e subtópicos. Assim, a habilidade se volta para a percepção das relações existentes entre os mesmos, ou seja, a interdependência entre os segmentos que favorecem a coerência do texto. Todavia, a indicação dessa competência em conjunto com exemplificações de gêneros, que se utilizam dessa organização, tópicos e subtópicos, poderia facilitar a percepção da relação de mútua dependência entre os mesmo, como também o estabelecimento da continuidade do assunto abordado. Em relação à quarta competência, o item ressaltado se volta para as relações entre as partes do texto através das unidades morfossintáticas. As escolhas dos autores em relação às estruturas morfológica e/ou sintática oferecem pistas de como as partes dos textos se articulam, ou seja, como a estrutura textual pode se estruturar de forma a oferecer unidade de significação ao leitor. No entanto, não observamos a indicação de que essas escolhas também podem causar efeitos de sentido por atenderem a determinadas situações discursivas. Em outras palavras, as escolhas das estruturas morfossintáticas também indicam efeitos discursivos próprios das intenções do gênero e do estilo do autor. Portanto, apreender determinada habilidade ajuda no reconhecimento e reflexão dos recursos que podem ser utilizados para provocar efeitos de sentido de acordo com a situação comunicativa em questão. Para Bakthin (2000) “a oração enquanto tal, em seu contexto, não tem capacidade de determinar uma resposta; adquire essa propriedade (mais exatamente: participa dela) apenas no todo do enunciado” (p. 297). No documento podemos, ainda, encontrar habilidades de leitura que se relacionam tanto os elementos linguísticos quanto os extralinguísticos, como no caso abaixo: 161 Reconhecer os elementos responsáveis pelo efeito de humor e ironia em textos. Diferentes elementos lingüísticos ou gráficos podem assumir em um texto valores de humor ou de ironia. A identificação desses elementos é crucial para a percepção da ironia ou dos efeitos de humor pretendidos. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 92) Discernir sobre as conclusões autorizadas pelo texto. Os elementos lingüísticos presentes no texto e outros extralingüísticos, pressupostos no contexto, são sinais, são pistas, a partir das quais se pode chegar a determinadas conclusões. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 87) Como observamos, a indicação é o desenvolvimento da capacidade do aprendiz em reconhecer os efeitos de humor causados pelos elementos linguísticos ou gráficos. Trata-se de compreender como determinados recursos podem ser utilizados pelos autores para produzir determinados efeitos de sentido nos interlocutores. Portanto, verificamos a indicação do desenvolvimento da habilidade de reconhecer as marcas que provocam humor ou ironia. Isso não significa afirmar que a compreensão dos efeitos que estão em jogo dar-se-á tão somente a partir do entendimento desses recursos, uma vez que outros tipos de conhecimento precisam ser mobilizados. No entanto, ressaltamos que a competência em foco poderia indicar que gêneros como anedotas, tiras, charges, dentre outros, que se utilizam determinados elementos linguísticos e gráficos para provocar efeitos de humor ou ironia. Já a segunda indica a observação de determinadas pistas presentes no texto para o desenvolvimento da habilidade de distinguir as conclusões que são permitidas pelo mesmo. Apesar da possibilidade de múltiplas interpretações a partir do texto, o mesmo também possui uma margem de interpretação, ou seja, não é permitida qualquer compreensão que não esteja dentro dos limites e de pistas oferecidas pelos textos. Nesse sentido, os aprendizes poderiam desenvolver a habilidade de perceber através das marcas textuais o que pode ou não ser alvo de conclusões. Verificamos uma competência que se relaciona a relação existente entre título e texto: Avaliar a adequação do título do texto ou da proposta de um novo título. A síntese mais reduzida de um texto pode estar justamente na formulação de seu título. Conseqüentemente, estabelecer a adequação entre o título do texto e seu desenvolvimento global constitui um procedimento em que se revela o entendimento daquilo que no texto é globalmente relevante. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p 87 e 88) Trata-se de uma habilidade que suscita do aprendiz o estabelecimento da relação existente entre o título e o texto. A partir do próprio título, o aluno pode fazer antecipações 162 acerca do assunto abordado no texto, e, posteriormente, com a leitura do texto realizar o monitoramente entre a relevância do título e o assunto abordado no mesmo. Dado o exposto, os saberes e habilidades relacionados aos textos no eixo da leitura ganham proeminência quando comparada aos gêneros. Em outras palavras, na maioria das competências são destacados saberes relacionados às situações de produção, efeitos de sentidos, usos de recurso coesivos dos textos, dentre outros, com poucas explicitações de como o trabalho com o gênero pode subsidiar o desenvolvimento de tais habilidades. No desenvolvimento das estratégias de leitura, por exemplo, as competências não consideram que textos de diferentes gêneros exigem a adoção de estratégias distintas. Trata-se de ativar e articular saberes que atendam as peculiaridades exigidas com o contato com diferentes gêneros. 6.3.3. Os saberes e habilidades no eixo da escrita Já no que diz respeito ao trabalho com produção de textos, são apresentadas dezenove competências. Destas, percebemos que o documento destina duas competências ao trabalho com os gêneros: Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes gêneros de texto. Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata, atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de desenvolver-se, de apresentar-se. Organizar-se em blocos, os quais aparecem numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos definidas e reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 94) Usar as convenções gráficas da apresentação dos diferentes gêneros de texto. Os diferentes gêneros textuais distinguem também por diferentes formas e recursos de apresentação, tais como margem, distribuição no espaço do suporte textual, segmentação em parágrafos, etc. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96- 97) Como podemos verificar acima, as competências se relacionam aos aspectos composicionais do gênero. Nesse sentido, as habilidades se direcionam para os elementos que integram ao modo de organização dos gêneros, considerando tanto questões voltadas para sua estrutura quanto para os elementos que compõem as sequências típicas. A primeira enfoca a capacidade de se ajustar às características mais ou menos estáveis dos gêneros, ou seja, apesar de um determinado gênero não ser considerado algo rígido, o mesmo apresenta sequência e 163 organização que segue um padrão. Bakhtin (2000) afirma que as formas típicas de enunciados “introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente e sem que sua estreita correlação seja rompida” (p. 301-302). Já a segunda, destaca aspectos relacionados à diagramação dos gêneros, na qual indica que os alunos façam usos dos recursos de apresentação dos mesmos nas produções textuais. Tais usos ajudam aos aprendizes a se inserir nas diversas práticas de escrita, nas quais as relações, procedimentos, organização, estruturação e acabamento do texto sua estrutura formal assumem papel relevante nas produções escritas. No eixo da escrita, verificamos também que, em quinze competências, são feitas referências a textos. Sendo assim, tal como fizemos no eixo anterior, agrupamos as competências em três grandes blocos17: a) as que ressaltam as habilidades voltadas para os elementos sociodiscursivos dos textos; b) as que indicam o desenvolvimento de estratégias de organização dos textos; c) as que destacam os aspectos linguísticos dos textos. Na análise, tal como verificamos no eixo da leitura, encontramos competências que se remetem as habilidades voltadas para os elementos sociodiscursivos dos textos, tais como: Responder ao objetivo específico previsto para o texto. Cada texto, independentemente da função que cumpre, tem uma finalidade particular. Pretende-se, assim; fundamentar, defender, ressaltar, refutar, opinar, persuadir, advertir, divulgar, explicar, ironizar, divertir, emocionar, por exemplo. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 93) Adequar a seleção das palavras e as estratégias de desenvolvimento do texto às condições do destinatário previsto. Os destinatários dos textos constituem um ponto de referência para se decidir acerca da seleção vocabular e das formas de organização do texto. (1EF, 2 EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96) Ajustar o registro do texto às diferentes condições do contexto social de sua produção e circulação. Os aspectos lingüísticos dos textos variam, conforme as condições de sua produção, o que, naturalmente, inclui os contextos sociais em que esses textos vão circular. Para contextos formais do uso público da 17 Isso não significa afirma que as competências não possuem peculiaridades e que não pertencem também ao outro agrupamento. 164 atividade verbal, é recomendável o respeito às regras da norma padrão. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96) As competências acima destacam os aspectos que envolvem as intenções e sentidos dos textos. A primeira se vincula aos propósitos comunicativos dos textos, ou seja, desenvolver habilidades voltadas para as finalidades das produções. Assim, o texto responderia aos objetivos, intenções e expectativas dos interlocutores. Já segunda ressalta a importância da escolha vocabular e estrutura do texto frente ao público alvo. Trata-se de considerar que o outro assume um papel relevante, uma vez que este monitora a seleção que o autor faz no processo de elaboração dos textos, ou seja, o produtor, além de representar uma determinada situação de interlocução, procura escolhas necessárias para atender aos destinatários. Segundo a compreensão bakhtiniana, o enunciado é a contraposição eu/ou caracterizado pelo “fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário”. (BAKHTIN, 2000, p.320) A terceira competência enfoca a necessidade de fazer adaptações acerca do nível de formalidade da escrita em função das exigências das condições de produção e circulação social dos textos. Em outros temos, as condições e os processos que regem a circulação dos textos são de extrema relevância para indicar o grau de formalidade e registro, uma vez que, em determinadas situações, os aprendizes utilizarão tanto o registro formal quanto o informal. Quando a competência ressalta que em “contextos formais do uso público da atividade verbal, é recomendável o respeito às regras da norma padrão”, observamos que enfatiza a necessidade de utilizar o registro padrão em situações formais Entretanto, poderia haver maiores esclarecimentos também para o desenvolvimento da habilidade das situações de menor formalidade, uma vez que os alunos necessitam compreender como as marcas típicas do registro informal possuem peculiaridades e podem representar vozes menosprezadas na sociedade. Outro aspecto observado refere às competências que se direcionam ao desenvolvimento de estratégias para organização de textos. São elas: Utilizar conceitos, informações e dados de outras áreas do conhecimento. A relevância do texto – ou a importância daquilo que se diz – requer a ativação de outros conhecimentos para além daqueles estritamente lingüístico. Uma das condições fundamentais para se usar bem a linguagem é “ter o que dizer”. (PERNAMBUCO, 2008, p. 95) 165 Emprestar ao texto algum aspecto de novidade e de criatividade. Fugir da obviedade, ou saber dizer o que está para além do já evidente, constitui uma forma de deixar o texto relevante e de interesse para o leitor. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95) Atribuir um título adequado ao texto ou a seções e subtópicos do mesmo. O título do texto constitui um recurso valioso para sinalizar a unidade temática do texto, a relevância de um de seus tópicos ou de um ponto de vista particular tratado no texto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96) Incluir referências, alusões ou citações a texto de outros. Muitas vezes, o recurso à palavra de outros autores representa uma forma de buscar apoio para as idéias, informações ou argumentos apresentados. (2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95) A primeira ressalta a habilidade de inserir nas produções textuais elementos de outras áreas de conhecimento. Trata-se de utilizar de conceitos, informações ou dados que ajudem a desenvolver o conteúdo a ser abordado no texto. Assim, os aprendizes desenvolveriam a capacidade não só de lançar mão de determinadas informações, mas sim de interpretar, discutir e relacionar conhecimentos diversos em suas produções. Portanto, não se trata apenas de acumular informações e inserir nos textos, mas sim de desenvolver a habilidade de saber selecionar e usar apenas o que é relevante para discutir o tema, como também tecer relações entre os conceitos, dados e informações de outras áreas para que se apresente de maneira aceitável e favoreça a compreensão. No que se refere à segunda, verificamos que destaca os elementos de criatividade do autor em suas produções. Ou seja, propõe que os aprendizes sejam capazes de gerar novidades em suas produções textuais. Assim, tal aspecto implica em emprestar ao texto uma forma diferenciada de abordar um mesmo assunto. Já a terceira competência se destina à organização temática do texto, ou seja, a estratégia se volta para que a escolha dos títulos ou subtópicos facilitem a produção de textos produzidos e atendam a situação de interlocução em foco. Nesse sentido, a forma como o assunto é tratado no título faz com que o modo de ser apresentado esteja imerso na própria coerência do texto e se remeta a uma lógica interna. Portanto, a habilidade se volta para a capacidade dos alunos em atribuir um título que se relacione com o que está sendo tratado apresentando unidade de sentido. No que concerne a quarta habilidade, observamos a indicativa de se utilizar nas produções textuais elementos de outros textos. Trata-se de uma estratégia que destaca a natureza dialógica dos textos, uma vez que os alunos buscarão inserir em suas produções 166 ideias, fragmentos de outros autores estabelecendo um diálogo com os mesmos. Nessa perspectiva, indica o desenvolvimento da capacidade de estabelecer relações de sentido e diálogos com as manifestações simbólicas produzidas na sociedade, uma vez que todo texto se remete a outro numa relação de correspondência de vozes. Podemos encontrar, ainda, competências que se destinam ao desenvolvimento de diferentes estratégias para reproduzir dados de um texto: Reproduzir, sob a forma de esquema ou diagrama, o conteúdo de um texto. Existem outras formas visuais, igualmente significativas, de se sinalizar o conteúdo de um texto, além do recurso à palavra gráfica (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 97) Reproduzir, em tabelas ou gráficos, os dados de um texto. A reprodução dos dados apresentados em um texto pode valer-se das potencialidades ilustrativas disponíveis em outras linguagens. As tabelas, os gráficos constituem uma outra perspectiva de sinalização textual. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96) A primeira ressalta a habilidade de abordar o assunto sob forma de esquema ou diagrama, suscitando do aluno a capacidade de selecionar aspectos relevantes dos textos e transformá-los em tópicos que direcionem o conteúdo do texto. Trata-se de desenvolver a capacidade de sintetizar as informações de forma significativa e sem fugir ao que está sendo abordado no texto. A segunda também se destina a indicar a habilidade de dispor as informações de um determinado texto em gráficos e/ou tabelas. Trata-se de problematizar os dados numéricos de um determinado texto favorecendo a interpretação dos mesmos. Em geral, verificamos que ambas as competências exigem dos alunos não só a reprodução, mas a seleção dos dados relevantes a serem abordados, como também sua transmutação para esquemas gráficos. Entretanto, as mesmas não discutem que nem todos os textos são adequados para esquematizar as ideias em forma de esquemas e nem todo texto apresenta informações que possam ser organizadas em gráficos ou tabelas. Outro aspecto relevante concerne às indicações de habilidades no eixo da escrita vinculadas aos aspectos linguísticos dos textos, tais como: Ajustar-se às regularidades lingüísticas e discursivas próprias de cada tipo de texto. A forma particular de desenvolvimento dos textos depende também de sua natureza tipológica, ou seja, se são textos (ou partes de textos): narrativos, descritivos, dissertativos, explicativos e injuntivos (estes últimos 167 compreendem os textos em que aparecem instruções para o uso de um aparelho, por exemplo, ou para a produção de uma determinada coisa. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 94) Empregar os diferentes recursos da coesão textual, de forma a assegurar a continuidade do texto. A coesão textual compreende uma série de recursos para se criar e sinalizar no texto o necessário encadeamento entre seus diferentes segmentos, sejam estes segmentos palavras, períodos, parágrafos ou blocos supraparagráficos. Tais recursos incluem desde os diversos tipos de conectores até a repetição de uma palavra, sua substituição por outra equivalente e o uso de palavras semanticamente associadas. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 9495) Estabelecer relações textuais entre orações, períodos, parágrafos ou blocos maiores do texto, por meio de expressões conectoras. Além de exercerem funções coesivas, conectores e expressões do léxico estabelecem relações semânticas diversas, como relações de causalidade, temporalidade, de oposição, de finalidade, de comparação, de conclusão, entre outras (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95) Incluir referências, alusões ou citações a texto de outros. Muitas vezes, o recurso à palavra de outros autores representa uma forma de buscar apoio para as idéias, informações ou argumentos apresentados. (2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95) A primeira destaca a natureza tipológica dos textos. Nessa perspectiva, verificamos a indicação para o aluno fazer uso dos diversos tipos textuais para o desenvolvimento das potencialidades de escrita. Tal aspecto necessita da exploração de como os recursos linguísticos e textuais são utilizados no enunciado narrativo (por exemplo, entendimento das ações de espaço e tempo, lugares e tempos em que as mesmas acontecem), descritivo (por exemplo, usos de atributos morfológicos para a construção da qualificação do sujeito, espaço, objeto, os usos de verbos, adjetivos ou expressão adjetivas), dissertativo (por exemplo, identificação do argumento defendido e elementos de concordância ou de refutação, marcas linguísticas específicas), explicativo (por exemplo, utilização de linguagem articulada e convincente, ausente de ambiguidades e marcada pela objetividade, usos marcadores textuais que garantam a progressão e a articulação) e injuntivo (por exemplo, exposição do macroobjetivo, apresentação dos comandos e justificativa). No entanto, não observamos indicações, na competência em foco, para uma reflexão do papel dos tipos textuais associados aos gêneros. Em outros termos, os gêneros se constituem de um tipo textual predominante18 diante de uma determinada função comunicativa, portanto, seria uma boa oportunidade de refletir acerca das relações existentes 18 Vale ressaltar que a existência de um tipo predominante não implica na ausência de outras sequências tipológicas. 168 entre as diversas sequências tipológicas e os gêneros. Trata-se de oportunizar uma discussão de como os tipos textuais são partes constitutivas dos gêneros, como também oferecer a apropriação dos fenômenos linguísticos e discursivos para o desenvolvimento da capacidade de interação nas mais diversas situações. Já a segunda ressalta as diferentes relações que os elementos coesivos tecem nas produções textuais, ou seja, a habilidade de empregar os diferentes conectores e palavras para constituição de relações entre os segmentos do texto e sua ordenação. Nesse sentido, a competência se refere à coesão responsável pela desenvoltura do texto, ou seja, os usos de recursos para a garantia de continuidade do sentido. Não se trata apenas de uma sequenciação de elementos linguísticos, mas sim de elos coesivos que pretende contribuir para a construção da unidade sentido do texto. No que concerne a terceira, verificamos que o destaque refere às relações lógicosemânticas tecidas a partir das relações entre os recursos linguísticos e o texto. Nessa perspectiva, a competência indica o desenvolvimento de identificar as relações de causa, condição, concessão, conclusão, explicação, inclusão, exclusão, oposição, dentre outros, que podem ser estabelecidas na tessitura do texto e os recursos coesivos. Trata-se de ressaltar a natureza sintático-semântica constitutiva dos articuladores textuais, uma vez que assumem um papel relevante para nas produções textuais por ajudar na organização micro e global dos textos. Podemos encontrar, ainda, competências que se relacionam com a coerência dos textos. São elas: Dotar texto de inteligibilidade. A coerência do texto está diretamente vinculada à sua condição de ser inteligível, ou de poder ser interpretado, graças também a expressão clara, concisa e consistente das idéias, dos dados e das informações. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 94) Manter a continuidade temática do texto. Um dos aspectos fundamentais que garantem a coesão e a coerência do texto é a sua condição num determinado tema. A unidade do texto resulta também desta continuidade em torno de um mesmo eixo. (1EF, 2EF, EM) PERNAMBUCO, 2008, p. 94) Em relação à primeira, observamos a ressalva para a capacidade de tornar um texto claro. Assim, a habilidade se volta a sinalizar a manutenção do tema de um determinado texto de forma a torná-lo o mais inteligível possível para o interlocutor. Ou seja, a cada passagem do texto, o produtor, utilizando os recursos linguísticos e extra-linguísticos, deverá oferecer 169 pistas ao leitor na construção de significados. Trata-se de produzir um texto passível de interpretação tendo em vista articulação entre as partes do texto e o todo e a utilização de uma linguagem clara e concisa. Já a segunda competência destaca a necessidade de manter a unidade temática de um texto. Para tal, a habilidade perpassa pela habilidade de encadear as ideias através da retomada de determinados elementos ao longo dos textos, como também organizar as informações em progressão temática. Assim, a competência indica que os alunos sejam capazes de produzir textos sem redundâncias, observando a estrutura de informações e as pistas relevantes para o desenvolvimento do texto. Tal como vimos nas categorias voltadas para os eixos da oralidade e leitura, o documento em foco destaca apenas duas competências relacionadas diretamente à reflexão sobre o gênero. Em contrapartida, as competências que destacam o desenvolvimento de habilidades a partir dos textos são mais expressivas na proposta. Os saberes destacados em algumas competências, por sua vez, se aproximam de uma compreensão de linguagem pautada nos pressupostos dialógicos. 6.3.4. Os saberes e habilidades no eixo da análise linguística No que concerne às competências relacionadas ao trabalho com análise linguística, há, no documento, vinte e cinco competências. Destas, verificamos apenas uma indicação de competência voltada para os elementos sociodiscursivos dos textos, duas para os elementos gramaticais dos textos e uma para relação entre os efeitos de sentido e pontuação, são elas: Refletir sobre o caráter discursivo e interdiscursivo da língua. Todo texto, na verdade, está ligado a outros anteriores, já em circulação, Nenhum texto é, portanto, absolutamente original, ou está fora de qualquer experiência de partilhamento. A consciência desse principio fundamenta a certeza de que há “um grande discurso”, ininterruptamente em produção e em circulação por todos os grupos humanos. (1EF, 2EF, EM) PERNAMBUCO, 2008, p. 100) Analisar as especificidades das diferentes classes gramaticais na construção do texto. O texto se constrói com o uso de palavras que se inscrevem em diferentes classes, cada uma preenchendo uma função particular para que a expressão do sentido e das intenções seja possibilitada. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 101) Analisar os padrões de combinação e de distribuição das palavras na sequência das frases, como constituintes dos textos. 170 As normas da gramática prevêem padrões de combinação das palavras nas frases, de modo que não é de inteira liberdade do usuário dispor as palavras como bem lhe aprouver. Existem combinações possíveis e existe uma ordem em que as palavras devem se suceder. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 93- 94) Estabelecer a correlação entre o sentido e a intenção do texto e os sinais de pontuação. O sentido e as intenções pretendidos para o texto, por vezes, são construídos e indicados pelo uso dos diversos sinais de pontuação, que, desta forma, funcionam como importantes pistas para o entendimento do texto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96) A primeira ressalta o caráter dialógico da língua, uma vez que a mesma é vista como uma atividade de interação dotada de significações. Para tal, a competência indica que os discursos que circulam socialmente são elementos intrínsecos no processo de produção de texto retomando a perspectiva dialógica bakhtiniana. Em outros termos, todo texto manifesta vozes que circulam na sociedade, uma vez que se constituem num processo de refutação, reprodução e/ou construção de ideias partilhadas culturalmente. Nesse sentido, a competência sugere que a língua seja considerada uma atividade social, produzida num processo contínuo de relações entre os que a utilizam e dotada de produção de sentidos. Já a segunda remete aos elementos mais estruturais da língua. Nesse sentido, a competência sugere o desenvolvimento de habilidades voltadas para a reflexão dos elementos linguísticos presentes no texto, de forma mais especifica sobre o papel das classes gramaticais. Diferente da tradição no ensino dos aspectos meramente estruturais da língua, de forma descontextualizada e isolada, a habilidade indica que tais aspectos sejam vistos vinculados às intenções e sentidos. No entanto, acreditamos que a mesma poderia dar mais ênfase no uso discursivo das palavras e suas classificações, ou seja, ressaltar a possibilidade de direcionar a reflexão gramatical a serviço dos usos sociais. A esse respeito, Bakhtin (2000) destaca que: a oração, enquanto unidade da língua, assim com a palavra, não tem autor; não é de ninguém (como a palavra), sendo somente quando funciona como enunciado completo que se torna expressão individualizada da instância locutora, numa situação concreta da comunicação verbal. (p. 308) A terceira competência também concerne aos elementos estruturais da língua, sendo a ênfase destinada à combinação e distribuição das palavras nas frases. Nessa perspectiva, o documento sugere que as normas gramaticais sejam alvo de reflexão, uma vez que a língua possui regularidades e seus elementos não podem ser utilizados de forma aleatória. Assim, a utilização dessas palavras na sequência garante a unidade de sentido dos textos. 171 No que concerne à quarta competência, a relação se estabelece entre os efeitos de sentido dos usos de sinais de pontuação nos textos. Nessa perspectiva, a habilidade se destina ao reconhecimento de como esses sinais se constituem como marcas constitutivas de sentido, uma vez que oferecem pistas ao leitor e produtor em compreender os textos e suas respectivas intenções. Assim, a articulação entre sentido, intenção e os usos dos sinais de pontuação não consiste meramente numa demarcação de forma, mas sim no estabelecimento da coesão textual e na ajuda da constituição da inteligibilidade do texto. Com base no que foi mencionado nessa categoria, as competências que ressaltam o trabalho com os textos na reflexão sobre a língua poderiam sugerir mais habilidades que interrelacionassem a gramática reflexiva à questão de interação numa determinada situação de comunicação, bem como às construções de sentido do texto. Portanto, não se trata de excluir habilidades que se destinem a reflexão sobre a língua, mas sim discutir, de forma mais aprofundada, como determinadas habilidades voltadas para os usos da norma padrão são úteis de acordo com a situação de interlocução. 6.4. As orientações relativas à escolha dos recursos didáticos. No que se refere à escolha dos recursos didáticos, observamos que a BCC-PE discute a orientação de dois recursos, de forma mais especifica: os textos a serem trabalhados e o livro didático. Verificamos diferentes tipos de orientações relativas à seleção dos textos a serem direcionadas ao ensino. São elas: - Textos de temática interessante - Textos com extensão compatível à faixa etária - Textos de diferentes universos culturais - Textos/gêneros variados - Textos de diferentes dialetos e registros - Textos de diferentes domínios de produção - Textos com unidade de sentido preservado de relevância conteúdos - Projeto gráfico dos textos - Textos e seus elementos de contextualização 172 Um dos aspectos ressaltados pelo documento é o fato dos textos serem selecionados a partir de temáticas interessantes aos alunos. O desenvolvimento pelo gosto da leitura perpassa pelo favorecimento de textos significativos aos aprendizes, ou seja, as práticas de leitura dos indivíduos podem ser ampliadas a partir do contato com os textos. Tal aspecto é defendido pela BCC-PE: [...] serão considerados textos relevantes aqueles textos que, sob qualquer aspecto, despertam a atenção dos interlocutores pela suposição de que selecionam aquilo que lhes interessa ouvir ou ler. (Seção 6.2 As condições de realização da interação verbal, p.71) - sejam interessantes, adequando-se, na temática e na estruturação lingüística, à faixa etária dos alunos; (PERNAMBUCO, 2008,7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 76) - apresentem uma temática relevante, estimuladora, e instigante; (PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 76) A partir desses fragmentos, observamos que um dos princípios que orientam a seleção dos textos é a capacidade de chamar a atenção do público alvo. Ou seja, o documento preconiza que as temáticas abordadas nos textos precisam ser relevantes ao público alvo, oferecendo elementos pelos quais os alunos se sintam motivados a realizar a leitura Verificamos, ainda, a relevância de esses textos possuírem o critério de adequação à faixa etária, no que se refere à estruturação linguística. Para o documento em foco, os textos a serem selecionados deverão possuir extensão compatível a faixa etária: Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos: [...] - tenham uma extensão compatível a faixa etária e, principalmente, com o tempo destinado à atividade proposta; (PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 77) Nessa perspectiva, trabalhar com textos maiores ou menores em sala de aula se vincula à questão da idade dos alunos e ao tempo que se destina para a atividade a ser realizada. Tais aspectos se configuram em critérios de adequação ao ano/série pelos quais os textos serão utilizados. Entretanto, não podemos deixar de destacar que esse fragmento pode dar margem à interpretação de que crianças em idades menores não poderiam trabalhar com textos mais extensos ou vice-versa. 173 Outro aspecto a ser ressaltado é que não encontramos no documento orientações referentes aos modos de ler os textos na diferentes faixas etárias. A discussão sobre a variedade de situações nas quais os alunos poderão ser postos em relação à leitura, tais como, ler sozinhos ou com a ajuda do professor, ler em voz alta ou ler silenciosamente, poderia oferecer subsídios aos docentes para repensar o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao eixo da leitura. Outro principio que permeia a escolha dos textos se refere ao oferecimento de textos de diferentes universos culturais, tal como é ressaltado abaixo: Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos: [...] - contemplem diferentes universos culturais e, dessa forma, incluam além dos temas próprios do mundo urbano, temas próprios do mundo do campo; Como podemos verificar, há uma indicativa no documento para não contemplar textos apenas de um universo cultural, pois não oportunizaria ao aluno acesso a culturas de outros grupos sociais. No entanto, a proposta em foco não apresenta maiores discussões sobre os motivos pelos quais o currículo deva oferecer acesso a textos de diversos universos. Ou seja, não oportuniza um debate sobre a relação entre a oferta de textos de diversos universos e o acesso ao conhecimento de diferentes modos de vidas, de forma a desenvolver a tolerância e o respeito a pessoas de culturas diversificadas. Outro princípio indicado pelo documento está voltado para a diversidade de gêneros textuais para o trabalho com a linguagem: Mostrem a diversidade de gêneros de textos que circulam nos diferentes meios sociais, tais como comentários, informações científicas, notícias, trechos de reportagens, trechos de entrevistas, narrativas, crônicas, fábulas, histórias em quadrinhos, tiras, charges, poemas, anúncios, avisos, cartas, convites, declarações,para citar apenas estes; (7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 76) No que se refere aos textos orais, vale a pena definir que merece todo cuidado o interesse da escola por promover o contato dos alunos com diferentes gêneros orais. ((7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 75) Observamos nos fragmentos acima expostos que há uma indicativa de oferecer aos alunos o contato com uma gama de gêneros que circulam socialmente. No entanto, não verificamos reflexões acerca da seleção dos gêneros em cada ano/serie e das dimensões a 174 serem enfocadas a cada ano de escolaridade, tal como já foi discutido nesse trabalho. Portanto, verificamos na proposta a necessidade de refletir mais sobre tais aspectos. Constatamos também que o documento autoriza o trabalho a partir de fragmentos de textos. Em outros termos, quando destaca que podem ser selecionados trechos de reportagem e de entrevistas está permitindo a exploração de fragmentos no ensino de língua materna. Essa prática se justificaria mais se a proposta concebesse a importância de abordar também outras dimensões do ensino e não apenas as habilidades de compreensão e produção de textos, como o trabalho envolvendo a aprendizagem do sistema alfabético de escrito, a ortografia ou outros objetos do eixo da análise linguística. Não há, no documento, reflexões sobre o que justificaria tal “concessão”. Outro aspecto subjacente às recomendações relativas à escolha dos textos é o respeito pelas diferenças culturais. Essa orientação se dá por meio da oferta aos alunos de textos de diferentes dialetos e registros, tal como é ressaltado no documento: Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos: [...] - sejam representativos de diferentes dialetos (padrão e não-padrão; desta e de outras regiões) e de diferente registros (formal e informal) com o cuidado para que não se restrinjam a particularidades muito especificas de um determinado lugar ou situação. (PERNAMBUCO, 2008,7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 76) Com o fragmento acima, observamos que a proposta indica a necessidade de selecionar textos que não priorizem uma variante ou registro em detrimento da outra, uma vez que é de extrema importância o oferecimento de reflexões de igual modo para os dialetos e registros. Essa discussão perpassa pelo combate ao preconceito linguístico, uma vez que traz à tona a relevância de se oferecer textos que contemplem dialetos e registros diferentes. No entanto, não verificamos no documento maiores debates sobre as implicações de se eleger representatividade de tais textos na escola. Ou seja, não discute, por exemplo, que o contato com textos de diferentes dialetos e registros possibilita ao aprendiz a oportunidade de refletir sobre os estigmas que a sociedade impõe, muitas vezes, a determinadas pessoas que não se utilizam do dialeto padrão ou do registro formal. Tal compreensão perpassa pela reflexão da adequação dos dialetos e registros nas diversas situações de comunicação, como também pelo respeito às diferentes maneiras de se utilizar da língua, ou seja, o combate ao preconceito linguístico ainda presente na sociedade, onde as variações dialetais e de faixa etária são marginalizadas pelos grupos dominantes da sociedade. 175 No que concerne aos textos de diferentes domínios de produção, o documento indica: - remetam para os diferentes domínios de produção e divulgação do conhecimento, tais como imprensa, ciência, literatura, arte, política – em prosa e em verso- e, assim, tenham como suporte o jornal, a revista, o livro de ciências, a enciclopédia, o folheto de cordel, o cartaz, entre outros; (PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 76) Como verificamos, o trecho destaca uma proposta de acesso a textos de diversos domínios discursivos, tais como o científico, jornalístico e literário, como também a contemplação de diferentes suportes. Sendo assim, podemos observar a preocupação em ampliar o leque de letramento dos alunos, ou seja, é uma oportunidade do aluno ter contato com diversos domínios e produção de forma a inseri-los em espaços sociais diversos Vale ainda ressaltar na proposta a preservação do texto em sua unidade de sentido e a relevância dos conteúdos: Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos: [...] - preservem a unidade de sentido e a relevância do conteúdo, no caso de sofrerem adaptações ou supressões. (PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A seleção e apresentação dos textos, p. 77) O fragmento acima atenta para as questões voltadas para as reformulações feitas no texto. Ou seja, o cuidado para não deformar o sentido ou o conteúdo de determinados textos no processo de ensino aprendizagem, uma vez que a qualidade textual fica comprometida caso as mudanças não respeitem seu texto de origem. Com a finalidade de desenvolver as capacidades linguísticas e discursivas dos alunos, o texto que sofre adaptação ou supressão inadequada compromete a fidelidade do texto de origem, com também não se configura como um bom material didático a ser utilizado nas aulas de língua portuguesa. Observamos também algumas recomendações voltadas para o projeto gráfico dos textos. São elas: A apresentação dos textos também merece seus cuidados, para que: - se preserve a forma gráfica do suporte original, sempre que isso seja relevante e possível; - seja inteiramente legível, numa configuração clara e acessível – de maneira que favoreça, integralmente, a leitura e o entendimento; - esteja conforme os originais, sem erro de impressão ou outros que possam dificultar a interpretação; 176 - traga algum tipo de ilustração ou algum recurso gráfico, caso se trate de textos mais longos, de forma a amenizar o esforço da leitura, principalmente quando se destinam às séries iniciais do Ensino Fundamental. (PERNAMBUCO, 2008, p. 76-77) Como observamos, o documento refere-se a deturpações da forma gráfica, legibilidade, isenção de erros de impressão e presença de ilustrações. Tais aspectos são vistos como elementos que contribuem para a qualidade do texto. Em outros termos, os alunos merecem ter acesso a textos de qualidade e que colaborem para o desenvolvimento de suas capacidades. Portanto, necessitam de uma apresentação gráfica que ajude o aprendiz a realizar interpretações e criar significações com o conjunto do texto, desde seus elementos contextuais, de tema, conteúdo e elementos gráficos. Por último, observamos que a BCC-PE ressalta os elementos de contextualização do texto como pré-requisitos na escolha: Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos: [...] Explicitem seus elementos de contextualização, tais como autoria, suporte, lugar e época de publicação. (PERNAMBUCO, 2008,7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 77) Os elementos acima citados se referem a alguns elementos contextuais dos textos. Esses são relevantes para o estudo sistemático da linguagem, uma vez que oferecem suporte ao leitor acerca de aspectos sociodiscursivos dos textos. Com isso, trabalhos como antecipações, conhecimento sobre o autor, dentre outros, poderão ser realizados com o objetivo de desenvolver as habilidades discursivas dos alunos. A escolha do livro didático também foi alvo de reflexão no documento. Verificamos que esse material é visto sob duas perspectivas: a relevância de ser um instrumento didático disponível aos professores e a ressalva do mesmo não ser o único recurso a ser utilizado. Dessa forma, a proposta ressalta que o LD é um recurso importante no processo de ensino aprendizagem, por se tratar de um recurso de fácil acesso e que disponibiliza conteúdos e atividades relevantes, tal como está sendo destacado abaixo: Convertem-se assim, em apenas um dos apoios disponíveis para o professor; talvez o mais importante, o mais facilmente acessível, na disponibilidade do material textual que vai ser objeto de estudo, na indicação dos conteúdos relevantes e nas propostas de atividades que ensejam sua exploração. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.2 O lugar do livro didático no desenvolvimento de competências em linguagem, p. 106) 177 No entanto, também atenta ao público leitor a necessidade desse recurso ser visto como complemento que precisa ser revisto porque não dá conta das particularidades locais ou regionais nas quais estão sendo inseridos: [...] é esperado que o professor possa complementar o recurso do livro didático, até mesmo para responder às exigências de uma atenção às particularidade locais ou regionais da comunidade escolar. . (PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.2 O lugar do livro didático no desenvolvimento de competências em linguagem, p. 106) Com isso, observamos que a proposta indica algumas reflexões acerca desse recurso didático utilizado em muitas escolas. Entretanto, acreditamos que a discussão poderia ter sido ampliada chamando a atenção para critérios de escolha do livro e de outros recursos, a análise critica das atividades propostas pelo mesmo, a relação entre os princípios propostos pelo próprio documento e o livro didático a ser adotado, enfim, outros elementos que poderiam ter sido alvo de reflexões mais sistemáticas. Dado o exposto, verificamos que a BCC-PE indica alguns princípios para a seleção dos recursos didáticos a serem utilizados. Entretanto, a discussão não favorece reflexões mais aprofundadas sobre esses materiais. Sendo assim, a reflexão sobre o papel do livro no desenvolvimento das competências se torna insuficiente para o que propõe o documento. Síntese do capítulo Nesse capítulo, discutimos os pressupostos teóricos e metodológicos que perpassam a BCC-PE de língua portuguesa. Nessa perspectiva, verificamos que, no que concerne à concepção de língua, a referida proposta apresenta princípios que se aproximam da compreensão bakhtiniana de língua como interação verbal. Sendo assim, destaca como sendo relevante para o ensino da linguagem a natureza dialógica, contexto de produção e efeitos de sentidos produzidos entre os interlocutores. Já em relação aos princípios referentes ao texto e gênero, observamos que o documento concebe o texto como entidade concreta materializada no gênero. Destacamos que, embora o documento ressalte a importância de levar em consideração os gêneros no ensino de língua materna, não discute, de forma mais sistemática, tal aspecto. Ou seja, não problematiza quais dimensões dos gêneros poderiam ser alvo de reflexão de 178 modo mais específico e quais as capacidades de linguagem, a eles relacionadas, podem ser consideradas nos anos/séries. Verificamos também que, embora o documento ressalte a relevância dos alunos entrarem em contato com uma gama variada de gêneros não observamos discussões que problematizassem como tal abordagem estaria articulada com as competências destacadas nos eixos de ensino. Constatamos, ainda, que outro princípio defendido no documento é o do trabalho a partir dos textos orais e escritos, todavia, não foram observados maiores debates acerca de como tais textos podem ser instrumento de teorização. Já em relação aos dados referentes aos saberes e habilidades indicados para os diferentes eixos de ensino, foi observado que são poucas as habilidades que se relacionam à discussão dos gêneros. Tal dado nos sugere um afastamento do princípio de que os textos se materializam em determinados gêneros, defendido pela proposta. Em contrapartida, encontramos competências que enfatizam o desenvolvimento de estratégias de leitura, sem haver articulações com as propriedades dos gêneros a serem trabalhados. Tais competências ora se aproximam de uma compreensão pautada na perspectiva dialógica da linguagem, ora se afastam propondo análises estruturais sem relacionar ao processo de interlocução e construção de sentidos. Por último, discutimos as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos. Nessas, constatamos que a BCC-PE indica princípios para a seleção dos recursos didáticos a serem utilizados, entretanto tais orientações são dadas de forma geral sem discussões mais aprofundadas, principalmente no item que se refere à escolha do livro didático. 179 Capítulo 7 O que propõe a coleção de livro didático de língua portuguesa mais distribuída nas redes de ensino do estado de Pernambuco em 2007 para o trabalho com os gêneros? Nesta parte do trabalho, discutiremos os dados relativos à coleção de livros didáticos “Porta Aberta”, uma vez que a preocupação do objeto de pesquisa também foi investigar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais na coleção de livros didáticos mais distribuída no estado de Pernambuco. Para tanto, apresentaremos, inicialmente, uma análise sobre as concepções de linguagem, texto e gênero expressas no manual do professor. Nessa análise, mapearemos os princípios explícitos e implícitos que tentam subsidiar o ensino de língua portuguesa da coleção adotando as mesmas categorias discutidas na BCC-PE. No capítulo 8, faremos uma discussão sobre os princípios didáticos relativos ao ensino de textos/gêneros discursivos, de forma mais específica, sobre os objetivos didáticos relativos ao trabalho com os gêneros abordados nas atividades da coleção. Depois, debateremos os saberes e habilidades contemplados nas atividades, apresentando uma discussão geral sobre os gêneros inseridos na obra e os mais explorados nos quatro livros da coleção. Por fim, incitaremos reflexões sobre quais dimensões dos gêneros são alvo de reflexões mais sistemáticas nos livros dos alunos, bem como a organização da sequência e das propostas de atividades com os gêneros discursivos. Em ambos os capítulos, buscaremos estabelecer relações com o a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco, ou seja, observar as aproximações e afastamentos entre os princípios da proposta curricular e o livro didático de Língua Portuguesa. 7.1. Concepções de linguagem, texto e gênero Nesse item apresentaremos as concepções de linguagem, de texto e de gênero que orientam o trabalho com a língua materna no manual para o professor (doravante MP). Ou seja, debateremos quais as perspectivas apresentadas ao professor em relação à metodologia, aos eixos de ensino de língua portuguesa e seus objetivos, às especificidades das seções do livro, aos critérios de avaliação, ao plano de curso com os conteúdos, aos objetivos e 180 atividades e, por fim, às orientações para o desenvolvimento de alguns projetos, além de referências bibliográficas que oferecem subsídios para o trabalho com a língua portuguesa. Vale ressaltar que tais concepções serão analisadas em comparação com os pressupostos identificados na BCC-PE de Língua Portuguesa. Para tanto, analisaremos os livros fazendo uso das mesmas categorias encontradas na BCC. Buscaremos, ao utilizar as mesmas categorias de análise, identificar as aproximações e distanciamentos entre os documentos, ou seja, discutiremos se o LD contempla ou não os mesmos princípios e concepções encontrados na BCC-PE. Para tal, este tópico foi dividido em cinco itens: 7.1.1. Língua como interação verbal 7.1.2 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero 7.1.3. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas 7.1.4 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica 7.1.5 Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado 7.1.1. Língua como interação verbal O Manual do Professor dos livros se configura como um suporte que pode efetivamente contribuir para a formação do docente por meio de indicações teóricas e metodológicas. Corroboramos com Val e Castanheiras (2005) quando destacam: a necessidade de os livros didáticos que, no Brasil, têm funcionado como importante apoio ao trabalho do professor, apresentarem atividades de leitura, produção de textos, práticas orais e reflexão sobre a linguagem bem conduzidas, com a exploração de estratégias pertinentes e diversificadas. (p.154) Seguindo essa perspectiva, o MP deve oferecer orientações ao professor acerca dos pressupostos teórico-metodológicos adotados pela coleção para o trabalho com os eixos de ensino de língua materna. Trata-se de ressaltar que tais pressupostos refletem, de forma explícita ou implícita, as concepções de linguagem, de língua e de ensino e aprendizagem. Sendo assim, nesse subitem, discorreremos acerca dos princípios que nos permitem entrever como o ensino de língua portuguesa está sendo concebido no MP da coleção. Para tal, discutiremos a organização desse manual e suas orientações para os eixos de ensino de língua portuguesa. 181 Ao analisarmos o MP, percebemos que, nas quarenta e oitos páginas destinas a oferecer ao leitor orientação quanto ao trabalho com a coleção, não há uma seção específica que discuta acerca da concepção de linguagem que norteia a coleção. Os aspectos metodológicos estão organizados nas seções intituladas de “Apresentação”, “Estrutura da coleção”, “Metodologia”, “Critérios de avaliação do rendimento escolar”, “Plano de curso”, “Apêndice”, “Bibliografia”. Embora não verifiquemos um item que explicite os aspectos teóricos da proposta, as considerações metodológicas trazem, em seu bojo, uma concepção de língua e linguagem. Ou seja, ao definir objetivos e determinadas estratégias, além de orientar sugestões nos eixos de língua portuguesa, subjaz ao MP algumas correntes teóricas e suas respectivas implicações ao ensino de língua materna. Nesse sentido, ao mapearmos os fragmentos que nos dão indícios sobre quais princípios a proposta da coleção elege para orientar o trabalho com a língua materna, verificamos que tais excertos ora apontam, nas orientações metodológicas do MP, a uma visão de linguagem voltada para situações reais de usos, ora se distanciam dessa perspectiva. Primeiramente, constatamos que os volumes da coleção têm como objetivo principal “auxiliar tanto o professor quanto o aluno a vivenciarem, juntos, as diversas possibilidades de Língua Portuguesa em seus diferentes usos” (p.5 – grifo nisso). Com isso, verificamos que as autoras destacam a necessidade de se considerar a língua em suas práticas sociais. Trata-se de uma aproximação com a concepção de linguagem como processo de enunciação e discurso, na qual o trabalho com a língua materna não se dá de forma estática, mas sim articulada às condições de produção. Sobre a nova proposta de ensino de língua, Bagno (2009) ressalta que: As novas propostas privilegiam, portanto, as operações que um falante competente é capaz de fazer com sua língua materna, Privilegiam o ensino de procedimentos textuais, das técnicas discursivas, das estratégias interacionais que permitem que alguém se expresse de forma adequada as múltiplas situações de interação verbal, falada e escrita, em que esse indivíduo vai se encontrar durante toda a sua vida em sociedade. (p.168) Verificamos também que, na perspectiva de um trabalho voltado para os usos da língua, o MP também propõe projetos em torno de algum gênero. Ou seja, em cada volume há uma indicação de dois projetos com orientações gerais dos passos a serem desenvolvidos. Nessa perspectiva, os projetos se voltam, no segundo ano, para as trovas e seminário (MP, p.39 a 44); histórias e poemas (MP, p. 44 a 53), no terceiro ano; seminário e literatura de 182 cordel (MP, p. 40 a 53), no quarto ano; e, por fim, biografia e historias de suspense (MP, p.45 a 52) no quinto. Tais projetos simulam situações nas quais os alunos são levados a produzirem a desenvolver algum trabalho que envolva os eixos de língua portuguesa, tal como destaca o MP: Leitura, escrita, oralidade Os projetos têm a intenção de colocar os alunos em contato com as práticas da língua oral e escrita amparadas por propósitos sociais definidos e com interlocutores reais, previamente determinados. Ler, escrever, falar e escutar ganham dimensão prática com objetivos imediatos, tendo em vista o objetivo final. (p.17) (Seção Projeto, p.17) Com isso, observamos que o trabalho com projetos já se configura como uma metodologia que requer uma dinâmica diferenciada, e, no caso acima, esse tipo de atividade representa uma oportunidade de movimento mais pragmático no que concerne à utilização da linguagem. Nessa perspectiva, tal aspecto parte do princípio de que esse tipo de atividade se aproxima da compreensão de usos da linguagem e, consequentemente, traz implicações para o trabalho com os eixos e objetivos de língua portuguesa. De acordo com o Guia do Livro Didático 2007, “os Projetos propostos [...], pela característica metodológica, acabam possibilitando situações mais significativas de aprendizagem, em relação aos diferentes componentes do ensino de Língua Portuguesa”. (BRASIL, 2006, p.256). A inserção de trabalhos, como o citado acima, faz parte da movimentação de reconfiguração de perspectivas para o ensino de língua materna que se estabeleceu a partir das reflexões teóricas e metodológicas nas pesquisas educacionais e das avaliações nas quais os livros são submetidos. Rangel (2005) ressalta que, com a mudança de paradigma a um viés de usos sociais da língua, os autores de livros didáticos precisam repensar os objetivos didáticos para o ensino de língua materna. Outro exemplo se remete a certas orientações oferecidas pelo MP, como no exemplo abaixo: Leitura Deve-se propiciar ao aluno a possibilidade de interagir com o texto para então acompanhar a 183 leitura do professor. (Seção Leitura silenciosa realizada pelo aluno, p.10) A tarefa do professor é basicamente levar os alunos a compreender o que leram sem no entanto dar-lhes respostas prontas e acabadas. Ele deve auxiliá-los a inferir e a descobrir os significados das palavras dentro de cada contexto especifico, principalmente nos pontos em que a dificuldade impede-lhes a construção do sentido. (Seção Leitura do professor em voz alta, p.10) Na primeira orientação acima citada, observamos que as autoras chamam a atenção para a possibilidade do aluno “interagir com o texto” e, sendo assim, destacam a necessidade da leitura não ser compreendida como mera decodificação. Ou seja, não se estabelece elo entre o autor e o leitor para ressignificações sobre o que está sendo abordado. Numa acepção de linguagem voltada para as práticas sociais, o processo de leitura deve proporcionar o encontro com o outro, ou seja, autor, leitor e texto devem dialogar num processo recíproco de construção de sentidos. Já a segunda indicação está voltada para a importância de se trabalhar com os sentidos das palavras dentro dos contextos nos quais se encontram imersas. Para tal, o docente não deveria apresentar respostas prontas no momento em que o aluno se depara com uma palavra que suscita dúvidas ou não compreende o significado. Tal aspecto se aproxima da compreensão de que a leitura é um ato que se concretiza com as construções de sentidos pelo leitor. Todavia, destacamos a necessidade de maior aprofundamento para enfatizar ao professor a necessidade de contribuir na formação de um leitor proficiente que, dialogando com o texto, possa atribuir significados não apenas pela compreensão literal, mas também através de processos inferenciais e do estabelecimento de relações intertextuais. Observamos trechos que sugerem implicações sobre as práticas de produção de textos pautadas nos usos discursivos: Escrita Ao propor situações de produção de textos, o professor deve atentar para a importância do ato de escrever: escrevam para um destinatário real (importância do que e de como dizer); tenham um objetivo ou finalidade; (...) (Seção Produção, p.15) 184 Como podemos observar acima, as autoras destacam a necessidade da proposta de produção de textos visar a um interlocutor e apresentar-se articulada às finalidades, o que demanda a compreensão de que tal tarefa se constitui numa perspectiva dialógica. Ou seja, o processo de produção de textos é considerado como forma discursiva de construção de sentidos através da interação entre os sujeitos e o próprio texto. Trata-se de ressaltar o dialogismo, tal como defende Bakhtin (2000), como princípio constitutivo da linguagem. Em desencontro com a perspectiva acima discutida, podemos encontrar trechos que revelam a utilização da linguagem de forma mais prescritiva, como em algumas orientações para o trabalho com a leitura. Vejamos os fragmentos abaixo: Leitura/Compreensão O educador, especialmente o que lida com leitores principiantes, deve, dependendo do tipo de texto, priorizar a leitura silenciosa, pois os alunos de anos iniciais, ao ter de se preocupar com a pronúncia, o ritmo e entonação, dificilmente será capaz de apreender, ao mesmo tempo, o significado do texto. (Seção Leitura silenciosa realizada pelo aluno p. 10) Sugerimos também que, após essa leitura, o professor resolva possíveis dúvidas quanto ao vocabulário ou à compreensão textual fazendo com que os alunos analisem as frases e as estruturas frasais. (Seção Leitura silenciosa realizada pelo aluno p.10) Para que os alunos possam, efetivamente, incorporar palavras novas presentes nos textos, reutilizando-as com propriedade e com correção em contexto frasais diferentes, é preciso que conheçam não só o significado delas, mas que realizem atividades de substituição lexical, trabalhando com sinônimos e antônimos. (Seção Estudo do texto p.11) No primeiro trecho, percebemos a crença de que a criança não tem maturidade cognitiva para apreender o sentido do texto ao mesmo tempo em que lê o texto em voz alta. Não há referência teórica que dê suporte a tal pressuposto. Parece haver uma crença em que podemos ler com boa entonação sem entendermos o texto. Desconsidera-se, assim, o papel das antecipações como estratégias que favorecem a fluência da leitura. Já no segundo fragmento, constatamos uma orientação que não considera o contexto de uso, uma vez que cabe ao professor orientar a elucidação de dúvidas sobre os significados 185 das palavras no texto através de análises fragmentadas. Ou seja, observamos a desconsideração de que os significados das palavras dependem dos sentidos gerais dos textos.. Não há indicação de que é possível inferir os significados das palavras com base nos sentidos textuais construídos. A habilidade de identificar os efeitos de sentido com base nas construções conotativas ou polissêmicas das palavras ou termos de determinados gêneros favorece o desenvolvimento do leitor, uma vez que proporciona ao mesmo perceber as intencionalidades presentes nos discursos. Portanto, quando o manual do professor propõe a identificação dos significados das palavras se limitando a análise das estruturais frasais, se aproxima da perspectiva do modo tradicional de ensino da língua. Trata-se, portanto, de destacar que a natureza da linguagem é racional, uma vez que os sujeitos pensam de acordo com regras de classificação e conceituação, tal como destaca Travaglia (1996). Tal aspecto também é observado no terceiro excerto, no qual o MP destaca que, para a apreensão e utilização efetiva de novas palavras com correção em contextos frasais diferentes, os alunos necessitam de um trabalho de substituição lexical. Observamos, ainda, que a orientação dada ao professor indica uma visão destoante dos usos da linguagem,uma vez que os usuários da língua não estão inseridos “em contextos frasais diferentes”, como também não precisam, necessariamente, aprender primeiro as formas de substituição lexical para, posteriormente, aplicá-las nas situações. Com isso, constatamos que tal orientação se distancia da análise do funcionamento da linguagem em situações reais de interação, pois se materializa numa perspectiva de ensino da língua que propõe princípios gerais a serem seguidos e aplicados, sem articulação com os contextos de usos. Tal perspectiva não se atrela à utilização da língua numa perspectiva dialógica, conforme postula Bakhtin (2000). Ainda no movimento de conflitos, podemos encontrar orientações para o trabalho com a gramática que nos revelam um ensino pautado na classificação: Reflexão sobre a língua Quanto ao trabalho com as convenções da língua, inicialmente o aluno é levado a deduzir as funções de determinadas palavras no contexto frasal, passando, posteriormente, a conhecer, identificar e conceituar a classe a que tais palavras pertencem. (Seção Gramática, p.12) 186 Como podemos observar, o trecho nos dá indícios de que o ensino da gramática está voltado para uma visão prescritiva e linear da língua, pois o foco está direcionado ao reconhecimento/classificação das funções das palavras. Tal orientação nos remete a uma compreensão de que, retirada de sua função sociodiscursiva, a análise descontextualizada de frases criadas artificialmente pode ser alvo de estudos nas atividades da coleção. Não queremos com isso afirmar que a gramática não deva ser alvo de estudos sistemáticos na escola, mas sim destacar a existência de fragmentos que se encontram destoantes dos discursos sociointeracionistas para o ensino de tal eixo, tal como ressalta Bagno (2009): é muito mais importante aprender usar a língua, a reconhecer seus múltiplos recursos, ampliar seu repertório linguístico e sua competência comunicativa do que aprender a fazer classificações mecânicas baseadas em procedimentos analíticos que parecem não levar a nada e ser apenas uma finalidade em si mesma. (p.168) A reincidência de um trabalho com a língua dissonante das práticas sociais também pode ser verificada em orientações para aquisição da legibilidade na escrita: Escrita Em todas as unidades há treino da escrita cursiva. O objetivo dessa seção é oferecer ao aluno a oportunidade de trabalhar com o traçado correto das letras, imprimindo assim maior agilidade à escrita e a legibilidade à letra. (Seção Caligrafia, p. 16) No fragmento acima, constatamos a necessidade de desenvolvimento de uma letra considerada ideal para facilitar a leitura fluida dos textos. A indicação do “treino” para os alunos aperfeiçoarem a legibilidade na escrita nos revela a crença em um modelo homogêneo, no qual a ênfase na busca pela letra correta se associa à concepção de “velhas” atividades consideradas, atualmente, ultrapassadas, por se tratarem de um modelo uniformizador. Dado o exposto, constatamos a existência de um movimento de conflitos. As concepções adotadas ora se aproximam da abordagem de linguagem como atividade social, suscitando orientações que nos revelam a preocupação com as finalidades sociosdiscursivas, com o espaço do locutor e interlocutor e com as negociações de sentidos inerentes aos processos interacionais, ora se distancia de tal perspectiva nas orientações mais prescritivas para o trabalho com a língua materna. Ou seja, enfatiza a necessidade de trabalhar a língua portuguesa a partir de pressupostos transmissivos, repetitivos, desprovidos de interação, uma 187 vez que o importante é ensinar regras, conhecimentos gramaticais, modelos estáticos de leitura, desconsiderando o espaço de utilização de linguagem como processo de produção ou leitura de textos. O movimento de conflito da concepção de linguagem e ensino já não é percebido na BCC-PE. Ou seja, conforme observamos no capítulo 6, tal documento assume, de forma mais delineada, uma perspectiva de trabalho com a língua materna pautada na interação social e, também, destina ao leitor uma seção específica para explicitação dos pressupostos defendidos. Já na coleção, verificamos tanto a presença da influência da perspectiva interacional da linguagem quanto fragmentos que nos dão indícios de um ensino de língua portuguesa estático e centrado no código. Tal movimento pode estar relacionado a uma fase de transição de paradigmas nas quais as coleções, no caso o Manual do Professor, preocupadas em atender à concepção da língua em seus usos, apresentam incoerências nas formulações de seus pressupostos. Portanto, em geral, a coleção em foco apresenta pressupostos que não estão em consonância intensa com o que propõe a BCC-PE para o trabalho com língua materna. 7.1.2 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero De acordo como Guia do Livro Didático 2007, a coleção em foco se enquadra no bloco das coleções organizadas por unidades temáticas sensíveis a gênero/tipo de texto19. A disposição da coleção com base nos textos nos sugere uma compreensão de que os mesmos devem ser alvo de reflexão no trabalho de ensino de língua materna. Sendo assim, nesse subitem, discorreremos sobre os dados que se remetem ao como o texto se materializa nos gêneros. Ao longo da apresentação do MP, não encontramos fragmentos mais explícitos que discutam como o texto se configura como unidade concreta tecido no processo de interação. Entretanto, podemos verificar que, em alguns poucos momentos do MP, há o pressuposto, de modo menos direto, que os textos são entidades concretas e se materializam em gêneros diversos, como no fragmento a seguir: 19 A coleção está inserida no bloco em que a organização das obras é com base nos textos. Ou seja, organizam as unidades com um ou mais textos, seguidos de atividades nos eixos de ensino de língua portuguesa. (BRASIL, 2006, p.229) 188 Leitura, oralidade, escrita e reflexão sobre a língua Nas unidades em que constam as seções Texto e Outro texto, ambos os textos apresentam temática semelhante, porém, na maioria das vezes, pertencem a gêneros diferentes. (Seção Textos, p.10) No trecho acima, observamos que as autoras apresentam uma proposta que visa desenvolver habilidades relativas à leitura de textos de diferentes gêneros que girem em torno e uma temática comum. Quando ressalta que os textos pertencem a gêneros diversos, observamos a compreensão de que os textos são configurados como materialidade empírica e os gêneros são instrumentos de ação. Em outros termos, para comparação entre as seções, os textos encontram-se não só numa estrutura observável, mas também se enquadram no princípio do pertencimento ao gênero. Tal aspecto também é observado nos fragmentos abaixo: Leitura, oralidade, escrita e gramática No mundo letrado os textos variam de acordo com o público a que se destinam, com a intenção de quem os escreveu e com a finalidade com que foram escritos (informar, convencer, anunciar, seduzir, divertir, entre outras) A finalidade dos textos determina a organização, a estrutura e o estilo que cada um deverá apresentar; em suma, determina o gênero textual. (Seção Textos, p. 9) Nesta Coleção, foram selecionados – para a leitura, escrita e reflexão sobre a língua – textos de diferentes autores e de variados gêneros, extraídos de livros, revistas, jornais e muitos outros suportes. (Seção Textos, p.9) No primeiro trecho, verificamos que são considerados os aspectos de condições de produção dos textos, uma vez que destaca elementos como: para quem se destina o texto, quem os produziu e suas respectivas finalidades. Tais representações das situações de produção determinam qual gênero será utilizado e, de forma reincidente, nos transmitem a 189 ideia de que o texto se materializa no gênero de acordo com finalidade sociodiscursiva. Portanto, a finalidade dita o gênero, suas articulações com as estruturas composicionais e os recursos linguísticos. Em relação ao segundo, o enfoque é direcionado ao trabalho com os textos de diferentes gêneros, o que nos sugere a apreensão de que o texto é a entidade concreta intermediada pelo gênero. Em outros termos, todo texto é pertencente a um certo gênero e o contato com os mesmos significa ter acesso a uma diversidade de formas da ação humana. Dado o exposto, a coleção destaca que o MP da coleção apresenta fragmentos que remetem à compreensão de que os textos se concretizam em diferentes gêneros, destacando que a finalidade da situação sociocomunicativa determina o gênero. Tal princípio também é observado na BCC-PE. Nesse documento, encontramos trechos que destacam, de forma mais explícita, a ideia de que o texto é materialidade concreta e pertence a um determinado gênero. 7.1.3. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas Segundo a teoria bakhtiniana, os gêneros são caracterizados por três dimensões: conteúdo temático, composição e estilo. No manual do professor, não observamos orientações que ressaltam algumas dessas características, como também não constatamos discussões sobre como os elementos constitutivos dos gêneros podem ser alvo de estudo mais sistemático. Todavia, ao analisarmos todos os objetivos explícitos20 nos manuais do segundo ao quinto ano da coleção, verificamos que os mesmos abordam algumas dimensões dos gêneros. Ou seja, alguns objetivos propostos pela coleção21 para o ensino de língua materna ressaltam os aspectos composicionais dos gêneros e, de forma menos expressiva, situação interacional e/ou aspectos sociodiscursivos e de estilo. Assim, discutiremos, nesse item, a relação entre os objetivos e as dimensões dos gêneros que estão sendo destacadas. Em relação aos objetivos dos gêneros da cultura literária ficcional, encontramos a reincidência dos seguintes objetivos: 20 O manual não apresenta o nome do gênero ao lado dos objetivos. Foi preciso associar os objetivos às atividades propostas na coleção, com a finalidade de identificar a qual gênero tais objetivos se referiam. 21 Foram observados, ao longo dos quatro livros da coleção, os objetivos apresentados na seção “Plano de curso”. Ressaltamos, ainda, que, embora apresentemos os objetivos de forma geral, discutiremos somente aqueles que se direcionam de forma mais específica a alguma dimensão do gênero. 190 CONTO FÁBULA Identificar o problema da história e como ele foi resolvido. Identificar fatos da história. Reconhecer o ambiente onde se passa a história. Perceber a estrutura de um texto narrativo. Perceber que os fatos da história encaminham-se para um final. Ordenar os fatos da história. Perceber que o narrador do texto é um observador. Reconhecer a importância da forma como se conta a história para transmitir emoções ao leitor, tais como a seleção do narrador e adequação de linguagem ao tipo de narrador escolhido. Observar a capa do livro e a outra ilustração para responder às questões. Perceber os recursos usados pelo escritor para envolver o leitor na história. Perceber o tipo de linguagem usada no texto Rever conceitos de fábula. Identificar as características dos personagens da fábula. Perceber a diagramação da fábula na página do livro. A tabela acima nos mostra, de forma geral, quais aspectos estão sendo enfocados no livro a respeito do gênero conto22 e fábula, ambos agrupados na ordem do narrar. (cf. Schneuwly e Dolz, 2004). Nesse sentido, constatamos que, nos objetivos indicados para o gênero conto, é recorrente o destaque dado aos elementos da narrativa (situação inicial, fatos, conflito, desfecho). O fato de se delinear os traços característicos da sequência tipológica narrativa é de suma relevância para o reconhecimento dos aspectos linguísticos. Verificamos também na tabela acima, menções a outras dimensões do gênero, tais como, contexto de produção, interlocutor e a linguagem utilizada. Ressaltamos a relevância de se trabalhar com elementos voltados tanto para a situação interacional, quanto para o estilo e conteúdo temático. Não verificamos, no entanto, objetivos que exploram outros aspectos relevantes deste gênero, como, por exemplo, a reflexão sobre a função social de prazer e diversão, o perfil dos personagens, os aspectos maravilhoso, aventura ou suspense (dependendo do tipo de conto), recursos de coesão, léxico, tempos verbais, enfim, as configurações específicas da linguagem típica dos contos. 22 Vale ressaltar que o MP atribui ao gênero “conto” o nome de “narrativa”. 191 Já em relação aos objetivos referentes à fábula, o destaque se volta para o conceito do gênero e sua distribuição espacial na página. Sendo assim, não observamos a indicação de objetivos que ressaltem conhecimentos voltados para função de ensinamento, reconhecimento da moral subjacente a diferentes fábulas, o conceito de moral, conflitos cômicos ou trágicos, relação entre as particularidades físicas e psicológicas dos personagens da fábula e o conteúdo temático, o contraste presente na escolha dos personagens, relação de intertextualide entre a moral e as máximas presentes nos provérbios populares, entre outros. Ainda concernente à esfera literária, encontramos objetivos referentes ao poema e à literatura de cordel. Vejamos abaixo: POEMA Perceber a disposição gráfica do texto. Identificar estrofes, versos e rimas. Compreender o conceito de rima. Perceber o ritmo, a sonoridade e a musicalidade do texto. Identificar a impressão que a disposição das palavras no poema provoca no leitor. CORDEL Perceber a estrutura poética de versos de cordel. Perceber o ritmo de cada estrofe. Identificar os versos que rimam em uma sextilha de cordel. Considerando os aspectos ressaltados acima, observamos a ênfase dada à orientação espacial dos gêneros, sua estruturação e recursos expressivos, revelando uma preocupação com que os alunos percebam a disposição do texto na página e, consequentemente, possam distingui-los da estrutura de um texto em prosa. Encontramos apenas um objetivo que se volta para os efeitos de sentido que a disposição das palavras pode provocar no leitor. Todavia, o trabalho com gêneros da esfera literária pode ser ampliado para que os alunos percebam o olhar poético através da linguagem utilizada, de recursos escolhidos (comparação, metáforas, etc), posição do enunciador, da liberdade que o poeta tem para recriar, enfim, recursos linguísticos e discursivos utilizados para provocar efeitos de sentido. Já no caso da literatura de cordel, destacamos a importância de inserir tal gênero como objeto de reflexão na coleção, visto que consiste numa oportunidade de os alunos valorizarem a diversidade de manifestação de cunho popular. Trata-se de desmistificar estereótipos que atribuem à literatura de cordel uma visão marginalizada, considerando-a de menor valor quando comparada a literatura clássica. 192 Nesse sentido, tendo em vista o modelo ideológico de letramento, como discutimos no capítulo 1.2, não podemos desvincular os gêneros do contexto cultural, das relações ideológicas e de poder nas situações interacionais. Tais discussões não são oportunizadas quando observamos, na tabela acima, que os objetivos não destacam outros aspectos além dos composicionais. Não queremos com isso afirmar que os aspectos conceituais e formais do cordel são irrelevantes, mas sim ressaltar a necessidade de propor objetivos que também ofereçam reflexões sobre os propósitos do cordel, sua função sociocomunicativa de expressar sentimentos, sensações, ideias, ponto de vistas e/ou críticas. Dessa forma, é de extrema relevância ressaltar outras dimensões do gênero em foco, de forma a oportunizar a compreensão de como a literatura de cordel aborda elementos das tradições populares e de autores locais, possui conteúdos com teor de crítica social e/ou política, humor, traz representantes de episódios veiculados ao imaginário popular, enfim, se configura como suporte importante na difusão da leitura, pois carrega, em seu cerne, a valorização das manifestações populares. Dentre os textos destinados á memorização das ações humanas (cf. Dolz & Schneuwly, 2004), agrupados na ordem do relatar, o manual indica os seguintes objetivos: NOTÍCIA Compreender a importância da escolha do título para a notícia. Compreender a importância do subtítulo. Selecionar uma notícia de jornal. Identificar os elementos essenciais da notícia: o quê, onde, quando, como e por que aconteceu o fato contado. Identificar a função da parte da notícia que recebe o nome de “olho”. BIOGRAFIA Conhecer o tipo de informação que estrutura uma biografia. Relacionar datas a acontecimentos. Perceber onde são encontrados esse tipo de texto. No que se refere à explanação do quadro acima, constatamos que, para o gênero notícia, são apresentados objetivos mais diversificados, sendo que os mesmos mobilizam conhecimentos dos elementos constitutivos, do suporte e sociodiscursivos. Nessa perspectiva, 193 há uma indicação de que os alunos necessitam se apropriar das características do gênero em foco. No entanto, não verificamos, dentre os objetivos propostos, a compreensão de que a notícia se configura num instrumento importante para reflexão sobre os fatos da realidade. Quando enfoca, predominantemente, a identificação de sua estrutura, deixa de explorar os conhecimentos relacionados ao público-alvo, posicionamento do jornal, sua finalidade, enfim, acerca dos aspectos necessários para que, de fato, os leitores acreditem que os relatos dos fatos apresentados sejam verdadeiros. Nos objetivos relacionados à biografia, há uma preocupação em identificar os meios de veiculação, como também seu conteúdo. Todavia, “conhecer o tipo de informação que estrutura uma biografia” não oportuniza ao aluno refletir sobre como esse gênero reconta os eventos da vida do biografado com o intuito de recriar sua imagem. Nesse sentido, a biografia não se destina tão somente a descrever a vida da pessoa, mas também tecer uma imagem de como é ou foi a vida de alguém. Em relação aos textos destinados à discussão de problemas sociais controversos (cf. Dolz & Schneuwly, 2004), são apresentados os seguintes objetivos: RESENHA Ler uma resenha para observar a estrutura desse tipo de texto. Perceber a função das resenhas das histórias encontradas nos catálogos de literatura preparados por editoras. Compreender para que serve uma resenha. CARTA DO LEITOR Identificar os parágrafos que introduzem o assunto; apresentam opinião contra ou a favor do piercing; apresentam argumentos que justificam a opinião dos autores; apresentam uma conclusão dos autores sobre o assunto. Identificar os argumentos utilizados pelos autores em cada texto Perceber que a intenção dos autores dos textos é convencer alguém a modificar comportamentos. CARTAZ EDUCATIVO Perceber a importância da imagem no folheto. Perceber as características desse gênero textual. Perceber a importância da imagem para complementar a mensagem. Observar a estrutura de um cartaz: a mensagem, o tipo de letra, os verbos. Estabelecer relação entre a frase e a imagem do cartaz. Perceber a função e as características de um cartaz. Identificar o público a que se destina o cartaz proposto. Identificar o órgão responsável pela divulgação do cartaz. Conforme observamos, os conhecimentos mobilizados em torno da resenha se voltam para a compreensão de sua finalidade e composição. Nesse sentido, a coleção sugere ler, perceber e compreender que a estrutura e a finalidade da resenha possibilitarão ao aluno se 194 apropriar do gênero em foco. Além disso, mesmo indicando que é necessário “ler e identificar a estrutura desse tipo de texto”, não fica claro quais dimensões seriam essas. Ou seja, dependendo do tipo de resenha, os aspectos a serem ressaltados podem ora ser mais descritivos ora de natureza avaliativa. Portanto, para compreender qual a finalidade da resenha, os elementos de sua natureza sociodiscursiva e linguística precisam ser alvo de reflexões. Na carta do leitor, além da finalidade, os objetivos propostos incitam a identificação da sequência argumentativa do gênero, de forma mais específica, nos argumentos presentes no gênero em foco. Com isso, sugere que, a partir da identificação dos argumentos e sua distribuição do texto, o aluno se apropriará da finalidade do gênero. Ou seja, não é apresentado nenhum objetivo que se relacione a uma reflexão mais aprofundada da consistência argumentativa presente para compreensão da intencionalidade persuasiva do gênero em foco. Observa-se que o cartaz educativo traz reflexões enfocando o suporte, a finalidade e o interlocutor além de indicar a necessidade de refletir sobre a relação texto verbal e não-verbal e diagramação do gênero no suporte. No que concerne aos gêneros designados à transmissão e construção de saberes agrupados na ordem do expor (cf. Schneuwly & Dolz, 2004), são destacados: VERBETE Ler para perceber a estrutura composicional do texto. FICHA CATALOGRÁFICA Compreender a estrutura de fichas de animais. Com o acima, observamos que o foco para o trabalho com alguns exemplares de gêneros da ordem do expor é no aspecto composicional. No caso do verbete, não percebemos sugestões que considerem a análise do gênero a nível textual e interativo. Nesse sentido, tal aspecto poderia ser focado, uma vez que o estudo do léxico, através do gênero verbete, está também atrelado a uma situação contextual. Ou seja, o enfoque meramente estrutural não considera, por exemplo, que tais significados das palavras estão arrolados aos sentidos na tessitura dos textos. A ênfase na estrutura também é observada no trato com a ficha catalográfica. Nessa, não constatamos objetivos relacionados ao fato dos aprendizes perceberem que tal gênero se presta à construção de determinados saberes, ou seja, de como a facilitação da identificação de determinados dados, a classificação de conceitos e/ou 195 características, bem como a natureza dos conteúdos abordados poderiam está a serviço de estratégias voltadas à finalidade do gênero em foco. No que concerne aos gêneros que ressaltam instruções e prescrições, agrupados na ordem do descrever ações (cf. Schneuwly e Dolz, 2004), são indicados: RECEITA Identificar a estrutura (as partes) de uma receita. Perceber para que serve esse tipo de texto. INSTRUÇÃO DE JOGO Perceber a estrutura de um texto que ensina um jogo. Perceber a estrutura de um texto instrucional. Analisando a tabela acima, constatamos que o foco para o trabalho com os textos que ensinam a fazer algo reside nos elementos composicionais. No caso da receita, são ressaltadas tanto a estrutura (ingredientes e modo de fazer), quanto a finalidade do gênero. Já na instrução, percebemos que os aspectos de composição se destacam frente aos sociodiscursivos, ou seja, a preocupação é de que o aluno se aproprie da forma como tais gêneros se apresentam, seja na orientação espacial ou na redação do gênero. Em relação aos gêneros que não se apresentam nos domínios sociais de comunicação propostos por Dolz & Schneuwly, 2004, os objetivos destacados pelo manual são: CARTA Identificar as partes que compõem uma carta. BILHETE Identificar as características de um bilhete. Perceber a estrutura de um bilhete e sua utilidade. Compreender o que é um bilhete e sua utilidade. Refletir sobre a utilidade de bilhetes. CONVITE CARTÃO-POSTAL Identificar características desse gênero textual para aplicar em futuras produções. Explorar a função e a linguagem de convites. Perceber a importância de adequar a linguagem do convite ao seu destinatário. Reconhecer as características de um convite e para que ele serve. Perceber a estrutura de um cartão-postal. Identificar elementos que compõem um cartão-postal. Identificar a frente e o verso desse portador de texto e sua utilidade. 196 Conforme observamos acima, os objetivos para com os gêneros citados se relacionam aos aspectos estruturais, seja com orientações mais gerais, nas quais não fica claro para o professor qual a dimensão do gênero a ser trabalhada, seja com indicações mais específicas que ressaltam os elementos composicionais. A preocupação com a forma que o texto assume, em sua redação, está materializado em objetivos como “perceber a estrutura”, “identificar os elementos que compõem” ou “escrever uma carta com todas as partes”. Nesses, não são explicitadas quais partes seriam enfocadas nos elementos de composição do gênero, cabendo ao professor subentender que tais aspectos podem se remeter à natureza mais estrutural, como, por exemplo, a carta (saudação, corpo, assinatura), o bilhete (saudação, recado, assinatura.) e o convite (nome da pessoa convidada, local, data, horário). Considerando os objetivos voltados para dimensões sociodiscursivas, observamos a indicação para compreensão da finalidade no caso do bilhete, convite e cartão-postal. Em ambos, há indicações, nos objetivos na esfera sociodiscursiva, para que se trabalhe com a utilidade dos mesmos, como também chama a atenção para o interlocutor. Todavia, reflexões sobre a linguagem a ser utilizada só são destacadas no convite. Tal dado nos sugere que existe a compreensão de que gêneros como bilhete, carta e cartão-postal não merecem uma reflexão mais sistemática acerca da linguagem utilizada nas diferentes situações de interação. Em geral, embora a carta, o convite, o bilhete e o cartão postal se destinem a realizar alguma correspondência, os objetivos, tal como são apresentados para o trabalho, não suscitam reflexão mais específicas de cada um. Dado o exposto, verificamos que a coleção propõe objetivos relacionados ao gênero, sendo que os aspectos de composição se destacam frente aos elementos sociodiscursivos. Outro aspecto a ser considerado é que os objetivos remetem ao gênero e se relacionam, de forma expressiva, às capacidades de “perceber”, “identificar‟ e “reconhecer‟, incitando poucas considerações no que concerne à reflexão e à compreensão das dimensões constitutivas dos gêneros. Na BCC-PE encontramos alguns indícios sobre as dimensões do gênero. No entanto, tal como é apontado nos dados referentes à coleção, os elementos mais ressaltados são referentes à forma composicional do gênero e com poucos debates sobre os objetivos e as mais variadas situações de interlocução nas quais diferentes gêneros circulam. 197 7.1.4 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica Diferentemente da BCC-PE, não observamos, na coleção, reflexões sobre o principio de que os textos respondem a outros no processo de interlocução. Trata-se de não apresentar ao leitor/professor indícios para que o mesmo compreenda que os textos estão imersos numa cadeia dialógica e são produtos histórico-sociais. Assim, suscitaria debates sobre o pressuposto de que os textos, além de dialogarem com outros textos já lidos e/ou ouvidos, são sempre respostas a outros tecidos numa situação definida de interlocução. 7.1.5 Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado Tal como foi indicado na categoria acima, não encontramos no MP indícios que citem a compreensão do gênero como forma relativamente estável do enunciado. Já em relação à BCC-PE, verificamos fragmentos que reportam a tal discussão, conforme a teoria bakhtiniana de que os gêneros podem ser considerados estáveis na esfera da comunicação verbal, dada as condições particulares do enunciado e numa determinada situação de interlocução. 7.2. Os princípios didáticos relativos ao ensino de textos/gêneros discursivos que perpassam a obra Nessa categoria foram observados os pressupostos didáticos que subjazem o manual do professor no que remete ao trabalho com os gêneros/textos. Tal como verificamos na BCCPE, os princípios abaixo também foram contemplados na coleção: 7.2.1. Diversidade de gêneros 7.2.2 Texto como unidade de ensino 7.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos 7.2.1 Diversidade de gêneros A necessidade de se utilizar os textos de gêneros diversificados no ensino de língua portuguesa representa a oportunidade de se aproximar das diversas situações de uso. Embora não encontremos discussões mais sistemáticas sobre a importância de se trabalhar com gêneros, constatamos que, em diversos momentos do manual, os mesmos são considerados 198 como elementos importantes para o ensino de língua portuguesa. Sendo assim, observamos fragmentos que se reportam à importância de inserir uma gama de gêneros que circulam socialmente no ensino da língua portuguesa, tal como é ressaltado a seguir: Leitura, oralidade, escrita e gramática Nesta Coleção, foram selecionados – para a leitura, escrita e reflexão sobre a língua – textos de diferentes autores e de variados gêneros, extraídos de livros, revistas, jornais e muitos outros suportes. (Seção Textos, p.9) Como podemos observar, a relevância de introduzir textos de diversos gêneros e suportes na coleção é ressaltada pelas autoras. Trata-se de ressaltar que, concomitantemente com a proposta de leitura, escrita e reflexão sobre a língua, devem ser apresentadas ao aluno aproximações de situações nas quais os diversos gêneros de texto circulam. Tal aspecto nos sugere uma preocupação em oferecer um destaque ao funcionamento desse material frente às diversas situações de usos ou, então, ao fato de que o princípio da diversidade possa garantir a apropriação das características e propriedades dos gêneros. Nessa perspectiva, como não verificamos, no MP, discussões sobre quais gêneros devem ser trabalhados a cada ano de ensino, bem como a questão da progressão dos objetivos relacionados a esse objeto de estudo e dimensões ou características dos gêneros a serem enfocadas nas atividades, percebemos que a ideia se volta para ênfase na relação dos alunos com diferentes gêneros. Grillo e Cardoso (2003), a partir dos pareceres dos avaliadores dos LDP do 3º e 4º, examinaram que: Na questão do contexto de produção/recepção dos gêneros textuais propostos para atividade de leitura em livros didáticos, verificamos que tal conceito não, foi ainda, plenamente apropriado pelos autores. Se das 37 coleções apresentadas para avaliação, apenas 15 foram consideradas como preocupadas com tal questão, nenhuma manteve a abordagem sistematicamente. (p. 112) Portanto, a necessidade de oferecer ao aluno oportunidades de entrar em contato com diversos gêneros nem sempre vem acompanhada de reflexões mais sistemáticas sobre tais instrumentos no processo de ensino-aprendizagem. 199 Outro aspecto observado se refere à associação entre o princípio da diversidade e a finalidade: Leitura, oralidade, escrita e gramática No mundo letrado os textos variam de acordo com o público a que se destinam, com a intenção de quem os escreveu e com a finalidade com que foram escritos (informar, convencer, anunciar, seduzir, divertir, entre outras) A finalidade dos textos determina a organização, a estrutura e o estilo que cada um deverá apresentar; em suma, determina o gênero textual. (p. 9) Como verificamos acima, o trecho nos sugere que existe uma relação entre a finalidade e os aspectos sociodiscursivos “para quem” e “por quê”. Nessa perspectiva, observamos que o destaque dado à finalidade dos textos nos sugere que, de certa forma, os objetivos para o ensino de língua materna não podem estar dissociados da compreensão de familiaridade com o gênero dos textos e suas características. Sendo assim, os gêneros sofrem alterações em seus aspectos de composição, estilo e conteúdo, dependendo dos propósitos para os quais são produzidos. Observamos, então, que, subjacente à compreensão de que é a finalidade que determina em que gênero o texto será materializado, está a ideia de que os sujeitos, em suas atividades de linguagem, elegem um gênero existente e modifica-o de acordo com as intenções sociocomunicativas. Trata-se de uma capacidade de ação, uma vez que os sujeitos podem adaptar-se às peculiaridades do contexto e do referente (cf. Schneuwly e Dolz, 2004). A perspectiva de destacar os elementos referentes à situação de interação também é enfatizada nas orientações para o trabalho com os eixos de ensino de língua portuguesa, como no caso da produção de textos: Escrita Ao propor situações de produção de textos, o professor deve atentar para a importância do ato de escrever: escrevam para um destinatário real (importância do que e de como dizer); tenham um objetivo ou finalidade; (...) (Seção Produção, p.15) 200 No trecho acima, observamos que o MP preconiza que nas atividades de processo de produção de texto os alunos sejam convidados a produzir para um “destinatário real” com “objetivo ou finalidade”. Sendo assim, mais uma vez, nas orientações dadas ao professor destacam-se os elementos referentes às condições sociodiscursivas de produção. Entretanto, tal discussão não está atrelada aos gêneros, de forma a ajudar os alunos a pensarem sobre como produzir textos em função dos propósitos, considerando aspectos não só relacionados à finalidade, mas também ao tema/assunto, local de circulação, recursos verbais e não-verbais adequados à situação, aspectos linguísticos, entre outros. Quando aborda a questão da correção dos textos dos alunos, verificamos que o MP também ressalta a situação de interação: Escrita No ensino fundamental, quando os alunos ensaiam os seus primeiros passos como produtores de textos, não se pode esperar que redijam textos muito bem elaborados e isentos de incorreções. E o professor se pergunta: É necessário corrigir tudo? Até que ponto corrigir? Deve-se exigir do aluno a produção de textos “perfeitos”? A resposta a cada uma dessas perguntas variará de acordo com a situação comunicativa na qual o texto está inserido: texto particular do aluno (diário de férias, agenda pessoal ou bloco de anotações em que registra, por exemplo, anedotas, charadas e adivinhas) é suficiente deixar que o próprio aluno efetue as correções que esteja em condições de fazer. texto a ser lido por todos os alunos (afixados em mural na classe, por exemplo) – o professor deverá sugerir ou propor soluções às suas dificuldades para que tenham condições de melhorar os textos produzidos, eliminando as incorreções. texto dirigido a outras pessoas da escola (funcionários, professores, diretor) ou a pais – a correção individual ou coletiva será com um cuidado especial. (....) texto destinado ao público em geral, a autoridades de empresa públicas ou personalidades de projeção local ou nacional (textos que extrapolem o âmbito da escola) – o professor deve assumir a responsabilidade. (Seção Produção, p.15-16) 201 Nesses trechos, percebemos a vinculação entre a necessidade de oportunizar as correções dos textos tendo em vista o público alvo. Quando se trata de gêneros mais particulares, a correção deve ser feita pelo próprio aluno, mas quando o interlocutor é um aluno, funcionário da escola, pessoa pública, há a necessidade de propor intervenções no processo de correção. Com isso, constatamos que a situação de interação também define as orientações para o trabalho com a correção dos textos. Ou seja, embora não cite quais gêneros merecem maior atenção no que concerne à correção, existe uma indicativa de que a imagem de um possível interlocutor incita atitudes mais sistemáticas por parte do professor para que o texto do aluno seja passível de compreensão. Todavia, não observamos maiores reflexões sobre os critérios de correção no que se refere ao atendimento da finalidade sociocomunicativa e as características dos gêneros. Dado o exposto, constatamos que embora o MP destaque a necessidade de trabalhar com gêneros sob a óptica do principio da diversidade e do contexto de produção, não verificamos orientações de como os mesmos podem ser alvo de estudo mais sistemático no processo de ensino-aprendizagem, quais os critérios de escolha e dimensões a serem enfocadas ao longo dos livros da coleção. Já na BCC-PE, observamos que, além de ratificar a relevância de oportunizar aos aprendizes o contato com diferentes gêneros, cita, ao longo do documento, gêneros que poderiam ser explorados. Todavia, não garante ao público leitor maior aprofundamento sobre quais gêneros poderiam ser alvo de reflexões mais sistemáticas, quais características poderiam ser enfocadas. Dado e exposto, verificamos que o princípio de oportunizar ao aluno o contato com os gêneros é citado em alguns trechos do documento, como também a indicação de gêneros de acordo com os usos sociais mais frequentes. Entretanto, tal como observamos na coleção, a proposta curricular não debate critérios que possam orientar o publico leitor sobre quais gêneros poderiam ser alvo de estudos mais aprofundados bem como quais dimensões poderiam ser ressaltadas. 7.2.2 Texto como unidade de ensino Na década de 60, o texto assume a pauta das discussões, trazendo em sem bojo, a necessidade de romper com uma visão fragmentada e descontextualizada dos objetivos de ensino de língua portuguesa. Ou seja, diferentemente do enfoque dado ao fonema, palavra, 202 frase, o texto passa a ser abordado em sua dimensão discursiva (cf. Geraldi, 1984). Em meados de 80, as discussões sobre o ensino da leitura escrita se atrelam à análise da linguagem em situação de uso, considerando o contexto sócio histórico (cf. Soares, 1998) Em consonância com tais discursos, encontramos no MP fragmentos que se reportam à necessidade de se trabalhar com esse objeto: Leitura, escrita, oralidade e reflexão sobre a língua Nesta Coleção, foram selecionados – para a leitura, escrita e reflexão sobre a língua – textos de diferentes autores e de variados gêneros, extraídos de livros, revistas, jornais e muitos outros suportes. (Seção Textos, p.9) Quando destaca a necessidade de adotar o critério de diversidade de autores e textos para serem trabalhados na coleção, observamos que as autoras do MP chamam a atenção para a relevância de se eleger o texto como unidade de trabalho. Em outros termos, para o desenvolvimento das habilidades propostas no livro, se faz necessário entrar em contado com uma diversidade de textos. Tal aspecto é reforçado quando observamos trechos, nos eixos de ensino, em que o texto é visto como o meio pelo qual os alunos se apropriarão de certas habilidades: Leitura/Compreensão O estudo do texto tem como objetivo a compreensão e o desenvolvimento de estratégias de leitura: o aluno é solicitado a responder não só a questões sobre conteúdo, estrutura e forma do texto, como também a fazer inferências, relações e analisar os recursos de linguagem e os efeitos que eles causam no leitor, desvendando as intenções do escritor. (Seção Textos, p.11) Oralidade [...] o professor deve promover atividades sistemáticas em que se trabalhe com a produção e recepção de textos orais mais estruturados e formais do que o familiar e o escolar [...] (Seção Linguagem oral, p.12) Gramática Tanto na produção como na análise de textos, os alunos são solicitados a aprimorar o domínio das estruturas sintáticas da Língua Portuguesa. (Seção Gramática, p.12) 203 Como podemos verificar, em todos os fragmentos o texto se configura como unidade básica para o desenvolvimento de certas habilidades. Assim, o primeiro trecho destaca determinadas questões presentes no texto que retomam características composicionais ou sociodiscursivas para o desenvolvimento de estratégias de leitura e compreensão. Trata-se, pois, de considerar questões que incitem o aluno ao reconhecimento de como certas propriedades dos textos e seus efeitos podem auxiliar na compreensão não só do que está sendo abordado, mas ajudá-los a construir diversas estratégias de leitura. No que concerne à oralidade, o foco recai sobre o fato de como textos dessa natureza constituem uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento das competências linguísticas e discursivas dos alunos. Ou seja, além do texto ser um suporte para o ensino da oralidade, destaca a preocupação de que textos de situações mais informais não são alvos de reflexões na coleção. Em relação ao fragmento destinado ao ensino da gramática, verificamos a sugestão de que as reflexões sobre determinadas estruturas sintáticas devem ser realizadas a partir dos textos. Embora verifiquemos que tal trecho possa orientar, por exemplo, para um ensino normativo e classificatório, ressaltamos que há uma indicativa de que esse instrumento deve ser utilizado para o trabalho com a gramática, sem necessariamente atrelar o conhecimento gramatical ao uso da língua e linguagem. Observamos, ainda, que o MP destaca uma seção presente na coleção intitulada de “Comparando Textos”. As autoras ressaltam que a proposta da seção é “refletir sobre a intertextualidade quanto ao tema, à estrutura, aos personagens, ao ambiente, às ações e à maneira de veicular informação.” (p.16) Dessa forma, percebemos que existe uma compreensão de que é necessário oferecer um trabalho voltado ao desenvolvimento da habilidade de reconhecer e refletir sobre os diálogos presentes entre textos, ou seja, a capacidade de estabelecer relações temáticas e/ou estruturais necessárias ao desenvolvimento de saberes relacionados à identificação dos jogos intertextuais. Dado o exposto, observamos que as autoras da coleção destacam que o texto deve ser utilizado como unidade para o trabalho com a língua materna. A BCC-PE também elege como pauta em suas discussões o desenvolvimento de habilidades a partir do trabalho com os textos. Em geral, as competências estão associadas aos objetivos e/ou finalidades previstos e ao desenvolvimento de estratégias de leitura e/ou escrita. Entretanto, apontamos que essa compreensão nem sempre corrobora com os pressupostos defendidos pelo documento, como a atuação dos sujeitos por meio dos gêneros e ao princípio de que todo texto se materializa no gênero. 204 7.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos No Manual do Professor da Coleção não encontramos fragmentos que abordem a importância de se eleger o trabalho com a modalidade oral e escrita, suas semelhanças e diferenças a partir dos textos orais e escritos. As orientações da coleção são feitas a partir de uma perspectiva mais geral, ou seja, de se trabalhar com textos sem oferecer maiores orientações aos professores. Já em relação à BCC-PE, embora tal pressuposto seja mais explicitado, não observamos na discussão sobre como os textos orais e escritos também podem servir como alvo de reflexão, teorização e explicitação. Também foi observado que existe uma orientação acerca da relevância de ofertar ao aluno o contato com diversos textos de ambas modalidades, mas não adentra em debates de como esse trabalho também pode ser alvo de sistematizações. 7.3 As orientações relativas à escolha dos textos Como orientação para os critérios que nortearam a escolha dos textos na coleção, o MP se refere a três aspectos: (1) a diversidade de gêneros, de suportes e de autores e (2) a presença de textos da literatura estrangeira. O princípio da diversidade para a escolha dos textos que perpassam a obra é uma das características ressaltadas pelas autoras da coleção. Quando destaca que foram escolhidos “textos de diferentes autores e de variados gêneros, extraídos de livros, revistas, jornais e outros suportes”, (MP, p.7), nos sugere a compreensão de que, quanto mais os alunos se depararam com textos de gêneros distintos e de suportes diversos, maiores serão as oportunidades de desenvolvimento de suas competências em língua materna. Todavia, não observamos apresentação de discussões de como os diversos gêneros que perpassam a obra poderiam ser trabalhados nos eixos de leitura, oralidade e escrita de modo a contribuir para o desenvolvimento das estratégias produção e compreensão. Em relação à falta de embasamento teórico nos LDP, também foi constatado que “há uma grande variedade de textos para leitura [...], mas sem respaldo teórico esclarecedor, de modo que o professor e os alunos possam identificar textos que têm características em comum [...]” (BEZERRA, 2005, p. 42) Ainda a esse respeito, observamos que, ao longo da apresentação dos pressupostos metodológicos do manual, poucos são os fragmentos que reportam ao trabalho com diferentes gêneros associados aos eixos de língua portuguesa. Sendo assim, encontramos apenas no eixo 205 da escrita, especificamente, nas orientações para correção da produção, citações de alguns gêneros, tais como diário, agenda, anotações, anedota, charada, adivinha (p.13). Nesse, a discussão se volta para as estratégias de correção dos textos (professor ou aluno) de acordo com o público ao qual o texto se destina. Portanto, não constatamos reflexões mais sistemáticas sobre os critérios adotados para escolha do material textual e sua relação com um trabalho mais direcionado aos eixos da língua portuguesa. A única orientação encontrada no MP em relação ao critério de escolha dos textos se remete ao trabalho com a oralidade. Para tal eixo é oferecida a seguinte sugestão: Oralidade [...] o professor deve promover atividades sistemáticas em que se trabalhe com a produção e recepção de textos orais mais estruturados e formais do que o familiar e o escolar, exercitando uma linguagem que os alunos utilizarão futuramente. [...] (Seção Linguagem oral, p.12) Com o quadro acima, observamos que o MP aponta à importância de se eleger textos orais mais formais para ampliação da competência discursiva dos alunos. Portanto, aponta um critério de seleção para o trabalho com a oralidade. Tal aspecto se aproxima da compreensão de Schneuwly e Dolz (2004) que, ao discutirem sobre os gêneros orais a serem trabalhados na escola, destacam aqueles da comunicação pública formal (cf. p. 174). Ainda segundo os autores citados, “o papel da escola é levar os alunos a ultrapassar as formas mais institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por restrições exteriores” (p.175). Portanto, quando um dos critérios destaca esse cuidado de selecionar os textos orais de situações mais formais, na verdade está ressaltando a necessidade de ampliar a participação social dos alunos em espaços que se exigem adequações próprias de cada gênero oral. Outro aspecto a ser considerado no MP se refere ao fato de “alguns textos da literatura estrangeira, reconhecidamente bem traduzidos, também foram contemplados” (p.7). A inserção de textos de literatura é de suma relevância para o aprendizado da língua materna, uma vez que, de forma geral, oferecem meios para ampliação das visões e interpretações acerca do mundo e da vida. Entretanto, o MP não explicita se os textos pertencentes à literatura brasileira também foram alvo de representatividade na coleção. Tal aspecto corrobora com Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, quando ressalta que “os textos literários na coletânea 206 são poucos e de autoria pouco representativa.” (p. 255). Ou seja, não encontramos os critérios de escolha dos textos literários que perpassam a coleção nem tampouco observamos discussões acerca de como o trabalho voltado para a literatura brasileira pode possibilitar o desenvolvimento das habilidades dos alunos, oferecendo aos mesmos acesso ao letramento literário, sejam de textos cânones e/ou textos da contemporaneidade. Considerando o que foi discutido nesse item, verificamos que, embora o MP apresente alguns critérios para a seleção dos textos na coletânea, não há uma discussão mais aprofundada e articulada aos eixos de ensino da língua. Assim, parece haver a compreensão de que a diversificação e ampliação do material textual para o aluno seria a garantia do desenvolvimento das habilidades sociodiscursivas diversas dos aprendizes. O pressuposto de se contemplar textos de diferentes gêneros também foi apontado pela BCC-PE, mas não encontramos debates sobre quais gêneros poderiam ser trabalhados em cada ano/série e quais os elementos poderiam ser enfocados. Esse aspecto se aproxima da compreensão da coleção, uma vez que subjaz a ideia de que somente o oferecimento respalda e orienta o professor na escolha do material textual a ser trabalhado. Síntese do capítulo Nesse capítulo, analisamos as concepções de linguagem, texto e gênero no Manual do Professor da Coleção “Porta Aberta”. Verificamos que, nas orientações dadas ao professor, movimentos de conflitos referentes às perspectivas adotadas para o ensino de língua materna, ou seja, ora os fragmentos apontam para uma concepção de linguagem pautada na visão interacionista, ora apresentam indícios que remetem à compreensão de língua como código. Outro aspecto observado foi que o MP da referida coleção nos revela uma compreensão de que os textos se concretizam em diferentes gêneros, remetendo a ideia de que são os objetivos da situação de interlocução que determinam o gênero. Constatamos, ainda, que nos objetivos propostos, há uma ênfase nos aspectos composicionais e em detrimento das dimensões sociodiscursivas. Tais objetivos não provocam reflexões sobre todas as dimensões constitutiva dos gêneros. Por fim, ressaltamos que, diferentemente da BCC-PE, a coleção não apresenta reflexões sobre como o texto se configura como resposta a outros textos e como o gênero textual remete a uma forma relativamente estável de enunciado. Já no que concerne aos princípios didáticos relativos ao ensino de textos/gêneros discursivos que perpassam a obra, os dados nos apontam que há compreensão de que gêneros são importantes no ensino de língua materna, todavia não constatamos orientações mais 207 reflexivas e aprofundadas acerca de como os mesmos poderiam ser alvo de estudos sistemáticos. Outro aspecto destacado pelo MP é que é importante eleger o texto para o desenvolvimento das competências linguísticas e discursivas dos aprendizes. Entretanto, não encontramos indícios na coleção que apontem como os textos orais e escritos seriam alvo de reflexão, sistematização e teorização. Por fim, discutimos as orientações relativas à escolha dos textos. Nessa, verificamos que, diferentemente da BCC-PE, a coleção apresenta apenas dois critérios que nortearam a escolha dos textos para compor os livros. Observamos, ainda, que o MP ressalta que é importante ofertar ao aluno o contato com diferentes gêneros, entretanto, sem maiores discussões sobre a relação desse objeto com os anos/séries e as dimensões que são destacadas nas atividades. 208 Capítulo 8 Os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos contemplados nas atividades da coleção Porta Aberta: dialogando com a BCC-PE Neste capítulo, discutiremos os dados relativos aos saberes e habilidades contemplados nas propostas de atividades presentes nos livros didáticos. Nesse sentido, inicialmente, apresentaremos quais gêneros estão inseridos na coleção. Para mapearmos tais dados, verificamos, em todos os livros da coleção, que gêneros estão sendo alvo de estudos nas propostas de atividades. Posteriormente, apresentaremos um estudo minucioso sobre o tratamento didático dado aos que são intensamente explorados, quais dimensões enfocadas e os saberes relacionados ao objeto de estudo. Por fim, discutiremos os tipos de atividades que o livro apresenta para o trabalho com os gêneros, bem como sua organização e sequência. 8.1 Gêneros inseridos na coleção Ao fazermos um levantamento dos textos presentes nos livros didáticos, constatamos uma grande variedade de gêneros discursivos, a qual foi disposta em forma de tabela para uma melhor visualização e sistematização das ocorrências encontradas: TABELA 1 - Frequência dos gêneros discursivos/textos nos livros dos anos 2, 3, 4 e 5 da coleção “Porta Aberta” GÊNERO LD2 LD3 LD4 LD5 TOTAL texto didático 25 28 20 20 93 tirinha / história em quadrinhos 15 17 22 23 77 resenha de livro 14 12 15 13 54 bilhete 11 18 13 08 50 piada 05 08 10 14 37 conto 08 11 07 07 33 poema 04 06 15 07 32 adivinha 02 06 10 - 18 - 04 07 06 17 verbete 03 03 03 04 13 capa de livro/revista 04 02 04 - 10 propaganda 209 receita - 04 02 03 09 reportagem 02 03 - 03 08 diário 02 02 03 01 08 - - - 08 08 cantiga 03 03 - 02 08 nota de enciclopédia 01 01 01 05 08 cartaz 01 01 02 04 08 notícia 01 01 06 - 08 artigo científico 02 01 02 01 06 fábula 01 01 02 02 06 legenda 05 - - - 05 aviso - 04 - 01 05 placa de trânsito - - - 05 05 carta pessoal 01 01 03 - 05 lista de compras 01 01 02 - 04 ficha catalográfica - 04 - - 04 crônica - - 02 02 04 regras de etiqueta - 02 01 01 04 capa de revista (hq) 03 - - - 03 lista de nomes 01 01 01 - 03 cordel - - 03 - 03 texto didático de livro paradidático - - 02 01 03 quadra - - - 03 03 mapa - - - 03 03 trava-língua 03 - - - 03 biografia 01 - - 02 03 instrução de jogo 02 - - - 02 cruzadinha 01 01 - - 02 cardápio - - 02 - 02 nota biográfica - - - 02 02 carta do leitor - - - 02 02 regra de convivência - 01 01 - 02 09 01 07 08 25 provérbio outros23 TOTAL 23 625 Tratam-se de gêneros que apresentaram apenas 01 ocorrência: resenha de peça teatral, convite, capa de vídeo, sinopse de filme, parlenda, instrução de higiene, trovas, cartão-postal, lista de atividades, letreiro comercial, gráfico, cartum, recibo, relato histórico, curiosidade, paródia, estatuto, infográfico, conselho, comunicado, mensagem de campanha educativa, mensagem de auto-ajuda, mensagem de apelo, entrevista e anúncio. 210 Nesse sentido, verificamos que, de forma geral, há uma predominância de textos didáticos24 (93). Logo em seguida, os que apareceram com maior frequência foram: tirinha / história em quadrinhos (77), resenha de livro (54), bilhete (50), piada (37), conto (33) e poema (32). Sendo assim, constatamos que, conforme fora anunciado no manual para o professor, a coleção, de fato, contempla uma grande variedade de gêneros oriundos de diferentes esferas de circulação social, tais como: literária, publicidade, didático-pedagógico, dentre outras. Entretanto, nem todos são alvos de reflexão mais sistemática, conforme será exposto mais adiante. No que se refere ao trabalho didático com os gêneros na coleção em foco, observamos que, em geral, a diversidade de gêneros apresentada na tabela supracitada contempla os cinco agrupamentos propostos por Schneuwly e Dolz (2004), tal como ilustra o gráfico abaixo: GRÁFICO 1 24 Entendemos por textos didáticos aqueles que foram produzidos pelas próprias autoras da coleção ou que não indicam autoria e suporte e têm como finalidade ensinar algum conteúdo escolar, sem que, para isso, tenha adotado a forma composicional de outros gêneros de circulação social. 211 Como podemos perceber, há, na coleção um quantitativo maior de gêneros da cultura ficcional (27%), tais como conto, tirinha, história em quadrinhos, etc. Em seguida, os que estão voltados à transmissão e construção dos saberes (19%), documentação e memorização das ações humanas (15%), discussão dos problemas sociais controversos (9%) e, por último, instruções e prescrições (3%). Já os gêneros denominados “outros” (27%) são aqueles que não se apresentam nos domínios sociais de comunicação propostos por Schneuwly e Dolz (2004) e estão inseridos na coleção, tais como: convite, capa de vídeo, sinopse de filme, parlenda, trovas, cartão-postal, lista de atividades, letreiro comercial, gráfico, cartum, recibo, curiosidade, paródia, infográfico, conselho, comunicado, mensagem de auto-ajuda, mensagem de apelo, anúncio, poema, propaganda, capa de livro/revista, provérbio, cantiga, legenda, aviso, placa de trânsito, lista de compras, ficha catalográfica, capa de revista (HQ), lista de nomes, cordel, quadras, mapa, trava-língua, cruzadinha e cardápio. Nesse sentido, verificamos que, além dos textos na coleção se apresentarem em gêneros bastante diversificados, estão contemplando agrupamentos distintos. Todavia, vale ressaltar que os gêneros pertencentes à ordem do argumentar e descrever ações são trabalhados com menor incidência. O princípio de oportunizar ao aluno o contato com diferentes gêneros, que é atendido na proposta do livro didático, fora defendido tanto pelo Manual do Professor da coleção quanto pela BCC-PE. No primeiro, constatamos que esse aspecto é ressaltado na apresentação dos critérios para escolha dos textos da coleção. Entretanto, é pouco discutido nos eixos de ensino e, portanto, não apresenta orientações de como esse objeto de ensino pode ser enfocado ao longo da coleção. Verificamos que a BCC-PE também elege como fundamento a diversidade de gêneros. Tal reflexão é indicada nos pressupostos teóricos do documento e/ou através de citações de gêneros que circulam nos diferentes meios sociais. No entanto, não observamos maiores problematizações sobre como os gêneros poderiam estar relacionados às competências propostas ou, então, quais dimensões a serem enfocadas a cada ano/série de forma a oportunizar ao aprendiz a como transitar entre as diversas funções dos gêneros, ou seja, se apropriar das dimensões dos gêneros e fazer usos dos mesmos de acordo com as intenções sociocomunicativas. No tratamento didático dado aos gêneros na coleção, veremos que não existe uma relação linear entre quantitativo e características exploradas, ou seja, nem sempre os gêneros que são mais frequentes são os mais enfocados de forma sistemática. Nesse sentido, 212 observamos, por exemplo, que os gêneros da esfera literária são os mais explorados didaticamente nos livros didáticos da coleção, em especial, o poema e o conto. Este último pertencente à ordem do narrar. Outros gêneros dessa mesma ordem, tais como a piada e a adivinha, apesar de apresentarem uma ocorrência significativa nos livros, não são alvo de um estudo mais sistemático. A seguir, serão esmiuçados alguns aspectos relacionados ao trabalho didático com os gêneros mais enfocados na coleção analisada. . 8.2. Gêneros que são mais intensamente explorados Como já vimos no item anterior, o material textual da coleção é bastante diversificado e contempla várias esferas de circulação. Por outro lado, nem todos os gêneros são alvo de discussões mais sistemáticas. Ou seja, embora o Manual do Professor não anuncie quais gêneros serão escolhidos para maiores reflexões, como vimos no capítulo 7, as atividades propostas nos LD nos mostram quais são os gêneros explorados de forma mais intensa. O fato de serem considerados os mais explorados na coleção não corrobora com a afirmação de que todas as dimensões dos gêneros são ressaltadas. Em outros termos, as características enfocadas nas atividades com os gêneros são variadas e dependem dos objetivos propostos pelas autoras. Sendo assim, para identificarmos os que são fortemente explorados, utilizamos as seguintes estratégias de apresentação das reflexões: (a) análise da frequência nos quatros livros da coleção e (b) apresentação e análise de, pelo menos, duas sequências de atividades com questões em torno do gênero. Como foi dito anteriormente, os gêneros que apareceram com maior freqüência na coleção foram texto didático, tirinha / história em quadrinhos, resenha, bilhete, piada, conto e poema. No entanto, textos representativos de alguns desses gêneros não são acompanhados de atividades que possam ser analisadas. As resenhas de livros, por exemplo, embora tenham presença significativa na coleção (54), não são alvos de atividades. Tal gênero está localizado na seção “Você leu” e não vem acompanhado de questões para serem respondidas. Com isso, parece que a inserção da resenhas de livros tenha se dado para estimular a leitura de determinados livros que tem relação com a temática e/ou conteúdo abordado pelo texto principal da unidade, o que é uma proposta interessante, mas não será analisada nesta pesquisa. Já as piadas, que também possuem representatividade na coleção, são utilizadas, em geral, para entretenimento e, de forma mais expressiva, em atividades de pontuação, 213 gramática, ortografia. Tal aspecto foi observado no parecer disponibilizado no Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, o qual destaca que: em todos os volumes, cada unidade apresenta de um a dois textos para o trabalho com a leitura, além de outros textos (na sua maioria tirinhas, piadas e bilhetes) utilizados para as atividades de exploração da gramática e da ortografia.” (BRASIL, 2006, p.251). Nesta pesquisa, tratamos conjuntamente os gêneros tirinhas e histórias em quadrinhos, em decorrência das inúmeras semelhanças entre eles e pelo fato de que muitas tirinhas são usadas apenas para entretenimento ou material para estudo de conteúdos gramaticais sem relação com as dimensões sociointerativas dos textos, mas outros textos desses gêneros serem objeto de reflexão de aspectos sociodiscursivos. Nesse sentido, com os critérios acima discutidos, destacamos que os gêneros/textos mais explorados na coleção em relação aos sentidos produzidos e reflexões sobre suas características sociodiscursivas foram: texto didático (93), história em quadrinhos / tirinhas (77), bilhete (50), conto (33) e poema (32), que serão tratados mais detalhadamente no tópico a seguir. 8.2.1 TEXTO DIDÁTICO Na análise da coleção, percebemos uma presença significativa de textos didáticos, sendo apresentados da seguinte forma nos volumes da coleção: ano 2 (25), Ano 3 (28), Ano 4 (20) e Ano 5 (20). Como já foi dito, estamos nomeando de textos didáticos aqueles que foram produzidos pelas próprias autoras da coleção ou que não indicam autoria e suporte e têm como finalidade ensinar algum conteúdo escolar, sem que, para isso, tenha adotado a forma composicional de outros gêneros de circulação social. Esses textos são explorados nas seções de “Caligrafia”, “Gramática”, “Só pra lembrar”, “Com que letra” e “Lição para casa”, e, em menor frequência, na seção “Fique sabendo”. São utilizados, principalmente, em atividade que exploram ortografia, gramática, paragrafação, pontuação e/ou aprimoramento dos traçados das letras. Nessa perspectiva, as atividades propostas em torno de um texto didático, geralmente, não proporcionam aos aprendizes reflexões mais sistemáticas do que está sendo abordado. Os comandos, via de regra, não problematizam o conhecimento, pois solicitam dos estudantes que realizem ações como: “completar”, “retirar”, “copiar”. Vejamos o caso abaixo: 214 Figura 1 (Ano 3, p.292) Os textos fornecem informações sobre dois animais e sobre alimentação. Como vemos, os textos acima expõem dados referentes ao universo animal apresentando um conteúdo escolar. A atividade proposta, no entanto, não explora o conteúdo textual. O foco é o trabalho com ortografia. Constatamos que a atividade acima tem como objetivo proporcionar aos alunos aprendizagem sobre o emprego da letra “o” ou “u” a partir do comando para completar palavras. Embora a atividade possa promover boas discussões sobre as regularidades do emprego dessas letras, não há, no livro, orientações que estimulem reflexões sobre a norma ortográfica. Isso poderia ser feito com base em propostas em que os estudantes precisassem formular hipóteses sobre as regras que poderiam ser usadas para que decidissem sobre qual letra utilizar. Embora o manual do professor insira uma discussão sobre regularidades e irregularidades da grafia e apresente algumas exemplificações, não observamos orientações que discutam a necessidade dos alunos formularem suas hipóteses para confrontá-las e, posteriormente, sistematizá-las. Os exercícios de ortografia, segundo o próprio Manual, 215 “objetivam levar ao aluno a descobrir e assimilar os mecanismos que estão na base do sistema ortográfico da língua.” (p.11) Encontramos também textos didáticos que são empregados para retirar unidades para análise isolada e identificar conteúdos gramaticais e/ou ortográficos, tal como vemos abaixo: Figura 2 (Ano 5, p. 240) O texto ensina as crianças que é necessário respeitar as pessoas e valorizar a diversidade. Sendo assim, parece ter como finalidade a sensibilização para a convivência social. No entanto, ele não é objeto de discussão. Na atividade acima, o texto se configura como unidade decorativa, uma vez que verificamos a remoção de uma palavra para ajudar na explicação da diferença entre “mal” e “mau”. Ou seja, o texto didático é usado como pretexto para estudo do emprego de “mal e mau”. Em outras atividades, o texto didático é utilizado para a aprendizagem da paragrafação, tal como vemos abaixo: 216 Figura 3 (Ano 3, p.174) O texto, como os demais textos classificados como didáticos, não tem autoria e tem função informativa. Trata de um animal, fornecendo informações sobre ele, tal como outros textos da esfera escolar. Mais uma vez, ele é usado para o ensino de conteúdos do eixo de análise linguística. Nessa atividade já é apresentado um comando que oferece pistas ao aluno para dividir o texto em parágrafos. Ressaltamos, ainda, que as estratégias de paragrafação estão explícitas no próprio comando, o que não favorece uma reflexão sobre a utilização de parágrafos no texto, bem como sua relação com a unidade de sentido. A presença de atividades fragmentadas e descontextualizadas em torno dos textos didáticos é marcante na coleção. Vejamos outro exemplo: 217 Figura 4 (Ano 5, p.266) Conforme vemos acima, é outro texto didático que também trata do mundo animal, ensinando sobre características do bicho em foco. Mais uma vez, é utilizado para o ensino de conteúdos do eixo de análise linguística. Os objetivos dessa atividade consistem na identificação dos dígrafos nas palavras previamente destacadas no texto e a separação silábica dos mesmos. O texto, por sua vez, não é tratado quanto ao seu propósito sociocomunicativo. Como os textos discutidos nesse item não apresentam indicações de suporte e/ou autoria, a abordagem das considerações de produção é inexistente. Observamos outros textos didáticos que versam sobre o universo animal em atividade de pontuação, tal como vemos a seguir: 218 Figura 5 (Ano 4, p.266) Nos textos acima não são indicados autoria e/ou suporte. Ambos abordam a temática de animais, sendo o primeiro destinado a descrever as características de um pastor alemão e o segundo a destacar raças de cães que precisam de cuidados com a pelagem. A questão proposta a partir dos textos não remete a seu conteúdo, mas sim a inserção de pontuação e vírgula nos locais nas quais foram retirados. Desvela-se, portanto, a compreensão dos autores da coleção de que textos dessa natureza devem ser utilizados para atividades sem reflexão sobre os usos dos sinais de pontuação e vírgula. Dentre as atividades propostas para os textos didáticos, podemos encontrar, ainda, aquelas que discutem a relação entre fala e escrita, como o exemplo abaixo: 219 Figura 6 (Ano 4, p.285) O texto que mais uma vez é apresentado sem indicação de autoria, ensina sobre reações químicas, explicando como a cola gruda os objetos. Esse tema não é tratado na questão relativa ao texto. O propósito de inserir o texto é abordar “diferenças” entre fala e escrita. Tal como vemos na atividade acima, o aluno não é levado, de fato, a refletir sobre as interfaces fala e escrita, bem como características, usos e peculiaridades de cada modalidade. Nessa atividade, parece também haver a ideia de que as marcas da oralidade contaminam o texto escrito, e, por isso, devem ser eliminadas e/ou substituídas por palavras ou expressões típicas da modalidade escrita. Sendo assim, desconsidera as condições de produção e efeitos pretendidos no texto. Em menor frequência, podemos encontrar também textos didáticos inseridos no livro para realmente apresentar alguma informação e não apenas como pretexto para uma atividade de análise linguística. Vejamos a seguir: 220 Figura 7 (Ano 5, p.58) Como observamos acima, a própria seção indica que o texto abordará alguma informação, no caso acima, a respeito da distribuição e devastação da Mata Atlântica no território brasileiro. Os textos didáticos, localizados nessa seção, assumem como finalidade principal fornecer conhecimentos de uma forma geral sobre uma temática do capítulo em estudo. O próprio título da seção (Fique sabendo) já evidencia tal propósito. No entanto, o texto não é objeto de exploração por meio de questionamento ou estímulo a outras atividades. É inserido como um texto complementar. Dado o que foi discutido nesse item, constatamos que os textos didáticos são, em sua maioria, voltados para o estudo de conteúdos do eixo de análise linguística, mais especificamente, para o estudo de ortografia, pontuação, paragrafação. As atividades, por sua vez, levam os estudantes a identificar fatos linguísticos sem necessariamente proporcionar reflexões sobre os usos. Na maior parte dos casos, os textos são pretextos para a inclusão dos conteúdos, sem haver relação entre os recursos linguísticos em análise e os efeitos de sentido dos textos. Parece haver a compreensão que tais textos se prestam para a realização de atividades voltadas a determinados conteúdos de língua portuguesa, não havendo, portanto, uma 221 preocupação em explorá-los para desenvolver outras habilidades, como, por exemplo, o desenvolvimento de estratégias de leitura. Outro aspecto a ser ressaltado é o fato das atividades com os textos didáticos partirem do princípio de localizar, retirar e/ou copiar sem oferecer oportunidades dos aprendizes lançarem mão de suas hipóteses e confrontá-las, sendo recorrente a ausência de problematizações do que está sendo abordado. Verificamos que, embora os textos didáticos sejam representativos na coleção, o manual do professor não faz menções a esse material. Tal aspecto também é observado na BCC-PE, na qual não observamos referências a esses textos para o trabalho com a língua materna. Podemos destacar também que há diferenças marcantes entre as orientações na BCCPE acerca do trabalho com gramática e os tipos de atividades presentes nos livros, sobretudo, os que são propostos com base nos textos didáticos. 8.2.2 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS / TIRINHAS Como foi dito anteriormente, muitas tirinhas são inseridas na coleção apenas como pretexto para atividades relativas a conteúdos gramaticais. No entanto, as histórias em quadrinhos são exploradas de um modo mais variado. Esses dois gêneros estão distribuídos da seguinte forma: ano 2 (15), ano 3 (17), ano 4 (22) e ano 5 (23). Como podemos perceber, o gênero em foco é apresentado de forma equilibrada ao longo dos quatros livros. Em relação a sua disposição nas seções do livro, constatamos que a HQ se encontra de forma menos expressiva no tópico principal da unidade e em maior frequência nas seções destinadas a produção, na comparação entre textos, gramática e lição para casa. Já as tirinhas, estão distribuídas nas seções de entretenimento, gramática, caligrafia, e ortografia. Na análise das atividades, constatamos que são oferecidos aos alunos poucos momentos de reflexão acerca das tirinhas e histórias em quadrinhos. Em outros termos, geralmente, o enfoque dado ao trabalho com o mesmo não se volta para exploração de suas características, mas sim para elementos como pontuação ou gramática: 222 Figura 8 Figura 9 (Ano 3 , p. 121) (Ano 3 , p. 265) Nesse sentido, ressaltamos que é no livro do Ano 2 que tal o gênero é mais explorado, sendo distribuído nas atividade de leitura e compreensão, de produção de textos, gramática e comparação entre textos. Como podemos verificar, tais gêneros não são abordados de forma sistemática e progressiva ao longo dos quatro livros da coleção, não oportunizando “domínio” do gênero “correspondente à prática de linguagem para que, assim instrumentado, o aluno possa responder às exigências comunicativas com as quais é confrontado”. (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p.79) Dentre as poucas atividades que propõem estudo mais sistemático, ressaltamos o estudo em torno da HQ intitulada “O que fazer com tantas tábuas?” (Ano 2, p. 68 a 73). Vejamos: 223 Figura 10 Figura 11 (Ano 2 , p. 68) (Ano 2 , p. 69) Figura 12 (Ano 2 , p. 69) Na HQ acima, verificamos a preocupação das autoras em conservar as características gráficas-editorias. Como observamos, a HQ narra um episódio em que Cebolinha e Cascão 224 trocam ideias para decidirem quais objetos poderiam fazer com tábuas. Carrinho, navio pirata, foguete, casa na árvore, etc. foram algumas das sugestões dos dois personagens que acabam discutindo para definir qual objeto montar. Após o debate, verificaram que o mais importante a fazer com as tábuas era servir de suporte para que uma deficiente física pudesse circular. Observamos que, antes da apresentação do HQ, é orientado ao professor que explore com os alunos as revistas em quadrinhos observando “os tipos de balões utilizados (fala, pensamento, grito, cochicho, etc) e os recursos usados para transmitir ao leitor ideia do que está acontecendo nas cenas” (p.68). Também é destacada ao professor a necessidade de acompanhar a leitura do texto com o aluno, chamando a atenção para as expressões dos personagens na história. Logo após a exposição da HQ, as autoras sugerem ao professor perguntar aos alunos, como seria possível compreender a história, se não aparece nenhuma palavra escrita. Tal questão chama a atenção para os a compreensão do texto por meio da sequência de imagens nos quadros e dos recursos visuais utilizados pelo autor. Como podemos perceber acima, nas sugestões ao professor, os aspectos ressaltados pela autora se voltam para as características composicionais do gênero, ou seja, se voltam para a identificação dos recursos gráficos, elementos não-verbais e a composição da história em quadros. Depois da leitura da história em quadrinhos, o aluno é convidado a responder questões que se remetem à compreensão do texto. Dentre elas, ressaltamos as que, de forma mais específica, retomam as características estruturais do gênero e ao suporte. Vejamos abaixo: Figura 13 (Ano 2, p. 71) Podemos perceber que os objetivos da primeira questão se voltam para apresentar o nome gênero (O texto que você leu é uma história em quadrinhos) e para mobilizar 225 conhecimentos referentes à forma composicional e recursos notacionais da HQ, destacando a relação de como a história é contada e seus elementos não-verbais. Existe, na questão, uma indicação de que a coleção está preocupada em oferecer ao aluno a oportunidade de diferenciar a estrutura desse gênero quando comparado a outros. Ainda nessa atividade, é proposta ao aluno uma pergunta referente ao suporte: Figura 14 (Ano 2, p. 71) Como vemos, os alunos terão que identificar os elementos que explicitam de onde foi retirada a história e associar à capa da revista. Nessa perspectiva, tal questão remete ao suporte da HQ mobilizando conhecimentos relacionados ao gênero nos mais variados contextos de circulação. Já a questão 6, letras “a, b e c”, destaca um elemento característico dos quadrinhos que é o tipo de balão: Figura 15 (Ano 2, p. 71) Para essa questão, é orientado ao professor a relevância de explicar os tipos de balões que podem ser encontrados nas HQ e qual a sua finalidade dentro da história. No caso acima, 226 os balões típicos para representar a fala e o pensamento. Trata-se de ressaltar a habilidade de reconhecer as diferenças nos formatos dos balões e compreender que o formato de tais recursos depende do que se deseja expressar. Já em relação aos recursos visuais, encontramos duas questões que se remetem a tal aspecto. São elas: Figura 16 (Ano 2, p. 72) Nessas, percebemos que a atenção voltada para os recursos para os elementos nãoverbais, no caso a utilização dos gestos e seus significados na HQ (7. Observe o 4º quadrinho e escreva os significados que têm o gesto com o dedo e a expressão do Cascão e 8. Observe a expressão do menino e marque o que ele está sentindo.). Ou seja, os conhecimentos mobilizados giram em torno da percepção da movimentação sugeridas por meio dos gestos e expressões dos personagens. Tais aspectos são relevantes, uma vez que contribuem para o entendimento tanto do conteúdo que está sendo abordado, como das características peculiares às HQ. Por fim, nessa atividade são propostas perguntas de localização de informação (9/a. Afinal, o que Cascão e Cebolinha resolveram fazer com as tábuas?) e emissão de opinião (9/b. Você achou o final da história interessante? Por quê?). Nem sempre os recursos não-verbais, características do gênero em foco, são alvo de reflexão nas atividades. Nesse sentido, citamos a proposta de produção no livro 3, p. 197 a 199, na qual os alunos são convidados a refletir sobre os tipos de balões e a sequência da narrativa. Vejamos abaixo: 227 Figura 17 (Ano 3, p. 197) Conforme observamos, nessa atividade o aluno é convidado a completar a história “Mingau em: O guardião”. Verificamos que o comando de produção destaca a realização da leitura do começo e o fim da história para completar as ações do gato. Observamos que é orientado ao professor realizar considerações sobre a esfera de circulação do gênero, ou seja, chama a atenção para a relevância de o aluno entrar o contato com vários gibis para utilizá-los como „modelos‟ na criação das histórias. Logo após o comando da atividade, é explicitada ao aluno a necessidade de utilizar os balões de fala, grito e pensamento, ressaltando os elementos composicionais do gênero. Ou seja, há uma preocupação para que o aluno insira tais elementos no momento de completar a história em quadrinhos. Com isso, observamos que o enfoque nessa atividade se remete à compreensão de que os alunos mobilizem conhecimentos sobre os tipos de balões a serem inseridos na história. Observamos, ainda, a preocupação em manter a sequência dos fatos da narrativa. (Os fatos que você vai criar precisam combinar com o início e final da história.) Já em outras propostas, como no caso do estudo “A formação da chuva” (Ano 2, p. 241-242), o gênero HQ é explorado através de perguntas que remetem à interpretação do conteúdo abordado, de forma mais específica, à associação das imagens com o texto. Essa atividade está inserida na unidade 15, na seção “Outro texto”. O texto principal dessa unidade é um conto, “Elefantes”, que narra a situação de um aluno, que no primeiro dia de aula teve 228 vontade de fazer xixi durante a explicação da professora sobre os elefantes. Como a professora não o deixou sair, terminou fazendo xixi na sala. O conteúdo da HQ “A formação da chuva” é semelhante ao do texto principal da unidade. Vejamos: Figura 18 (Ano 2, p. 241) Como podemos observar, não verificamos indicações de suporte e autoria. Com um conteúdo semelhante ao texto principal da unidade o qual está inserido, a HQ também narra a situação de um aluno que quer ir ao banheiro durante a explicação da professora sobre a formação da chuva. Como é impedido de ir, termina fazendo xixi no chão da sala. Dada a semelhança com o conto do texto principal da unidade e a não indicação dos elementos de circulação, destacamos a possibilidade da HQ ter sido elaborado para o LD da coleção. Os tipos de desenho também remetem à possibilidade de que o texto não tenha sido produzido para circular em outros suportes textuais. Nessa atividade, é proposta ao aluno a seguinte questão: 229 Figura 19 (Ano 2, p. 242) Como podemos observar, a questão não se remete ao gênero, uma vez que o conhecimento envolvido é a interpretação do conteúdo que está sendo abordado na HQ. Ou seja, o aluno deverá associar o conteúdo sobre a formação da chuva com as imagens apresentadas nos balões. Em seguida, é apresentada a seguinte pergunta: Figura 20 (Ano 2, p. 242) Nessa, cabe aos alunos não só identificar os tipos de balões, mas também mobilizar conhecimentos que remetem à interpretação da imagem e registro através da escrita. Portanto, não se refere diretamente ao gênero HQ. Observamos que para essa atividade é orientado ao professor que as questões servem para verificar a compreensão dos alunos em relação às imagens e para ajudá-los na produção. Nessa atividade, há uma preocupação em destacar aos alunos as diferenças entre uma passagem da história que é narrada por imagens e por escrito. Essa hipótese pode ser vista 230 quando, na atividade seguinte, é proposta uma comparação entre textos na página 243 (conto e HQ). Nessa, o aluno terá que comparar as semelhanças e diferenças, chamando a atenção tanto sobre o conteúdo de ambos quanto a composição dos textos. Dessa forma, a interpretação do conteúdo das imagens da HQ “A formação da chuva” (questão 1), a forma como escrever o que está sendo apresentado no balão com palavras (questão 2) e a atividade de comparação de textos seriam os suportes para que aos alunos recontem a história com palavras, na seção de Produção (pág. 244). Portanto, o objetivo do trabalho didático com a HQ “A formação da chuva” não é destacar as dimensões constitutivas do gênero, mas sim trabalhar alguns de seus recursos para mobilizar conhecimentos referentes a como se transformar a história em quadrinhos em texto em prosa A partir do que foi discutido acima, percebemos que as dimensões do gênero destacadas nas atividades remetem aos aspectos de circulação, elementos não-verbais (expressões e gestos) e/ou características composicionais. Todavia, ressaltamos que a coleção oferece poucas atividades, ao longo dos LDs, para que os alunos sistematizem conhecimentos referentes aos elementos constitutivos das histórias em quadrinhos. Destacamos, ainda, que não encontramos questões que problematizem como o uso da linguagem oral e visual possui semelhante relevância e como a linguagem falada se atrela à escrita na composição das histórias em quadrinhos. Partindo da compreensão bakhtiniana, podemos considerar que as HQ, como gêneros discursivos secundários, incorporam os gêneros primários devido à extrema relação com as situações de comunicação verbal espontânea. Sendo assim, dependendo do enredo desenvolvido, as histórias em quadrinhos se aproximam da conversação face a face por intermédio da palavra escrita. Nesse sentido, as atividades propostas também poderiam contemplar discussões mais aprofundadas sobre como a utilização dos recursos não-visuais (gestos, expressões faciais e corporais) ajuda a tecer as características das HQ. Em relação ao gênero em foco, corroboramos com Mendonça (2002) quando sugere que: A análise específica do gênero – sua constituição, formas de circulação, subtipos – também podem ser objeto de trabalho na escola. No ensino fundamental, estudar os elementos icônicos como a forma e contorno dos balões [...], os sinais usados no lugar das letras [...], a disposição do texto [...], por exemplo, e a relação disso tudo com a produção de sentido e com as peculiaridade do gênero constitui, sem dúvida, material rico para o entendimento dos múltiplos usos da linguagem dos HQs. (p.204) 231 Em relação à BCC-PE, constatamos que o gênero HQ é citado quando se apresenta o princípio de se trabalhar com a diversidade de gêneros que circulam socialmente. Todavia, não observamos competências nos diversos eixos de ensino direcionadas à exploração do gênero em foco. No entanto, mais uma vez, há um descompasso em relação aos princípios da BCC-PE, dado que as tirinhas e histórias em quadrinhos são usadas, na maior parte das vezes, como pretexto para o estudo de conteúdos gramaticais sem reflexões sobre os efeitos de sentido dos recursos linguísticos. Portanto, tal compreensão de afasta dos fundamentos sociointeracionistas do referido documento. 8.2.3. BILHETE No que concerne ao gênero bilhete, constatamos que existe uma preocupação das autoras em apresentá-lo nos quatro volumes da coleção: Ano 2 (08), Ano 3 (15), Ano 4 (11) e Ano 5 (07), com maior incidência nos anos 3 e 4. Em geral, os bilhetes explorados na coleção são apresentados em caixas ou reproduções de folhas e com formato de letra cursiva. Tais aspectos podem representar uma tentativa da coleção em oferecer pistas acerca do suporte do gênero e esferas de circulação. Ou seja, ao reproduzir os bilhetes em formatos de papel nos quais, geralmente, são escritos os bilhetes, parece simular que foram retirados de situações reais de interlocução. Em relação a sua distribuição por seções no livro, constatamos que o bilhete é explorado, de forma menos expressiva, nas atividades de estudo do texto e produção e, mais frequentemente, em propostas voltadas para caligrafia, gramática, acentuação, separação de sílabas e ortografia, tal como vemos abaixo: 232 Figura 21 (Ano 3, p.39) Figura 23 ( Ano 2, p. 286) Figura 22 ( Ano 4, p.67) Figura 24 ( p.239 , Ano 5) Embora a coleção apresente vários exemplares do gênero em questão, constatamos que, nos Anos 4 e 5, não são apresentadas atividades sequenciadas com o bilhete e, nos Anos 1 e 3, apenas duas propostas o abordam de forma mais sistemática. Tal dado nos sugere uma compreensão de que o bilhete não precisa ser alvo de reflexão em todos os volumes da 233 coleção, pois se trata de um gênero que supostamente apresenta estrutura mais simples e de fácil apropriação por parte dos alunos. Na análise das atividades, observamos exploração dos seus aspectos composicionais e sociodiscursivos, como no caso do estudo da página 155, Ano 3. Vejamos abaixo: Figura 25 (Ano 3, p. 155) No bilhete acima, além de repreender o filho em relação à organização do quarto, a mãe deixa o recado para o filho arrumar o quarto. Observamos também que a disposição do texto na folha de papel destaca suas características canônicas (destinatário, assunto, despedida e remetente). Além da apresentação visual das características clássicas do gênero em foco, verificamos que a utilização da letra cursiva e a distribuição do conteúdo verbal numa folha colorida e com desenhos pode oferecer ao aluno indícios de que o bilhete foi retirado de uma situação real de circulação. Ao indicar o comando “Leia a mensagem abaixo”, verificamos que o aluno é convidado, inicialmente, a perceber a diagramação espacial do bilhete e seus elementos constitutivos através de setas e marcações na lateral do gênero em foco. Nesse sentido, as indicações para os alunos remetem aos elementos sociodiscursivos (“pessoa para quem foi 234 escrito o bilhete” e “pessoa que escreveu o bilhete”) e composicionais (mensagem, data e a despedida). Em seguida, apresentadas questões que mobilizam a identificação do gênero (a. Qual o nome desse tipo de mensagem?), finalidade (b. Qual foi a intenção do remetente ao escrevêlo?), linguagem utilizada (c. Nos bilhetes, as mensagens são curtas ou longas?), situação de produção (d. Em que situações do cotidiano os bilhetes são produzidos?) e situação de circulação (e. Como um bilhete pode ser entregue?). Em suma, as questões propostas mobilizam conhecimentos relacionados ao uso de mensagens curtas, à necessidade de utilizar o gênero para emitir mensagens rápidas e a forma de circulação do mesmo. Na sequência da atividade, verificamos a exploração de outro bilhete com a finalidade de comparar semelhanças e diferenças entre os mesmos. Nesse sentido, é solicitado ao aluno a leitura de outro exemplar com as respectivas perguntas: Figura 26 (Ano 3 , p. 156) Como verificamos, a disposição do conteúdo verbal retoma as características do bilhete (destinatário, assunto, remetente). O assunto abordado, provavelmente, dar-se-á numa situação empresarial, na qual um funcionário convida o outro para conversar. Tais elementos 235 são percebidos através das pistas de variação de registro (Senhor Agenor, atenciosamente) e pelo assunto abordado (proposta de redução de gastos da empresa). Verificamos, ainda, a utilização de letra de imprensa, ao invés de cursiva, o que seria um pouco provável em situações de usos. Como observamos, o bilhete apresentado ao aluno se diferencia do outro, da página 155, principalmente pela utilização de uma linguagem mais formal. O comando “Agora compare os bilhetes A e B”, indica o objetivo da atividade que é identificar as semelhanças e diferenças entre os mesmos. Portanto, nessa atividade os alunos são convidados a identificar a estrutura do gênero (a. Quais são as semelhanças entre os bilhetes?), comparação entre a linguagem formal e informal (b. A linguagem dos bilhetes é a mesma?), o distanciamento entre remetente e interlocutor (c. No bilhete B, que palavras mostram que Adenor e André não são íntimos?) e a utilização do registro formal ou informal, de acordo com a relação entre o remetente e destinatário (d. No bilhete A, a despedida poderia ser “Atenciosamente”? Por quê?; No bilhete B,o destinatário poderia ser Gegê?). Em geral, verificamos que nessa atividade o aluno terá que mobilizar o conhecimento sobre a estrutura do bilhete, ou seja, identificar os aspectos composicionais (destinatário, mensagem, despedida, remetente e data). Percebemos também perguntas que suscitam reflexões sobre a linguagem utilizada em função do destinatário. Em outros termos, como não existe intimidade entre destinatário e remetente, a linguagem usada é mais formal, diferentemente da informalidade presente no bilhete apresentado na página 155. Embora verifiquemos que um dos objetivos da atividade é discutir as diferenças de registro nos bilhetes apresentados, de acordo com grau de distanciamento entre os interlocutores, a atividade da página 156 se torna emblemática por não ter explorado a situação de produção e circulação do bilhete. Ou seja, além de não ser apresentado ao aluno nenhum comentário para contextualizar a produção do bilhete, verificamos a adulteração de suas características socioculturais, uma vez que se trata de uma simulação de que o mesmo fora produzido dentro de uma determinada empresa. Em outras propostas, como a encontrada no livro do Ano 3 (p. 155), também são explorados os elementos estruturais do bilhete. Na proposta abaixo, antes dos alunos produzirem um bilhete, as autoras exploram alguns de seus aspectos, tal como observamos abaixo: 236 Figura 27 (Ano 2 , p. 104) Conforme vemos, o primeiro bilhete não é indicado o destinatário, o remetente e parte do assunto para que os alunos completem as sentenças. Como o assunto abordado remete a possibilidade de uma pessoa ir à casa da outra para pegar o objeto emprestado, o registro da data é algo essencial. Com isso, verificamos que o objetivo dessa atividade é chamar a atenção para importância do registro da data no bilhete. Dada a artificialidade do bilhete, a fragmentação e a característica de completar sentenças o aluno não é mobilizado a refletir sobre os elementos de circulação e produção. Na sequência, é apresentado ao aluno outro bilhete. Nesse, inicialmente, é apresentada ao aluno uma contextualização referente à situação de produção do mesmo (2. Para arrecadar jornais e revistas que serão usados nas aulas, alunos do 2º ano escreveram bilhetes para os seus pais.). Logo em seguida, o aluno é convidado a responder as seguintes questões. Vejamos: 237 Figura 28 (Ano 2 , p. 104 e 105) A partir das questões a serem respondidas oralmente pelos alunos, mais uma vez são destacadas as características canônicas do bilhete: destinatário (Para quem foi escrito o bilhete?), remetente (Quem está enviando o bilhete?), assunto (Qual é o assunto abordado?) e a data (Qual é a data do bilhete?). Segundo as orientações dadas ao professor, os aspectos ressaltados a partir das questões acima oferecem um roteiro que destaca a estrutura do bilhete e sua apropriação por parte dos alunos. Verificamos, ainda, que as autoras ressaltam a necessidade de se aproveitar os eventos da escola para produzir bilhetes com interlocutores reais. Portanto, na exploração das questões, há uma preocupação de que o aluno precisa se apropriar da estrutura do bilhete para produzi-lo. Em outros termos, é oferecido aos alunos um “modelo” através do roteiro explorado na atividade para, posteriormente, subsidiar a produção do gênero em questão. Já no comando da produção de texto, verificamos a preocupação em proporcionar ao aluno uma contextualização do que será produzido, ou seja, o convite para fazer a salada de fruta seria a finalidade pela qual os alunos iriam produzir um bilhete solicitando aos pais ou responsáveis uma fruta. Trata-se de uma tentativa de criar uma situação real de comunicação, destacando a dimensão funcional do gênero. Nesse sentido, o comando indica para quem se 238 destina (pais ou responsáveis), o assunto a ser escrito (solicitar uma fruta para a salada) e a situação de circulação (Copie numa folha em uma folha à parte e entregue-o a quem você escreveu.) Em geral, essa atividade ressalta tanto os elementos composicionais (nome do remetente, data, mensagem, despedida) quanto sociodiscursivos (para quem se destina). Com base no que foi abordado nesse item, verificamos que as atividades da coleção ao gênero bilhete são abordadas através da exploração de suas dimensões composicionais e elementos sociodiscursivos. Contudo, nem sempre as atividades propostas são contextualizadas, sendo reincidente a preocupação para que os alunos se apropriem das características prototípicas do gênero em questão. Além disso, há predominância de atividades voltadas para o trabalho com conteúdos gramaticais, sem relacionar tais conteúdos aos efeitos de sentido pretendidos no texto ou aspectos relativos ao estilo do gênero. Nos objetivos propostos no MP, como já vimos nesse trabalho, constatamos que há uma preocupação das autoras em ressaltar o desenvolvimento de habilidades voltadas para as dimensões composicionais (Identificar as características de um bilhete, perceber sua estrutura e compreende o que é um bilhete) quanto para elementos sociodiscursivos (Refletir sobre a utilidade de bilhetes), evidenciando atendimento aos pressupostos explicitados no documento. Já em relação à BCC-PE, percebemos que o bilhete é citado como exemplificação de gênero a ser trabalhado no ensino de língua materna e, de forma mais específica, em uma competência no eixo da produção textual. Nessa, a habilidade a ser ressaltada refere à dimensão composicional: a adequação aos modos típicos de organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes gêneros de texto (pág. 94). Tal compreensão se aproxima dos objetivos didáticos da coleção com o gênero em foco, visto que verificamos que, em muitas atividades, há uma preocupação com os elementos estruturais. No entanto, mais uma vez, há um distanciamento entre os livros didáticos e o documento curricular, dado que a ênfase nos conteúdos gramaticais descontextualizados dos propósitos comunicativos também é verificada no trabalho com os textos deste gênero nos livros e “desaconselhada” na BCC-PE. 8. 2.4 CONTO Em relação ao gênero conto, constatamos que é explorado com frequência e distribuído de forma equilibrada nos quatros livro da coleção: ano 2 (08), ano 3 (09), ano 4 (07) e ano 5 (07). Em relação a sua disposição nas seções do livro, geralmente, o mesmo está localizado na parte de destaque da unidade, ou seja, se configura como texto de abertura 239 relacionado às atividades de leitura e compreensão de textos. Percebemos, ainda, que são de autores diversos e somente 06 (seis) são apresentados na íntegra. No Manual do Professor não encontramos orientações e nem discussões sobre as implicações de se trabalhar com fragmentos de textos e/ou o cuidado com a preservação da unidade de sentido dos textos quando são submetidos a supressões de determinados trechos. Já a BCC-PE, quando aponta a necessidade de se trabalhar com uma diversidade de textos, destaca a possibilidade de se trabalhar com trechos de determinados gêneros de textos. Tal orientação poderia vir acompanhada de maiores discussões, uma vez que o trabalho com “fragmentos de trechos” dificulta a formação do leitor, principalmente quando este não vem acompanhado de orientações aos professores sobre a necessidade de incitar os alunos a lerem a obra. Nesse sentido, a “autorização” de se trabalhar com trechos sem maiores reflexões sobre as possíveis implicações e a ausência de sugestões acerca do papel mediador docente no processo de leitura pode não contribuir para despertar o interesse dos aprendizes para leitura da obra em sua totalidade, o que, por conseguinte, dificulta a formação do leitor crítico. Na coleção analisada, apenas seis contos foram apresentados integralmente, dentre os 31 contos inseridos nos livros. Esta prática pode, realmente, distanciar os estudantes da leitura de textos, pois os fragmentos, sobretudo, dos textos literários corrompe muitos dos sentidos pretendidos pelos autores. Cafiero e Santos (2009), ressalta que, dentre outros fatores, a apresentação de textos integrais, mesmo que longo podem contribuir para formação do leitor literário. No que se refere à indicação do nome do gênero “conto”, verificamos que o mesmo não é apresentado no topo das páginas, porém é retomado nas questões das atividades com referência à palavra “história”. A utilização da palavra “história” também foi observada em algumas sequências com o poema parecendo haver uma preocupação dos autores em destacar a predominância tipológica do texto. Vejamos o exemplo abaixo: Figura 29 (Ano 3, p. 44) 240 Conforme observamos, o nome do gênero “conto” é substituído por história, o que ocorre também em outros enunciados de questões nos quatro volumes da coleção. Todavia, constatamos que tal termo também é utilizado para se referir ao conteúdo do conto, tais como: “Do que você acha que vai tratar a história?” (Ano 2, p.157 – grifo nosso), “Qual a surpresa da história” (Ano 5, p.86 – grifo nosso), No texto O umbigo do rei, o narrador participa da história como personagem ou apenas conta fatos vividos pelos personagens? (Ano 3, p.44 – grifo nosso), A forma como a autora descreveu a cena fez com que você, leitor, se envolvesse com a história? (Ano 4, p.88 – grifo nosso). Como já vimos, o termo “história”, na coleção, também é utilizado em outros gêneros, o que destaca a possibilidade dos autores estarem preocupados com a diferenciação referente ao conteúdo como um todo. Em espaços não-escolares, observamos que o termo é comumente empregado (“Vou contar uma história!”) para se referir, muitas vezes, à natureza do texto. Nesse sentido, muitas vezes a aplicação da palavra “história” na coleção se refere ao conteúdo dos textos predominantemente narrativos. No entanto, também ressaltamos que a sinalização do termo “conto” poderia facilitar a diferenciação entre gêneros em outras situações, como, por exemplo, distinções entre conto, lenda e fábula. Ambos fazem parte da esfera literária e apresentam estilos diferenciados de “história”, mas o conto difere da fábula e da lenda pelo fato de estes dois últimos apresentarem características bem peculiares, como, por exemplo: na fábula, verificamos a utilização da narrativa curta de natureza alegórica, inserção de figuras de linguagem como personificação, metáfora, hipérbole, dentre outras; e na lenda, o uso de narrativas fantásticas sobre fenômenos sobrenaturais, feitos heróicos ligados as tradições culturais de várias regiões brasileiras e, originalmente, de tradição oral. Observamos, ainda, que, em alguns momentos, o conto é identificado como “texto narrativo”, tal como é ressaltado abaixo: Figura 30 (Ano 2, p. 26) 241 Nessa questão, nota-se que a ênfase do ensino recai na conceitualização do tipo predominante no texto, mas não há nenhuma discussão para mostrar aos alunos que a sequência narrativa também está presente em outros gêneros. A opção pela nomenclatura “texto narrativo” pode orientar o aluno a definir um texto unicamente por sua natureza tipológica e não por outras características relacionadas à situação de interação e finalidades. Na compreensão bakhtiniana, os elementos constitutivos do texto são de natureza essencialmente dialógica, e, dessa forma, os recursos linguísticos não podem ser vistos dissociados dos elementos inerentes ao processo discursivo. O fato de apresentar o conto como “texto narrativo” pode induzir o aluno a estabelecer uma associação equivocada de que todos os textos que se organizam dentro de uma sequência narrativa são chamados de conto ou, ainda, que no conto não existem outros tipos de sequências como, por exemplo, descrição. A indicação do gênero, muitas vezes, pode ajudar ao aluno a reconhecê-lo como portador de uma identidade, mesmo que relativa, em outros espaços não escolares. Nos LDs analisados constam numerosas e variadas propostas de leitura e produção de “histórias”. Essas se organizam em unidade sem vinculação temática, visto que “o que define a estrutura das unidades, predominantemente, é uma sequência de seções voltadas para os componentes de ensino [...]” (BRASIL, 2006, p.251). Isto é, as atividades voltadas para as “histórias” são apresentadas, geralmente, na abertura da unidade e trabalhadas principalmente nos eixos da leitura e da escrita. Na análise das atividades propostas pela coleção, verificamos que as dimensões ressaltadas do conto, em sua maioria, suscitam reflexões sobre os elementos da narrativa e são modificadas no decorrer dos volumes com objetivos diferenciados. Como exemplo, podemos citar o estudo sobre o conto “A minhoca e os passarinhos” (Ano 2, pág. 24 a 28). Trata-se de um texto que narra a disputa de dois passarinhos para comer uma minhoca. Um passarinho a segurava pela cabeça e o outro pelo rabo. Na confusão, os dois terminam largando a presa, e a minhoca, por sua vez, livra-se da situação. Vejamos: 242 Figura 31 Figura 32 (Ano 2, p. 24) (Ano 2, p. 25) Embora o conto não seja apresentado na íntegra, verificamos o cuidado para se preservar a unidade de sentido na supressão de determinados trechos. Ou seja, ao ler o texto em foco, o aluno será capaz de compreender o que está sendo abordado. Nessa atividade, é orientando ao professor (ao lado do título do conto) que, antes da leitura, se faz necessária a exploração das imagens disponibilizadas no livro: quem são os personagens e o que acha que a história vai contar. Tal orientação chama a atenção à necessidade de se fazer uma preparação para a leitura para o desenvolvimento de estratégias importantes como antecipação ao texto. Logo em seguida, são destacadas algumas questões para leitura e compreensão do texto. Essas se remetem à identificação das características do “texto narrativo”: 243 Figura 33 (Ano 2, p. 26) A primeira questão (O texto A Minhoca e os passarinhos conta uma história. O texto que conta uma história chama-se texto narrativo. Marque uma característica do texto A minhoca e os passarinhos.) solicita que o aluno marque a alternativa que corresponde à identificação do que é um texto narrativo, chamando a atenção para a característica de que a narrativa se destina a contar um fato. Em seguida, a segunda pergunta apresenta o conceito de “personagens” e solicita a identificação dos mesmos na história apresentada. Já a pergunta número três (Complete a ilustração contando o que aconteceu nesse momento da história.) destaca um dos fatos que ocorreu na história. As outras questões dessa atividade se destinam a localizar informações no texto (Os passarinhos conseguiram tirar a minhoca do buraco?), elaborar inferências (“Era uma vez....Uma minhoca que botou a cabeça de fora para tomar ar. Na sua opinião a minhoca fez isso para: conseguir respirar ou se distrair) e compreensão de significados de palavras (Com qual dos significados a palavra presa está sendo usada na frase?). Na sequência, pode-se verificar que as questões não contemplam aspectos que ofereçam reflexão sobre o gênero conto. A própria compreensão de que “todo texto que conta uma história chama-se texto narrativo” já indica que o foco é que os alunos se apropriem da 244 estrutura narrativa e não como a mesma se faz presente nos contos. Tal aspecto nos sugere que a atividade em foco objetiva à compreensão da tipologia e dos elementos que a compõem, no caso, conceito, personagens e fatos. A compreensão de que os alunos devem se apropriar das características dos textos narrativos também se faz presente ao longo dos quatro livros da coleção. Os LD não atrelam a discussão de como a narrativa se organiza no universo dos contos, mas sim ressaltam os elementos que a compõe, sendo estes introduzidos com mais complexidade de acordo com a série/ano do livro. Nessa perspectiva, destacamos o estudo do conto intitulado “O umbigo do rei” (Ano 3, pág. 42-46). O texto narra uma história de um rei que, por nunca sair do castelo, não conhecia a realidade do seu povo e estava ficando muito gordo. Certo dia, ele percebe que não tem mais umbigo e resolve investigar a barriga de todos para poder encontrá-lo. Ao fazer isso, observou que as barrigas roncavam de fome. Decidido a não mais se preocupar com o próprio umbigo, saiu para conhecer como seu povo vivia e promove ações visando melhorias nas condições de vida da população de seu reino. Depois de certo tempo, percebe que ganhou respeito e carinho do seu povo e, ao se olhar no espelho, notou que estava mais magro e que o umbigo havia voltado para o lugar. Primeiramente, observamos que, no estudo em foco, não são apresentadas ao aluno questões de preparação para a leitura, nem tampouco de exploração do suporte original para o desenvolvimento da estratégia de antecipação. Na orientação dada ao professor, as autoras ressaltam que o motivo de escolha pela determinada história foi o fato da mesma: conter um enredo que apresenta: introdução (exibe os fatos iniciais), complicação (momento da história em que se desenvolvem os conflitos), clímax (momento de maior tensão e suspense) e desfecho (solução dos conflitos) (LD, Ano 3, p.42). O destaque dado aos elementos estruturais é retomado nas questões propostas ao aluno. Vejamos: 245 Figura 34 Figura 35 (Ano 3, p. 44) (Ano 3, p. 45) A proposta acima demonstra que o seu objetivo central é, essencialmente, fazer o aluno perceber a diferença entre foco narrativo, no caso o narrador-observador, e se apropriar como estão organizadas a sequências de fatos. Na questão 1 (Que informações contidas nesse trecho são importantes para o entendimento da história?), o aluno terá que identificar, no fragmento apresentado no início do conto, elementos referentes à contextualização. Já na segunda pergunta é apresentado um texto explicando o papel do narrador e os tipos de narração. Em seguida, o aluno teria que identificar o tipo de narrador no conto (No texto O umbigo do rei, o narrador participa da história como personagem ou apenas conta os fatos vividos pelos personagens?). Quando destaca, na questão 3, a necessidade dos alunos registrarem os fatos da história em três partes “Ao inicio da história”, “Ao problema a ser resolvido” e “à resolução do problema” ressalta que o objetivo da atividade está na organização do texto, de forma mais específica, de como os fatos narrados no texto organizam os acontecimentos para formar um todo com início, meio e fim. Na questão de número 4, os elementos a serem ressaltados remetem à identificação dos parágrafos no conto em foco. 246 Nessa atividade, como podemos verificar, duas questões se preocupam em destacar elementos da narrativa. A preocupação em torno do foco narrativo e na estrutura da narrativa também se faz presente em outros volumes, como no estudo do conto “Timorato”. (Ano 4, pág. 86-86). Trata-se de uma passagem do livro “Seis vezes Lucas”, de Lygia Bojunga, que ressalta ao aborrecimento que o Pai de Lucas tem com o cachorro Timorato. Por causa de sua resistência para entrar no carro e a mordida que deu em seu dono, Timorato acaba sendo retirado do carro, no caminho de ida a Petrópolis. Lucas, mesmo em protesto, vê o seu animal de estimação correr atrás do carro e desaparecer. Para o estudo desse texto, são propostas as seguintes questões: Figura 36 Figura 37 (Ano 4, p. 87) (Ano 4, p. 88) Conforme observamos, a questão 2 inicialmente situa o aluno quanto ao conceito de narrador e aos tipos de foco narrativo, objetivando que o mesmo identifique no conto se o narrador é um observador dos fatos ou é um personagem. Como podemos verificar tal questão suscita a compreensão dos tipos de focos narrativos. 247 Já as questões 3 (a. O que Lucas estava sentindo nesse momento? e b.Como, mesmo sem mencionar o nome do sentimento, a autora conseguiu passar para você, leitor, o que o Lucas estava sentindo?) e 4 (Leia o fragmento abaixo e escreva os sentimentos passados pela narração?) ressaltam o estilo da autora ao escrever determinados fragmentos e as sensações que são provocadas por essa maneira de contar determinados trechos.Ou seja, as questões incitam o aluno a perceber que, de forma intencional, a autora adota um estilo de escrita para provocar sensações e sentimentos no leitor. De forma mais diretiva, tal aspecto é destacado também na questão 5 (A forma como a autora descreveu a cena fez com que você, leitor, se envolvesse na história? Por quê?) na qual o aluno é questionado sobre os impactos provocados pela maneira de descrever uma cena do conto. Como podemos observar, essa atividade, diferente das outras já apresentadas nesse item, ressalta características que não se remetem apenas aos elementos estruturais da narrativa, mas também discute recursos utilizados pelo autor para provocar efeitos de sentido no leitor. A preocupação com o efeito de sentido provocado pelo estilo do autor também é ressaltado na proposta de atividade com o conto “O casarão da esquina” (Ano 5, pág. 73-77). Trata-se de um conto de mistério que narra a trajetória de Dinho, um engraxate que estava decidido a seguir o homem misterioso para roubar a sua dispensa. Após ter invadido o casarão, Dinho percebeu que seu plano dera errado, o que causou machucados ao cair da janela. Na procura pela dispensa da casa, ele percebeu que no centro do primeiro andar da casa, os móveis estavam perdidos na escuridão e que, no lado oposto à extremidade, havia um sapo observando-o como um cão de guarda. Ao avançar em direção do sapo, escutou ruídos na parte escura e resolveu virar para correr. No entanto, se deparou com o dono da casa que o ergue e o atira num poço escuro. Lá os sapos saltam para cima do menino. Nesse, inicialmente, é proposta ao aluno uma atividade de preparação de leitura. Vejamos: 248 Figura 38 (Ano 5, p. 73) Primeiramente, verificamos que a atividade de preparação para a leitura oferece elementos relevantes para a contextualização do conto a ser lido. Tais aspectos podem ser vistos quando as autoras propõem dois textos didáticos que exploram as características dos personagens e a intenção de Dinho, as questões de antecipação e a apresentação da informação, no final da página (Dinho arquitetou um plano para invadir o casarão). Conforme observamos, a atividade explora pistas sobre o conto que será trabalhado, apresentando os personagens e o cenário descrevendo também algumas de suas características. Logo em seguida, solicita ao aluno que responda que tipo de texto será lido e o que levou a essa conclusão. Tal atividade nos sugere uma preocupação em não só contextualizar o conto, mas também desenvolver a estratégia de antecipação ao que vai ser lido a partir das pistas oferecidas sobre o cenário e os personagens. Embora a questão “b” indague qual o “tipo de texto” que será lido, percebemos uma indicação de que o aluno terá que associar as pistas oferecidas para identificar que se trata de um “conto de mistério”. Em outros termos, há uma indicação de características próprias do conto de mistério, corroborando com a orientação dada ao professor de que: 249 espera-se que os alunos concluam que se trata de uma história de mistério, e as pistas para essa conclusão são: o título, a forma como o velho está vestido, o hábito estranho que ele tem em relação aos sapos e, finalmente, o ambiente em que se passa a história. (Ano 5, p. 73) Depois da atividade de preparação da leitura, o aluno é convidado a realizar a leitura do conto e, em seguida, responder às questões de estudo do texto. Para o professor é orientado que uma das finalidades da atividade é ressaltar a importância de como se conta a história de forma a envolver o leitor. Dessa forma, observamos que, no estudo do texto, algumas perguntas se destinam, de certa forma, à identificação das características do conto de mistério. São elas: Figura 39 (Ano 5, p. 77) A questão “b” (O final da história foi como você esperava? Justifique a sua resposta.) nos sugere uma preocupação em ressaltar que o conto de mistério tem um final diferenciado em relação aos outros contos trabalhados nos LDs. Ou seja, a necessidade de chamar a atenção para o fato de que os finais dos contos de mistério se diferenciam dos contos que apresentam finais felizes. Tal aspecto é ressaltado na orientação para o professor quando destaca a possibilidade de “discutir com os alunos o motivo de, frequentemente, imaginarmos finais felizes e torcemos por eles. [...] Assim, acabamos por nos acostumar a finais felizes e previsíveis.” (Ano 5, p.77). Todavia, ressaltamos que, para que os alunos ampliem seus conhecimentos sobre os finais dos contos de mistério, poderia também ser destacado o fato de que alguns contos dessa natureza terminam justamente no clímax. Já a questão “c” (O jeito como o autor contou a história fez você imaginar as cenas? Por quê?), embora destaque o estilo do autor em relação à descrição da cena, também indica a necessidade de perceber os detalhes da descrição no gênero em foco. Também é sugerido ao professor “chamar a atenção dos alunos para a importância da escolha da linguagem para traduzir as emoções”. (Ano 5, p.77). Tal aspecto é retomado nas questões abaixo: 250 Figura 40 (Ano 5, p. 77) Conforme vemos acima, as questões ressaltam a necessidade de o aluno perceber o elemento de descrição (Escreva como você imagina que estavam os olhos do sapo.) como um recurso utilizado pelo autor para causar sensações no leitor (6.Que efeitos essa descrição causou em você, leitor?). Apesar de não verificarmos alternativas que problematizem e/ou sistematizem como a riqueza de detalhes na descrição dos personagens, cenário e cenas e como esses elementos ocupam um importante papel nos contos de mistérios, a atividade se preocupa em destacar a relevância da descrição no conto. (6. Releia o décimo parágrafo e conte como o autor descreveu o velho). Por último, destacamos uma pergunta que se relaciona diretamente a um dos recursos linguísticos utilizados no gênero em foco: Figura 41 (Ano 5, p. 78) Na pergunta acima, constatamos, primeiramente, a indicação do nome “contos de terror”. Tal orientação, dificilmente, aparece em outras propostas de atividades dos livros. Ainda sobre essa questão, verificamos a preocupação em destacar que a seleção de determinadas palavras são necessárias para o clima de suspense dentro do conto. Nesse 251 sentido, retoma uma das características importantes do gênero em foco que é a seleção lexical. Em outros termos, a necessidade de perceber que determinadas palavras são comumente utilizadas por fazerem parte de alguns contos de suspense. Portanto, nessa atividade as questões retomam peculiaridade no desfecho, relevância da inserção das descrições e a seleção vocabular pertinente aos contos de suspense. Dado o exposto, constatamos que as atividades com o gênero conto na coleção, em geral, se destinam a trabalhar os elementos da narrativa, confundindo, algumas vezes, o gênero com a tipologia. Sendo assim, sugerem pouca reflexão de como o espaço, tempo, personagem e ação ocupam um papel relevante dentro do gênero em estudo. Não queremos com isso afirmar que o trabalho com a sequência narrativa não seja importante, mas destacar a possibilidade de compreender tais aspectos atrelados às características dos contos maravilhosos, de terror, aventura, dentre outros. Tais aspectos também são contemplados, mas com menor ênfase. Outro aspecto relevante é o fato do termo “história” ser muito utilizado nos enunciados das atividades com os contos. Percebemos que tal aspecto está relacionado ao conteúdo como um todo, destacando a própria natureza do que está sendo abordado. No caso do conto de suspense, embora algumas características do gênero sejam ressaltadas de forma tímida, as atividades sugerem uma maior aproximação para destacar as características de estilo. Em outros termos, observamos que algumas questões que mobilizam conhecimentos referentes à descrição dos ambientes e personagens, a peculiaridade dos desfechos dos contos de mistérios, como a linguagem utilizada e os recursos lexicais contribuem para o clima de suspense, dentre outros. Verificamos, ainda, que os objetivos apresentados nas atividades se articulam com àqueles que foram propostos no MP. Conforme já discutimos no capítulo 7, os objetivos apresentados, de forma expressiva, concernem à natureza narrativa (situação inicial, fatos, conflito, desfecho) e, de forma mais tímida, sobre como a linguagem e o estilo produz efeitos de sentido com base no interlocutor. Já em relação à BCC-PE, o gênero em foco é citado para ser trabalhado no ensino de língua portuguesa. Todavia, não é citado e nem relacionado às competências propostas. Em outros termos, observamos que, em competências como “Reconhecer características próprias do texto de ficção” (p.87), os aspectos característicos destes textos não estão arrolados a uma discussão de como as situações comunicativas que envolvem a ficção poderiam ser explorados com o gênero conto, conforme já debatemos no capítulo 6.3. Destacamos ainda que, embora a BCC-PE destaque a competência de reconhecer os elementos constituintes do 252 esquema narrativo, a relação entre as sequências tipológicas e estilo do gênero não são contempladas. 8.2.5. POEMA Ao realizarmos a análise do poema nos LDs, contatamos que não há uma distribuição equilibrada nos 04 volumes da coleção: ano 2 (04), ano 3 (07), ano 4 (15) e ano 5 (05). Em geral, constatamos a indicação de suporte e autoria dos poemas, bem como a seleção de autores diversos, tais como: Bia Villela, Gláucia Lemos, Elias José, Lalau e Laurabeatriz, Ruy Filho, Alexandre Azevedo, Carlos Drummond, Almir Correia, Antonio Barreto, Roseana Murray, Ruth Rocha, dentre outros. Todavia, ressaltamos que nem todos são apresentados na íntegra, sendo comum nos LDs o trabalho com fragmentos. Quanto aos aspectos semânticos, muitos poemas recorrem à narrativa simples, retratam o mundo mágico-maravilhoso, apego à sonoridade e ao ritmo e, de forma menos expressiva, a expressão de sentimentos. Ao longo das atividades, não verificamos uma preocupação com a complexidade dos objetivos propostos, visto que os aspectos a serem ressaltados recaem sobre elementos de composição do poema. Outro aspecto a ser considerado é que, embora verifiquemos uma boa representatividade desse gênero na coleção, nem todos são utilizados para estudos mais sistemáticos. Ou seja, a cada volume, as autoras apresentam um ou dois poemas para as atividades de leitura e compreensão, sendo os demais textos distribuídos nas seções de “Gramática” e “Caligrafia” ou nas atividades de “Lição para casa”, como destacamos abaixo: 253 Figura 42 Figura 43 (Ano 2 , p. 213) (Ano 4, p. 58) Como vemos no poema “O pulo do gato”, o objetivo da atividade é que o aluno aprenda o gênero do substantivo através de complementação de sentenças “macaco e ________”, __________ e coelha”, “sapo e ______”, “________ e porca”, “rato... com a ______”. Nessa atividade, não é foco de reflexão a natureza lúdica da temática abordada no poema e nem seus elementos linguísticos e discursivos. Tal aspecto também é observado com o poema “A mochila da Mariela”. Nesse, a finalidade é aprimorar o traçado das letras a partir de cópia, não ressaltando o propósito sociocomunicativo do poema. Como se trata de um poema que corresponde à expectativa infantil, a poesia é um convite à fantasia e ao maravilhoso, aspectos que não são ressaltados em atividades como a acima destacada. Apesar de a coleção eleger trinta e dois poemas para serem trabalhados, grande parte se destina a ser alvo de cópia no desenvolvimento “dos traçados das letras” dos alunos ou para atividades de gramática e, em menor frequência, para ortografia, como no caso abaixo: 254 Figura 44 Figura 45 (Ano 3, p. 250) (Ano 4, p. 137) Observamos no poema “Espertezas” que a atividade proposta tem como finalidade a identificação de substantivos próprios e comuns. Nesse sentido, não observamos menções ao conteúdo abordado no poema, uma vez que o trabalho está focado apenas em um tópico gramatical: o substantivo. Já no outro poema percebemos que o objetivo é trabalhar a ortografia através da identificação das palavras com X ou CH. Entretanto, como no caso das irregularidades, não há como definir uma regra geral para escolha de um ou outro grafema. Nessa atividade parece haver a compreensão de que os alunos se apropriarão dos usos do X ou CH com base em cópia das palavras para estímulo da memória visual. Sendo assim, não percebemos nenhuma exploração acerca de alguma dimensão do gênero, como, por exemplo, a intencionalidade na escolha do léxico e sua relação com o fazer literário. Em geral, atividades como as acima discutidas são recorrentes na coleção e se caracterizam por não explorarem a sonoridade, composição, jogo de rimas e cadência melódica do poema, mas sim fazerem uso do mesmo como pretexto para aprendizagem de determinados conteúdos de Língua Portuguesa. Em contrapartida, constatamos também a presença de estudos mais sistemáticos sobre o poema. Esses são apresentados em baixa frequência nos livros da coleção, geralmente, um a dois exemplares a cada ano/série. Como exemplo, citamos o estudo do poema “Era uma vez uma gato xadrez...” (Ano 2, pág. 42-45): 255 Figura 46 Figura 47 (Ano 2, pág. 42) (Ano 2, pág. 43) Percebemos que o poema acima não é apresentado na íntegra, sendo destacadas apenas algumas estrofes referentes ao gato xadrez, amarelo, laranja, rosa. Trata-se de um poema de narratividade simples e que corresponde ao mundo maravilhoso. Como a autora brinca explorando um gato de cor diferente e uma situação que tenha vivido, seria interessante exibir o poema completo para oportunizar ao aluno a utilização da linguagem lúdica. Verificamos, ainda, que ao lado de cada estrofe, é apresentada uma legenda indicando quem deve realizar a leitura: meninos ou meninas. Nessa atividade, é indicada ao professor a importância da leitura, em voz alta, com respeito ao ritmo; a sonoridade; a musicalidade; e a expressividade, como também a possibilidade para os alunos perceberem a disposição gráfica do poema na página. Na sequência da atividade, os alunos são convidados a responderem a algumas questões de estudo do texto. Vejamos: 256 Figura 48 (Ano 2 , p. 43) Após o professor ler em voz alta o poema, respeitando, conforme orientação das autoras, o ritmo e a sonoridade, na primeira questão (Junto com seus colegas, leia em voz alta cada estrofe do poema, de acordo com a legenda), é solicitado ao aluno a leitura em voz alta. No comando, não é explicitada a necessidade de realizar a leitura com expressividade a par dos efeitos sonoros causados pelas rimas (amarelo/magrelo, laranja/canja, etc). Após a indicação da leitura em voz alta, algumas perguntas se destinam a destacar os aspectos composicionais do gênero, como está sendo ressaltado na questão 2 (Na unidade 1 você leu um texto narrativo chamando A minhoca e os passarinhos e agora você leu o poema Era uma vez um gato xadrez... Existe diferença na forma como esses textos aparecem dispostos nas páginas). Nessa, os saberes a serem apreendido remetem para a disposição espacial do gênero para que os alunos percebam a diferença na organização entre um texto narrativo e um poema, sem haver reflexão de que os poemas também podem ser narrativos. Logo em seguida, observamos que é exibida ao aluno a conceituação do que é verso e estrofe e a solicitação de que os mesmos identifiquem tais elementos no poema em foco: 257 Figura 49 (Ano 2 , p. 45) Como podemos verificar, o livro adota uma perspectiva em que, primeiramente, se expõe o conhecimento (apresenta a definição, por meio de um texto didático) para posterior aplicação pelos alunos. Ou seja, primeiro diz o que são versos e estrofes e depois pede que os alunos identifiquem e quantifiquem as estrofes e versos do poema nas questões letras “a” (Quantas estrofes tem esse trecho do poema Era uma vez um gato xadrez...?) e “b” (Quantos versos tem cada estrofe desse poema). Tal foco também é verificado na questão 4 (Copie uma estrofe do poema e ilustre-a.), na qual, mais uma vez, o que está em jogo é a aplicação de que o aluno aprendeu o conceito de estrofe através da identificação no poema. Há, portanto, uma preocupação em fazer com que o aluno se aproprie de características composicionais do gênero, embora isso seja feito de modo pouco reflexivo e não sejam inseridas questões em que eles reflitam sobre os efeitos de sentido possíveis com base nessas estratégias composicionais. Tal modo de “ensinar” é ressaltado na próxima questão: 258 Figura 50 (Ano 2 , p. 45) Conforme observamos acima, o foco está no entendimento do que é rima e posterior identificação das mesmas no poema (a. Pinte, no poema, os pares que rimam. Use uma cor diferente para cada par). Logo em seguida, há a aplicação do conceito de rima na solicitação da escrita de quatro palavras que rimam com cada figura. As questões dessa atividade se direcionam aos aspectos composicionais do poema. Não há, na sequência, outros tipos de perguntas que favoreçam o desenvolvimento de outras habilidades relacionadas aos aspectos do gênero, como, por exemplo: contextualização da obra ou autor, temática abordada, recursos estilísticos, dentre outros. Os aspectos composicionais do gênero também são ressaltados nos outros LD da coleção, tal como no estudo do poema “A guerra do gato” (Ano 3 , p. 207) . Trata-se de um poema que narra as investidas do gato para conseguir comida. Mesmo com disputa do padeiro, açougueiro e barbeiro para se livrar do gato, o animal cresce comendo no comércio dos três todos os dias. Nesse, inicialmente, as autoras contextualizadores da obra. Vejamos: se preocupam em apresentar elementos 259 Figura 51 (Ano 3 , p. 207) Como vemos, as primeiras questões destacam elementos que se referem ao suporte (a. Qual o título do livro?; b. Quem o autor da história?; c.Que informações é possível encontrar na capa do livro?). As duas últimas questões, de forma mais específica, remetem a estratégias de antecipação à leitura do poema (d. Observando a capa. Você imagina que será uma história de humor ou de suspense? Por quê?; e. Pelo título, do que você acha que vai tratar a história?). Verificamos que as autoras indicam que o que vai ser lido se trata de uma “história” e solicita aos alunos para antecipar se a “história é de humor ou suspense”. Após, é apresentado ao aluno o poema em foco. Vejamos: 260 Figura 52 Figura 53 (Ano 3 , p. 208) (Ano 3 , p. 209) Figura 54 (Ano 3 , p. 209) 261 Como vemos, mais uma vez, trechos do poema são suprimidos. É um poema que aborda uma temática (a trajetória do gato em busca de comida e lar) que desperta a atenção da criança. Na atividade de estudo do texto, são propostas questões de localização de informação, emissão de opinião, inferência e duas questões sobre o gênero em foco. São elas: Figura 55 (Ano 3 , p. 211) Na questão 1 (A história A guerra do gato é contada na forma de poema. Esse poema é composto de estrofes.) é explicado ao aluno que a história é contada na forma de poema. Depois de pedir para o aluno ler a primeira estrofe do poema, as perguntas recaem sobre os aspectos composicionais, conceituação de estrofe (a. O que é estrofe?) e o verso (d. O que é verso?). Com isso, observamos que parece haver uma compreensão de que o poema se caracteriza somente pelos aspectos estruturais, não considerando elementos relacionados à linguagem utilizada, tema, dentre outros. Analisando atividades com poemas em livros do ensino fundamental, Alves (2005) constatou que “de maneira geral houve, nos últimos anos, uma sensível melhora na escolha dos poemas que comparecem nos LDP, embora a preocupação com a forma do poema ainda predomine”. (p.70) Ao longo do tratamento dado ao poema nos LD, constatamos que é reincidente, nas atividades, a preocupação com os elementos estruturais do gênero em foco. Citamos, como exemplo, o poema “Quem tem medo de ridículo” (Ano 4, pág. 173-176): 262 Figura 56 Figura 57 (Ano 4, p. 173) (Ano 4, p. 174) Como observamos, antes da apresentação não verificamos nenhuma exploração sobre a autora e/ou suporte do poema, o que poderia ajudar aos alunos a desenvolverem estratégias de antecipação a leitura. Já a temática abordada incorpora elementos da realidade (uma situação pelo qual o indivíduo pode ser alvo de zombaria) aliados ao universo infantil e os efeitos lúdicos. Antes da exibição do poema, é ressaltado ao professor que incite os alunos a perceberem a estrutura do poema através da diagramação na página e a ilustração. Após, destaca a importância de o professor realizar a leitura em voz alta para que os alunos percebam os o ritmo, a sonoridade e a musicalidade. Em seguida, no estudo do texto, são propostas questões de localização de informação, emissão de opinião, identificação da temática abordada e, para foco de nossa análise, duas que se remetem composição do gênero: 263 Figura 58 (Ano 4 , p. 175) Na atividade de estudo do texto, como vimos em outros volumes da coleção, são apresentados os conceitos de versos e estrofes (O texto Quem tem medo de ridículo? É um poema. Cada linha do poema chama-se verso e cada grupo de versos chama-se estrofes.). Na segunda questão (Leia o texto junto com seus colegas. As estrofes pares deverão ser lidas pelos meninos; as ímpares, pelas meninas), embora observemos a indicação para o professor salientar o ritmo de leitura característico dos textos poéticos, não é ressaltado para o aluno nenhum comentário e/ou reflexão que destaque a importância de se observar os recursos expressivos do poema. Já na terceira pergunta (Sublinhe no poema as palavras que rimam. Use cores diferentes para indicar rimas diferentes.), o aluno é convidado a identificar rimas sem maiores reflexões sobre os efeitos provocados por estes recursos. Em geral, as perguntas acima suscitam que os alunos se apropriem das estruturas externas do poema em seus aspectos métricos (versos, estrofes e rimas) pela estratégia de identificação e conceituação. Tal aspecto também é destacado abaixo: 264 Figura 59 (Ano 4 , p. 175) Figura 60 (Ano 4 , p. 176) Conforme observamos, um dos focos da atividade é perceber a utilização da rima para conservação do ritmo no poema. Em outros termos, a preocupação é na seleção de pares para rimas não oportunizando, por exemplo, maiores debates sobre a seleção lexical e sua relação com os efeitos de sentido. Em geral, encontramos poucas discussões sobre a tessitura interna no gênero, ou seja, questões que destaquem a linguagem poética e seus múltiplos recursos. Trata-se de ressaltar características como a subjetividade (emoções e sentimentos), a polissemia e a utilização de metáforas, repetições, aliterações, enfim, dos recursos responsáveis pela expressividade do poema. Nos LDs analisados, localizamos poucas sequências de atividades que chamam a atenção de outras dimensões do gênero além da estrutura. Destacamos, como exemplo, o estudo de dois poemas presente no Ano 5 (p. 10-14). Nesse, inicialmente é orientado ao professor que explore a forma como cada texto aproveita o espaço no qual está disposto, ressaltando que o poema a ser apresentado possui uma disposição gráfica das palavras diferenciadas. Vejamos o poema: 265 Figura 61 Ano 5 (p. 10-14). Como percebemos, trata-se de um poema concreto que suscita reflexões sobre como as árvores representam a “vida”. Nesse sentido, através da forma como organiza as palavras, a posição que ocupam no poema, a utilização das cores, o poema busca conquistar e surpreender o leitor levando a realizar uma leitura a partir dos elementos verbais e nãoverbais. Todavia, vale ressaltar que não verificamos indicações de suporte e autoria do poema. Em geral as perguntas exploradas no estudo do texto se destinam a ressaltar os recursos gráficos, sua organização e os efeitos expressivos do poema. Nesse sentido, a primeira questão (a. Nesse poema, as palavras foram distribuídas pela página de forma diferente. Que imagem esse poema sugere?) suscita que o aluno analise a disposição gráfica, o que mobiliza conhecimentos relativos à construção de significados com base na organização e disposição das palavras do poema (raiz, tronco, terra, galho, folha, flor e vida). Trata-se de uma pergunta que mobiliza saberes relacionados à multiplicidade da linguagem, ou seja, a simultaneidade entre os elementos verbal e não-verbal Ainda na primeira questão, letra “b” (O que foi usado para compor esse poema?), chama a atenção para como as palavras e as letras consistem também no material de 266 composição. Tais questões mobilizam conhecimentos relativos à compreensão de que a estrutura do poema também é o seu conteúdo Em relação ao jogo e as cores das palavras que compõem o poema e seus significados, duas perguntas são direcionadas a tais aspectos: letra “a” (O que as letras na cor marrom estão representando?) e “b” (Que palavras ela formam?). Nesse caso, as perguntas chamam a atenção dos alunos para observar a relação entre a cor (marrom) e sua representação (terra). Ou seja, é ressaltado como o recurso de cor também pode ser utilizado para construção de significados no poema. A terceira questão (3. Escreva as palavras que foram usadas para formar o poema?), suscita, sem maiores problematizações, a identificação do material verbal no corpo do texto. Também percebemos questões referentes à ideia de movimento pela distribuição gráfica das letras na página. Após chamar a atenção para a forma da palavra “folha” e “flor”, a quarta pergunta (Que impressão essa imagem lhe causa?) tem como finalidade refletir acerca da virtualidade das ideias (movimento das folhas e flores caindo das árvores) através da formatação e diagramação de tais palavras. Após toda a exploração dos aspectos gráficos como elemento essencial para a construção da significação do poema, os alunos são convidados a refletir sobre o sentido da palavra “vida”, na quinta pergunta letra “a”, e criar um título para o poema. Como vimos, nessa atividade, também são explorados os elementos da matéria física do poema, principalmente os elementos gráficos. Todavia, observamos questões que relacionam os aspectos visuais e os significados produzidos ressaltando para o aprendiz que a estrutura do poema concreto é também o conteúdo. Vale ressaltar que, nessa atividade, são poucas as perguntas que problematizam os motivos pelos quais esse tipo de poema não poderia ser apenas ouvido tendo em vista que o aspecto gráfico é um elemento intrínseco. Na seção “Outro texto”, desse mesmo LD, também é explorado outro poema concreto “As estrelas” (Ano 5, p. 13-14). Nessa, inicialmente, é apresentado ao aluno o poema: 267 Figura 62 (Ano 5 , p. 13) Primeiramente, observamos que nesse poema há indicação de autoria e suporte. Tratase de um poema que brinca com o fato da estrela dar origem à estrela-do-mar. Ou seja, faz parte do imaginário humano a crença de que as estrelas, como habitantes do céu, caem no mar originando uma estrela-do-mar. Observamos, ainda, a presença de recursos de animação na construção do poema contribuindo assim para a linguagem visual. A atividade indica as seguintes questões: Figura 63 (Ano 5 , p. 74) 268 Como podemos observar, a primeira questão (Se o autor tivesse escrito o poema dessa forma, teria a mesma graça?) ressalta os efeitos de sentido provocados pela diagramação espacial do poema. Esse tipo de questão mobiliza conhecimentos acerca da disposição das palavras e o uso dos espaços do poema, ou seja, aspectos que remetem a exposição dos aspectos icônicos do texto. Já a segunda questão, letra “a” (Qual a intenção do autor, da ao escrever a palavra cadente da forma como o fez?), destaca a maneira como o autor escreveu a palavra “cadente” e suas implicações para o sentido na tessitura do poema. O aluno é também convidado a refletir sobre a utilização da onomatopéia (b.O que significa a palavra tchibum?) e a forma como o poema foi escrito, além de sua distribuição na página. Já as questões letra “c” (Em que a estrela cadente se transformou?) e “d”(Na realidade, isso pode acontecer?) confrontam os conhecimentos míticos e científicos sobre a formação da estrela cadente. No entanto, não verificamos problematizações sobre o fato de a poesia criar e recriar tais conceitos retomando característica própria do texto literário. Por fim, na questão letra “e” (Na sua opinião, é melhor ler ou ouvir esse tipo de poema? Por quê?), observamos uma preocupação em mobilizar conhecimentos referentes à importância da visualização desse tipo de poema. Ou seja, ressalta a necessidade de que os aspectos gráficos são elementos construtores básicos para a construção de significados. Em geral, essa atividade nos sugere a preocupação das autoras introduzirem os alunos no universo dos poemas concretos, bem como desenvolver capacidades associadas à compreensão do projeto gráfico desses poemas e seu teor poético de movimento. Outra atividade, que, diferentemente das outras, chama a atenção para o fato de que nem todos os poemas têm rima e sobre as sensações que poderão ser provocadas é o estudo do ano 4 (p.180). Vejamos: 269 Figura 64 (Ano 4 , p. 180) Primeiramente, observamos que a coleção, na maioria das atividades, não faz explorações sobre os autores e/ou suportes antes de trabalhar com o texto. Tal aspecto, no caso do gênero poema, poderia contribuir para a ampliação do conhecimento do aluno, por exemplo, em relação aos poetas, sua vida e estilo. O poema em foco nos convida a enxergar a beleza da lagoa. Nessa atividade é indicado ao professor que comente o fato de que muitos poemas não possuem rimas e também são gostosos de ler porque têm ritmo. Tal informação é destacada também para o aluno através do comando (Muitos poemas não têm rima. Leia um poema de Carlos Drummond de Andrade e, em uma folha à parte, faça uma ilustração de acordo com as sensações que ele causou.) O comando dessa atividade estimula o aluno a fazer uma leitura do poema percebendo que uma das finalidades do texto literário é a capacidade de sensibilizar e comover pelo modo que o autor cria o seu texto. A partir do que foi discutido nesse item, percebemos que os autores da coleção propõem atividades que, de forma expressiva, enfatizam os conhecimentos sobre a estrutura do poema. Nesse sentido, constatamos ser reincidente a exploração de objetivos que enfocam a identificação e conceituação de versos, estrofes e rimas. Ao longo dos quatro livros, são 270 propostas questões cânones, o que não sugere complexificação dos objetivos de acordo com o ano/série. A abordagem dada ao trabalho didático ao poema coaduna-se perfeitamente com o que orienta os objetivos propostos no MP, tais como: perceber a disposição gráfica do texto; compreender o conceito de rima; identificar estrofes, versos e rimas; perceber o ritmo, a sonoridade e a musicalidade do texto e identificar a impressão que a disposição das palavras no poema provoca no leitor. Observamos acima que o trabalho didático com o poema na coleção não se distancia aos objetivos propostos no Manual do Professor. Entretanto, como vimos no capítulo 7, há um clima de tensão quando, ao mesmo tempo, a coleção se propõe a “auxiliar tanto o professor quanto o aluno a vivenciarem, juntos, as diversas possibilidades de Língua Portuguesa em seus diferentes usos” (MP, p.5). Sem dúvida, destacamos que é de extrema relevância trabalhar com determinados elementos composicionais e gráficos dos poemas, haja vista a necessidade dos alunos compreenderem e diferenciarem tal gênero em outros espaços. Todavia, apontamos que habilidades, por exemplo, voltadas para o ludismo sonoro, a seleção dos recursos lexicais e seus efeitos de sentidos, a natureza plurissignificativa da poesia, poderiam ajudar o aluno a utilizar e compreender outras dimensões constitutivas do gênero em seu contato com o universo literário. Embora a BCC – PE aponte a necessidade de se trabalhar com poemas, seja no principio da diversidade de textos referentes à seleção dos recursos didáticos ou no princípio teórico de que textos se materializam no gênero, não constatamos discussões nas competências atreladas ao gênero em foco. Ou seja, algum aspecto que ressalte as dimensões a serem destacadas ao longo dos anos/série ou debate que remeta a como o trabalho a partir de poemas poderiam desenvolver as competências sociodiscursivas dos aprendizes. No entanto, percebemos um distanciamento, mais uma vez, ao verificarmos que na coleção há reincidentemente o uso dos textos desse gênero para o trabalho com conteúdos gramaticais, sem reflexões acerca de como tais conteúdos podem causar efeitos de sentido. Uma aproximação entre os livros didáticos e a BCC PE é quanto à ênfase em aspectos relativos à forma composicional dos gêneros. No documento curricular, há várias referências às dimensões composicionais e, nos livros, quando há exploração do gênero, a forma composicional predomina como objeto de estudo. Também há pouca atenção a questões relativas ao estilo do gênero tanto na coleção investigada quanto no documento curricular. 271 Por fim, destacamos a necessidade de se propor, ao longo dos quatro anos de uso da coleção, objetivos mais complexos com o gênero em foco para o desenvolvimento das habilidades voltadas para a linguagem poética. Nesse sentido, constatamos a necessidade de proporcionar aos alunos atividades que incitem reflexões sobre possibilidade de recursos responsáveis pela expressividade do poema, a poesia do texto e o encantamento da palavra objetivando o despertar da sensibilidade que o poema proporciona. Trata-se de destacar os outros elementos que compõem o poema e que o configuram como instrumento capaz da aproximar o aluno de uma rede tecida de significados, oportunizando releituras através da linguagem em sua função poética. 8.3. Como os livros da coleção organizam a sequência e as propostas de atividades com os gêneros discursivos. Como evidenciamos no item anterior, a coleção analisada enfoca de modo reincidente o trabalho com conteúdos gramaticais, sem articulação com reflexões sobre os gêneros aos quais os textos pertencem e sem análise dos efeitos de sentido provocados pelos recursos linguísticos utilizados pelos autores. Distancia-se, neste sentido, das orientações e princípios presentes na Base Curricular Comum de Pernambuco, apesar de contemplar, tal como está proposto no referido documento, diversos gêneros discursivos. Contraditoriamente, pode-se dizer que há, em algumas sequências de atividades, aproximações aos preceitos do documento curricular, pois existem sequências de atividades que se propõem a realizar atividades de leitura e produção de textos que objetivam desenvolver estratégias variadas de leitura e escrita de textos e refletir sobre algumas características dos gêneros a que os textos pertencem, tal como já evidenciamos nas análises do tratamento dado aos gêneros mais presentes na coleção. Nesse item, retomaremos algumas discussões do tópico anterior, com base em uma classificação que fizermos dos tipos de sequências de atividades que enfocavam, de algum modo, o trabalho com gêneros discursivos. Nesta classificação, consideramos não apenas os gêneros mais freqüentes nos livros, mas a totalidade de sequências de atividades. Assim, discutiremos como estão sendo exploradas as atividades que tinham algum tipo de reflexão sobre os gêneros discursivos, ou seja, as propostas que traziam alguma questão que se remetia a dimensões composicionais e/ou sociodiscursivas dos gêneros. Percebemos, ao analisarmos os quatro volumes da coleção, as atividades que contemplavam algum tipo de trabalho de apropriação dos gêneros discursivos estão 272 distribuídas em três categorias: (1) sequências de atividades que exploram as características do gênero, por meio da apresentação e/ou explanação de conceitos; (2) sequências de atividades que favorecem reflexões sobre o gênero, explorando seus aspectos por meio da análise e/ou identificação das características composicionais ou sociodiscursivas e desenvolvimento de estratégias de leitura; (3) sequências de atividades que aproximam o gênero das situações reais de uso, as quais, além de desenvolverem um trabalho mais sistemático com o gênero enfocando suas dimensões, propõem a inserção dos alunos em situações que se aproximam dos usos reis da língua. 8.3.1 Atividades que apresentam as características do gênero Nesse subitem, apresentaremos propostas de atividades que se preocupam em apresentar algum aspecto do gênero ou oferecer conceitos. Ou seja, destacaremos questões que não incitam os alunos a refletirem sobre o gênero, mas que apenas explicitam, de forma sutil, algumas de suas características. Sendo assim, as evidências de tais propostas estão distribuídas nos livros da coleção da seguinte forma: Ano 2 (04), Ano 3 (07), Ano 4 (08) e Ano 5 (04). Diante desse tipo de atividade, destacamos a proposta do livro do Ano 2 (p. 250 a 253), a qual propõe um trabalho sobre a reportagem “Mestre no disfarce”. Trata-se de uma reportagem temática retirada da “Revista Recreio” que aborda a capacidade que alguns bichos têm de se camuflar. Nessa atividade, uma questão remete à finalidade da reportagem e outra ao aspecto composicional da legenda. Vejamos: Figura 65 (Ano 2, p. 252) 273 Figura 66 (Ano 2, p. 252) . Na questão 1 (O texto Mestre no disfarce conta uma história ou dá informação?), ao perguntar se o texto “conta uma história ou dá informações”, parece estar subjacente uma preocupação de estimular os estudantes a perceberem que alguns textos, os narrativos, “contam histórias” enquanto outros, os expositivo-explicativos destinam-se mais a “discutir temas”. No entanto, não há reflexões que mostrem aos alunos que qualquer texto pode dar informações. Todo ele tem um conteúdo informacional. Sendo assim, a atividade, embora remeta às finalidades da linguagem, não colabora para uma aprendizagem mais consistente dos modos de lidar com os diferentes gêneros e suas múltiplas funções. Na BCC-PE não encontramos discussões e/ou competências que relacionem a habilidade de identificar a finalidade do texto a partir das características do gênero em foco. No entanto, propõe-se que os alunos identifiquem as finalidades dos textos, de um modo geral. Desse modo, inserir atividades de reconhecimento de finalidades dos textos é uma orientação presente na BCC-PE, mas o modo como tal habilidade é trabalhada no livro não assegura o desenvolvimento de tal habilidade. Outra questão a ser discutida é que não há, nem no manual, nem no documento curricular, discussão sobre como as dimensões do gênero poderiam ajudar a desenvolver a habilidade de reconhecer o objetivo do texto. Nas atividades dos livros, como se pode notar neste exemplo, tal habilidade não é estimulada de modo consistente. A ideia é que explicitando as grandes “finalidades dos textos” (contar história, informar) tal objetivo estaria sendo atendido. Em relação à segunda questão, observamos que o enfoque dado refere-se à definição de “legenda” (Nas reportagens de revistas e jornais, as fotos costumam ser acompanhadas por pequenos textos explicativos chamados legendas.). Tal como está formulado no comando, o objetivo é que os alunos se apropriem de um gênero, no caso a “legenda”, a partir de uma definição: “as fotos acompanhadas por pequenos textos explicativos”. Percebemos também 274 que a questão em foco solicita aos alunos a leitura da legenda para localizar a informação acerca do objetivo da camuflagem dos animais (Além de proteger os animais do perigo, para que mais serve a camuflagem?) Como podemos observar, a atividade introduz o gênero legenda de forma expositiva, através da explanação do conceito e depois realiza uma atividade de localização de informação explícita na legenda. Não há outras atividades de exploração deste gênero posteriormente. Desse modo, a conceituação estaria sendo suficiente para a aprendizagem dos estudantes. Observa-se em outras atividades questões que apresentam alguma característica do gênero partindo do princípio de explicitar alguma dimensão e/ou apresentar conceitos, como no estudo voltado para instrução de jogo (Ano 2, p.218-219). Nesse, após apresentar algumas perguntas de preparação para a leitura, as autoras chamam a atenção para a brincadeira a ser apresentada ao explanarem sua finalidade (Você conhece uma brincadeira chamada Jogo dos pontinhos? É fácil e divertida. O texto a seguir ensina as regras desse jogo. Leia) Depois da apresentação do texto “Jogo dos pontinhos”, a atividade informa, na primeira questão, o conceito de textos instrucionais (Textos que apresentam regras para uma brincadeira ou um jogo são chamados instrucionais, porque ensinam as pessoas a brincarem ou jogarem. Será que você aprendeu como se joga o Jogo dos Pontinhos? Então, responda às questões abaixo.). Na sequência das questões, os alunos são convidados a responder várias perguntas de localização de informação (a. Quantas pessoas podem participar desse jogo?; b. Que material é necessário?; Qual o objetivo do jogo?, Como cada participante marca seus quadradinho?), de reflexão sobre recursos linguísticos (É importante fazer essa marcação? Por quê?) e sobre a finalidade (2. Agora que você aprendeu a jogar, que tal convidar um colega para brincar?) Como vemos, através desses tipos de pergunta, o aluno é convidado a entrar em contato com o gênero em foco inicialmente por meio da definição e, posteriormente, através da interpretação do texto lido. Embora nessa atividade encontremos uma questão em que os estudantes são convidados a jogar o jogo dos pontinhos, observamos que não há questões em que as crianças reconheçam situações em que tal gênero de texto apareça ou mesmo atividades posteriores em que tenham que comparar tal texto com outros que tenham a mesma finalidade. Também não é objetivo da atividade fazer com que os alunos reflitam sobre as características do gênero em questão, visto que a perspectiva que permeia a atividade é de apresentar uma conceituação e, posteriormente, explorar, principalmente, de questões de localização de informação. 275 Em outro estudo, do Ano 3, p. 140-141, observamos o princípio de a atividade apresentar um exemplar do gênero resenha para solicitar a produção: Figura 67 (Ano 3, p. 140) Como vemos, a resenha exibida tem como objetivo incentivar a leitura do livro “Abaixo das canelas”, de Eva Furnari. Como o texto principal da unidade trabalha com uma parte desse conto (p.128), as autoras indicam, no comando inicial, que tal resenha foi produzida por uma turma para indicar do referido livro. Nesse sentido, a proposta de produção apresenta a finalidade do gênero ao anunciar que uma turma gostou muito do livro e, por isso, “resolveu indicar a leitura do livro a alunos de outras turmas, produzindo uma resenha”. Após da apresentação da resenha, é solicitado que os alunos produzam “textos curtos, indicando livros que leram e gostaram.” Segundo o comando da atividade, tais resenhas serão expostas na biblioteca da escola, para motivar a leitura dos livros. Ao orientar a produção indicando que o texto a ser produzido deve ser curto e com indicações do livro que leram e gostaram, a atividade está apresentando uma das características da resenha: a opinião sobre um livro, destacando as qualidades que julga importantes para o leitor. 276 Embora observemos que a atividade sugere algumas orientações para o professor de forma a “chamar a atenção dos alunos para a organização desse tipo de texto” (p. 140), ressaltamos que seria necessário um maior contato com o gênero por meio de leitura / discussão de outros textos semelhantes ao que eles iriam produzir. As dicas apresentadas são pertinentes, conforme trechos abaixo: [...] escrever um texto curto contando por que vale a pena ler esse livro. (Ano 3, p. 141) Não esqueça de escrever o título do livro, o nome do autor e do ilustrador assim como informar o número de páginas. (Ano 3, p. 141) Seu texto deve deixar o leitor curioso para ler o livro. Então, vá lá, hein, não conte a história toda! (Ano 3, p. 141) Tais orientações nos sugerem que o aluno se aproprie do gênero através da apresentação de alguns de seus elementos, tais como a necessidade de utilizar estratégias que chamem a atenção do público para a leitura do livro e a apresentação das características gerais da obra. Entretanto, o fato de apresentar algumas características sem atividades que remetam a discussões mais sistemáticas não oportuniza ao aluno reflexões sobre elementos relevantes da resenha. Em outros termos, dependendo da resenha, também se faz necessário discutir sobre a natureza avaliativa do gênero, na qual são destacados os aspectos positivos e/ou negativos, como a utilização da linguagem que varia de acordo com o público ao qual se destina, a tessitura argumentativa e/ou descritiva do texto, o nível de linguagem em relação ao interlocutor e veículo, enfim, a compreensão de que a elaboração de uma resenha depende da finalidade a que ela se presta. Portanto, verificamos que a estratégia adotada pela proposta parte da perspectiva de explorar, de forma sutil, a resenha, apresentando sua finalidade e indicando algumas de suas características, mas não orienta o professor a realizar outras atividades de leitura de textos do mesmo gênero, que possam familiarizar mais os estudantes com seus usos e funções e promoverem reflexões sobre as estratégias discursivas dos autores. Encontramos também propostas que anunciam uma definição do gênero sem explorar os propósitos comunicativos do mesmo, como no caso abaixo: 277 Figura 68 (Ano 4, p. 181) Podemos verificar que a atividade acima apresenta uma definição de paródia, ao mesmo tempo em que oferece um modelo e convida o aluno a produzir outro texto do mesmo gênero. Ou seja, os alunos se apropriam das características do gênero através da exploração do conceito de paródia “uma imitação cômica de um texto”, da apresentação dos textos-base e as paródias e, por fim, da produção do gênero. Embora solicite aos alunos para compararem o texto imitado (quadrinhas) com as paródias, não observamos reflexões sobre o reconhecimento dos diferentes sentidos provocados pelas paródias e seus textos-base. Ainda sobre a atividade, encontramos a orientação para o professor trabalhar com os alunos os efeitos de humor provocados pela escolha dos novos acontecimentos que o personagem do texto imitado está vivenciando. No entanto, a atividade, tal como está proposta, não propicia a discussão sobre as propriedades desse gênero. A preocupação, portanto, recai na necessidade da quadrinha rimar, como está sendo ressaltado na questão 2, sem refletir sobre a natureza da paródia, a qual precisa adquirir novos sentidos num movimento de aproximação (com o texto de origem) e afastamento (efeito de humor pretendido). Encontramos também atividades que envolvem a indicação de um elemento composicional do gênero sem maiores reflexões, como no caso da mensagem educativa (Ano 5, p.221-222). Primeiramente, ressaltamos a não identificação do que está escrito devido à baixa qualidade da reprodução da foto. Vejamos abaixo: 278 Figura 69 (Ano 5, p. 221) Observamos acima que a mensagem do saco plástico é referente a uma campanha que orienta as pessoas para não jogarem lixo plástico na estrada. Entretanto, ressaltamos, mais uma vez, que a reprodução gráfica do suporte dificulta a leitura da mensagem educativa. Nessa atividade, o aluno é convidado a responder a questões sobre a finalidade do suporte (1/a. Para que serve esse saco plástico?), inferência (1/a.Por que não se deve jogar lixo na estrada? Justifique sua resposta.; 2.Porque materiais como latas, vidros e plástico podem prejudicar a natureza?) e apreensão de sentido de palavras (Nas frases abaixo, as expressões em destaque foram usadas com duplo sentido. Escreva quais são esses sentidos/ a. Na estrada, não deixe pintar sujeira./ Se você suja as estradas, suas férias viram um lixo.). Em relação aos elementos que compõem a mensagem educativa, apenas uma pergunta é ressaltada: 279 Figura 70 (Ano 4, p. 221) Conforme verificamos, o aluno terá que identificar que, numa campanha educativa, há empresas ou órgãos financiadores que são citados ao final da mensagem. Além de observarmos que a reprodução gráfica do gênero no livro não proporciona legibilidade ao texto, a atividade se remete a um elemento muito presente nas campanhas educativas (órgãos patrocinadores), mas não aborda maiores discussões sobre o gênero, nem tampouco acerca de suas dimensões. Portanto, tal atividade parte do principio de explorar, sutilmente, um elemento composicional da mensagem da campanha educativa. Observamos, ainda, outra atividade que, além de partir da perspectiva de apresentar as características do gênero, aborda-o numa situação de tensão de aproximações e afastamentos dos usos sociais. A atividade a ser discutida está localizada na unidade 15 do Ano 4. Nessa unidade, é proposto um estudo do texto acerca de uma notícia sobre uma chuva de sapos provocada por um tornado no noroeste do México. Vejamos, então, a atividade apresentada na seção de “Produção”: 280 Figura 71 (Ano 4, p. 226) Como percebemos acima, as autoras apresentam algumas dicas de como produzir uma notícia. Dentre elas, está a de apresentação da notícia “Lobo ataca avó e neta”. Com o intuito de oferecer suporte didático para o desenvolvimento da atividade e para se aproximar do universo infantil, as autoras da coleção transformam o conto “Chapeuzinho Vermelho” em uma notícia. Como bem sabemos, as notícias que circulam socialmente realizam um discurso sobre um determinado acontecimento, geralmente, de interesse geral. Sendo assim, seu principal objetivo é relatar fatos verídicos. Na atividade proposta, percebemos nuances de tensões na didatização do gênero em foco, ou seja, afastamentos e distanciamentos quando consideramos a notícias de circulação social. Ao transformarem o conto de Chapeuzinho em notícia, as autoras tentam se aliar ao universo mítico da criança (conto de fadas), distorcendo uma das principais características das notícias que circulam nos espaços não-escolares: um discurso reportado sobre um fato real. Ou seja, tal aspecto consiste em um afastamento das práticas de referência. Por outro lado, a atividade em foco tenta conservar elementos composicionais que são destacados na 281 diagramação do texto na página, contemplando os objetivos didáticos da atividade: imaginar e contar um fato interessante do Bosque dos Contos Encantados. Schneuwly e Dolz (2004) ressaltam o desdobramento que o gênero sofre ao ser, ao mesmo tempo, objeto de ensino e instrumento de interação. Tal compreensão implica que, ao ser inserido no LD, os gêneros saem de sua situação real de circulação para contemplar objetivos específicos referentes ao ensino da língua. Isso, entretanto, não significa afirmar que na exploração didática acerca de um determinado gênero sejam desconsiderados os aspectos sociodiscursivos e linguísticos. Portanto, a notícia “Lobo ataca avó e neta” retrata as nuances de tensão entre a necessidade de se propor objetivos didáticos para que o aluno apreenda as características do gênero notícia e o atendimento ao mundo imaginário infantil. Nesse conflito, a notícia sofre uma deturpação de sua principal característica (relatar um acontecimento verídico), se afastando, portanto, das condições culturais/interacionais em que é produzida. No comando da atividade, por sua vez, é simulado numa situação imaginária, uma vez que solicita aos alunos a elaboração de uma notícia contando um fato interessante do Bosque dos Contos Encantados. Tal aspecto, como já vimos, retrata as intenções de considerar o universo infantil produzindo um efeito lúdico-pedagógico. Ainda na explicitação do comando, observamos a preocupação em ressaltar aspectos composicionais da notícia: “verifiquem se a notícia responde as seguintes questões: O quê? Onde? Quem? Quando? Como? Por quê?” e sua diagramação espacial na folha, “passem a limpo, organizando-o em duas colunas”. Além de apresentar a característica do gênero a produzir, verificamos também que a notícia, “Lobo ataca avó e neta”, é indicada com nomenclatura “reportagem”, o que nos sugere a presença de conflitos referentes às diferenças entre notícia e reportagem. Em geral, podemos observar que a atividade em foco parte do princípio de indicar, no comando, as características composicionais da notícia e, em seguida, apresentar um modelo de notícia considerando os distanciamentos e afastamentos de tal gênero em relação às práticas de referência aqui já discutidas. Outra atividade que utiliza a estratégia de apresentar e depois identificar é a exploração do verbete abaixo: 282 Figura 72 (Ano 5, p. 33) Observamos, primeiramente, a necessidade de se apresentar informações que indiquem o suporte do verbete (O dicionário pode ser usado com a necessidade de quem o consulta. Ele dá o significado da palavra, resolve dúvidas sobre ortografia e oferece informações gramaticais.), seus elementos (abreviaturas, indicações de definições) e, posteriormente, a identificação dos aspectos ressaltados. Ou seja, após da apresentação do gênero e sua composição, é solicitado ao aluno o reconhecimento de seus elementos composicionais (a. Que informação gramatical podemos obter nesse verbete?; b. Quantas definições tem o verbete?) Nessa atividade, as apresentações em torno do gênero verbete servirão de subsídios para que os alunos identifiquem sua composição em outra situação. Tal como está sendo apresentada a atividade, não observamos questões mais especificas sobre a finalidade do verbete nas situações de uso. Ou seja, embora o comando apresente finalidades dos verbetes (dá o significado da palavra, resolve dúvidas sobre ortografia e oferece informações gramaticais), não é foco dessa atividade direcionar perguntas que oportunizem aos alunos reflexões sobre os verbetes em determinadas práticas sociais. 283 Com os dados discutidos nesse item, verificamos que as questões se destinam a transmitir informações sobre o gênero através da explicitação de conceitos e/ou questões que ressaltam seus elementos de forma sutil. Observamos também a exploração de atividades, no caso da mensagem educativa, que não expõem com clareza quais são suas dimensões ensináveis. Ou seja, apesar de estarem atreladas ao discurso de oferecer ao aluno o contato com gêneros que circulam socialmente, não oportunizam reflexões mais sistemáticas sobre as características do gênero. Outro aspecto observado se refere às nuances de tensão ao propor que os alunos se apropriem dos elementos do gênero adequando-o ao mundo imaginário infantil. Em outros termos, no processo de escolarização do gênero, as transformações são inevitáveis, visto que ao ser escolarizado, esse objeto é ao mesmo tempo instrumento de comunicação e objeto de ensino (cf. Schneuwly e Dolz, 2004). Nesse sentido, encontramos atividades que embora explorem sutilmente as características do gênero, desconfiguram algumas de suas propriedades com o objetivo de se aproximar do universo infantil. De forma consensual, o manual do professor e a BCC-PE destacam, como fundamento, o trabalho com os gêneros que circulam socialmente. Todavia, ambos não deixam claro quais as dimensões desse objeto de ensino poderiam ser trabalhadas, ou então, que tipos de atividades poderiam ser propostas ao aluno de forma a favorecer o desenvolvimento de suas capacidades sociodiscursivas e linguísticas. Ressaltamos, ainda, que o enfoque metodológico nessas atividades se afasta dos princípios defendidos no documento curricular. Ou seja, como essas atividades se embasam na transmissão ou explanação de conceitos sem problematizações não corrobora com o perfil de desenvolvimento de saberes e competências apresentadas na BCC-PE. 8.3.2 Atividades que favorecem reflexões sobre as características dos gêneros Ao fazermos um mapeamento sobre as atividades que suscitam algum tipo de reflexão sobre o gênero, através da análise e/ou identificação de suas dimensões, verificamos as seguintes ocorrências: Ano 2 (05), Ano 3 (12), Ano 4 (11) e Ano 5 (17). Como podemos observar, nos anos 3 e 5, há maiores índices de evidências quanto ao trabalho com os gêneros. De forma geral, verificamos que as atividades remetem diretamente aos gêneros e ressaltam tanto seus elementos composicionais quanto aspectos socidiscursivos/ situação de interação. Outro aspecto a ser considerado é o fato das atividades estarem associadas aos gêneros de menor frequência na coleção, tais como cartaz, entrevista, notícia, receita, dentre outros. 284 Destacamos, como exemplo, o estudo de um cartaz educativo no livro do Ano 2 (p. 153-154). Nesse é apresentado o seguinte cartaz: Figura 73 (Ano 2, p. 153) O cartaz acima chama a atenção para a necessidade de vacinar cães e gato de forma a prevenir a raiva. O assunto abordado chama a atenção das crianças, tendo em vista a divulgação, em campanhas, sobre a importância de vacinar os animais. Com relação às suas características gráficas, verificamos que são conservadas, garantindo, assim, a legibilidade. Na primeira questão, é indicado ao aluno o gênero a ser lido e a entidade responsável pela mensagem veiculada. Logo em seguida, é proposta ao aluno uma questão que remete à compreensão do significado da palavra “raiva” no cartaz através do confronto com o verbete da palavra (2.Leia os significados da palavra raiva, de acordo com o Dicionário júnior da língua portuguesa, de Geraldo Mattos. Depois sublinhe o que está de acordo com o cartaz.). Na sequência, é destacada uma questão de identificação da finalidade do cartaz (Na sua opinião, com que objetivo, ou seja, para que foi feito esse cartaz?). Conforme verificamos, ao destacar “para que foi feito esse cartaz”, a coleção propõe uma discussão sobre a finalidade do mesmo. Nesse sentido, mobiliza conhecimentos referentes à intenção sociocomunicativa do cartaz se aproximando da compreensão de que os gêneros são determinados pelas funções 285 que exercem socialmente, ou seja, não são definidos tão somente por uma de suas características, mas sim “como instrumentos semióticos complexos” (cf. Schneuwly e Dolz, 2004) que nos possibilitam a realização de ações de linguagem. Já na quarta questão, é apresentada ao aluno a frase “Com raiva, seu bichinho pode virar uma animal”, para que este sintetize a compreensão da frase (O que você entendeu dessa frase?). Nessa pergunta, é orientado ao professor que chame atenção dos alunos ao fato das sombras dos bichinhos parecerem dois monstros. Como podemos observar, os alunos terão que mobilizar conhecimentos concernentes ao jogo de sentidos presentes na frase a partir dos elementos não verbais (as sombras do cão e gato que dão a impressão de serem monstros). Como vemos, a pergunta atenta para um elemento muito presente, que é o jogo de sentidos das frases, no caso a raiva (a doença) e animal (a possibilidade dos animais ficarem ferozes e atacarem as pessoas caso contraiam a raiva). Com base na compreensão de que a função social do gênero é relevante, a quinta questão ressalta a finalidade da imagem e a linguagem utilizada no cartaz. Vejamos: Figura 74 (Ano 2, p. 153) Apesar das questões acima apresentarem proposições, a priori, ao aluno, verificamos que o mesmo terá que retomar o cartaz para refletir como a constituição da linguagem nãoverbal está atrelada ao objetivo de atrair o leitor. Quando a questão chama a atenção da necessidade da mensagem e dos usos de tipos gráficos, está se remetendo aos elementos estruturais dos cartazes, fazendo com que o aluno mobilize conhecimentos sobre o gênero em questão. Em outros termos, os objetivos se voltam para a necessidade de compreender que o cartaz informa o público sobre algum assunto e se utiliza de uma linguagem verbal clara e curta para facilitar a leitura rápida por parte do leitor. Tal aspecto também é orientado ao professor: 286 O objetivo da questão 5 é levar os alunos a concluírem que um cartaz deva ser escrito com letra de forma de tamanho grande para facilitar a leitura. A mensagem deva ser curta para que a leitura seja rápida e possa ser feita mesmo quando se estiver caminhando. A ilustração do cartaz deve estar relacionada com o texto escrito e ser atraente para chamar a atenção do leitor e ajudar no entendimento da mensagem. (Ano 2, p. 153) Quando o mesmo gênero é alvo de estudos no livro do Ano 5, constatamos que os mesmos tipos de questões são explorados. Ou seja, as atividades propostas em torno do cartaz se propõem a ressaltar as mesmas características, como discutimos acima, sem contemplarem maiores problematizações e aumento de complexidade. Vejamos: Figura 75 (Ano 5, p. 55) Como vemos, o cartaz chama a atenção para um dos problemas que assolam a Mata Atlântica: o desmatamento. O assunto abordado é de cunho social, tendo em vista a necessidade de preservação dos resquícios de mata e das espécies que nela ainda habitam. Com relação às suas características gráficas, verificamos que são conservadas, garantindo, assim, a legibilidade. 287 Primeiramente, percebemos que a atividade antecipa a finalidade do cartaz a partir do texto explicativo localizado acima do cartaz (Campanhas têm sido feitas para alertar as pessoas quanto às graves competências do desmatamento e a importância de preservação dessa floresta.). Em seguida, são apresentados dois textos didáticos que apresentam características sobre a jaguatirica e a onça-pintada para que o aluno aponte qual dos dois animais é alvo do cartaz (Qual desses animais aparece no cartaz da página anterior?) Nessa atividade, podemos encontrar questões que contemplam a finalidade do gênero (Com que finalidade você acha que esse cartaz foi criado?) e a reflexão sobre a relação entre texto verbal e não-verbal (A imagem contribui para passar essa mensagem? Por quê?). Por fim, nas duas últimas questões, os alunos são convidados a refletir sobre os efeitos de sentido provocados pela imagem e sobre a estrutura do cartaz. Vejamos: Figura 76 (Ano 5, p. 57) Como vemos acima, para responder a questão 3 (Na sua opinião, qual a intenção de retratá-lo dessa maneira?), os alunos terão que mobilizar conhecimentos referentes aos efeitos provocados pela imagem. Trata-se de ressaltar a relação intrínseca entre imagem e texto para que o apelo ao não desmatamento seja mais convincente ao público-alvo. Já a pergunta 4 (Os cartazes são geralmente bem ilustrados, com textos curtos e escritos com letras grandes. Na sua opinião, por que isso acontece?), suscita do aluno a compreensão acerca da relação entre os aspectos composicionais e o interlocutor. Em outros termos, o entendimento de que os 288 elementos constitutivos dos cartazes se voltam a leitor e precisam permitir a leitura a distância. Ou seja, as mensagens devem ser atraentes, as imagens devem estar em consonância com o assunto abordado e devem provocar impactos no leitor, dentre outros. Em geral, essa atividade mobiliza conhecimentos acerca das dimensões composicionais e sociodiscursivas do gênero, corroborando com os objetivos didáticos apresentados no manual do professor. Nesse, os objetivos para com os cartazes são identificação de finalidade, interlocutor, relação texto verbal e não-verbal e diagramação do gênero no suporte. Portanto, as habilidades envolvidas na atividade acima se referem à finalidade, uso dos tipos gráficos, fontes e imagens como recursos necessários para oferecer ao leitor apreensão da mensagem a ser repassada de forma rápida e eficaz. Todavia, quando comparada às questões propostas no livro Ano 2, observamos que os objetivos para o gênero em foco são retomados sem progressão. De acordo com a proposta de Schneuwly & Dolz (2004), os objetivos relativos aos gêneros poderão ser abordados de forma mais complexa dependendo do ano/série ao qual se destina. Portanto, embora tais atividades destaquem os elementos composicionais e a finalidade do cartaz, não encontramos maiores discussões sobre a intencionalidade discursiva referente ao emprego da função apelativa. Ao explorar as características do gênero, é reincidente encontrarmos questões que partem do pressuposto de análise e/ou identificação do gênero. Nesse sentido, ressaltamos o trabalho com o gênero receita no estudo do livro Ano 3 (p. 177-178). Trata-se de um texto que ensina como um suco de laranja diferente, intitulada de “Laranja borbulhante”. Tal título remete à inserção de um dos seus ingredientes: uma garrafa pequena de água gasosa. 289 Figura 77 (Ano 3, p.177) Figura 78 (Ano 3, p.178) Como podemos constatar, as questões acima se voltam para a identificação do gênero (a. Que tipo de texto é esse?), finalidade (b.Para que serve esse tipo de texto?; c.Você acha que alguém lê uma receita pelo mesmo motivo que lê um texto narrativo?), orientação espacial do gênero (1c. A forma de ocupar o espaço no papel quando escrevemos uma receita é a mesma de um texto narrativo? Explique.), forma composicional (a. Em quantas partes foi dividido esse texto?/ b.Quais são elas?; d. É importante separar todos os ingredientes antes de iniciar o preparo da receita? Por quê?; f. Para indicação serve a indicação do rendimento da receita?) conteúdo (c. Do que trata a parte “ingredientes”?/ e. E do que trata a parte “Modo de preparar”?/) e estilo (4. Leia o trecho de uma receita escrita e sublinhe as palavras utilizadas com a finalidade de indicar a sequência de ações.) 290 Diferentemente das propostas com outros gêneros, as quais ressaltam duas, três ou quatro questões relacionadas ao gênero, o trabalho com a receita é feito a partir de várias perguntas. No caso desse estudo, com quatorze questões. Tal ênfase pode nos indicar que gêneros com uma estrutura mais estável recebem maior atenção no tratamento das dimensões ensináveis. Ou seja, parece haver a compreensão que a receita apresenta suas dimensões, principalmente, as composicionais, mais perceptíveis e, por isso, possuem objetivos mais definidos. A BCC-PE apresenta, como princípio teórico, o fato de os gêneros se constituírem como formas relativamente estáveis, acompanhado da reflexão do gênero em todas as suas dimensões tema, composição e estilo. Todavia, como vimos discutindo nesse item, os aspectos destacados na atividade com a receita estão direcionados ao reconhecimento da finalidade e a apreensão referente à sua estrutura. Sendo assim, não verificamos, por exemplo, reflexões sobre a linguagem utilizada (direta e clara) e o emprego de verbos no imperativo. O fato de a atividade priorizar tais tipos de questões pode não ajudar os alunos a desenvolverem habilidades de seguir instruções, como também a importância de compreendê-las. Tal comentário é feito porque concebemos que o trabalho com textos da ordem do descrever ações favorece a aprendizagem no que se refere ao modo de como realizar uma atividade necessitando de compreensão precisa das instruções. Já em relação à entrevista, podemos encontrar reflexões não só voltadas para a estrutura, mas também ao suporte e linguagem utilizada em relação ao público-alvo, como no estudo do livro Ano 4 (p. 39-43). Vejamos: 291 Figura 79 Figura 80 (Ano 4, p.39) (Ano 4, p.40) Figura 81 (Ano 4, p.41) 292 Nesse, a entrevistada é Katherine Schurmann, 11 anos, filha da família Schurmann, que vive navegando pelos mares do mundo. Ela concede uma entrevista à revista Gênios, conversando sobre as suas aventuras no mar. Trata-se de uma entrevista que pode suscitar a curiosidade dos alunos sobre como é passar uma parte da vida dentro de um veleiro. A orientação para trabalhar com a entrevista em foco é dada ao professor em três momentos diferentes. O primeiro, no início da entrevista, as autoras sugerem a exploração da distribuição espacial do gênero e a forma como as perguntas e respostas estão dispostas nas páginas. Observemos: antes dos alunos iniciarem a leitura, peça-lhes que observem a disposição do texto nas página e leiam o título. Pergunte: Que tipo de texto vocês irão ler? Como chegaram a essa conclusão? A diagramação do texto dá pista de que se trata de uma entrevista – perguntas e respostas dispostas em colunas e cores diferentes para distinguir a fala da entrevistada da fala do entrevistador. (Ano 3, p.39) Durante a entrevista, a orientação dada é que o docente chame a atenção para observar que, na alternância entre a fala do entrevistador e entrevistado, uma resposta remete à pergunta seguinte. No final da entrevista, a autoras solicitam que o professor chame a atenção para as seguintes dimensões do texto: linguagem clara e objetiva, tanto na formulação das perguntas, como na formulação das respostas; compromisso com a realidade, uma vez que os fatos relatados não são fictícios , mas reais; variação na diagramação para diferenciar a fala do entrevistado da fala do entrevistador. Em alguns casos, existe diferenciação no tamanho ou na cor das letras; em outros são citados, o nome da revista ou jornal, para indicar as perguntas, e o nome do entrevistado, para indicar as respostas. (Ano 3, p.41) Como vemos, as autoras da coleção se preocupam em orientar o professor sobre quais dimensões do gênero devem ser enfatizadas no trabalho com o gênero entrevista. Nesse sentido, destaca elementos referentes à composição (orientação espacial do gênero e modelo cânone de perguntas e respostas), ao conteúdo (o compromisso com a realidade dos fatos) e ao estilo (linguagem clara e objetiva). Na atividade proposta ao aluno, tais elementos são retomados através de questões de localização de informação e reflexão sobre aspectos específicos do gênero, as quais remetem a certas características do gênero em foco. Na primeira questão (1.a.A entrevista é uma conversa ou uma história contada por um narrador?), o aluno é convidado a perceber 293 elementos inerentes à natureza do texto (dialogo ou narração) e, na segunda, é suscitado o reconhecimento da finalidade do texto (1.b/ Para que serve esse tipo de texto?). Em seguida, o foco recai sobre as possíveis situações de circulação da entrevista (1.c /Onde você costuma ler, ouvir ou ver entrevista?). Na sequência da atividade, através de uma pergunta de localização de informação, os aspectos composicionais são destacados (1.d/ Quem é a pessoa entrevistada; 1.e/ Quem é o entrevistado?; 1.g. Nesse tipo de texto, são apresentadas, de forma diferente, as perguntas do entrevistador e as respostas da entrevistada. Na entrevista com Katherine Schurmann, como foi feita essa diferenciação?). Em seguida, é proposta uma questão que chama a atenção ao fato de a pessoa a ser entrevistada ser conhecida publicamente, de forma permanente ou circunstancial (1.f/ O que a vida dessa menina tem de diferente para se tornar assunto de uma entrevista publicada em revista?). Como podemos observar, os aspectos ressaltados acima se voltam para a identificação da finalidade, da situação de circulação, e, de forma mais expressiva, aos elementos estruturais da entrevista. Ou seja, a preocupação com a composição é caracterizada por perguntas e respostas, envolvendo, pelo menos, dois sujeitos (o entrevistado e o entrevistador). Segundo Hoffnagel (2002), trata-se de um modelo cânone de entrevista, sendo o entrevistador responsável pelos questionamentos e o entrevistado, pelas respostas. Entretanto, não observamos reflexões mais sistemáticas sobre a distribuição de funções referentes aos papéis desempenhados na entrevista. Segundo Schneuwly e Dolz (2004): o entrevistador abre e fecha a entrevista, faz perguntas, suscita a palavra do outro, incita a transmissão de informações, introduz novos assuntos, orienta e reorienta a interação; o entrevistado, uma vez que aceita a situação, é obrigado a responder e fornecer as informações pedidas (p. 86) No final da atividade, podemos encontrar mais duas perguntas que remetem ao suporte no qual foi veiculada a entrevista e a adequação da linguagem, tal como: 294 Figura 82 (Ano 4 p.42) Nessas questões, o que está sendo mobilizado é a relação entre a adequação da linguagem ao público-alvo. Ou seja, os alunos precisam compreender que o tipo de entrevista a ser inserido na revista dependerá do leitor em potencial. Sendo assim, chama a atenção dos elementos sociodiscursivos do gênero em foco: para quem se destina tal entrevista. Ressaltamos também que perguntas dessa natureza destacam, ainda que de forma tímida, a compreensão de que os tipos de entrevistas variam de acordo com a intencionalidade, alterando o tipo de informação ao público-alvo. Nessa perspectiva, Hoffnagel (2002) ressalta três tipos: a) as que entrevistam um especialista em algum assunto com as finalidade de explicar um fenômeno. [...]; b) as que entrevistam uma autoridade, geralmente conhecida pelo público, para obter sua opinião sobre um evento em destaque nas noticias [...]; c) as que entrevistam pessoas públicas [...] e que têm a finalidade de promover o entrevistado [...] ou de fazer com que o público conheça melhor a pessoa entrevistada. (p.183) No entanto, na atividade proposta em torno desse gênero, não foram observadas discussões mais aprofundadas sobre a natureza do gênero que, sendo “oral”, pode ser 295 transcrito para publicações em revistas e jornais. Além do mais, as fases de sua construção interna (abertura, apresentação do entrevistado e assunto, desenvolvimento e encerramento) se movimentam de acordo com a situação de produção e a constituição das sequências dialogais. O suporte e os elementos estruturais também são ressaltados no gênero notícia, na atividade do livro Ano 4 (p. 202-204). Trata-se de uma notícia intitulada “Um macaco amigo para um leão faminto” que relata a apreensão de um leão, através de denúncias de maustratos. Como o macaco esperneou para não se separar do leão, acabou indo junto para o 146 º Departamento de Policia em Campos no Rio de Janeiro. Embora a notícia não seja apresentada na íntegra, há um cuidado em relação à preservação de sentido. Observamos que, para o professor, as orientações se voltam à necessidade de discutir com os alunos o contexto de circulação dos jornais, distribuição em cadernos, sua finalidade e os elementos que compõem a página principal do jornal. Após a apresentação da notícia intitulada “Um macaco amigo para um leão faminto”, é sugerido um estudo sobre o gênero em foco. Dentre as questões, destacamos aquelas que remetem ao gênero. São elas: Figura 83 (Ano 4, p.203) 296 Conforme verificamos, quando as questões ressaltam a distribuição espacial da notícia, os títulos e subtítulos oferecem aos alunos conhecimentos sobre os aspectos estruturais dos mesmos. Nesse sentido, ao chamar a atenção, na questão 2, de como o “texto é organizado na página”, sugere uma preocupação com o reconhecimento do gênero em outros espaços de circulação ou quando destaca “a identificação dos títulos e subtítulos”, nas questões 3 e 4, se aproxima da compreensão de que tais elementos são relevantes para antecipar ao leitor o que será abordado. Ou então destaca a situação de circulação do gênero ao perguntar de que jornal foi retirada a notícia, na questão 1. Além do mais, buscando a constituição da veracidade da notícia, a atividade realça a necessidade de inserir depoimentos, tal como vemos abaixo: Figura 84 (Ano 4, p.203) Grillo e Cardoso (2003), a partir dos pareceres dos avaliadores dos LDP do 3º e 4º, destacam que “já se encontram questões envolvendo a finalidade, os interlocutores preferenciais e o suporte dos textos em estudo, principalmente quando estes foram extraídos de revistas ou jornais” (p. 112) Dado o exposto, constatamos que, embora as atividades desse item suscitem alguma reflexão sobre o gênero, tais discussões ocorrem, principalmente, relacionadas à dimensão composicional do gênero. Em contrapartida, verificamos, ainda de forma tímida, que algumas atividades oferecem algumas reflexões sobre produção/recepção dos gêneros, sobretudo nos seguintes aspectos: as características do suporte, a orientação espacial do gênero na página de jornal ou revista, a finalidade dos respectivos gêneros. As atividades adotam um enfoque metodológico que propicia reflexões sobre as dimensões do gênero sem, necessariamente, problematizar e sistematizar tais conhecimentos. Constatamos, ainda, que as questões de compreensão eram, principalmente, de localizar informação. Outro aspecto que observamos é que, quando o trabalho é em torno dos gêneros cartaz, receita, entrevista, a coleção propõe um maior quantitativo de questões. Tal abordagem 297 nos sugere que, por apresentar composição mais delimitada visivelmente, os objetivos didáticos para com o cartaz, receita e entrevista são expostos com maior clareza. Sendo assim, há uma oferta maior de perguntas que remetem aos elementos composicionais e, de forma menos expressiva, aos elementos sociodiscursivos. Tais tipos de atividades discutidas neste tópico, sem dúvida, favorecem, apesar das ressalvas feitas, a apropriação de conhecimentos importantes sobre os gêneros e o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, estando, portanto, em consonância com as proposições da BCC – PE. No entanto, tais sequências não eram freqüentes e a maior parte delas não promovia, nas situações de produção de textos, situações em que os estudantes pudessem interagir com interlocutores para atender às finalidades sociais próprias dos diferentes gêneros em pauta. No tópico a seguir, são discutidas proposições que tinham tal característica. 8.3.3 Atividades que aproximam o gênero das situações reais de uso Como já vimos discutindo anteriormente, o trabalho com os gêneros discursivos oportuniza aos alunos o desenvolvimento de habilidades para agir discursivamente em determinadas interações verbais. Corroboramos com Schneuwly & Dolz (2004) quando destacam que, embora o gênero passe por uma transformação quando introduzido em outro espaço social fora daquele de referência, podemos oferecer aos alunos situações que estejam mais próximas de verdadeiras situações de comunicação. Nesse sentido, procuramos, nesta categoria, discutir as atividades que propõem estudos sobre os gêneros numa perspectiva de contextualização, problematização e reflexão de suas características. Com a análise dos dados, percebemos que determinadas propostas favorecem o uso da linguagem em situações próximas às extra-escolares, nas quais os gêneros são compreendidos em sua natureza dialógica. Nesse sentido, as atividades aqui citadas, em geral, se vinculam a práticas de projetos e oportunizam ao aluno pesquisas sobre o gênero, reflexões sobre algumas de suas características e apresentam uma situação prática. Segundo o manual do professor: Os projetos têm a intenção de colocar os alunos em contato com práticas de língua oral e escrita amparadas por propósitos sociais definidos e com interlocutores reais, previamente determinados. Ler, escrever, falar e escutar ganham dimensão prática, com objetivos imediatos, tendo em vista o objetivo final. Dizendo de outra forma, o trabalho com projetos possibilita situações de produção em os contextos diferem daqueles do cotidiano escolar. (p. 15) 298 Tal como vemos acima, o propósito de se oferecer algumas sugestões de projetos ao longo dos quatro livros da coleção parte da necessidade de inserir os alunos em práticas mais de usos da língua miméticas às extra-escolares. Todavia, nem todos os projetos apresentados pela coleção exploram de forma equilibrada as dimensões do gênero, composição, tema e estilo. Ou seja, embora encontremos os projetos trovas e seminário (MP, p.39 a 44) no primeiro ano; histórias e poemas (MP, p. 44 a 53), no terceiro ano; seminário e literatura de cordel (MP, p. 40 a 53), no quarto ano; e, por fim, biografia e historias de suspense (MP, p.45 a 52) no quinto, verificamos que apenas um deles explora, de forma sistemática, todas as dimensões do gênero favorecendo aos alunos reflexão acerca de suas características próximas as situações reais de uso. Já os outros, embora, retomem algum aspecto do gênero e apresentem situações de produções com etapas a serem desenvolvidas, a ênfase ora recai sobre os aspectos tipológicos, (Ano 3, histórias), ora enfatizando mais a estrutura (Ano 5, biografia e historias de suspense), ou então em situações que exploram de forma sutil alguma característica (Ano 4, literatura de cordel). Nessa perspectiva, destacamos, como exemplo, o projeto intitulado “Seminário e mural com informações sobre animais do Polo Sul” (Apêndice, Ano 2, p.41-44). Essa proposta se articula a uma atividade da unidade 12 (Ano 2 p.190 a 192), na qual são oferecidas aos alunos questões que remetem às características dos pinguins a partir de um artigo científico. Portanto, o projeto proposto incita os alunos a pesquisarem informações sobre animais da Antártida para um seminário e montar um mural intitulado “Fique Sabendo”. Trata-se de um projeto interessante, visto que elege um gênero oral que mobiliza conhecimentos referentes à exposição das informações pesquisadas, uso da linguagem formal, elaboração de esquemas para orientar a fala, utilização de recursos, entre outros. A partir do seminário, os alunos poderão se apropriar de certos conhecimentos para pensar em gêneros mais próximos que também precisam de atividades de antecipação e planejamento, como apresentações empresariais, conferências etc. Na perspectiva de Schneuwly & Dolz (2004), “é preciso que nos concentremos no ensino do gênero da comunicação pública formal. (p.174). Nas orientações, também são oferecidos esclarecimentos referentes aos procedimentos de organização de equipes, coleta das fontes de pesquisas, leitura e registro de informações. Tais aspectos são relevantes, pois os alunos são convidados a ter autonomia, envolvendo as capacidades de levantar, selecionar, analisar e registrar informações relevantes. 299 Depois de toda coleta, registro de informações curiosas e importantes sobre os referidos animais, o projeto em foco orienta as etapas para a apresentação do seminário: (a) apresentação, (b) ensaio da apresentação e (c) apresentação. A explicitação de tais aspectos tanto orienta o professor acerca das características do gênero a serem trabalhadas, como oferece ao aluno a oportunidade de refletir sobre o seminário de maneira mais sistemática. Sendo assim, na etapa de planejamento da apresentação, é destacado: Será preciso orientar os grupos sobre o que cada um vai dizer, em que ordem vão falar. Informe aos alunos que não é necessário decorar as palavras do texto, mas é preciso saber as informações que serão apresentadas. Comunique-lhe também que cada equipe terá 10 minutos para se apresentar, daí a importância de ensaiarem o que vão contar (Apêndice, Ano 2, p. 43) Conforme observamos, a atividade está sendo pensada com propósitos definidos, proporcionando ao aluno uma reflexão sobre o que será apresentado. Ou seja, mobiliza habilidades referentes ao planejamento da ação destacando a relevância de saber o que dizer e como dizer. Portanto, o aluno estará refletindo sobre o que será abordado e a distribuição do tempo para o atendimento a algumas das características do seminário: a objetividade e a segurança. Logo em seguida, na etapa ensaio da apresentação, a atividade orienta o professor a combinar o ensaio de cada grupo, destacando que o interlocutor será o próprio professor e os integrantes da equipe. Nessa fase, são sugeridos ao professor não só a necessidade de ensaiar, mas também alguns critérios de avaliação. Vejamos: Durante os ensaios, dirija a atenção dos alunos para a importância de ouvirem os colegas com atenção. Após cada apresentação, estimule-los a darem dicas sobre o jeito de falar de cada componente – se a voz está alta ou baixa, se está sendo claro, se fala olhando para a platéia e num bom ritmo: nem devagar nem depressa demais etc. Participe também fazendo comentários. (Apêndice, Ano 2, p. 43) As orientações acima citadas proporcionam o desenvolvimento da capacidade de organização do que será exposto e como será exposto, contribuindo, assim, para que a finalidade do seminário seja alcançada. Trata-se de um trabalho organizado e planejado para que tal atividade não consista apenas numa atividade que ofereça aprendizagens somente para aqueles que apresentam o seminário, mas também traga contribuições para o ouvinte. 300 Ao destacar “se a voz está alta ou baixa, se está sendo claro, se fala olhando para a platéia e num bom ritmo: nem devagar nem depressa demais etc”, a atividade atenta para que o aluno reflita sobre suas escolhas linguísticas e sociodiscursivas frente ao interlocutor de forma a atender a uma das características do seminário, que é a objetividade e clareza. Por fim, a última etapa destacada pelo livro remete à ação da apresentação. Nessa, são dadas ao professor orientações gerais, tais como a escolha da data para a apresentação e os informes aos alunos para exporem as ilustrações coletadas das características do animal escolhido pela equipe. Assim, os gêneros são introduzidos na escola sob uma decisão didática, passando a ter novos objetivos: primeiro, o aluno precisa aprender a dominar o gênero para, posteriormente, desenvolver capacidades que lhe possibilitem ultrapassar outros gêneros. Com o exposto, observamos que a atividade em torno do seminário auxilia os alunos a produzirem textos de diferentes gêneros, selecionando recursos linguísticos e discursivos em função das finalidades, da situação de interlocução e das características dos interlocutores. Sendo assim, oportuniza o desenvolvimento da linguagem oral através do contato com os gêneros de contextos mais estruturados e formais. Corroboramos com Schneuwly e Dolz (2004), quando ressaltam: a escolarização dos gêneros orais suscita inevitavelmente transformações, algumas sob o controle mais ou menos consciente dos parceiros de ensino, outras automaticamente ligadas às restrições das situações didáticas. (p. 179) Nesse sentido, a atividade destacada nesse item representa a tentativa da coleção de oferecer ao aluno a oportunidade de se apropriar das dimensões do gênero, enfatizando, ao mesmo tempo, os objetivos didáticos e uma interface com os usos reais da língua. Tal perspectiva metodológica se aproxima da perspectiva da língua em seus usos, uma vez que corrobora com a compreensão de que os gêneros são modos de dizer, numa visão histórica e são utilizados conforme as necessidades situações de práticas da língua. A BCC-PE e o manual do professor apontam para a necessidade de se trabalhar com a língua materna na perspectiva de seus usos sociais. O documento indica princípios de que os gêneros devem se constituir como ponto central para o trabalho com a linguagem, embora nem sempre tal aspecto seja alvo de reflexão nas competências apresentadas. O manual do professor, por sua vez, apresenta como objetivo a possibilidade de vivenciarem a língua em seus usos. Desse modo, a presença de sequências como a que apresentamos neste item evidenciam proximidade entre o que é orientado na BCC e o que é proposto ao professor 301 vivenciar com seus alunos na coleção mais adotada em Pernambuco. No entanto, na BCC é indicado que esta seria a tônica central do processo de ensino da língua, enquanto que, nos livros, tais propostas convivem com outras que tem princípios didáticos bastante diferentes, conforme apresentamos nas análises das atividades que acompanham mais frequentemente os textos didáticos, as tirinhas, os bilhetes, as piadas e os poemas. Síntese do capítulo Nesse capítulo, analisamos os saberes e habilidades relativos aos gêneros que estão sendo contemplados na proposta da coleção Porta Aberta. Primeiramente, constatamos que o material da coleção é bastante diversificado e contempla os cinco agrupamentos propostos por Schneuwly e Dolz (2004), sendo o de instruções e prescrições os que apresentam menor percentual. Todavia, verificamos que nem sempre os gêneros mais frequentes são os mais enfocados em atividades de interpretação de textos e de reflexão sobre as diferentes dimensões dos gêneros. Em relação ao tratamento didático dado aos gêneros na coleção, constatamos que, em geral, os textos didáticos são explorados para o estudo de conteúdos do eixo de análise linguística, mais especificamente, para o estudo de ortografia, pontuação, paragrafação, classes gramaticais, sem haver reflexões acerca das relações entre tais conteúdos os efeitos de sentido dos textos ou das relações entre os recursos linguísticos e o estilo dos gêneros. O mesmo acontece com as tirinhas, as piadas, e vários bilhetes e poemas Em relação ao poema, embora também sejam encontradas atividades voltadas para conteúdos gramaticais descontextualizados das características dos gêneros, várias sequências da coleção propõem questões que, de forma expressiva, enfatizam os conhecimentos sobre a estrutura do poema com objetivos voltados para a identificação e conceituação de versos, estrofes e rimas. Neste caso, são contempladas as dimensões forma composicional e estilo do gênero. No que concerne ao conto, observamos, em geral, que se destinam a trabalhar os elementos da narrativa, confundindo, algumas vezes, o gênero com a tipologia. Em contrapartida, algumas atividades, principalmente nos contos de suspense, discutem recursos utilizados pelo autor para provocar efeitos de sentido no leitor remetendo ao estilo do gênero. Assim, são contempladas as dimensões forma composicional, com as ressalvas apontadas no início deste parágrafo, e estilo. No entanto, pode-se apontar como problema na abordagem deste gênero, a grande quantidade de textos fragmentados, que terminam por reduzir a riqueza 302 textual presente nos textos autênticos. O mesmo também pode ser apontado em relação aos poemas, que também são introduzidos muitas vezes incompletos. Em relação às histórias em quadrinhos, verificamos que as dimensões do gênero destacadas nas atividades remetem aos aspectos de circulação, elementos não-verbais (expressões e gestos) e/ou características composicionais. Todavia, são oportunizados poucos momentos para os alunos sistematizar conhecimentos referentes aos elementos constitutivos das histórias em quadrinhos. No que se refere à abordagem metodológica relativa às sequências de atividades que contemplam interpretação de textos e reflexões sobre as características dos gêneros discursivos, foram elaboradas três categorias, que abrangem os modos como o trabalho com gêneros aparecia na coleção. A primeira categoria consiste em apresentar e/ou explanar conceitos referentes a alguma dimensão do gênero. Nessa, o enfoque metodológico perpassa pela transmissão de algum conceito e/ou questões que ressaltam seus elementos de forma sutil. Constatamos também, em algumas atividades dessa natureza, a falta de clareza em relação às dimensões ensináveis do gênero ou então a desconfiguração da alguma propriedade do gênero tendo em vista a necessidade de se adequar ao universo imaginário infantil. Já na segunda categoria, as atividades favorecem reflexões sobre o gênero, explorando seus aspectos por meio da análise e/ou identificação das características composicionais ou sociodiscursivas. Nessa, os alunos são convidados a refletir acerca da dimensão composicional e, de forma menos expressiva, produção/recepção dos gêneros. Por fim, na última categoria, encontramos um exemplar de atividade que aproxima o gênero das situações reais de uso, pois, além de desenvolver um trabalho mais sistemático com o gênero, enfocando suas dimensões, propõe a inserção dos alunos em situações que se aproximam dos usos reis da língua. Vemos, assim, que na coleção convivem diferentes concepções acerca dos objetos de ensino do componente curricular língua portuguesa. Em muitas sequências de atividades, enfoca-se o trabalho com conteúdos gramaticais, tal como tradicionalmente era realizado o ensino da língua. Subjaz a tais propostas uma concepção de língua como sistema e pouca atenção é dada aos efeitos de sentido que os recursos linguísticos provocam ou mesmo à relação entre recursos linguísticos e estilo do gênero. Em outras sequências, o foco nos gêneros discursivos é claro, embora sejam observados resquícios de um ensino centrado nos tipos textuais, a que Schneuwly e Dolz (2004) denominam de Pedagogia do Coroamento. Fazem-se presentes, também, propostas em 303 que o trabalho com gêneros prioriza claramente a dimensão forma composicional, com reflexões quase exclusivamente acerca da estrutura do texto, e outras em que se agregam, também, reflexões sobre os aspectos sociodiscursivos e estilo. Desse modo, a coleção é bastante eclética, o que talvez seja resultado de um momento histórico em que muitas mudanças curriculares vem sendo realizadas em um curto período de tempo. Como dito anteriormente, também na BCC – PE diferentes tendências teóricas parecem orientar as concepções e a definição dos objetos de ensino. Assim, tanto um documento quanto o outro contemplam o trabalho voltado para o ensino da leitura e produção de textos na perspectiva dos gêneros discursivos, apresentando alguns distanciamentos quanto aos princípios desta abordagem teórica. No próximo tópico, destacaremos as considerações finais desse trabalho. Para tanto, retomaremos aos dados buscando tecer compreensões entre a BCC-PE e a coleção mais adotada no estado de Pernambuco referentes à abordagem didática do gênero. 304 CAPÍTULO 9 Considerando os encontros e desencontros Como foi discutido no capítulo 4, buscamos, nesta pesquisa, analisar a Base Curricular Comum de Pernambuco e a coleção de livros didáticos destinada ao ensino de língua portuguesa mais adotada neste estado. Neste capítulo final do trabalho, podemos tecer algumas considerações sobre as semelhanças e diferenças entre as orientações da BCC-PE relativas ao trabalho com o texto e as proposições didáticas da coleção “Porta Aberta” para o trabalho com leitura, produção e reflexão sobre os textos orais e escritos. Por meio das análises realizadas nos documentos, foi possível responder às questões propostas neste estudo, as quais revelaram movimentos de aproximações e afastamentos entre os princípios defendidos no documento curricular e na coleção em foco. Por meio de leitura prévia da BCC-PE - a pré-análise, de acordo com Bardin (2004) -, foi possível constatar que nesse documento é explicitada a adoção de uma perspectiva curricular em que o texto é a unidade linguística prioritária no ensino da língua e não mais os conteúdos relativos à teorização gramatical com foco nas classes gramaticais e análise sintática, tal como predominava no ensino da língua portuguesa. Foi possível também verificar que a abordagem dos gêneros discursivos exerceu influência marcante na construção da proposta, sendo um conceito chave, sobretudo, na apresentação dos fundamentos teóricos subjacentes à proposta curricular. Nessa perspectiva, considerando que a teoria bakhtiniana de gêneros discursivos perpassa as orientações constantes na BCC-PE, objetivamos aprofundar as análises, a fim de compreender os impactos dessa abordagem nas prescrições apresentadas no documento. Desse modo, inicialmente, buscamos analisar a concepção de gênero discursivo expressa na BCC-PE, os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a proposta, os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos indicados para as diferentes etapas de escolaridade, as orientações relativas à metodologia a ser empregada no trabalho com os gêneros discursivos na BCC-PE, tanto na modalidade oral quanto na escrita, as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos, com foco na escolha dos livros didáticos de língua portuguesa. Logo após, foram realizadas as análises do manual do professor da coleção de livros didáticos e os princípios didáticos relativos ao ensino de 305 gêneros discursivos que perpassam tal recurso didático, considerando-se as categorias construídas nas análises da BCC-PE. Justificamos, portanto, a importância da realização de tal comparação devido ao fato de que o momento da escolha desta coleção no âmbito das secretarias de educação foi concomitante às discussões relativas ao processo de elaboração da BCC-PE. Desse modo, é importante analisarmos se as mesmas concepções acerca do ensino da língua estavam orientando a elaboração do documento curricular e a escolha dos livros didáticos nas secretarias de educação. Como foi explicado no capítulo 4, após a pré-análise, em que as abordagens centrais que perpassavam a BCC foram identificadas, foram realizadas novas análises do documento por meio de uma leitura exploratória, na qual foram construídas categorias de análise. Por fim, foram feitos os tratamentos dos dados, considerando as categorias construídas. Isto é, fizemos a exploração mais detalhada dos dados identificados na pré-análise. Assim, inicialmente, isolamos as recorrências das informações, suas características semelhantes e/ou relacionadas para, em seguida, darmos continuidade ao processo de classificação e agregação, ou seja, a formulação de categorias. Com base nas categorizações e interpretações dos dados, foram extraídas algumas conclusões, descritas a seguir. Em relação à concepção de linguagem, texto e gênero, constatamos que tanto o documento curricular quanto o manual da coleção apresentaram indícios de que o ensino de língua portuguesa deve se pautar na perspectiva da língua como interação social. Todavia, tal compreensão é mais discutida no documento curricular, o qual apresenta pressupostos que se aproximam do caráter social da linguagem humana proposto pela perspectiva bakhtiniana. Já na coleção, especificamente no MP, constatamos fragmentos que ora aproximam a linguagem de seus usos ora a distancia. Esse aspecto é constatado pelo movimento de conflitos no MP, o qual orienta tanto à necessidade de se trabalhar numa abordagem de linguagem como atividade social, como também apresenta sugestões que enfocam um trabalho com a língua a partir de pressupostos transmissivos e dissonantes das práticas sociais. Quanto à compreensão dialógica da língua, a BCC-PE destaca, em seus pressupostos teóricos, que os textos são respostas a outros textos produzidos numa situação específica. Esse princípio se aproxima da compreensão bakhtiniana de que os sujeitos estão imersos em um elo contínuo na cadeia de comunicação verbal na qual os enunciados estão relacionados às construções coletivas de significações. Portanto, os enunciados definidos pela situação de interação, além de estarem sujeitos ao movimento de compreensão e respostas determinado 306 pela alternância dos ouvintes, também se configuram em respostas a outras vozes que circulam na sociedade. Todavia, tal princípio defendido no referido documento não é aprofundado com relação à intencionalidade dos sujeitos nos discursos e como as formas relativamente estáveis poderiam ajudar a antecipar os objetivos pretendidos do texto. Já no que concerne à coleção, não observamos orientações e/ou discussões que remetam à compreensão de que os textos são produtos histórico-sociais e estão inseridos numa cadeia dialógica. Não há discussão sobre a constituição dos gêneros como objetos culturais. A concepção de que o texto é uma entidade concreta e se materializa no gênero foi observada na proposta curricular e no manual da coleção. Nesses, constatamos fragmentos que remetiam ao entendimento de que os textos se configuram como materialidade empírica e, como tal, pertencem a gêneros diversos. Sendo assim, dependendo da finalidade, os gêneros operariam como ferramentas nas situações sociais. Entretanto, ressaltamos que tal aspecto foi verificado, de forma mais explícita, na BCC-PE. Observamos também que ambos os documentos analisados retomavam o embasamento do gênero como forma relativamente estável do enunciado. Esse princípio na BCC-PE estava relacionado às condições particulares dos enunciados e a uma determinada situação de interlocução, embora tenhamos constatado que tal compreensão não está sendo retomada na maioria das competências apresentadas pela proposta curricular. Já o MP da coleção sequer discute tal aspecto, relacionando-o ao ensino de língua portuguesa. Outro dado refere-se à compreensão de que os gêneros são definidos por características composicionais e sociodiscursivas. A BCC-PE apresenta algumas passagens que destacam os elementos do gênero: composição, tema e estilo. Nessa discussão, se aproxima da perspectiva bakhtiniana ao compreender que um enunciado pode ser relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico, dependendo da esfera de circulação e função. No entanto, os pressupostos remetem, de forma mais expressiva, à forma composicional do gênero, com poucas discussões sobre os objetivos e as diferentes situações de circulação do gênero. Já a coleção, quando apresenta os objetivos didáticos, remete tal aspecto aos elementos constitutivos do gênero. Ou seja, ao expor as orientações para cada unidade dos livros, ressalta, de alguma forma, as dimensões ensináveis do gênero. Sendo que, em geral, também neste documento, os aspectos composicionais se destacam frente aos elementos sociodiscursivos. No que concerne aos princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a proposta, verificamos que, inicialmente, ambos os documentos analisados corroboram com o princípio da diversidade de gêneros. Na BCC-PE esse princípio é 307 ressaltado tanto na fundamentação teórica quanto na seleção dos recursos didáticos. Na coleção, o princípio supracitado aparece, em algumas passagens do manual do professor, relacionado aos usos sociais mais frequentes. Todavia, em ambos os documentos, não constatamos problematizações e/ou sugestões que possam orientar o público leitor a outros critérios que poderiam a eles estar relacionados. Ou seja, quais gêneros selecionar para trabalhar em cada etapa da escolaridade e/ou quais dimensões dos gêneros orais e escritos poderiam ser enfocadas para desenvolver as habilidades linguísticas e discursivas dos alunos. A compreensão de que o texto deve ser a unidade de ensino também foi outro aspecto constatado, tanto na BCC-PE quanto na coleção. No primeiro, tal pressuposto é apresentado na fundamentação teórica e nas sugestões de competências dos diversos eixos de ensino. O desenvolvimento das habilidades se associa, de forma geral, aos objetivos e finalidades previstas nos textos e às estratégias de leitura. Entretanto, constatamos que a discussão acerca da materialização do texto em um determinado gênero não é contemplada na maioria das competências apresentadas. Já o manual do professor também destaca a relevância de utilizar os textos como unidade para o ensino de língua materna, embora também não contemple, muitas vezes, a discussão associada ao gênero. Ainda sobre o trabalho com os textos, a BCC-PE elege como fundamento a necessidade de se trabalhar com textos orais e escritos, entretanto, não aponta discussões sobre como esse material também podem servir de suporte para maiores reflexões e teorizações. No MP da coleção também não observamos discussões sobre como o trabalho com os textos orais e escritos pode possibilitar ao aluno não só o desenvolvimento de certas competências linguísticas e discursivas, mas também a compreensão de que o referido material se configura em um objeto de aprendizagem que se pode sistematizar. Ressaltamos, ainda, relações entre a necessidade de se trabalhar com as semelhanças e diferenças e a modalidade oral e escrita a partir dos textos orais e escritos. Já no que diz respeito às orientações relativas à escolha dos recursos didáticos, a BCC-PE apresenta nove princípios referentes à seleção dos textos a serem trabalhados. Tais proposições recaem sobre a natureza do conteúdo dos textos (temática), as esferas de circulação (universos culturais diferentes, textos de gêneros variados, dialetos e registros, domínios de produção) e/ou os aspectos gráficos editoriais (extensão compatível à faixa etária, unidade de sentido, projeto gráfico, elementos de contextualização). Já em relação ao recurso livro didático, a discussão apresentada pela BCC-PE permeia dois pólos: a relevância de esse instrumento estar disponível aos professores e a ressalva do mesmo não ser o único recurso didático a ser utilizado. Todavia, não há discussão no documento sobre critérios de 308 escolha do livro e/ou orientações sobre a relação entre os princípios propostos por este e o livro didático a ser adotado. Outra evidência, a partir da análise dos dados, remete aos saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos indicados nos eixos da oralidade, leitura, escrita e análise linguística mapeados na BCC-PE. Em geral, verificamos que são apresentadas poucas competências que articulam as habilidades aos gêneros. Nesse sentido, no eixo da oralidade, constatamos a presença de duas competências que remetem mais explicitamente ao(s) gênero(s), sendo que uma se aproxima da teoria bakhtiniana, por ressaltar as diferenças entre discurso primário e secundário, e a outra se afasta por não considerar todas as dimensões do gêneros, especificamente, os elementos sociodiscursivos. Outras habilidades são apresentadas para o trabalho a partir dos textos orais, tais como as que estão direcionadas à utilização do registro, dos recursos coesivos, identificação de objetivos e ponto de vistas, sem apresentar elementos que retomem um princípio defendido pelo documento: a materialização dos textos em determinados gêneros. No eixo da leitura, encontramos apenas uma competência diretamente referente aos gêneros discursivos, mais especificamente ao aspecto composicional. Nesse sentido, há uma maior indicação de saberes relacionados aos textos enfocando as situações de produção, efeitos de sentidos, usos de recurso coesivos dos textos, dentre outros. Portanto, não há indicações de como o trabalho com os gêneros poderia ajudar no desenvolvimento dessas habilidades propostas. No eixo da escrita também é reincidente encontrarmos poucas competências que favoreçam uma discussão entre o desenvolvimento da habilidade articulado às reflexões sobre os gêneros ou à consideração das características dos gêneros. Verificamos a indicação de apenas duas competências que articulam tal aspecto. Em movimento contrário, há um número significativo de competências voltadas para os elementos sociodiscursivos relativos aos textos, sem considerar o seu pertencimento aos gêneros discursivos, às estratégias de organização dos textos e aos aspectos linguísticos. Ressaltamos, entretanto, que algumas dessas competências estão pautadas numa compreensão de linguagem embasada no pressuposto do dialogismo proposto por Bakhtin (2002). Por fim, no eixo de análise linguística, verificamos a ausência de competências associadas à noção de gênero. Dentre as que se relacionam ao texto, uma se refere à natureza discursiva e interdiscursiva da língua, se aproximando da compreensão de discurso tecido num elo contínuo de linguagem, tal como postula Bakhtin (2002). Já as outras habilidades 309 remetem aos elementos mais estruturais da língua e de pontuação, não aprofundando as relações com as situações de uso e construções de sentido. Em suma, foi observado que na BCC – PE é defendido explicitamente, nos tópicos de apresentação dos princípios e fundamentos teóricos, que o texto é a unidade de ensino no componente curricular língua portuguesa e que o trabalho com o texto deve ser realizado com base nos pressupostos subjacentes à abordagem dos gêneros discursivos. Reincidentemente são apresentados vários princípios que aproximam tal documento dos preceitos defendidos na teoria bakhtiniana de linguagem. No entanto, contraditoriamente, nos tópicos em que são materializados os objetos de ensino (conhecimentos, habilidades, competências), são valorizados aspectos relativos ao trabalho com texto como espaço de interação, mas há pouca articulação entre tais aspectos e os pressupostos relativos aos gêneros. Não são dadas pistas suficientes que evidenciem como tais instrumentos culturais – os gêneros discursivos - podem mediar a aprendizagem das práticas de linguagem. Isto é, quais dimensões dos gêneros seriam ensináveis de modo a contribuir para o desenvolvimento das habilidades de leitura e produção dos diferentes textos que circulam socialmente. Parece estar subjacente uma suposição de que o mero contato com os diversos gêneros seria suficiente para que os estudantes aprendam a lidar com os textos que circulam socialmente. No entanto, tal princípio didático não é defendido explicitamente. Em resumo, a defesa de um trabalho centrado nos gêneros discursivos é presente nos tópicos de fundamentação e apresentação dos princípios da BCC-PE, mas não é enfatizado nos tópicos em que são expostos os objetivos de aprendizagem. Não há, também, discussão sobre as estratégias didáticas que orientem o trabalho com os gêneros: é necessário investir na reflexão sobre as características dos gêneros ou basta o contato com a variedade textual? Quais dimensões deveriam ser alvo de reflexão / teorização? Como promover de modo articulado a reflexão sobre o gênero e o desenvolvimento das estratégias de leitura e de produção de textos para dar conta de diferentes finalidades? Frente a tal constatação, buscamos, em um segundo momento da pesquisa, analisar os livros didáticos que compõem a coleção, com atenção aos textos selecionados para compor as sequências de atividades e aos tipos de atividades propostas. Assim, investigamos quais gêneros discursivos estão inseridos nos livros e quais gêneros são mais intensamente explorados nos diferentes volumes da obra. Nas análises dos tipos de atividades, verificamos se há ênfase em atividades que exploram as características dos gêneros discursivos, se favorecem a reflexão/explicitação sobre as características dos gêneros discursivos, se há 310 inserção de conceitos e propriedades dos gêneros discursivos. Por fim, buscamos entender como o livro organiza a seqüência e as propostas de atividades com os gêneros discursivos. Verificamos inicialmente que a coleção Porta Aberta contempla uma grande variedade de gêneros, em consonância ao que é orientado na BCC-) PE, e alguns desses gêneros são mais frequentemente inseridos nos volumes da coleção, possibilitando um maior contato dos estudantes com suas regularidades: texto didático (94 ocorrências), tirinhas / histórias em quadrinho (77), resenhas de livros (54), bilhetes (50), piadas (37), contos (33) e poemas (32). Frente a tal constatação, analisamos as sequências didáticas que envolviam a leitura dos textos exemplares desses gêneros mais presentes nos livros. Uma hipótese que guiou a análise dessas sequências foi a de que seria possível que determinados gêneros tivessem sido escolhidos pelos autores da obra para que os estudantes pudessem se debruçar sobre eles, refletindo sobre diferentes dimensões dos gêneros. No entanto, no aprofundamento das análises das sequências de atividades que envolveram os gêneros mais freqüentes na coleção, foi observado que a presença de muitos textos de um mesmo gênero não significou uma atenção especial às características composicionais, estilísticas e sociodiscursivas destes gêneros. Alguns desses gêneros mais freqüentes sequer eram trabalhados quanto aos seus conteúdos, como os textos didáticos. Havia, sim, em muitas sequências, a utilização dos textos como pretextos para atividades gramaticais desprovidas de estímulo às reflexões sobre os efeitos de sentido ou aspectos discursivos dos gêneros a quem pertencem. Isto é ressaltamos que o fato de tais gêneros serem mais evidenciados nas atividades não corrobora com a afirmação que as dimensões composicionais, temática e estilo são mais trabalhadas nas sequências em que os exemplares desses gêneros aparecem. Em geral, o trabalho com os textos didáticos, as tirinhas, as piadas e vários bilhetes e poemas está voltado para estudos de conteúdos gramaticais de modo desarticulado das reflexões sobre os gêneros discursivos a que tais textos pertencem ou mesmo das reflexões sobre os efeitos de sentido provocados pelos recursos linguísticos em foco. Contraditoriamente, em outras sequências, como várias que envolvem histórias em quadrinhos, contos, bilhetes e poemas, dimensões sociodiscursivas, composicionais e estilísticas dos gêneros eram foco de atenção. Em algumas sequências, tais reflexões aparecem articuladas às questões de interpretação de textos em que se busca refletir sobre os efeitos de sentido dos recursos linguísticos utilizados e sobre as situações de produção dos textos. 311 No que concerne ao trabalho com as histórias em quadrinhos, as atividades destacam os aspectos de circulação, elementos não-verbais (expressões e gestos) e/ou características composicionais. Como são ofertadas poucas atividades desse tipo nos quatros livro da coleção, os alunos têm poucas oportunidades de refletir sobre tais elementos. Ressaltamos, ainda, que não foram encontradas questões que problematizem acerca de como a linguagem falada se atrela à escrita na composição das histórias em quadrinhos. Quanto ao gênero bilhete, foram encontradas atividades que exploram suas dimensões composicionais e sociodiscursivas. Há uma preocupação da coleção em evidenciar as características prototípicas do gênero em foco. Com isso, os conhecimentos relacionados a tal gênero remetem ao uso de mensagens curtas, à necessidade de utilizar o gênero para emitir mensagens rápidas, além de sua forma de circulação. No caso do conto, em geral as atividade se voltam para exploração dos elementos da narrativa, com pouca reflexão acerca de como o espaço, o tempo, a personagem e a ação podem estar atrelados às características peculiares dos contos maravilhosos, de terror, aventura, dentre outros. Outro aspecto observado é o fato do conto estar associado ao termo “história”, entretanto, a utilização desse termo nos enunciados das atividades e seu significado remetem, na maioria das vezes, ao conteúdo como o todo. Ou seja, destaca a natureza do que está sendo abordado no conto. Foi verificado também que, ainda que de forma tímida, existe uma preocupação em aproximar o aluno às características voltadas ao estilo. Nesses casos, envolvendo contos de terror e/ou mistérios, essas questões mobilizavam conhecimentos referentes à descrição dos ambientes e personagens, à peculiaridade dos desfechos dos contos de mistérios, à linguagem utilizada e à seleção dos recursos lexicais para o clima de suspense. Com relação ao poema, foi verificada a presença de atividades que destacam os elementos composicionais do gênero em questão e, de forma menos expressiva, questões que mobilizam conhecimentos referentes à linguagem poética e a relação da utilização dos seus recursos com as finalidades do texto literário. Nesse sentido, há evidências de que o foco para o trabalho com poemas nas atividades da coleção seja na identificação e conceituação de versos, estrofes e rimas. Com isso, observamos que parece haver uma compreensão de que o poema se caracteriza mais pelos aspectos estruturais, não considerando elementos relacionados à linguagem utilizada, tema, dentre outros. Em síntese, as análises das sequências que envolviam os gêneros mais frequentes na coleção mostraram que diferentes objetivos didáticos permeavam a proposta e frequentemente não havia atenção aos aspectos composicionais, estilísticos e sociodiscursivos dos gêneros ou mesmo às reflexões sobre os efeitos de sentido dos textos. No entanto, algumas sequências 312 tinham o foco nas dimensões dos gêneros contemplados. Assim, em uma última fase da investigação, buscamos aprofundar um pouco mais as reflexões analisando-se como a coleção organiza as propostas de atividades, considerando não apenas as sequências de atividades envolvendo os gêneros mais freqüentes, mas todas as sequências de atividades que, de algum modo, enfocam aspectos relativos ao trabalho com os gêneros discursivos. Tais atividades foram classificadas em três categorias: (1) sequências de atividades que exploram as características do gênero, por meio da apresentação e/ou explanação de conceitos; (2) sequências de atividades que favorecem reflexões sobre o gênero, explorando seus aspectos por meio da análise e/ou identificação das características composicionais ou sociodiscursivas e desenvolvimento de estratégias de leitura; (3) sequências de atividades que aproximam o gênero das situações reais de uso, as quais, além de desenvolverem um trabalho mais sistemático com o gênero enfocando suas dimensões, propõem a inserção dos alunos em situações que se aproximam dos usos reis da língua. . Na primeira categoria, foram identificadas sequências de atividades que, de forma sutil, buscavam transmitir algum conceito. Algumas vezes, após a apresentação do conceito, eram propostas atividades de aplicação. Por exemplo, após definir o que é verso e estrofe, solicitar que identifiquem em um poema estrofes e versos. Constatamos também, em algumas atividades dessa natureza, a falta de clareza em relação às dimensões ensináveis do gênero ou então a desconfiguração da alguma propriedade do gênero tendo em vista a necessidade de se adequar ao universo imaginário infantil. A segunda categoria refere-se às atividades que favorecem reflexões sobre o gênero, explorando seus aspectos por meio da análise e/ou identificação das características composicionais ou sociodiscursivas. As atividades com gêneros como receita, entrevista, dentre outros apresentam um quantitativo de questões desse tipo maior que as sequências com outros gêneros, parecendo haver a compreensão de que as dimensões ensináveis desses gêneros são mais delimitadas e, por isso, possuem objetivos mais definidos. Verificamos, ainda, que o enfoque metodológico propicia reflexões sobre as dimensões do gênero sem, necessariamente, problematizar e sistematizar tais conhecimentos. Em geral, essas atividades utilizam questões de localizar informações retomando os elementos composicionais, características do suporte, a orientação espacial do gênero na página de jornal ou revista e a finalidade dos respectivos gêneros. Por último, no terceiro bloco, que remete às atividades que aproximam o gênero das situações reais de uso, as quais, além de desenvolverem um trabalho mais sistemático com o gênero, enfocando suas dimensões, propõem a inserção dos alunos em situações que se 313 aproximam dos usos reais da língua, encontramos um exemplar de atividade Trata-se da atividade com o gênero seminário. Constatamos que, através de objetivos bem definidos, os comandos favorecem situações de reflexão, planejamento, produção e troca de ideias com os colegas. Destarte, essa atividade ajuda os alunos a produzirem textos de diferentes gêneros, selecionando recursos linguísticos e discursivos em função das finalidades, da situação de interlocução e das características dos interlocutores. Como pode ser deduzido com base nas reflexões apresentadas, a coleção é bastante eclética quanto ao modo de focar aspectos relativos aos gêneros discursivos: muitas sequências desconsideram não apenas as dimensões dos gêneros, como os próprios sentidos textuais, enfatizando o trabalho com conteúdos gramaticais de modo desarticulado da interpretação textual; outras sequências abordam a questão do gênero com base em um ensino transmissivo em que primeiro se apresenta um conceito e depois se busca a aplicação dele, sem, em vários momentos, relacionar as características dos gêneros à busca de causar efeitos de sentido; outras sequências estimulam os estudantes a refletir sobre as características dos gêneros e, ao mesmo tempo, interpretar os textos, refletindo sobre os efeitos de sentido de diferentes recursos linguísticos; de modo pouco expressivo, mas também presente na coleção, atividades que, além de estimularem a reflexão sobre as características dos gêneros, compreensão de textos, propõem situações em que os estudantes são conduzidos a produzir textos para atender a finalidades interacionais. Essa diversidade de estratégias didáticas, tal como foi interpretada neste estudo, parece decorrer da falta de delimitação clara dos fundamentos teórico-metodológicos que servem de base para a elaboração deste recurso: o livro didático. Parece haver uma pressuposição de que é necessário inserir o trabalho com os gêneros discursivos, mas não há clareza sobre a melhor forma de conduzir tal trabalho. Como foi dito anteriormente, também na BCC-PE não há clareza quanto aos princípios didáticos relativos ao trabalho com os gêneros discursivos, embora na fundamentação teórica tais instrumentos culturais – os gêneros – sejam apontados como centrais no ensino da língua. Em suma, constatamos que certos fundamentos são contemplados tanto na proposta curricular, sobretudo nos tópicos de apresentação dos fundamentos e princípios gerais, como no MP da coleção mais adotada, parecendo haver uma hegemonia do pensamento bakhtiniano entre os assessores e equipes que trabalharam na elaboração da BCC-PE e os que escolheram o LD em foco. Todavia, a coleção analisada se afasta de um ensino de língua pautado nos usos sociais na maior parte de suas atividades. Tal aspecto não fora observado somente nas 314 contradições teórico-metodológicas presentes no MP, como aqui já discutimos, mas também na exploração de diversas atividades que partiam dos textos para ensinar regras e conceitos sem maiores problematizações. Também foi observado no LD a exploração de conteúdos linguísticos e estruturas do texto numa perspectiva dedutiva, não oportunizando momentos de reflexão sobre o objeto e, portanto, de construção do conhecimento. A BCC-PE, por outro lado, como dito anteriormente, carece de melhor explicitação dos princípios teóricometodológicos, o que pode favorecer interpretações muito discrepantes do que seria um trabalho com base nos gêneros discursivos, inclusive muito do que foi observado na coleção investigada poderia ser considerado como consonante com o que está disposto no documento curricular, que peca por omissão. Por fim, considerando que o processo de escolha dos livros (2007) ocorreu no período de elaboração e publicação da BCC-PE (2004 a 2008) e que o documento curricular fora produzido com ampla representatividade, reiteramos a relevância dos princípios norteadores da BCC-PE estarem em consonância com a coleção de língua portuguesa mais distribuída no estado. Foi observado, no entanto, necessidade de maior delimitação dos princípios teórico-metodológicos nos dois documentos, o que pode ser um reflexo do momento vivido, em que se postula a necessidade de trabalhar na perspectiva dos gêneros discursivos, mas poucos estudos enfocam a didática do ensino com base em tal abordagem teórica. Dada a natureza inconclusiva da pesquisa, acreditamos que esse trabalho possa fomentar outros estudos voltados à elaboração do currículo, bem como a avaliação e produção de livros didáticos. Nesse sentido, acreditamos também estar contribuindo para debates no âmbito educacional acerca do trabalho com os gêneros discursivos no processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. Ressaltamos, ainda, a necessidade de aprofundar, em outros momentos de pesquisa, determinadas questões, dentre as quais, destacamos: como o leitor, em especial o professor, interpreta as orientações dos textos prescritivos e os pressupostos teóricos e metodológicos propostos pela coleção? Até que ponto as orientações curriculares e as propostas de atividades da coleção sobre o ensino dos gêneros trazem implicações para a construção dos saberes docentes? Como as redes públicas de ensino implementam e trabalham com suas propostas curriculares tendo como parâmetro a Base Curricular Comum? Como orientar as escolhas dos recursos didáticos tendo em vista a necessidade de contemplar os pressupostos da proposta curricular? 315 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, E. B. C. Apropriações de propostas oficiais de ensino de leitura por professores (o caso do Recife). Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação da UFMG, Belo Horizonte, 2002. ALVES, J. H. P. 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