Visualizar/Abrir - Universidade Federal de Pernambuco

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Visualizar/Abrir - Universidade Federal de Pernambuco
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ORIENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DOS GÊNEROS
DISCURSIVOS NA BASE CURRICULAR COMUM DE
PERNAMBUCO E NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA
PORTUGUESA: ENCONTROS E DESENCONTROS
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LEILA BRITTO DE AMORIM LIMA
ORIENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NA BASE
CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO E NO LIVRO DIDÁTICO DE
LÍNGUA PORTUGUESA: ENCONTROS E DESENCONTROS
RECIFE
2010
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LEILA BRITTO DE AMORIM LIMA
ORIENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NA BASE
CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO E NO LIVRO DIDÁTICO DE
LÍNGUA PORTUGUESA: ENCONTROS E DESENCONTROS
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado em Educação, do Programa de
Pós-Graduação
em
Educação,
da
Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Telma Ferraz Leal
Recife
2010
Lima, Leila Britto de Amorim
Orientações sobre o ensino dos gêneros
discursivos na base curricular comum de Pernambuco
e no livro didático de língua portuguesa: encontros e
desencontros / Leila Britto de Amorim Lima. – Recife:
O Autor, 2010.
323 f. : il. ; tab., graf.
Orientadora: Profª Dra. Telma Ferraz Leal
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de
Pernambuco, CE. Mestrado em Educação, 2010.
Inclui bibliografia.
1. Língua portuguesa - Estudo e ensino 2. Livros
didáticos 3. I. Título.
869.0
407
CDU (2.ed.)
CDD (22.ed.)
UFPE
CE2010-076
4
5
Para meu filho Luan, presente de Deus, que me
fez compreender o que é o amor em sua
plenitude. A ti, meu filho, todo meu esforço e
meu amor.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por sua presença em minha vida e pela constante força para enfrentar os desafios.
À professora Drª Telma Ferraz Leal, por oportunizar trocas significativas de conhecimento e
sempre acreditar no potencial das pessoas e no que elas podem oferecer. É um exemplo de
ética e competência. Suas ricas contribuições foram de suma importância para realização
deste estudo.
Aos professores Drª Eliana Albuquerque e Dr. Alexsandro Silva, pelas sugestões dadas na
qualificação, as quais possibilitaram delinear novos caminhos para esta pesquisa.
Aos meus pais, pelos exemplos de valores, luta e superação às adversidades. Pelo amor e
constante apoio nas decisões por mim tomadas no percurso da vida. Por orientarem meu
caminho e fomentarem meus sonhos.
Ao meu esposo, como quem compartilho meus sentimentos, medos, expectativas, alegrias e
sonhos. Por todo incentivo, força, compreensão, amor e carinho. Por estar ao meu lado
sempre.
Ao meu filho Luan, fruto do amor verdadeiro, por sua existência e por me proporcionar
constantes desafios na construção do papel de mãe.
As minhas irmãs, por toda a colaboração e amor. Por serem minhas amigas e companheiras
em todas as situações.
Ao meu avô Bida (em memória), meu avô Faninho (em memória) e meu tio Jaílton (em
memória) que me fizeram lembrar da efemeridade da vida. Eternas saudades.
As minhas queridas avós Lena e Néia, exemplos de coragem e dedicação.
A todos os meus familiares, pela ajuda e compreensão das ausências necessárias para
realização dessa pesquisa.
7
A todos os meus professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, por
contribuírem para meu aprofundamento teórico e promoverem discussões pertinentes à
Educação.
À professora Drª Lívia Suassuna, que carinhosamente viabilizou alguns dos textos utilizados
nessa pesquisa.
Aos meus colegas da Pós-Graduação, a turma 26, pelo companheirismo. Em especial, Abda,
Amara, Amanda, Cristiane, Cássia, Gilvânia, Sandra, Sirlene, Priscila, Renata, Viviane, pelo
constante incentivo e pelas conversas acadêmicas que me ajudaram a crescer como
pesquisadora.
A Rozário Azevedo, Priscila Ximemes, Sirlene Souza, companheiras de graduação e pósgraduação, por compartilharem de experiências ímpares e maravilhosas.
As minhas amigas Michele, Fabiane, Viviane, Socorro e Lourdes, por todo carinho. Por
sempre disponibilizarem um ombro amigo e por comemorarem as minhas conquistas.
A Iagrice, Esmeralda, Jaqueline, Dado, Verônica, Junior, Tarcísio, Sinésio, Reginaldo,
Michele, Vilma, pessoas especiais que me ajudaram durante o percurso desta pesquisa. A
vocês, minha imensa gratidão.
A toda Equipe CEEL, pelas oportunidades de aprendizagem. Em especial, Severina Érika,
Dayse Moura, Edla, Hérika Karina e Miriam.
Ao grupo de pesquisa, pelo espaço de discussões e construção de pesquisa.
À equipe Nova Aurora e a comunidade escolar, por me ajudarem a crescer como
profissional.
A todos que contribuíram, de algum modo, para realização desse trabalho. Obrigada!
8
RESUMO
Neste estudo foram analisadas as orientações sobre o ensino dos gêneros discursivos na Base
Curricular Comum de Pernambuco e na coleção de livros didáticos de língua portuguesa dos
anos iniciais do Ensino Fundamental mais distribuída no estado de Pernambuco: “Porta
Aberta”. Serviram de base para o diálogo teórico a concepção de Bakhtin (2000) sobre a
perspectiva dialógica da linguagem e de gênero discursivo, a discussão de Schneuwly e Dolz
(2004) em relação ao desdobramento do gênero no processo de ensino/aprendizagem, as
contribuições dos pesquisadores como Marinho (2001), Albuquerque (2002) e Silva (2008)
acerca de propostas curriculares, além de teóricos como Rojo (2003), Val e Castanheira (2005),
Batista (2005), Bezerra (2005), Rangel (2005), Marcuschi e Leal (2009), entre outros que
endossam a discussão sobre o livro didático. O aporte metodológico desta pesquisa foi
embasado na Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2004). A análise de conteúdo e
documental nos permitiu interpretar os significados nos documentos oficiais, ultrapassando
uma simples compreensão do real para uma sistematização mais complexa dos dados
apresentados. Os resultados revelaram movimentos de aproximações e afastamentos entre os
princípios defendidos pelo documento curricular e os pressupostos bakhtinianos de
linguagem, assim como entre tais pressupostos e as proposições didáticas dos livros didáticos.
No que se refere às aproximações, observamos que, em geral, a coleção “Porta Aberta”
retoma vários princípios apresentados na BCC-PE, sobretudo, no manual do professor. Nesse
sentido, constatamos que os princípios orientadores para o ensino de língua materna da BCCPE e o manual do professor da coleção explicitam pressupostos e concepções de base
bakhtiniana, embora tenham alguns princípios menos enfatizados. Já em relação aos
afastamentos, verificamos que a coleção, ao mesmo tempo em que se aproxima de uma
perspectiva de língua como prática social, se distancia, propondo atividades que se pautam
nos usos descontextualizados e fragmentados da língua e, portanto, distantes dos princípios
defendidos pela BCC-PE. Ainda sobre os encontros e desencontros, outro aspecto observado
refere-se às lacunas na indicação dos objetos de ensino, articulando o trabalho com os gêneros
e o desenvolvimento de estratégias de leitura/escrita. Nesse movimento, a BCC-PE, embora
destaque que um dos aspectos centrais para o ensino da língua é a perspectiva se trabalhar
com os gêneros, essa discussão, em geral, não está atrelada às competências propostas para o
ensino fundamental e médio. Já a coleção, embora indique objetivos didáticos que retomem as
dimensões do gênero, apresenta problemas na formulação das sequências de suas atividades,
seja na ênfase em aspectos estruturais do gênero ou em exercícios gramaticais
descontextualizados. Dessa forma, pode-se concluir que falta clareza sobre como conduzir um
ensino que tenha como referência os gêneros como objeto e instrumento de trabalho para o
desenvolvimento da linguagem, tal como defendem Schneuwly e Dolz (2004). Sendo assim,
afirmamos a necessidade de investigar a didática do ensino da língua para fomentar
discussões voltadas a orientações e elaboração de documentos curriculares, bem como a
elaboração e seleção de livros didáticos.
Palavras-chave: Gênero discursivo; Currículo; Livro didático, Ensino da Língua Portuguesa.
9
ABSTRACT
In this study, we analyzed the guidelines on the genres teaching in the Base Curricular
Comum de Pernambuco and in “Porta Aberta”, the most distributed language textbook
collection for the early years of elementary school in Pernambuco state. The theory was based
on Bakhtin (2000) dialogical perspective on language and genre; the discussion of Schneuwly
and Dolz (2004) regarding the deployment of genres in teaching and learning process, the
studies from scientific researchers about curriculum proposals as Marinho (2001),
Albuquerque (2002) and Silva (2008), as well as Rojo (2003), Val and Castanheira (2005),
Batista (2005), Bezerra (2005), Rangel (2005), Marcuschi and Leal (2009) and others who
endorse the discussion of the textbook. The methodological contributions of this research
were based on content analysis proposed by Bardin (2004). The content analysis and
documentary analysis allows us to interpret the meanings in official documents beyond a
simple understanding of reality to a more complex systematization of the data presented. The
results showed movements of theoretical proximities and theorical distances between the
principles espoused by the curriculum document and the language assumptions by Bakhtin as
well as between such assumptions and propositions of teaching textbooks. In relationship to
proximities, we observe that, in general, the collection "Porta Aberta" incorporates several
principles presented by the BCC-PE, especially in the teacher's manual. We also verified that
the guiding principles for language teaching in the BCC-PE and teacher's manual explicit
some bakhtinian theorical assumptions and conceptions, although some principles are not
emphasized enough. In relation to theorical distances, the textbooks collection, while
approaching a perspective of language as social practice, is offering activities which are based
on fragmented and decontextualized uses of language, so far from the principles espoused by
BCC-PE. We also pointed to another aspect related to gaps in the statement of education
objects, linking the genres approach and developing reading and writing strategies. In this
movement, the BCC-PE, while emphasizing that the main aspect to the language teaching is
the prospect of working with genres in language classes, this discussion, in general, is not
linked to the curriculum skills proposed for elementary and high school. In the textbook
collection, although indicating some didactic objectives that resume the dimensions of the
genre, it presents problems in formulating the sequences of activities, because the emphasis is
on structural aspects of genre or decontextualized grammar exercises. Thus, we conclude that
there is a lack of clarity about how to conduct an education process based on genres like
object and pedagogical working tool for the development of language, such as defending
Schneuwly and Dolz (2004). Therefore, we think it´s necessary to investigate the language
teaching to carry on more discussions aimed at developing theorical guidelines for curriculum
documents and textbooks.
Keywords: genre; curriculum, textbook, language teaching.
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Frequência dos gêneros discursivos/textos nos livros dos anos 2, 3, 4 e 5 da
coleção “Porta Aberta”..........................................................................................................
208
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Agrupamento dos gêneros na coleção “Porta Aberta”
...........................................................................................................................
210
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Texto didático – Atividade de ortografia
...............................................................................................................................
Figura 2: Texto didático – Emprego de palavras
..............................................................................................................................
Figura 3: Texto didático – Atividade de paragrafação
..............................................................................................................................
Figura 4: Texto didático – Atividade de gramática
...............................................................................................................................
Figura 5: Texto didático – Atividade de pontuação
..............................................................................................................................
Figura 6: Texto didático – Atividade diferença entre fala e escrita
..............................................................................................................................
Figura 7: Texto didático – Seção “Fique Sabendo”
...............................................................................................................................
Figura 8: HQ – Atividade de pontuação
.............................................................................................................................
Figura 9: HQ – Atividade de pontuação
.............................................................................................................................
Figuras 10, 11 e 12: HQ - O que fazer com tantas tábuas?
.............................................................................................................................
Figuras 13, 14, 15 e 16: HQ – Estudo do texto O que fazer com tantas tábuas?
.............................................................................................................................
.............................................................................................................................
.............................................................................................................................
Figura 17: HQ – Produção do texto
.............................................................................................................................
Figura 18: HQ – A formação da chuva
.............................................................................................................................
Figuras 19 e 20: HQ – Atividade de leitura e compreensão
.............................................................................................................................
Figura 21: Bilhete – Atividade de separação de sílabas
................................................................................................................................
Figura 22: Bilhete – Atividade de ortografia
................................................................................................................................
Figura 23: Bilhete – Atividade de gramática
...............................................................................................................................
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Figura 24: Bilhete – Atividade de pontuação
..............................................................................................................................
Figura 25: Bilhete – Atividade de leitura e compreensão
..............................................................................................................................
Figura 26: Bilhete – Atividade de comparação entre textos
..............................................................................................................................
Figuras 27 e 28: Bilhete – Atividade de produção de texto
..............................................................................................................................
..............................................................................................................................
Figura 29: Conto – Estudo do texto
.............................................................................................................................
Figura 30: Conto – Estudo do texto
..............................................................................................................................
Figuras 31 e 32: Conto – A minhoca e os passarinhos
..............................................................................................................................
Figura 33: Conto – Estudo do texto A minhoca e os passarinhos
..............................................................................................................................
Figuras 34 e 35: Conto – Estudo do texto O umbigo do rei
..............................................................................................................................
Figuras 36 e 37: Conto – Estudo do texto Timorato
..............................................................................................................................
Figura 38: Conto – Atividade de preparação para a leitura
.............................................................................................................................
Figuras 39, 40 e 41: Conto – Estudo do texto O casarão da esquina
.............................................................................................................................
.............................................................................................................................
.............................................................................................................................
Figura 42: Poema – Atividade de gramática
..............................................................................................................................
Figura 43: Poema – Atividade de caligrafia
.............................................................................................................................
Figura 44: Poema – Atividade de gramática
.............................................................................................................................
Figura 45: Poema – Atividade de ortografia
.............................................................................................................................
Figuras 46 e 47: Poema - Era uma vez um gato xadrez...
.............................................................................................................................
Figuras 48, 49 e 50: Poema – Atividade de estudo do texto
.............................................................................................................................
.............................................................................................................................
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Figura 51: Poema – Atividade de preparação para a leitura
.............................................................................................................................
Figuras 52, 53 e 54: Poema – A guerra do gato
.............................................................................................................................
Figura 55: Poema – Estudo do texto
.............................................................................................................................
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12
Figuras 56 e 57: Poema - Quem tem medo de ridículo?
............................................................................................................................
Figuras 58, 59 e 60: Poema – Estudo do texto
.............................................................................................................................
.............................................................................................................................
.............................................................................................................................
Figura 61: Poema
.............................................................................................................................
Figura 62: Poema – As estrelas
.............................................................................................................................
Figura 63: Poema – Atividade de leitura e compreensão
..............................................................................................................................
Figura 64: Poema – Lagoa
..............................................................................................................................
Figura 65: Reportagem – Estudo do texto Mestres no disfarce
.............................................................................................................................
Figura 66: Legenda – Estudo do texto Mestres no disfarce
.............................................................................................................................
Figura 67: Resenha – Produção de texto
.............................................................................................................................
Figura 68: Paródia – Produção de texto
.............................................................................................................................
Figura 69: Mensagem de campanha educativa
.............................................................................................................................
Figura 70: Mensagem de campanha educativa – Compreensão de texto
..............................................................................................................................
Figura 71: Notícia – Produção de texto
..............................................................................................................................
Figura 72: Verbete – Leitura e compreensão
.............................................................................................................................
Figura 73: Cartaz educativo
.............................................................................................................................
Figura 74: Cartaz educativo – Leitura e compreensão
............................................................................................................................
Figura 75: Cartaz educativo
.............................................................................................................................
Figura 76: Cartaz educativo – Leitura e compreensão
.............................................................................................................................
Figuras 77 e 78: Receita – Estudo do texto
.............................................................................................................................
Figuras 79, 80 e 81: Entrevista
..........................................................................................................................
Figura 82: Entrevista - Estudo do texto
..........................................................................................................................
Figuras 83 e 84: Notícia - Estudo do texto Um macaco amigo para um leão faminto
..........................................................................................................................
..........................................................................................................................
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295
296
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................
16
CAPÍTULO 1 - OS GÊNEROS DISCURSIVOS E O ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA ...................................................................................................................
22
1.1. Noção de gênero discursivo ..........................................................................................
22
1.2. Gêneros discursivos e letramento: tecendo conexões....................................................
30
1.3. Contribuições dos estudos de gênero para o ensino da língua portuguesa...................
33
CAPÍTULO 2 – CURRÍCULO E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA......................
44
2.1. Breve reflexão sobre as concepções de currículo.........................................................
44
2.2. O que dizem os textos prefigurativos nacionais para a elaboração de currículos?.......
47
2.3. Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: algumas implicações para
as propostas curriculares.......................................................................................................
52
2.4. A Língua Portuguesa nos currículos: breve trajetória das propostas curriculares de
Pernambuco dos séculos XIX e XX.....................................................................................
63
CAPÍTULO 3 – O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA...........................
80
3.1. Livro didático: uma breve retrospectiva.......................................................................
80
3.2. O livro didático de língua portuguesa..........................................................................
86
CAPÍTULO 4 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................
97
CAPÍTULO 5 – A BASE CURRICULAR COMUM DE PERNAMBUCO...................
103
5.1 A Base Curricular Comum de Pernambuco: breve contextualização............................
103
5.2 Fundamentos gerais e estrutura da proposta..................................................................
106
14
CAPÍTULO 6 – O QUE PROPÕE A BASE CURRICULAR COMUM DE
PERNAMBUCO PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA?............................
114
6.1 Concepções de linguagem, texto e gênero......................................................................
115
6.1.1. Língua como interação verbal..............................................................................
115
6.1.2. Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica........
119
6.1.3. Texto como entidade concreta materializado em algum gênero..........................
122
6.1.4. Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado .......................
125
6.1.5. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas...........
128
6.2 Os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros e texto que perpassam a
proposta ................................................................................................................................
131
6.2.1. Diversidade de gênero..........................................................................................
131
6.2.2 Texto como unidade de ensino..............................................................................
136
6.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos.................................................................
142
6.3 Os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos e textos indicados para
as diferentes etapas de escolaridade......................................................................................
144
6.3.1. Os saberes e habilidades no eixo da oralidade...................................................... 146
6.3.2 Os saberes e habilidades no eixo da leitura ......................................................... 150
6.3.3 Os saberes e habilidades no eixo da escrita .........................................................
162
6.3.4 Os saberes e habilidades no eixo da análise linguística........................................ 169
6.4 As orientações relativas à escolha dos recursos didáticos..............................................
171
CAPÍTULO 7 – O QUE PROPÕE A COLEÇÃO DE LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA
PORTUGUESA MAIS DISTRIBUÍDA NAS REDES DE ENSINO DO ESTADO DE
PERNAMBUCO EM 2007 PARA O TRABALHO COM OS GÊNEROS?....................
179
7.1. Concepções de linguagem, texto e gênero.....................................................................
179
7.1.1. Língua como interação verbal..............................................................................
180
7.1.2 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero...........................
187
7.1.3. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas...........
189
7.1.4 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica.......... 196
15
7.1.5 Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado..........................
197
7.2. Os princípios didáticos relativos ao ensino de textos/gêneros discursivos que
perpassam a obra...................................................................................................................
197
7.2.1. Diversidade de gêneros........................................................................................
197
7.2.2 Texto como unidade de ensino.............................................................................
201
7.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos.................................................................
204
7.3 As orientações relativas à escolha dos textos...............................................................
204
CAPÍTULO 8 – OS SABERES E HABILIDADES RELACIONADOS AOS GÊNEROS
DISCURSIVOS CONTEMPLADOS NAS ATIVIDADES DA COLEÇÃO PORTA
ABERTA: DIALOGANDO COM A BCC-PE....................................................................
208
8.1 Gêneros inseridos na coleção..........................................................................................
208
8.2. Gêneros que são mais intensamente explorados............................................................
212
8.2.1 texto didático..................................................................................................
213
8.2.2 HQ/Tirinhas.....................................................................................................
221
8.2.3 bilhete..............................................................................................................
231
8.2.4 conto................................................................................................................
238
8.2.5 poema............................................................................................................... 252
8.3. Como os livros da coleção organizam a sequência e as propostas de atividades com
os gêneros discursivos...........................................................................................................
271
8.3.1 Atividades que apresentam as características do gênero..................................
272
8.3.2 Atividades que favorecem reflexões sobre as características dos gêneros.......
283
8.3.3. Atividades que aproximam o gênero das situações reais de uso.....................
297
CAPÍTULO 9 – CONSIDERANDO OS ENCONTROS E DESENCONTROS.................. 304
10. REFERÊNCIAS .............................................................................................................
315
16
INTRODUÇÃO
O trabalho com a língua materna se constitui como uma preocupação por parte de
educadores, uma vez que é por meio desta que o indivíduo se comunica com seus
semelhantes, defende suas opiniões, amplia o conhecimento de si próprio e do mundo em que
vive, enfim, constrói sua identidade e cidadania. É através da vivência nas situações de
comunicação e do contato com gêneros distintos que surgem na vida cotidiana que os
indivíduos exercitam as competências linguísticas e discursivas de falante/ouvinte produtor de
enunciados. Dessa forma, a diversidade dos gêneros pode facilitar a construção do
conhecimento do aluno, quando existe uma reflexão sobre seus aspectos funcionais,
interacionais, composicionais, de estilo e temática. Segundo Marcuschi (2002), “um maior
conhecimento dos gêneros textuais é importante tanto para sua produção quanto para sua
compreensão”. (p.32)
De acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa (doravante PCN), a escola deve “viabilizar o acesso do aluno ao universo dos
textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los”. (BRASIL, 1997, p.30). Nesse
sentido, percebemos uma preocupação dos PCN em articular as práticas sociais de uso dos
gêneros discursivos orais ou escritos que ocorrem fora da escola com as práticas no âmbito
escolar. Trata-se de uma oportunidade de ajudar os alunos a compreender que os gêneros são
“fenômenos históricos profundamente vinculados à vida cultural e social” (MARCUSCHI,
2002, p.19). Dentro dessa perspectiva, o conhecimento de determinados gêneros vai permitir
ao indivíduo antecipar quadros de sentidos e comportamentos nas diferentes situações de
interlocução com as quais se depara. O trabalho com a diferenciação de diversos gêneros e o
reconhecimento das estruturas formais e de sentido que os compõem contribuem para o
desenvolvimento das competências sócio-comunicativas dos falantes. Nesse sentido, pode-se
supor que seria papel da escola ajudar os estudantes a lidarem com textos de diferentes
gêneros discursivos.
Nessa direção, muitos sistemas de ensino, que explicitam preocupação com as novas
discussões sobre os gêneros discursivos, suas funções interativas e os diversos suportes de
materiais, empreenderam a reformulação curricular de suas Redes de Ensino, buscando
melhorar suas orientações metodológicas, sua organização e suas metas de ensino. Em outros
termos, para estarem em consonância com as novas perspectivas de ensino/aprendizagem e os
novos objetivos didáticos do ensino de língua materna, os documentos oficiais de língua
portuguesa, ao longo dos anos, vêm apresentando modificações.
17
A inserção do trabalho com os gêneros discursivos nos currículos oficiais, portanto,
assume um papel relevante no ensino de língua portuguesa, pois as propostas curriculares são
norteadoras de extrema relevância da produção do conhecimento escolar. A organização
curricular oficial pode orientar os professores e suas práticas como também definir conteúdos
que são necessários ao desenvolvimento cultural dos sujeitos. Segundo Schneuwly e Dolz
(1997), os conteúdos escolares no currículo “são definidos em função das capacidades do
aprendiz e das experiências a ele necessárias. Além disso, os conteúdos são sistematicamente
postos em relação com os objetivos de aprendizagem e outros componentes do ensino” (p. 4243).
Com a preocupação de tentar garantir aos alunos o acesso aos conhecimentos mínimos
necessários ao exercício da vida cidadã, esta fonte documental está inserida num contexto em
que as condições do enunciado numa perspectiva sócio-histórica de produção e os
mecanismos cognitivos envolvidos no desenvolvimento de aquisição da linguagem assumem
características importantes no processo de ensino/aprendizagem. Dessa forma, faz-se
necessário refletir como o ensino dos gêneros discursivos está sendo concebido nesses
documentos oficiais, em particular a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de
Ensino de Pernambuco (doravante BCC-PE), e nos materiais didáticos disponibilizados aos
professores.
Segundo Coll (1992 apud Schneuwly e Dolz, 2004, p.43)
Um currículo para o ensino da expressão deveria fornecer aos professores,
para cada um dos níveis de ensino informações concretas sobre os objetivos
visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem que devem ser
abordadas, sobre os saberes e habilidades implicados em sua apropriação.
A BCC-PE é um documento resultante de um projeto elaborado por várias instituições
educacionais1 preocupadas em redirecionar e educação de Pernambuco a um novo patamar e
que tem como principal objetivo “destacar saberes e competências tidos como comuns aos
vários sistemas públicos, ou seja, aqueles aos quais todos os alunos deveriam ter acesso, se
considerada a formação para a cidadania [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.9). Trata-se de um
instrumento importante que orienta as práticas dos professores que atuam em cento e oitenta e
quatro municípios de estado de Pernambuco2, constituindo-se em um “referencial de
1
União de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Secretaria Estadual de Educação (SE), Conselho
Estadual de Educação (CEE), Associação Municipal de Pernambuco (AMUPE) e a Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) (BCC - PE: 2008,p. 9)
2
Informações retiradas do documento da BCC-PE.
18
aprofundamento de sua prática pedagógica, uma proposta curricular moldada por recortes
teórico-metodológicos.” (PERNAMBUCO, 2008, p.9)
Segundo Coll (1992 apud Schneuwly e Dolz, 2004, p.43), as principais funções de um
currículo são:
descrever e explicitar o projeto educativo [...] em relação às finalidade da
educação e às expectativas da sociedade; fornecer um instrumento que
oriente as práticas dos professores; levar em conta as condições nas quais se
realizam essas práticas; analisar as condições de exeqüibilidade [...]
Portanto, é de extrema relevância investigar quais são as orientações expressas na BCCPE de Língua Portuguesa sobre os objetivos visados para o trabalho com os gêneros
discursivos bem como os saberes e habilidades envolvidos em sua apropriação. Também
destacamos como objeto de pesquisa analisar o livro didático mais distribuído nas redes
públicas de ensino, para refletir como o ensino dos gêneros está sendo concebido nesse
material didático.
Em decorrência das exigências cada vez maiores do Programa Nacional do Livro
Didático e das próprias secretarias de educação, os livros didáticos de Língua Portuguesa vêm
apresentando modificações em suas propostas e atividades. A necessidade de acompanhar as
novas tendências educacionais está provocando mudanças em alguns livros, dentre as quais,
destacamos o trabalho didático com os diferentes textos que circulam na sociedade. A ênfase
no trabalho com os textos decorre, como será mais bem discutido posteriormente, não só da
preocupação de desenvolver a capacidade do aluno de produzir textos orais e escritos, como
também enriquecer a capacidade de percepção do mundo através da leitura, compreensão e
interpretação de textos. Assim, a didatização dos gêneros discursivos merece uma reflexão
especial por se tratar de uma questão importante e substancial na construção do conhecimento
linguístico-textual do aluno. Segundo Schneuwly e Dolz (1997):
Na sua missão de ensinar os alunos a escrever, ler e a falar, a escola,
forçosamente, sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de
comunicação, portanto também aquela centrada na aprendizagem, cristalizase em formas de linguagem específicas. A particularidade da situação escolar
reside no seguinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um
desdobramento que se opera, em que o gênero não é um instrumento de
comunicação somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de ensino/
aprendizagem. (p.7)
19
Obviamente, o livro didático não é o único instrumento do educador e do aluno, mas é
uma ferramenta importante no processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. O
trabalho com a escrita e a oralidade é um dos norteadores da ação pedagógica e um livro de
Língua Portuguesa deve trazer uma proposta voltada para o desenvolvimento de um sujeito
que ao “produzir um discurso, conhecendo possibilidades que estão postas culturalmente, sabe
selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará, escolhendo aquele que for apropriado a
seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão”. (BRASIL, 1997, p.65)
Dado o acima exposto, a BCC-PE é um documento oficial do estado que norteia não
só as práticas dos professores, mas também os materiais didáticos a serem disponibilizados
aos docentes. O livro didático, como aqui já foi defendido, é um instrumento que faz parte do
processo de construção social do conhecimento e deve ser utilizado como instrumento de
mediação da estratégia de ensino e como material de trabalho para o ensino da textualidade.
Portanto, é relevante verificar se a coleção mais adotada no estado de Pernambuco
contempla os princípios e objetivos propostos na BCC-PE, que garante uma unidade estadual
com dimensões obrigatórias defendidas pela União.
Nessa perspectiva, o interesse central da presente é verificar quais as orientações da
BCC-PE para o trabalho com os gêneros e analisar se a coleção de livros didáticos mais
adotada na rede pública contempla os mesmos princípios subjacentes a esta proposta
curricular. Isto é, a nossa questão central é saber se os princípios relativos ao ensino de
gêneros discursivos que perpassam a BCC-PE também são contemplados na coleção de livro
didático mais distribuída na rede pública de ensino de Pernambuco.
A hipótese em relação à Base Curricular Comum foi que nesse documento os gêneros
discursivos são valorizados enquanto objetos de ensino, não só em relação aos aspectos
composicionais, mas, também, aos aspectos sociodiscursivos. A respeito disso, Bezerra
(2002), em seus estudos, ressalta que:
é justamente essa desconsideração dos aspectos comunicativos e
interacionais que contribui para que os alunos e professores se preocupem
mais com a forma do texto do que com sua função e, conseqüentemente, o
texto seja visto como formulário preenchido (para leitura) ou a preencher
(para a escrita).(p.41)
No processo de redefinição da nossa profissão e da compreensão da nossa prática, fazse necessário estarmos atentos às modificações feitas nos currículos e nos livros didáticos,
bem como refletir se suas propostas estão sugerindo uma abordagem acerca do funcionamento
dos gêneros discursivos, contribuindo para sua produção e compreensão.
20
Dado o exposto, o presente estudo é de extrema relevância social, uma vez que visa
contribuir para uma reflexão no âmbito educacional acerca da didatização dos gêneros
discursivos no processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. Em síntese,
destacamos como objetivos desta pesquisa analisar a Base Curricular Comum de Pernambuco
e a coleção de livros didáticos mais distribuída na rede pública de ensino de PE, para refletir
como o ensino dos gêneros discursivos está sendo concebido nesses documentos.
Mais especificamente, buscamos investigar em relação à Base Curricular Comum
(BCC – PE):
 a concepção de linguagem, texto e gênero expressa na BCC-PE;
 os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a
proposta;
 os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos indicados para as
diferentes etapas de escolaridade;
 as orientações relativas à metodologia usada no trabalho com os gêneros discursivos
na BCC-PE, tanto na modalidade oral, quanto escrita;
 as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos.
Em relação à coleção de livros didáticos adotada pela maior quantidade de sistemas de
ensino em Pernambuco, investigaremos:
 a concepção linguagem, texto e gênero expressa no manual do professor;
 os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a
obra (princípios para definir a seleção dos textos; princípios relativos à seleção dos
objetivos; princípios relativos à composição dos tipos de atividades – leitura, produção
de textos, reflexão sobre o gênero; as orientações para o professor sobre o trabalho
com os gêneros expressas nos manuais);
 os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos contemplados nas
atividades (gêneros inseridos na coleção; gêneros que são mais intensamente
explorados na coleção; dimensões ou características dos gêneros enfocadas);
 os tipos de atividades do livro que têm relação com o trabalho com os textos (se há
ênfase em questões que ressaltam ou mobilizam conhecimentos relativos aos suportes
textuais ou questões que têm relações com características dos gêneros discursivos; se
21
as coleções favorecem a reflexão / explicitação sobre as características dos gêneros; se
há inserção de conceitos e propriedades dos gêneros discursivos);
 como as coleções organizam a seqüência e as propostas de atividades com os gêneros
discursivos.
 se os princípios relativos aos gêneros discursivos que perpassam a coleção de livros
didáticos são os mesmos orientados pela BCC.
Diante o acima exposto, apresentaremos e discutiremos esse trabalho em nove
capítulos. Nos capítulo 1, 2 e 3 estão destinados a discorrer sobre pressupostos teóricos do de
estudo em questão. No primeiro capítulo, contemplamos as discussões sobre a noção de
gênero discursivo, relações com o letramento e o ensino de língua portuguesa. Em seguida,
teceremos algumas considerações sobre currículo e o ensino de língua portuguesa a partir das
concepções de currículo, as orientações de documentos nacionais para elaboração dos textos
preescritivos, as concepções de linguagem e o ensino de língua portuguesa, e por fim,
considerações sobre a concepção de linguagem nos currículos de Pernambuco nos séculos
XIX e XX. Já no capítulo 4, apresentaremos os pressupostos metodológicos utilizados nessa
pesquisa. Por último, os capítulo 5, 6, 7 e 8 estão reservados ao debate dos dados, sendo os
dois primeiros relacionados a BCC-PE e os dois últimos reservados a análise da coleção. Por
fim, fazemos algumas considerações sobre os dados analisados nessa pesquisa.
22
Capítulo 1
Gêneros discursivos e o ensino de Língua Portuguesa
Como foi explicitado anteriormente, os documentos curriculares oficiais vem nas duas
últimas décadas discutindo uma perspectiva em que os gêneros discursivos são considerados
centrais na organização curricular. Dentre tais documentos, a BCC-PE de Pernambuco
também remete a tal conceito. Desse modo, torna-se particularmente importante tratar de tal
tema nesse estudo. Assim, nesse capítulo procuraremos refletir sobre a concepção de gêneros
discursivos na abordagem bakhtiniana, dada a influência dessa teoria na Educação Brasileira.
Inicialmente, exporemos a noção de gêneros discursivos. Em seguida, destacaremos que o
trabalho com os gêneros consiste numa prática na perspectiva de letramento. Nesse sentido,
teceremos breves considerações relacionadas ao ponto de interlocução entre gêneros e
letramento. Por último, abordaremos a questão da didatização dos gêneros discursivos. Para
tal, apresentaremos autores que consideram o trabalho com os gêneros numa perspectiva
didática. Problematizaremos, ainda, os aspectos que estão imbricados com as diferentes
perspectivas com o trabalho com os gêneros.
1.1. Noção de gênero discursivo
Ao analisarmos o contexto histórico, percebemos que o conceito de gênero vem sendo
estudado desde a Antiguidade. Na literatura clássica, havia uma preocupação em classificar
determinados textos, de acordo com suas características e modalidades. Dessa forma, na
tradição greco-latina, o gênero estava associado aos estudos literários. Aristóteles (1959)
fundamentava sua teoria sobre gêneros na natureza do discurso, apresentando distinções
quanto à sua forma retórica. Em seus estudos, o autor ainda ressalta que o discurso é
composto por três elementos: aquele que fala; aquilo sobre o que se fala e aquele a quem se
fala. Trata-se de uma proposta de divisão do discurso na arte da persuasão e da oratória. Nesse
sentido, de acordo com o tipo de ouvinte, a quem se fala, os gêneros são classificados em três
tipos: “o espectador que olha o presente, a assembléia que olha o futuro e o juiz que julga as
coisas passadas” (ARISTÓTELES, 1959, p.39). Segundo o autor supracitado:
23
O ouvinte é necessariamente, espectador ou juiz; se exerce as funções de
juiz, terá de se pronunciar ou sobre o passado ou sobre o futuro. Aquele que
tem de decidir sobre o futuro é, por exemplo, membro da assembléia; o que
tem de se pronunciar sobre o passado é, por exemplo, o juiz propriamente
dito. Aquele que só tem que se pronunciar sobre a faculdade oratória é o
espectador. (p.39)
Os gêneros do discurso retórico, por sua vez, estão associados a estes três tipos de
julgamento, dividindo-se em discurso deliberativo, responsável por aconselhar ou
desaconselhar; o judiciário que, por sua vez, exerce a função de acusar ou defender e, por
último, o demonstrativo, que serve para elogiar ou censurar. Com isso, percebemos que as
características peculiares aos gêneros atribuem a cada um “finalidade diferente; por que há
três gêneros, há três fins distintos”. (ARISTÓTELES, 1959, p. 39) Observamos, ainda, o
princípio da temporalidade em cada do gênero retórico que, segundo Aristóteles (1959), tem
por objeto uma parte do tempo que lhe é próprio: para o deliberativo é o futuro [...] ; para o
judiciário é o passado; [...] para gênero demonstrativo é o presente [...] (p.39).
Ao discutir a natureza do discurso, Aristóteles afirma que o falante, o assunto e o
ouvinte assumem um papel relevante, sendo este último o que determina o objeto e a
finalidade desse discurso. Com o exposto, podemos perceber que Aristóteles, preocupado com
as formas de prescrever as formas de dizer, organiza os gêneros de acordo com a categoria
dos ouvintes do discurso, a funcionalidade do discurso e a sua temporalidade. Segundo
Marcuschi (2008), “a visão de Aristóteles sobre as estratégias e estruturas dos gêneros foi
desenvolvida amplamente na Idade Média”. (p.148)
O conceito de gênero, normalmente associado aos estudos literários, é redimensionado
com o advento dos estudos de Bakhtin, quando o gênero passou a ter relação com a
comunicação oral e escrita. Ou seja, a concepção de gênero, agora, estava mais articulada às
regularidades linguísticas e substanciais e às esferas das atividades humanas, numa
perspectiva social e cultural da língua em uso. Por essa razão, a teoria bakhtiniana constitui
um marco para os estudos sobre gêneros.
Para Bakhtin (2000), a utilização da língua se materializa em forma de enunciado, ou
seja, o complexo ato de comunicação se organiza e se agrupa por condições especiais de
atuação e por objetivos específicos em cada esfera da atividade humana, dando origem,
conseqüentemente, aos gêneros do discurso. De acordo com a sua definição, os gêneros são
tipos relativamente estáveis de enunciados, elaborados nas diferentes esferas sociais de
utilização da língua. Esses enunciados produzidos pela atividade humana refletem:
24
as condições específicas e as finalidade de cada uma dessas esferas, não só
por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção
operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais – , mas também , e sobretudo, por sua construção composicional.
(BAKTHIN, 2000, p. 279)
Em sua teoria, Bakhtin (2000) faz uma análise sobre o estudo dos gêneros, a começar
pelos gêneros literários. De acordo com o autor, estes gêneros foram os mais estudados,
ocorrendo desde a idade antiga à contemporaneidade:
os gêneros literários [...] sempre foram estudados pelo ângulo artísticoliterário de sua especificidade, das distinções diferenciais intergenéricas (nos
limites da literatura), e não enquanto tipos particulares de enunciados, com
os quais contudo têm em comum a natureza verbal (lingüística). (p. 280)
Em seguida, foram estudados os gêneros retóricos. Quanto a estes, o autor ressalta:
dava-se pelo menos maior atenção à natureza verbal do enunciado, a seus
princípios constitutivos tais como: a relação com o ouvinte e a influência
deste sobre o enunciado, a conclusão verbal peculiar ao enunciado (diferente
da conclusão do pensamento), etc. A especificidade dos gêneros retóricos
(jurídicos, políticos) encobria porém a natureza lingüística do enunciado. (p.
280)
Por último, o autor ressalta os estudos dos gêneros do discurso no cotidiano,
sobretudo, a réplica do diálogo cotidiano. Destaca, ainda, que não foi possível formular uma
definição correta da natureza linguística do enunciado, uma vez que o mesmo “se limitava a
pôr em evidência a especificidade do discurso cotidiano oral, operando no mais das vezes com
enunciados deliberadamente primitivos (os behavioristas americanos).” (BAKTHIN, 2000, p.
281)
Para Bakhtin, o enunciado é de natureza social, ou seja, um produto sócio-histórico
resultado da interação comunicativa humana dotada de produção de efeitos de sentidos entre
interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto ideológico.
Concebendo a língua como forma de interação social realizada por meio de enunciações, o
referido autor ressalta que “o discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a
um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma” (p. 293).
Na reflexão bakhtiniana, um enunciado deve ser analisado levando-se em conta sua
orientação para o outro, uma vez que o sujeito é o elemento constitutivo do próprio ato de
25
produção da linguagem. O ouvinte é o co-enunciador do texto e desempenha um papel
importante na construção do significado e da produção.
Dessa forma, o discurso incorpora dois elementos, sendo determinado tanto pelo fato
de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Nessa perspectiva, o
gênero se constitui justamente como produto da interação de interlocutores, ou seja, todo
discurso serve de expressão de um em relação ao outro. Trata-se do dialogismo interacional,
que se constitui como um princípio do discurso. Segundo Bakhtin (2000), “o índice
substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o
destinatário.” (p.320). O destinatário assume um papel relevante no processo discursivo, uma
vez que:
Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva
do enunciado, sem a qual não há, e nem poderia, haver enunciado. As
diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções
típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a
diversidade dos gêneros do discurso. (p. 321)
Na perspectiva bakhtiniana, o ouvinte está em constante sintonia com o locutor na
elaboração do discurso, ou seja, o ouvinte que recebe e compreende a significação de um
discurso adota, simultaneamente para com este discurso, uma atitude responsiva ativa. Os
enunciados dos interlocutores se alternam, buscando a compreensão e acionam a todo instante
a atitude responsiva ativa diante do que ouvem, construindo uma interlocução
permanentemente viva. Trata-se de ouvir a voz do outro na elaboração do enunciado:
Os outros, para quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um
pensamento real (e, com isso, real para mim), não são ouvintes passivos, mas
participantes ativos da comunicação verbal. Logo de início, o locutor espera
deles uma resposta, uma compreensão responsiva ativa. Todo enunciado se
elabora como que para ir ao encontro dessa resposta. (BAKHTIN, 2000,
p.320)
Ainda segundo essa teoria, o próprio locutor também pressupõe a compreensão ativa
responsiva. Na medida em que se elabora um discurso, ele espera “uma resposta, uma
concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, etc." (p. 291). A ação responsiva
exige uma participação ativa dos interlocutores. Como o outro está sempre presente nas
formulações do autor e tem tanto a função de quem recebe, como também de quem permite ao
locutor perceber o seu próprio enunciado, o enunciado geralmente é dirigido a um interlocutor
26
que não se limita a compreender o locutor. A totalidade acabada do enunciado proporciona a
possibilidade de compreendê-lo de modo responsivo.
A perspectiva dialógica de linguagem nos pressupostos bakhtinianos não perpassa
apenas pela compreensão de que o diálogo se constrói entre dois ou mais interlocutores, mas
também pelo entendimento de que os discursos mantêm diálogo com outros discursos. O
próprio autor ressalta que:
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das
formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas podese compreender a palavra diálogo num sentido amplo, isto é, não apenas
como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas
como toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN,
1992, p.123)
Ou seja, como a enunciação se concretiza dentro de um contexto histórico e
ideológico, o diálogo é uma ação socialmente partilhada que implica interfaces entre outros
discursos produzidos em tempos e locais diferentes. Nesse sentido, o texto não se configura
tão somente como resposta a um contexto imediato, mas sim como produto social, tecido
numa cadeia constitutiva de vozes de outros textos e/ou discursos.
Na relação falante/ouvinte é produzida uma estrutura comunicativa que se configurará
em formas padrões relativamente estáveis de um enunciado, que são os já denominados
gêneros do discurso. Segundo Bakhtin, a comunicação verbal seria quase impossível se não
existissem os gêneros do discurso. Nessa perspectiva, os gêneros compõem-se de três
elementos principais. São eles: conteúdo temático (objetos, significações, o assunto de que vai
tratar o enunciado em questão, gerados numa esfera discursiva com suas realidades sócioculturais), estilo (seleção lexical, estruturas frasais, gramatical) e construção composicional
(relações, procedimentos, organização, estruturação e acabamento do texto, a estrutura
formal).
Mesmo variando em termos de extensão, conteúdo e estrutura, os enunciados
conservam características comuns, daí serem considerados tipos relativamente estáveis. Ainda
segundo o autor, existe uma variedade de gêneros, pois suas formas “são mais maleáveis,
mais plásticas, e mais livres do que as formas da língua” (p. 302).
Dessa forma, Bakhtin os distribui em dois grupos: gêneros primários, aqueles
precedentes de situações de comunicação verbal espontânea e informal; gêneros secundários,
aqueles que envolvem uma forma mais elaborada de linguagem, normalmente a escrita (mas
não apenas), numa situação cultural mais complexa. O primeiro grupo provém das interações
27
face-a-face, se constituem em situações de comunicação da esfera cotidiana da linguagem e
possui um caráter mais imediatista. Tendem a ser apropriados em situações mais
assistemáticas de relações cotidianas informais e íntimas. Já o segundo faz parte do uso mais
formal da linguagem e se integra a situações de comunicação de esferas mais complexas, tais
como: romances, dramas, etc. Como aparecem em circunstâncias mais formais, o modo de
apropriação desses gêneros não está mais relacionado a circunstâncias mais imediatas, mas
sim implexo na formação dos discursos sociais mais amplos. Em outros termos, vinculados a
uma compreensão histórica e ideológica, a apropriação dos gêneros secundários se associa às
experiências de formações discursivas mais complexas, transfigurando-se do âmbito
individual para formas discursivas presentes nas esferas da sociedade.
No entanto, esses dois grupos não considerados dicotômicos, mas sim correlativos,
uma vez que os gêneros secundários correspondem a uma interface dos gêneros primários.
Segundo Bakhtin (2000), os gêneros secundários, em seu processo de formação, reelaboram
os primários, perdendo assim suas características conjunturais imediatas. Assim, mesmo se
diferenciando no grau de complexidade e no processo de elaboração, a matéria dos gêneros
primários serve de instrumento de criação para os secundários.
Dessa forma, é de extrema relevância “levar em consideração a diferença essencial
existente entre o gênero do discurso primário (simples) e o gênero do discurso secundário
(complexo)” (p. 281). Nesse sentido, os enunciados são utilizados em toda e qualquer
atividade da esfera humana, seguindo uma organização e um agrupamento. Esses enunciados
se caracterizam por condições próprias de atuação e por objetivos específicos e, sendo
inúmeros, se realizam em gêneros de discurso.
Dado o exposto, a concepção de gêneros do discurso, na teoria bakhtiniana, está
vinculada a um produto sócio-histórico, como forma de interação social realizada por meio de
enunciações. O gênero é visto como forma do enunciado que, de acordo com a esfera em que
é produzido, adquire uma determinada estrutura suscetível a modificações. Desse modo, o
gênero do discurso é um instrumento cultural que medeia uma atividade dialógica de caráter
sócio-interativo e representa um conjunto de formas disponíveis no funcionamento da
linguagem e comunicação de uma sociedade.
Compartilhando da ideia bakhtiniana, Schneuwly e Dolz (2004) concebem o gênero
como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares. Segundo os referidos
autores:
28
há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador que age discursivamente
(falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com a
ajuda de um instrumento que aqui é o gênero, um instrumento semiótico
complexo, isto é, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só
tempo, a produção e a compreensão de textos. (p.26-27)
Nessa perspectiva, os gêneros constituem-se como instrumentos que possibilitam
ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum
modo. Ainda, segundo os autores supracitados, para compreender melhor essa nova
perspectiva sobre o gênero, faz-se necessário o conhecimento de três conceitos básicos que
estão correlacionados: práticas de linguagem, atividades de linguagem e gêneros de
linguagem.
As práticas de linguagem dizem respeito às particularidades do funcionamento da
língua em todas suas dimensões (sociais, cognitivas e linguísticas) em relação às práticas
sociais. Sua natureza é heterogênea e seus papéis são dinâmicos e variáveis, ou seja, são
organizadas e determinadas pelas formas de estruturação e distribuição das diversas situações
sociais de produção do discurso. Trata-se de perceber que, num determinado contexto de
produção e nas diversas finalidades comunicativas, os indivíduos estabelecem diversos tipos
de interação e interlocução comunicativa.
Para compreender a linguagem como interação humana, dotada de efeitos de sentidos,
numa determinada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico, faz-se
necessário “analisar as diferenciações e variações, em função de sistemas de categorizações
sociais à disposição dos sujeitos observados”. (p. 73) Nas práticas de linguagem, é importante
analisar as relações sociais e os papéis sociais desempenhados pelas pessoas na interlocução,
observando a esfera comunicativa, participante, tema, intenção, lugar e modalidade da língua,
pois elas “fornecem um ponto de vista contextual e social das experiências humanas (e do
funcionamento da linguagem)” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p.72)
Já as atividades de linguagem são estruturas do comportamento e funcionam como
conexões, ou seja, elas permitem a interação entre o sujeito e o meio e estão articuladas com
um motivo geral de comunicação. Originam-se sempre de situações de comunicação e são
determinadas pelas práticas sociais. Essas atividades podem ser decompostas em ações, que
proporcionarão ao sujeito o desenvolvimento de diversas capacidades. São elas:
adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de
ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e dominar as
operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas (capacidades
lingüístico-discursivas). (p. 74)
29
Dessa forma, as atividades de linguagem são responsáveis pelas possibilidades de
participação e inserção dos indivíduos nas práticas sociais. Elas se constituem num ponto de
vista psicológico dos mecanismos, uma vez que seu objetivo é “dar conta dos mecanismos de
construção interna dessas experiências humanas (e do funcionamento da linguagem)”
(SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p.72)
Quanto aos gêneros de discurso, são eles os responsáveis pela apropriação das práticas
de linguagem nas atividades dos aprendizes, uma vez que se constituem como um referencial
para as produções orais e escritas e são considerados suporte de uma atividade de linguagem.
Para tal, Schneuwly e Dolz (2004), retomando Bakhtin, como já explicitamos anteriormente,
ressaltam três dimensões relevantes:
1) os conteúdos e os conhecimentos que se tornam divisíveis por meio dele;
2) os elementos das estruturas comunicativas e semióticas partilhadas pelos
textos reconhecidos como pertencentes ao gêneros; 3) as configurações
específicas de unidades de linguagem, traços, principalmente, da posição
enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de seqüências
textuais e tipos discursivos que formam sua estrutura. (p.75)
Nessa perspectiva, os gêneros são referenciais relevantes para a construção das
práticas de linguagem, pois, além de intermediarem as atividades de linguagem, se integram a
estas, servindo de suporte para os sujeitos. Segundo os autores supracitados, “do ponto de
vista do uso e da aprendizagem, o gênero pode, assim, ser considerado um megainstrumento
que fornece um suporte para a atividade, nas situações de comunicação, e uma referência para
os aprendizes.” (p. 75) Assim, os gêneros como suporte na sala de aula exercem um papel
indispensável, fazendo-se necessário fornecer aos alunos alguns instrumentos para uma
progressão contínua. Em outros termos, isso implica um trabalho com gêneros articulados aos
procedimentos didáticos.
Depois de feitas as considerações acerca de definições e características dos gêneros
segundo a concepção de Bakhtin e a perspectiva seguida por Schneuwly e Dolz, passaremos
ao estudo da segunda dimensão: a relação entre letramento e gêneros discursivos.
30
1.2 Gêneros discursivos e letramento: tecendo conexões
Com o intuito de fazer uma breve reflexão acerca da relação entre letramento e
gêneros discursivos, discutiremos nesse item como o letramento está imbricado no trabalho
com os gêneros. Ou seja, quais são os pontos de intersecções que podemos fazer na interrelação entre os conceitos de letramento(s) e gêneros discursivos.
O termo letramento emergiu com a necessidade de se explicar algo mais amplo do que
o domínio da tecnologia da leitura e da escrita. Nesse sentido, outra palavra precisaria dar
suporte às novas demandas sociais que não exigia somente saber ler e escrever, mas sim fazer
uso da leitura e da escrita nas práticas sociais. Os conceitos de analfabeto e alfabetismo até
determinado contexto histórico eram suficientes para a sociedade, ou seja, a condição de
apenas ler e escrever era suficiente para justificar a corrente do analfabetismo. Soares (2006),
discutindo sobre o conceito de letramento, afirma que:
Só recentemente passamos a enfrentar essa nova realidade social em que não
basta apenas saber ler e escrever, é preciso também fazer uso do ler e do
escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a
sociedade faz continuamente – daí o recente surgimento do termo letramento
(que, como já foi dito, vem se tornando de uso corrente , em detrimento do
termo alfabetismo) (p.20)
Nessa perspectiva, a aprendizagem da leitura e da escrita se vincula aos usos
contextualizados que os indivíduos fazem da língua em seu caráter dialógico. Para discutir
acerca das dimensões que envolvem os conceitos de letramento, Soares (2006) destaca que
existem duas fundamentais: individual e social.
A primeira dimensão remete às habilidades individuais, psicológicas e linguísticas que
os sujeitos desenvolvem na sua relação com a leitura e a escrita. Entretanto, a autora
supracitada ressalta que o letramento envolve os processos de leitura e escrita e que, apesar do
princípio de complementaridade, são distintos e possuem peculiaridades. Segundo (2006):
Não levar em conta a coexistência, no conceito de letramento, desses dois
constituintes heterogêneos – leitura e escrita – torna-se ainda mais sério, se
considerar que cada um desses constituintes é um conjunto de habilidades
bastante diferentes, e não uma habilidade única. (p. 68)
A autora citada problematiza, ainda, a questão de se definir as habilidades,
capacidades e materiais que determinam o indivíduo como letrado ou não. Em outros termos,
diante da diversidade de habilidades e capacidades cognitivas e metacognitivas que se
31
constituem a partir da escrita e da leitura, como poderíamos definir o letramento individual de
uma pessoa? Trata-se de se considerar a variabilidade do termo letramento.
Já na segunda dimensão, a social, o letramento se relaciona a um arquétipo de
atividades sociais que requerem o uso da leitura e escrita. Ou seja, “não é pura e simplesmente
um conjunto de habilidades individuais; é um conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à
escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social” (p.72).
Para Soares (2006), a perspectiva social pode ser compreendida pela óptica
progressista ou revolucionária. Na progressivista, o letramento é “definido como habilidades
necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social” (SOARES,
2006, p. 72). Para tal, o conceito de letramento se vincula às demandas que surgem na
sociedade, fazendo com que o sujeito possua habilidades e capacidades necessárias ao
engajamento das atividades exigidas no contexto social em que está inserido. Assim, o
letramento seria responsável por impulsionar “desenvolvimento cognitivo e econômico,
mobilidade social, progresso profissional, cidadania” (SOARES, 2006, p. 74). Já na
perspectiva radical, o letramento é conceituado como um conjunto de práticas tecidas
socialmente que objetivam modificar as práticas desiguais, assentadas social e culturalmente.
Nesse sentido, o letramento não “pode ser considerado um „instrumento‟ neutro a ser usado
nas práticas sociais quando exigido.” (SOARES, 2006, p.74). Assim, considerar o letramento
como elemento para uma conscientização, e, conseqüentemente, transformação das relações
sociais e de poder ou interligado à forma como a leitura e escrita estão sendo ideadas e
vivenciadas nos vários contextos sociais recai na problemática de se tentar formular um
conceito único de letramento.
Compartilhamos com Soares (2006) quando ressalta que “há diferentes conceitos de
letramento, conceitos que variam segundo a necessidade e condições específicas de
determinado momento histórico e de determinado estágio de desenvolvimento.” (p. 80). Nesse
sentido, não podemos desconsiderar que os sujeitos fazem usos diversos da leitura e da escrita
e estão imersos no meio letrado de um determinado contexto sócio-histórico e cultural.
Como existe uma grande diversidade das atividades dos sujeitos que se relacionam
com a leitura e a escrita e a heterogeneidade das sociedades, os estudos de Kleiman (1999) e
Soares (2006) destacam o modelo ideológico de letramento proposto por Street (1984,1993)
em oposição ao modelo autônomo. Para esse autor, o letramento não pode ser desvinculado
dos contextos culturais e das relações ideológicas e de poder. Ou seja, “as práticas de
letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas e, como tal, os significados
específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos contextos e instituições
32
em que ela foi adquirida.” (Street 1984, apud Kleiman 1999, p.21). Trata-se de se observar a
multiplicidade das práticas de letramento e sua relação com as estruturas de poder de uma
sociedade.
Como podemos observar, não existe uma forma de ser letrado e nem um único
conceito de letramento. Assim, o termo letramento não corresponde tão somente à aquisição
da escrita, mas, sim, é resultante de um processo social, se constituindo num conjunto de
práticas em que os indivíduos participam de forma significativa de eventos que envolvem os
usos sociais da leitura e da escrita.
Nesse sentido, considerando o caráter dialógico do letramento, poderíamos afirmar
que, se as habilidades de leitura e de escrita são tecidas no contexto de práticas sociais, os
usos dos gêneros discursivos são inerentes a todo evento de letramento. Em outros termos, os
gêneros são elaborados nas diferentes esferas sociais de utilização da língua e não podem ser
dissociados do(s) processo(s) de letramento(s) dos indivíduos.
Os sujeitos participam intensamente de práticas de leitura e escrita e,
conseqüentemente, fazem usos dos gêneros, pois a “comunicação verbal só é possível por
algum gênero textual”. (MARCUSCHI, 2002, p.22). Assim, as pessoas fazem uso dos
gêneros, sejam os mesmos de domínio mais privado como bilhetes, cartas pessoais, convites,
ou de situações de produção mais públicas de interlocução, tais como assembléias,
reportagens, seminários.
Partindo do pressuposto de que os eventos de letramento estão intrinsecamente
relacionados às práticas sociais expressivas dos usos da leitura e da escrita, o uso social da
língua alude aos usos dos gêneros discursivos. Como já foi exposto no capítulo anterior, toda
esfera de atividade humana produz tipos relativamente estáveis de enunciados que se
constituem nos gêneros (cf. Bakthin, 2000), portanto, as formas como os sujeitos estabelecem
suas relações com a leitura e a escrita refletem as condições específicas e finalidades de cada
esfera comunicativa. Em outros termos, perpassam pelas intenções e propósitos dos
interlocutores, por meio dos seguintes aspectos já discutidos neste trabalho: temático, estilo
verbal e estrutura composicional.
Dessa forma, a noção de gênero não se dissocia das formas discursivas que os
indivíduos fazem imersos em sua cultura, seu contexto histórico e ideológico. Ou seja, suas
diferentes experiências nas diferentes práticas e eventos sociais de leitura e escrita demandam
do indivíduo maior ou menor uso de determinados gêneros discursivos, a utilização de
determinados gêneros de acordo com a situação de interlocução, a necessidade de
aprendizagem de gêneros que a cultura ou as demandas sociais suscitam, enfim, os múltiplos
33
modos que os fazem participar dos diversos eventos de letramento. Portanto, as situações de
leitura e de escrita que os sujeitos vivenciam são usos de diferentes linguagens sociais que
possuem extrema relação com os gêneros discursivos.
1.3 Contribuições dos estudos de gênero para o ensino da língua portuguesa
Estudos recentes sobre a noção de gênero têm contribuído significativamente para a
metodologia do ensino e da aprendizagem de línguas. Ou seja, os gêneros passaram a ser
concebidos como grandes instrumentos, uma vez que se “os textos se manifestam sempre num
ou outro gênero textual, um maior conhecimento do funcionamento do gênero é importante
tanto para a produção como para a compreensão”. (MARCUSCHI, 2002, p.32)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997) também
sugerem um trabalho didático com base nos gêneros discursivos para favorecer o ensino de
leitura e produção de textos orais e escritos:
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza
temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes
a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do
texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (p.23)
Dentro dessa perspectiva, o conhecimento sobre determinados gêneros possibilita ao
indivíduo atuar nas diversas situações de comunicação com as quais se depara. Como já foi
exposto, o trabalho na escola com o reconhecimento dos gêneros, suas estruturas de sentido,
temáticas e formais contribuem para o desenvolvimento das habilidades sócio-comunicativas
dos estudantes.
Nesse sentido, Bezerra (2002) ressalta que “o estudo de gêneros pode ter conseqüência
positiva nas aulas de Português, pois leva em conta seus usos e funções numa situação
comunicativa”. (p. 41)
Discutindo sobre a importância de se trabalhar com os gêneros nas aulas de Língua
Portuguesa, Schneuwly e Dolz (2004) ressaltam que, na escola, o papel do gênero se amplia,
pois passa a ser considerado, ao mesmo tempo, um instrumento de comunicação e objeto de
ensino/aprendizagem. Assim, os gêneros são introduzidos na escola sob uma decisão didática,
passando a ter novos objetivos: primeiro, o aluno precisa aprender a dominar o gênero para,
posteriormente, desenvolver capacidades que lhe possibilitem ultrapassar outros gêneros.
Nesse sentido, a escola visa ao domínio do gênero pelo aluno como condição necessária ao
34
desenvolvimento de outras capacidades. Em outros termos, pensar sobre os gêneros numa
óptica didática perpassa pela compreensão de se ter objetivos precisos no processo de
aprendizagem que visem ao desenvolvimento das capacidades de linguagem dos alunos em
práticas de referência. Para atender a tal finalidade, é relevante refletir quais gêneros
discursivos precisam ser discutidos para contemplar as capacidades de linguagem diversas.
Diante de uma infinidade de gêneros de diferentes esferas sociais, fazer com que os
alunos ampliem suas capacidades de linguagem significa desenvolver habilidades variadas
que os levem a perceber as finalidades discursivas em determinados contextos de
interlocução. Isto é, desenvolver habilidades que objetivem a compreensão de um objeto de
discurso de difícil entendimento por parte do interlocutor; persuadir, através do ponto de vista
trazido pelo locutor para o discurso; expor um fato/acontecimento a alguém e/ou interagir
com um ou mais de um elemento numa situação de interlocução; enfim, compreender que a
seleção dos recursos linguísticos é feita com base nas representações sobre o tema,
destinatário e a intenção enunciativa em questão.
Entretanto, “é preciso refletir se essa nova prática está se construindo em favor da
eficácia comunicativa ou é apenas um novo modismo com velhos pretextos” (BIASIRODRIGUES, 2002, p.50). Ou seja, diante de uma enorme quantidade de gêneros que
circulam na sociedade, quais seriam, de fato, necessários a serem selecionados e explorados
em sala de aula? Quais dimensões textuais podem ser enfatizadas para o trabalho com os
gêneros que contemplem as diversas capacidades discursivas dos alunos?
De fato, corroboramos com a ideia de que os gêneros devem ser trabalhados em sala
de aula, tal como defende Bezerra (2002):
Aceitando-se o conceito “gênero discursivo” ou “gênero textual”, o que se
constata é que a lingüística aplicada, preocupada com o ensino de língua
materna, defende a idéia de que se deve favorecer o desenvolvimento da
competência comunicativa dos alunos e, para isto, os textos escritos e orais
sejam objetos de estudo na escola (leitura, análise e produção). Assim, o
gênero é fundamental na escola, visto que, segundo Schneuwly e Dolz (no
prelo 1), é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os
objetos escolares [...] (p.41)
Assim, acreditamos que as mudanças nas concepções acerca do trabalho com os
gêneros discursivos consistem numa oportunidade compreender a língua em seus usos, pois
“nada do que fizermos lingüisticamente está fora de ser feito em algum gênero”
(MARCUSCHI, 2002, p.35). No entanto, a inserção de um repertório variado de gêneros na
35
sala de aula não garante o desenvolvimento das competências discursivas e linguísticas dos
alunos.
Diante desse quadro, precisamos discutir sobre alguns aspectos que permeiam o ensino
dos gêneros na escola, dentre eles, os critérios de seleção dos gêneros a serem trabalhados na
escola, ou seja, se a escolha do gênero deve ser aleatória ou partir de critérios que
contemplem diferentes gêneros de acordo com ano/série dos alunos, bem como se os focos
característicos dos gêneros (composicionais, temáticos, estilo) podem ser direcionados para
um trabalho didático, considerando as especificidades ano/série. Em outros termos, é
necessário refletirmos sobre o direcionamento metodológico que os livros didáticos, as
propostas curriculares ou professores oferecem aos alunos quando se trata de selecionar os
gêneros discursivos para estudo em sala de aula.
Para refletir sobre as questões supracitadas, podemos encontrar autores que defendem
uma orientação para uma proposta curricular que contemple certos critérios para a escolha dos
gêneros a serem trabalhados na escola. Dentre eles, destacamos os estudos de Schneuwly e
Dolz (2004) que, preocupados em refletir acerca da função interativa da linguagem, produzida
em diversos espaços discursivos e numa relação de dialogicidade, propõem uma seleção de
diferentes textos baseada em agrupamento e progressão.
Para se pensar o ensino dos gêneros, os referidos autores propõem um agrupamento
desses gêneros de acordo com sua tipologia e capacidades de linguagem a serem
desenvolvidas pelos alunos em cada ciclo/série: gêneros da ordem do narrar; da ordem do
relatar, da ordem do expor, da ordem do argumentar e da ordem do descrever ações.
Ainda segundo os autores supracitados, a aprendizagem da expressão oral e escrita é
considerada como um conjunto de aprendizagens específicas de gêneros discursivos variados.
Dessa forma, o ensino de cada agrupamento de gêneros exige reflexões sobre aspectos
linguísticos, estruturais e interacionais. “Os tempos verbais, por exemplo, não são os mesmos
quando se relata uma experiência vivida ou quando se escrevem instruções para a fabricação
de um objeto.” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 120)
Nessa perspectiva, os agrupamentos são tomados como base no processo de
construção de progressões, pois, para que funcionem, é necessário que: “1. Correspondam às
grandes finalidades sociais atribuídas ao ensino [...] 2. Retomem de modo flexível certas
distinções tipológicas [...] 3. Sejam relativamente homogêneos quanto às capacidades de
linguagem implicadas no domínio dos gêneros agrupados.” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004,
p. 121)
36
Com relação à progressão, propõe-se que seja pensada em forma de “espiral”. Ou seja,
um mesmo gênero ou agrupamento de gêneros é inserido em diferentes ciclos/ séries do
ensino fundamental, com objetivos cada vez mais complexos. Nesse sentido, os referidos
autores ressaltam que, “levando-se em conta os objetivos de aprendizagem nos domínios das
situações de comunicação, da organização global do texto e do emprego das unidades
linguísticas, é possível elaborar uma progressão em cada um dos cinco agrupamentos de
gêneros.” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 123). Em outros termos, em todos os anos
escolares os alunos deveriam se deparar com textos pertencentes aos cinco agrupamentos. De
acordo com Schneuwly e Dolz (2004), neste tipo de progressão “o que varia de um nível para
o outro são os objetivos a serem atingidos em relação a cada gênero: as dimensões
trabalhadas, a complexidade dos conteúdos e as exigências quanto ao tamanho e acabamento
do texto.” (p. 124).
Desse modo, na proposta dos autores supracitados, a inserção de determinado gênero
numa perspectiva didática deve estar articulada a um processo de interlocução, agrupamento e
progressão, o que implica uma reflexão ampla acerca da didatização dos gêneros. Assim, a
inserção didática dos gêneros perpassa pela questão de que devemos ter objetivos precisos no
processo de aprendizagem que visem o desenvolvimento das capacidades de linguagem dos
alunos em práticas de referência. Schneuwly e Dolz (1997) defendem que “quanto mais
precisa a definição das dimensões ensináveis de um gênero, mais ela facilitará a apropriação
deste como instrumento e possibilitará o desenvolvimento das capacidades de linguagem
diversas que a ele estão associadas”. (p.15)
Em seus estudos, Suassuna (2008) problematiza a didatização dos gêneros na escola.
De acordo com a autora, nas orientações dadas aos projetos de seus alunos na Disciplina de
Prática de Ensino de Português, realizou o seguinte direcionamento: elaborar um projeto em
torno de um gênero específico (ou mais de um) e contemplar atividades nos eixos de leitura,
escrita e análise linguística em torno do gênero. Entretanto, durante o processo, as seguintes
inquietações foram surgindo:
a) quais gêneros escolher para uma determinada turma/série;
b) se o estudo dos recursos lingüísticos devem estar atrelados aos
gêneros, qual seria o melhor deles para estudar os fenômenos da
ortografia, a acentuação gráfica, a formação de palavras; [...] (p.112)
Com isso, percebemos a preocupação de pesquisadores quando se trata de selecionar
gêneros como objeto de ensino. Suassuna (2008) ainda ressalta que:
37
Se por um lado não temos dúvidas que a teoria dos gêneros é bastante
produtiva quando se tratar de ensinar a ler e escrever, e nos aproxima mais
da linguagem em uso, por outro lado, não podemos encará-la como uma
receita definitiva, modismo a ser seguido ou solução para os problemas
educacionais que enfrentamos cotidianamente. (p.113)
Por outro lado, a discussão acerca do trabalho com os gêneros implica também na
compreensão de que, numa perspectiva didática, o gênero sofre uma transmutação em relação
aos gêneros de referência (cf. Schneuwly e Dolz, 2004). Ou seja, para atender ao
desdobramento de ser, ao mesmo tempo, objeto de ensino e instrumento de linguagem, eles,
em geral, não estão em práticas de circulação idênticas às que ocorrem fora da escola. Tratase de ressaltar que a escola possui especificidade e dinâmica própria e contempla objetivos
didáticos específicos. Embora não deva desconsiderar elementos sociodiscursivos e
linguísticos produzidos nas práticas de referência.
Ainda segundo a abordagem de Schneuwly e Dolz (2004), o fato de objetivar o
domínio de alguns gêneros, pelos estudantes, consiste em uma tentativa de propor um suporte
para que as pessoas possam aprender outros, tendo em vista que se pode “desenvolver
capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou
distantes” (p. 80). Portanto, para adaptar-se a esses novos objetivos e, por estar fora de seu
meio de circulação social, o gênero sofrerá transformações que visam sua apropriação pelo
aluno. Segundo Schneuwly e Dolz (2004), “o gênero trabalhado na escola é sempre uma
variação do gênero de referência, construída numa dinâmica de ensino/aprendizagem.” (p.
81). Ou seja, esses autores defendem que na escola realizamos algumas seleções de quais
propriedades dos gêneros discursivos ressaltar para os alunos e os modos como iremos fazêlo, que implicam, em maior ou menor distanciamento, das práticas sociais nas quais tais
gêneros circulam. Na verdade, eles defendem que se faz necessário instrumentalizar os alunos
para usos autênticos da linguagem, expondo-os a verdadeiras situações de comunicação, sem
perdermos de vista a necessidade de reflexão sobre tais textos fora dessas situações de
comunicação.
Podemos encontrar outros autores que também propõem alguns princípios para o
ensino dos gêneros na escola. Bonini (2003) também propõe que essa seleção perpasse pelos
campos sociais em que os gêneros circulam. Seguindo essa perspectiva, segundo o próprio
autor:
a relação entre gênero e atividade social fica mais explícita, favorecendo, na
perspectiva do aluno, uma apropriação mais consciente desses instrumentos
38
de linguagem e identificação das questões de identidade e poder relacionadas
aos usos da linguagem. (p. 6-7)
O autor supracitado discute que os critérios de escolha dos gêneros não devem ser
aleatórios, ou seja, devem possuir princípios norteadores que assegurem o desenvolvimento
das habilidades na perspectiva da linguagem em uso. Para tal, defende que, quanto aos alunos,
os gêneros selecionados devem:
i) possibilitar-lhe a construção de uma ação de linguagem até certo ponto
condizente com sua realidade e com seus objetivos pessoais; ii) propiciarlhe uma comparação entre os recursos da linguagem que já usa e os que
estão sendo apreendido, de modo a ampliar-lhe o conjunto de recursos da
linguagem; e iii) estarem minimamente adequados às suas possibilidades
de apreensão, suas vivências, gostos e ao seu grau de maturidade.
(BONINI, 2001, p. 14)
Ainda segundo Bonini (2003), partindo dos princípios acima citados, os textos a serem
selecionados devem (1) propiciar uma ação social efetiva, (2) abarcar, em grau de
complexidade crescente, o usual (cotidiano) e as variedades de experiências (da fala, estéticos,
da impressa, eletrônicos) e (3) adequar-se à experiência vivencial do aluno;
A partir das ideias do autor acima citado, observamos a preocupação em propor
orientações mais consistentes quando se trata de eleger os gêneros como objeto de ensino.
Trata-se de propor princípios e critérios para um trabalho mais sistemático que oportunize
alargamento dos saberes dos alunos e desenvolvimento de suas capacidades linguísticodiscursivas.
Nesse sentido, devemos observar em quais condições, seja em propostas de livros
didáticos, de orientações prescritivas e/ou de professores, estão sendo oferecidas aos alunos o
trabalho com os gêneros. Ou seja, dependendo dos aspectos ressaltados, as práticas com esse
objeto de ensino podem estar ou não distanciadas de algumas práticas de usos de referências.
Corroboramos, como vimos discutindo, com a ideia de que as mudanças nas
concepções acerca do trabalho com os gêneros discursivos consistem numa oportunidade de
se lidar com a língua em práticas de usos reais. No entanto, destacamos a relevância de saber
quais características dos gêneros precisariam ser enfocadas durante as atividades para suscitar
uma reflexão sobre esses objetos de ensino. Em outros termos, para desenvolver habilidades
diversas que instrumentalizem os alunos em diversas práticas de leitura e escrita que ocorrem
fora da escola, o trabalho numa perspectiva de gêneros precisa levar em consideração a
39
clareza de quais dimensões, sociodiscursivas e/ou composicionais precisam ser alvos de
reflexão no gênero em estudo.
Na discussão sobre as dimensões ensináveis de um gênero, destacamos Machado e
Cristovão (2006) que defendem a construção de um modelo didático para o
ensino/aprendizagem de gênero. Segundo essas autoras, esse modelo permite “a visualização
das dimensões constitutivas do gênero e seleção das que podem ser ensinadas e das que são
necessárias para um determinado nível de ensino.” (p.557). Ainda segundo as autoras
supracitadas, na construção de modelos didáticos para o ensino dos gêneros, alguns elementos
precisam ser considerados:
a) características da situação de produção (quem é o emissor, em que papel
social se encontra, a quem se dirige, em que papel se encontra a receptor, em
que local é produzido, em qual instituição social se produz e circula, em que
momento, em qual suporte, com qual objetivo, em que tipo de linguagem,
qual é a atividade não-verbal a que se relaciona, qual o valor social que lhe é
atribuído, etc);
b) os conteúdos típicos do gênero;
c) as diferentes formas de mobilizar esses conteúdos;
d) a construção composicional característica do gênero, ou seja, o plano
global mais comum que organiza seus conteúdos;
e) o seu estilo particular, ou em outras palavras:
- as configurações específicas de unidade de linguagem que constituem
como traços de posição enunciativa do enunciador: (presença/ausência de
pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa, dêiticos, tempos verbais,
modalizadores, inserção se vozes);
- as seqüências textuais e os tipos de discursos predominantes e
subordinados que caracterizam o gênero;
- as características dos mecanismos de coesão nominal e verbal;
- as características dos mecanismos de conexão;
- as características dos períodos;
- as características lexicais.
(MACHADO e CRISTOVÃO, 2006, p.258)
Com o exposto, percebemos que as propostas de atividades devem estar articuladas
com atividades com diferentes gêneros e destinatários, com foco nos elementos
sociodiscursivos, temáticos e linguísticos dos gêneros. Com isso, as dimensões ensináveis de
um determinado gênero em foco devem ter como objetivo principal direcionar os alunos para
que estes aprendam a escolher o gênero adequado a cada situação comunicativa, sem esquecer
que, numa perspectiva didática, os gêneros são instrumentos de comunicação e, ao mesmo
tempo, objetos de ensino-aprendizagem.
Dessa forma, é de extrema relevância oportunizar aos alunos um estudo sistemático
acerca dos gêneros discursivos, tanto em função de seus elementos sociodiscursivos, quanto
40
suas características linguísticas. Em outros termos, a capacidade de mobilizar o conteúdo
temático de um gênero e organizá-lo de maneira adequada, encandeando as várias sequências
exigidas numa determinada situação de interlocução é uma das habilidades exigidas nas
práticas reais de utilização da língua. Para tal desenvolvimento, faz-se necessário pensar quais
dimensões precisam se enfatizadas no gênero, como já foi dito.
Dependendo da maneira como o estudo dos gêneros é abordado, a inserção didática
dos gêneros discursivos no ensino de língua portuguesa pode tornar o ensino dos gêneros
apenas uma prescrição. Em outros termos, ao invés de suscitar nos alunos uma reflexão acerca
dos gêneros, com foco em desenvolver habilidades discursivas e linguísticas, algumas
propostas podem se distanciar do desenvolvimento de determinadas capacidades de
linguagem. Segundo Rojo (2002):
[...] quando se fala em tomar os gêneros, e não meramente os textos ou tipo
de textos, como objeto de ensino, fala-se de constituir um sujeito capaz de
atividades de linguagem que envolvem tanto as capacidade lingüísticas ou
lingüístico-discursivas, como a capacidades propriamente discursivas,
relacionadas à apreciação valorativa da situação comunicativa e como,
também capacidades de ação em contexto. (p.39)
Nesse sentido, no ambiente escolar, a inserção de determinado gênero deve estar
articulada a um processo de interlocução, o que implica a realização de uma série de
atividades planejadas que não são unidimensionais e nem disjuntas, mas recursivas e
interdependentes. Ou seja, os modelos didáticos para planificar o ensino de gêneros precisam
ser bem elaborados, sequenciados e possuir objetivos precisos na aprendizagem.
Considerando que os gêneros se transformam constantemente por se constituírem em
“fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultura e social” (MARCUSCHI,
2002, p.19), faz-se necessário refletir se o ensino dos gêneros deve ser guiado por modelos
prototípicos ou por uma reflexão sistemática sobre seus elementos constitutivos. Assim, como
os gêneros se constituem como práticas de linguagem e devem ser utilizados como
instrumentos de mediação da estratégia de ensino e como material de trabalho para o ensino
da textualidade, faz-se necessário observar se é preciso explicitar e/ou sistematizar os
conhecimentos sobre o gênero ou se basta levar os alunos a ler e produzir diferentes gêneros
para desenvolver as habilidades discursivas e linguísticas.
Em sua pesquisa com três coleções de língua portuguesa e PCN, Biasi-Rodrigues
(2002) aponta que:
41
Há lacunas teóricas e metodológicas que precisam ser preenchidas, nos
parâmetros curriculares e nos livros didáticos, para que o ensino com base
nos gêneros textuais/discursivos não se torne apenas mais um modismo, que
só faça reproduzir novos artificialismos. (p.62)
Assim, devemos ter uma determinada cautela quando nos propomos a trabalhar com
os gêneros discursivos nas aulas de língua materna, uma vez que, dependendo do tratamento
que se dá a esse objeto de ensino, poderemos cair no modismo sem reflexões mais
aprofundadas acerca de suas características ou realmente fazer com que seja um instrumento
que ajude aos alunos a se inserirem em diversas práticas discursivas da sociedade.
Antunes (2002), ressaltando o caráter enriquecedor dos gêneros como orientador de
ensino, destaca algumas reformulações necessárias que perpassam por essa perspectiva:
a) a apreensão dos fatos “lingüístico-comunicativos” e não o estudo de
“fatos-gramaticais, difusos, virtuais, descontextualizados [...]
b) a apreensão de estratégias e procedimentos para promover-se a adequação
e eficácia do texto, ou o ensino da língua com objetivo explicito e
determinado de ampliar-se a competência dos sujeitos para produzirem e
compreenderem textos [...]
c) a consideração entre as operações de como esses procedimentos e essas
estratégias refletem-se na superfície do texto [...]
d) a correlação entre as operações de textualização e os aspectos
pragmáticos da situação [...]
e) a ampliação de perspectiva na compreensão do fenômeno lingüístico [...]
(p.71)
Trata-se de uma ruptura com os aspectos meramente formalistas da língua e suas
implicações para o ensino de língua portuguesa. Quando se trata de considerar os gêneros
como objeto de ensino, a relação entre língua e sociedade se estreita, uma vez que toda
atividade verbal possui, em seu cerne, o caráter dialógico e vinculação com o contexto social.
Antunes (2002) ainda destaca que, quando considerado o trabalho com gêneros no
desenvolvimento das competências textuais e discursivas dos alunos, a perspectiva de
trabalho com o texto, as habilidades a serem desenvolvidas e a perspectiva de trabalho com a
língua se reformulam. Assim, tornar presumível que:
a) o texto – suas regularidades, suas normas, suas convenções de ocorrência
- passem a ser o objeto de estudo das aula de língua [...];
b) os textos assumam sua dimensão concreta, particular, enquanto unidades,
e sua dimensão de realização típica, enquanto se identificam como sendo um
determinado gênero;
c) as regras lingüísticas ganhem seu caráter de funcionalidade, uma vez que
são definidas de acordo com as particularidade de cada gênero;
d) as habilidades propostas, tanto para fala como para escrita, contemplem a
variedade de textos [...]
42
e) as dificuldades de produção e recepção dos textos sejam atendidas e,
progressivamente, superadas; a familiaridade dos alunos com a diversidade
de gêneros deixa-os aptos a perceberem e a internalizarem as regularidade
típicas desses gêneros;
f) a língua virtual [...] ceda lugar à língua que é atuação dos sujeitos falantes
[...] (p.72 )
Com base nesses pressupostos, a autora supracitada propõe uma grade programática
em que, em cada unidade, um gênero poderia ser o ponto nuclear de objeto de análise para o
ensino de língua portuguesa, considerando os eixos leitura, escrita, fala e análise lingüística.
(cf. ANTUNES, 2002. p.73). Não se trata de eleger um único gênero a ser trabalhado por
unidade, mas sim de selecionar alguns para estudos mais sistemáticos. Seguindo essa
perspectiva, no final do ano letivo, o aluno “teria oportunidade de ampliar largamente o seu
saber acerca de como se compreendem, se dizem e se escrevem diferentes gêneros de texto,
certamente aqueles mais relevantes, de acordo com as exigências culturais do lugar e do
momento”. (ANTUNES, 2002, p.73) Com suas ideias, podemos observar a preocupação não
só de se eleger o gênero como objeto de ensino, mas de indicar algumas alternativas que
oportunizem estudos mais sistemáticos acerca dos mesmos.
Dado o que foi discutido neste capítulo, os instrumentos com os quais a sociedade
legitima suas práticas discursivas e atua nos diversos domínios da atividade humana são os
gêneros. Portanto, o gênero, como ferramenta de trabalho na escola para o desenvolvimento
de habilidades linguísticas e discursivas, merece uma reflexão especial. Assim, as questões
didáticas e pedagógicas perpassam pela reflexão de que considerar a diversidade não significa
escolher, como objeto de estudo, todos os gêneros, nem ensiná-los todos de uma vez, como
também tornar o ensino dos gêneros como uma prescrição a ser seguida. Dessa forma, se faz
necessário considerar uma reflexão acerca da seleção, critérios e princípios para o trabalho
com os gêneros, objetivando o alargamento das atividades verbais e enunciativas das pessoas,
pautada na perspectiva de estudo da língua como manifestação concreta e as suas
considerações sobre contextos de produção e recepção e respectivas finalidades sociais.
Tais reflexões serão retomadas posteriormente nesse estudo. No entanto, no capítulo a
seguir, teceremos breves considerações acerca correntes teóricas sobre currículo.
Posteriormente, discutiremos algumas das orientações nacionais para elaboração de currículos
com base em documentos que orientam tal aspecto. Em seguida, faremos relações entre as
concepções de língua e algumas implicações para o ensino da linguagem, momento em que as
reflexões sobre o trabalho com gêneros será retomado. Por fim, faremos apreciações sobre o
ensino de língua portuguesa em alguns currículos de Pernambuco dos séculos XIX e XX a
43
fim de refletir sobre as concepções que permearam tais propostas em diferentes contextos
históricos.
44
. Capítulo 2
Currículo e ensino da língua portuguesa
A reflexão acerca de currículo sempre consistiu numa preocupação de vários teóricos,
uma vez que se trata de um construto representativo de concepções e subjetividades dos
sujeitos num determinado contexto histórico. Afinal, o que significa interpretar as concepções
de currículo e suas implicações para o ensino da língua? Toda proposta curricular está
ancorada em visões acerca do homem, sociedade e conhecimento, assumindo, portanto, um
caráter político, ideológico e filosófico.
Nesse capítulo, procuraremos discutir, de forma mais geral, sobre algumas correntes
tecidas historicamente acerca das teorias de currículo. Trata-se de um breve debate sobre
como os currículos são abordados nas teorias tradicionais, críticas e pós-críticas.
Logo em seguida, sentimos a necessidade de fazer um resgate das principais
prescrições de textos oficiais brasileiros para a elaboração de propostas curriculares.
Destacamos, nesse item, elementos relevantes orientados pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais e o documento “Indagações sobre o Currículo”.
Posteriormente, faremos algumas considerações de conceitos indispensáveis sobre
concepções de linguagem que permearam o ensino de Língua Portuguesa no Brasil, bem
como algumas implicações para o currículo. Para tal, faremos um entrelace entre concepções
de linguagem, ensino de Língua Portuguesa e implicações para as propostas curriculares.
Por fim, discutiremos como o ensino de língua portuguesa estava sendo concebido em
documentos oficiais do século XIX e XX. Trata-se de tentar fazer uma breve reflexão de
como as concepções acerca de língua e linguagem se materializam nas diversas propostas
curriculares do estado de Pernambuco em diferentes contextos históricos.
2.1 Breve reflexão sobre as concepções de currículo
O currículo reflete várias interpretações nas relações pedagógicas. Dentre elas, Moreira
(2003) destaca que, no vocabulário pedagógico, a palavra currículo assume dois sentidos mais
usuais:
45
[...] No primeiro sentido, que também é visto ao longo dos tempos, o
currículo é visto como conhecimento tratado pedagógica e didaticamente
pela escola e aplicado pelo aluno. Para os que adotam essa concepção, as
seguintes perguntas tornam-se básicas: O que deve um currículo conter?
Como organizar esse conteúdo?
A segunda concepção [...] Currículo passa a significar um conjunto de
experiências a serem vividas pelo estudante sob a orientação da escola.
Constituem perguntas centrais nessa abordagem: Como selecionar as
experiências e aprendizagem a serem oferecidas? Como organizá-las
relacionando-as aos interesses e desenvolvimento do estudante?
(MOREIRA, 2003, p.12)
De um lado ou de outro, podemos afirmar que currículo é um produto históricocultural, que se constitui como um instrumento contemporâneo norteador das práticas
institucionais, com efeitos relativos ao desenvolvimento do indivíduo/cidadão.
Ao longo da história, as concepções de currículo se modificaram, como resultado de
mudanças sociais, políticas e econômicas das diferentes épocas. Desse modo, não podemos
dissociar os estudos teóricos sobre as propostas curriculares das reflexões sobre as múltiplas
determinações da realidade em que o processo curricular se insere, articuladas a reflexões
acerca do projeto de homem e de sociedade de determinados momentos históricos. Nesse
sentido, as ideias sobre currículo podem ser classificadas em dois tipos: (1) as concepções
tradicionais, baseadas nos princípios da racionalização, que se preocupam com questões de
organização (2) as concepções críticas e pós-críticas, preocupadas com a articulação entre
saber, poder e identidade. Segundo Silva (2005), é “a questão do poder que vai separar as
teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo” (p.16)
As teorias tradicionais interpretam o currículo como instrumento de natureza técnica,
afastado dos processos sociais e com caráter de prescrição e formalidade. O campo sobre
currículo é marcado com os estudos de Bobbitt (1918, apud Silva, 2005, p.24) que, visando
atender a uma demanda por uma educação de massas, propunha que o sistema educacional
deveria funcionar de acordo com os princípios da administração científica proposto por
Taylor. O currículo, então, teria como finalidade central prescrever as habilidades necessárias
para as diversas funções, o planejamento e elaboração de instrumentos de medição. As ideias
de organização e desenvolvimento propostos por Taylor (1949, apud Silva, 2005, p.25)
também influenciaram os estudos sobre currículo que buscavam responder a quatro questões
básicas:
1. que objetivos educacionais a escola quer atingir?; 2. que experiências
educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar
46
esse propósitos?; 3. como organizar eficientemente essas experiências?; 4.
como podemos ter certeza que esses objetivos estão sendo alcançados?
(p.25)
Dado o exposto, percebemos que o foco principal nas discussões remete às regras de
formulação dos objetivos, bem como seleção, ordenação e hierarquização dos itens do
currículo. Em outros termos, os objetivos prescritivos tornam-se objetos centrais no processo
educacional. Segundo Moreira (2003), a ênfase deslocava-se “ora para as prescrições (de
conteúdo e atividades), isto é, para o documento escrito, ora para o processo, ou seja, para
prática escolar efetiva.” (p.13)
Nas décadas de 1960 e 1970, houve reações contra as simplificações das teorias
prescritivas, com o surgimento de abordagens mais críticas das questões curriculares, ou seja,
os fundamentos das teorias tradicionais são invertidos. Nesse contexto histórico, as teorias se
voltavam para entender o chamado currículo oculto e caracterizava-se como referencial
conceptual crítico por tratar o conhecimento como produto sócio-cultural dotado de múltiplas
interpretações da realidade em que todo processo curricular está imerso. A preocupação
consistia em analisar como o discurso implícito na materialização das propostas curriculares
está vinculado às concepções de poder social, econômico e de ideologias dominantes.
Segundo Aplle (1990), o currículo precisava ser refletido nos seguintes aspectos: “De quem é
esse conhecimento? Quem o selecionou? Por que se encontra organizado e transmitido dessa
forma?” (p.29) Em outros termos, as teorias críticas estavam voltadas à compreensão de como
o currículo atua na sociedade que, segundo Silva (2005), “condensa uma preocupação
sociológica permanente com os processos „invisíveis‟, com os processos que estão ocultos na
compreensão comum que temos da vida cotidiana” (p.80). Nesse sentido, as contradições
entre os conflitos e as resistências assumem um papel relevante numa visão mais ampla e
complexa.
Nas décadas de 1980 e 1990, vem à tona todo um aprofundamento entre currículo e as
relações de poder na sociedade, enfatizando como esse produto sócio-histórico é “passível de
ser concebido e interpretado como um todo significativo, como um texto, como um
instrumento privilegiado de construção de identidades e subjetividades” (Moreira, 2003,
p.15). Trata-se de centrar o lócus do debate no processo cultural, questionando-se os sentidos
uniformizadores, estáticos, individualistas que se materializam no currículo, como também
incorporar discussões acerca de etnia, raça, gênero, classe e sexo nas suas relações com a
cultura. Nesse sentido, o conhecimento é considerado parte inerente do poder. Segundo Silva
(2005), nas teorias pós-críticas, “o mapa do poder é ampliado para incluir os processos de
47
dominação centrados na raça, etnia, no gênero e na sexualidade” (p.149). O currículo é
permeado por significações sociais do conhecimento em que os indivíduos, a partir de suas
experiências, também produzem espaços culturais e intersubjetivos.
Segundo Moreira (2003), essa visão de currículo sugere:
representações, codificadas de forma complexa nos documentos, a partir de
interesses, disputas e alianças, e decodificadas nas escolas, também de modo
complexo, pelos indivíduos nelas presentes. Sugere, ainda, a visão do
currículo como campo de lutas e conflitos em torno de símbolos e
significados. (p.15)
Com as ideias acima expostas, percebemos que, para analisar o currículo na área de
linguagem, precisamos reconhecer as conexões históricas entre as concepções de currículo,
bem como refletir sobre os significados ideológicos, de poder e de cultura hegemônica
presentes nos documentos oficiais que selecionam os saberes e habilidades necessários para a
vida na sociedade. A questão conflitante concretiza-se no seguinte questionamento: Quais os
conhecimentos que são considerados válidos na sociedade contemporânea?
Na tentativa de discutir a dinâmica social, política e cultural no processo de elaboração
de currículos, vários documentos oficiais são elaborado com o objetivo de reorientar ou
refletir sobre as propostas curriculares. É sobre esse aspecto que discutiremos a seguir, ou
seja, verificaremos o que os documentos nacionais mais recentes estão discutindo sobre
currículo.
2.2 O que dizem os textos prefigurativos3 nacionais para a elaboração de
currículos?
A elaboração de uma proposta curricular pressupõe um amplo debate sobre
concepções de sujeito, sociedade, cultura, relações de poder e construção de subjetividades.
Como nesse trabalho iremos investigar o que propõe a Base Curricular Comum de
Pernambuco para ensino de Língua Portuguesa, ressaltamos a relevância de discutir o que
dizem as orientações oficiais de ensino para o processo de elaboração do currículo.
No cenário brasileiro, dispomos de documentos oficiais de ensino, elaborados em
meio a lutas e contestações, que têm como finalidade nortear a preparação dos currículos nas
escolas. Dentre eles, destacamos as Diretrizes Curriculares Nacionais (doravante DCN) que:
3
Textos prefigurativos podem ser compreendidos como os textos oficiais de orientação do ensino, tais como os
Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo. (cf. Cordeiro, 2007, p. 73)
48
constituem-se na doutrina sobre Princípios, Fundamentos e Procedimentos
da Educação Básica, definidos pela Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos
diversos sistemas de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e
avaliação de suas propostas pedagógicas. (BRASIL, 1998, Art. 2º, p.48)
Assim, as DCN, previstas na LDB nº9394/96 – art.26º, estabelecem diretrizes que
orientam a educação brasileira em suas várias modalidades. Trata-se de uma política
curricular que define eixos estruturantes para as escolas brasileiras. Ou seja, os planejamentos
curriculares devem estar articulados com as Diretrizes Curriculares Nacionais embasados em
princípios, fundamentos epistemológicos que visem ao "pleno desenvolvimento do educando,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". (BRASIL, 1998,
p. 6)
Nesse sentido, um dos aspectos abordados nesse documento oficial se relaciona a
elaboração de uma Base Comum Nacional que objetive “legitimar a unidade e a qualidade da
ação pedagógica na diversidade nacional” (Art. 3º inciso IV,p.48). Destaca também que essa
base deve comportar uma parte diversificada a ser construída na proposta pedagógica e no
regimento de cada unidade escolar no país com o objetivo de “enriquecer e complementar a
Base Nacional Comum, propiciando, de maneira específica, a introdução de projeto e
atividades do interesse de suas comunidades.” (Art. 3º, inciso VI, p.48).
Como podemos perceber, esse dispositivo legal tem como finalidade orientar a
formulação de currículos que estabeleçam relações entre aspectos educacionais e a vida
cidadã. Em outros termos, se direciona a todos aqueles que, de forma direta ou indireta, estão
implicados na preparação, efetivação e avaliação de currículos, programas e planos
institucionais no que diz respeito à formação para cidadania.
Com a preocupação de refletir sobre o desenvolvimento do currículo, o Departamento
de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado à Secretaria de
Educação Básica, com a colaboração de profissionais indicados pelo Consed, Undime e as
diversas secretarias do MEC, elaborou um documento intitulado “Indagações sobre o
Currículo”. Esse tem como principal finalidade “deflagrar, em âmbito nacional, um processo
de debate, nas escolas e nos sistemas de ensino, sobre a concepção de currículo e seu processo
de elaboração.” (BRASIL, 2006, p.7)
Nessa perspectiva, a discussão no documento supracitado está organizada em torno de
eixos, são eles: Currículo e Desenvolvimento Humano; “ Os Educandos, seus Direitos e o
Currículo; Currículo, Conhecimento e Cultura; Currículo e Avaliação. Com essa estruturação,
o documento ressalta que não pretende esgotar as possibilidades de reflexões nessas
49
publicações, mas sim se propor a “trabalhar concepções educacionais e a responder às
questões postas pelos coletivos das escolas e das Redes, a refletir sobre elas, a buscar seus
significados na perspectiva da reorientação do currículo e das práticas educativas”. ( p.9)
No texto “Currículo e Desenvolvimento Humano”, a autora Lima (2006) tece
considerações sobre como o currículo representa um instrumento de formação humana. Para
fomentar o debate, a mesma aponta que os conhecimentos oriundos da neurociência,
antropologia e linguística são relevantes para compreender os desafios de uma escola que
promova a formação humana e ampliação de experiências. Ainda nesse documento, são
abordadas questões referentes ao desenvolvimento humano sob as perspectivas biológica e
cultural e a relação entre currículo e as aprendizagens escolares.
Já em relação ao título “Os educandos, seus direitos e o currículo”, o autor Arroyo
(2006) problematiza questões referentes acerca de como a dinâmica da organização curricular
afeta a organização do trabalho docente e o trabalho dos educandos. O texto também fornece
reflexões, principalmente, de como repensar e reinventar um currículo a partir das
sensibilidades para com os educandos e na concepção de sujeitos de direitos ao conhecimento.
Ressaltamos, ainda, que, para provocar a discussão, o autor destaca a necessidade de rever as
concepções mercantilizadas sobre o currículo, conhecimento e os sujeitos do processo
educativo.
No que concerne ao texto “Currículo, Conhecimento e Cultura”, os autores, Moreira e
Candau (2006) proporcionam reflexões sobre as relações conflituosas entre currículo e
cultura. Antes de adentrar nesse debate, destacam a relevância de que, para a própria
compreensão do processo pedagógico, se faz necessário problematizar o que se entende por
conhecimento escolar. Verificamos, ainda, que os autores supracitados, além de inserirem
debates sobre o conceito de cultura e diversidade e relações com o currículo, apontam
princípios para a construção de currículos multiculturamente orientados.
Por último, podemos encontrar no documento, o texto intitulado “Currículo e
Avaliação” dos autores Fernandes e Freitas (2006). Nesse, de forma geral, a discussão se volta
para os aspectos da avaliação escolar. Para fomentar o debate, os autores tecem considerações
sobre a relação entre avaliação e o papel da educação, concepção de avaliação, as práticas de
avaliação das aprendizagens, dentre outros. Destacam, principalmente, a extrema necessidade
de refletir sobre a concepção de avaliação que privilegia a aprendizagem e o fato de os
princípios avaliativos estarem articulados com a função que a educação assume na sociedade.
Com base na leitura dos textos que compõem o documento, podemos perceber que
vários autores se preocupam em ressaltar que o currículo é constituído num campo de lutas e
50
forças que estão se entrecruzando na sociedade, mas ao mesmo tempo é um instrumento que
possibilita acesso aos conhecimentos sistematizados construídos pela humanidade. Vale
destacar que, de forma não consensual, os teóricos dos textos procuram problematizar como a
relação entre conhecimento, desenvolvimento humano, cultura, diversidade, avaliação são
elementos importantes a serem discutidos na elaboração de um currículo.
Na discussão acerca de currículo e desenvolvimento humano, por exemplo, Lima
(2006) ressalta que:
o conhecimento torna-se não somente uma aquisição individual, mas uma
possibilidade de desenvolvimento da pessoa que terá reflexos na vida em
sociedade. Formar a pessoa para situar-se, inclusive, como membro de um
grupo passa a ser, também, um objetivo de uma educação escolar voltada
para a humanização. (p.21)
Trata-se de defender que o conhecimento é um elemento importante para a sociedade e
se constitui como bem público que pode ser socializado através do currículo. Os artigos que
compõem o documento convergem “para o desenvolvimento humano dos sujeitos do processo
educativo e procuram dialogar com a prática desse processo” (BRASIL, 2006, p.10)
Nesse sentido, os textos que compõem o documento “Indagações sobre o Currículo”
objetivam contribuir para uma ampla discussão acerca dos significados implícitos de um
currículo, uma vez que sua materialização perpassa por escolhas e seleções que se situam no
âmbito da dinâmica social, seus jogos de conflitos e interesses. Assim, ressaltamos a
importância de observarmos os significados implícitos nas propostas curriculares, como
também tentar interpretar as concepções subjacentes ao seu processo de elaboração.
Podemos, ainda, encontrar reflexões a serem discutidas na preparação de propostas
curriculares nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Discutido em âmbito nacional,
esse documento se configura como “uma referência curricular comum para todo o país, ao
mesmo tempo em que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal
com a Educação, busca garantir, também, o respeito à diversidade [...]” (p.36) Portanto,
observamos, tal como nos documentos acima discutidos, que o sentido de unidade no
documento não é de uniformidade, mas sim de respeito às diversidades com as adaptações
necessárias às práticas educacionais.
O documento destaca que, considerando a organização do sistema educacional
brasileiro, se faz necessário relacionar a natureza do PCN a quatro níveis de concretização:
51
(1) curricular, se constituindo numa referência nacional para ensino
fundamental que tem como finalidade principal subsidiar a elaboração ou a
revisão curricular dos Estados e Municípios; (p.36)
(2) nas propostas curriculares dos Estados e Municípios, em que pode ser
utilizado como um material de suporte para adaptações de propostas já
existentes ou norteador para elaboração de novos currículos; (p.37)
(3) nas instituições escolares que, de acordo com seu projeto educativo,
poderão utilizá-lo na elaboração de suas propostas; (p. 37)
(4) e, por fim, nos momentos da programação das atividades de ensino e
aprendizagem na sala de aula. (p.38)
Com os trechos acima citados, percebemos a preocupação do PCN em articular sua
natureza aos âmbitos nacional, estadual, municipal e, ainda, às especificidades de cada
instituição escolar e atividades de ensino. Ou seja, observamos a intenção do documento em
se configurar num suporte orientador de propostas curriculares diversas, destacando que a
autonomia na adoção e interpretação é de fundamental importância para o atendimento às
diversas realidades.
Com o que foi discutido nesse tópico, observamos que os textos prefigurativos
nacionais, elaborados num campo conflituoso de olhares, se constituem em fontes relevantes a
serem discutidas nos processos de elaboração de currículos. Trata-se de atribuir aos mesmos o
caráter dinâmico nas quais elementos como saberes, organização educacional, princípios,
pressupostos teóricos e metodológicos, dentre outros, são alvos constantes de reflexão
associados às necessidades suscitadas pela sociedade e pelo contexto histórico. A esse
respeito, Marinho (1998) destaca:
As prescrições governamentais sobre currículo representam, no entanto,
importante acervo a ser levado em conta quando se procura entender as
tendências que têm predominado no conteúdo veiculado pela escola. De
algum modo, essas prescrições procuram responder às demandas feitas à
escola por parte da sociedade em faces às transformações sociais, culturais e
econômicas pelas quais esta tem passado. Além de veicularem certos valores
compartilhados, as orientações curriculares constituem também instrumentos
legitimadores de saberes e atitudes capazes de referendar interesses de
grupos e segmentos que disputam a hegemonia na área. (p.2)
Dessa forma, compartilhando com a ideia de que um currículo traz em si significações
acerca dos conhecimentos necessários para a sociedade, precisamos realizar uma breve
análise das concepções sobre linguagem e suas influências no ensino da língua materna, bem
como as implicações dessas nas elaborações dos currículos de Língua Portuguesa. Ou seja, no
tópico a seguir, discutiremos como as várias concepções materializadas acerca do ensino de
52
Língua Materna foram tecidas historicamente e como as propostas curriculares refletem
acepções do contexto de sua elaboração.
3.3 Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: algumas
implicações para as propostas curriculares
Na perspectiva de se discutir os significados que as propostas curriculares trazem em
seu cerne, discutiremos, neste subitem, as principais concepções acerca da linguagem e do
ensino de língua portuguesa que tem permeado o ensino de Língua Portuguesa no Brasil.
Ao discorrer sobre as concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa,
Soares (1998) ressalta que há diversas perspectivas a partir das quais podemos fazer uma
reflexão sobre o ensino: a perspectiva da própria ciência, ou então as perspectivas psicológica,
política, social, cultural e histórica (p.53). No presente tópico, destacamos a perspectiva sóciohistórica, cuja finalidade é realizar uma visão geral sobre como o saber escolar,
especificamente, o ensino da língua materna, foi se constituindo ao longo da história. Isso não
significa afirmar que as outras perspectivas são irrelevantes.
Dentre as concepções de linguagem que permearam o ensino de língua portuguesa ao
longo do tempo, destacamos três correntes distintas: linguagem com expressão do
pensamento, instrumento de comunicação e processo de interação.
A primeira concepção parte do pressuposto de que a capacidade de se expressar bem
depende da organização do pensamento, ou seja, o desenvolvimento da retórica está
articulado à forma como a linguagem se organiza e se estrutura na mente. Segundo Travaglia
(1996), “presume-se que há regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento
e, conseqüentemente, da linguagem. São elas que se constituem nas normas do falar e
escrever „bem‟, [...]”. (p.21)
Essa concepção perdurou até meados dos anos 60, quando o ensino de português
estava direcionado ao ensino da gramática4. Segundo Soares (1998), “a língua era estudada na
escola sob a forma das disciplinas Gramática, Retórica e Poética" (p.55).
Nesse contexto, a gramática possuía um papel de destaque, uma vez que o ensino
estava direcionado ao desenvolvimento de falar e escrever bem, de acordo com os recursos
estilísticos da poética. Louzada (1997), discutindo a articulação entre língua e literatura na
perspectiva do currículo, destaca que no ensino de português:
4
A Língua Portuguesa ou Português, como disciplina escolar, só surge nas últimas décadas do século XIX. (Cf.
Soares: 1998,55)
53
o foco era na língua, vale dizer na gramática normativa; da literatura extraíase bons exemplos a serem seguidos e as exceções virtuosas. Daí, advém,
talvez, a concepção bastante arraigada de que ensinar a língua é ensinar
normas de bom comportamento lingüístico; saber a língua equivale a deter o
conhecimento de suas regras e exceções. (p.47)
Na segunda perspectiva, da linguagem como instrumento de comunicação, acredita-se
que os indivíduos utilizam a língua para transmitir e compreender informações, ou seja, o
desenvolvimento das capacidades está direcionado ao entendimento do enunciado. A língua,
por sua vez, é compreendida como ato social voltado para três aspectos: mensagem, emissor e
receptor. Segundo Travaglia (1996):
a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que
se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir mensagens,
informações de um emissor a um receptor. Esse código deve ser dominado
pelos falantes para que a comunicação possa ser efetivada. (p.22)
O ensino da língua como teoria da comunicação estava articulado às mudanças sóciopolíticas no Brasil, dentre elas: o acesso das classes populares à escolarização, que levanta
questões relacionadas aos padrões culturais de prestígio e variantes linguísticas diferentes da
norma culta, como também o desenvolvimento do capitalismo atrelado à expansão industrial,
que atribui um papel diferenciado à escola: a qualificação para o trabalho (cf. Soares, 1998, p.
56). Os dois aspectos acima citados incidiram em reformulações no ensino da língua, agora
mais instrumental e utilitário. Segundo Soares (1998):
o ensino-aprendizagem da gramática e do texto, este considerado modelo da
língua „bem escrita‟, perde sua proeminência; os objetivos são, agora,
pragmáticos e utilitários: trata-se de desenvolver e aperfeiçoar os
comportamentos do aluno como emissor-codificador e como recebedordecodificador de mensagens [...] (p.57)
Nesse sentido, a ênfase recai no uso da língua como código que, seguindo regras
específicas, desenvolve a competência comunicativa. É nesse contexto que a Teoria da
Comunicação se amplia e “tenta construir um campo de estudos compatível com um momento
de rica variedade de suportes de escrita e, portanto, de tipos de textos, principalmente
combinando recursos verbais e não-verbais.” (MARINHO, 1998, p.48).
Segundo Louzada (1997), no currículo, a disciplina passa a ser chamada Comunicação
e Expressão, conforme a LDB/71, um dos objetivos prioritários era enfatizar a Língua
Portuguesa como expressão da Cultura Brasileira para que o aluno entrasse em contato com
seu próximo e com as expressões de sua personalidade. Ou seja, os objetivos de ensino se
54
voltavam ao desenvolvimento das capacidades comunicativas do “emissor” e “receptor”.
Entretanto, apesar dos objetivos expressos através da disciplina acima supracitada, o realce no
ensino da língua continuava sendo a gramática, no qual se valorizava a “estrutura das palavras
e frases, deixando para uma etapa posterior a estrutura do discurso”. (Guias Curriculares para
o ensino de 1º grau, 1997, p.5 apud Louzada 1997, p.49).
A terceira concepção, língua como processo de interação, defende que a linguagem é
lugar da interação humana, dotada de historicidade e ideologia, em que são considerados os
fatores e condições de produção do discurso. Trata-se de ressaltar os efeitos de sentido
produzidos pelos interlocutores num determinado contexto sócio-histórico. Bakthin (2000),
um dos principais defensores dessa ideia, destaca que “o emprego da língua efetua-se em
forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse
ou daquele campo da atividade humana.” (p.261)
Com a tessitura de um novo contexto na década de 80, os aspectos de
redemocratização do país e o desenvolvimento de outras áreas de conhecimento (Linguística,
Sociolinguística, Psicologia, Pragmática e Análise do Discurso), houve uma reformulação no
ensino da língua baseada nas relações de contextos de produção e usos. Em outros termos, a
acepção anterior da função do ensino de língua materna passa a ser questionada, bem como o
foco da gramática nas situações didáticas. Esse olhar diferenciado concede um papel relevante
ao ensino da leitura e da escrita, que passa agora a ter uma maior articulação com os contextos
de produção e as práticas socioculturais, tal como ressalta Soares (1998):
uma concepção que vê a língua como enunciação, discurso, não apenas
como comunicação, que, portanto, inclui as relações da língua com aqueles
que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais
e históricas de sua utilização. (p59)
Nesse cenário, a linguagem é vista como processo de interação, produzida em
contextos de usos autênticos. Em outros termos, essa concepção:
leva à consideração de que ao aluno se deve dar oportunidade de
experimentar situações em que possa conviver e interagir com textos
diversos, construídos sob diferentes propósitos, para interlocutores
diferenciados, etc.. (LOUZADA, 1997, p.51)
Com essa concepção, os objetivos para o ensino de língua materna são reformulados.
Segundo Bagno (2009), trata-se de uma mudança de foco:
da  metalinguagem
 para operações com a linguagem
55
do  conteúdo
da  frase solta
 para procedimentos textuais- discursivos
 para textos autênticos (p.167)
Com o anseio de acompanhar as inovações dos saberes acadêmicos, as propostas
curriculares recentes passaram a adotar a concepção geral de língua como prática social e de
usos autênticos de textos orais ou escritos nos diversos eixos norteadores do ensino de língua
materna: leitura, escrita, oralidade e análise linguística. Corroborando com tal discussão,
estudos recentes como o de Leal, Brandão e Hiramine (2010), com o objetivo de investigar o
tratamento dado às habilidades argumentativas nos em sete documentos curriculares
brasileiros, observaram, dentre outros dados, a necessidade de se contemplar textos de
diferentes gêneros para o ensino de língua materna. Ainda segundo as autoras, os gêneros
mais citados nas propostas foram contos, lendas, histórias em quadrinhos, entrevistas,
bilhetes, receitas culinárias, cartas e convites.
No entanto, os modos como tal concepção geral se materializam revelam diferentes
concepções específicas de língua e, sobretudo, de ensino da língua. Daí a necessidade de
aprofundar as reflexões sobre tais documentos. Segundo Marinho e Carvalho (1996), “uma
proposta curricular de língua portuguesa é um ponto de referência para nortear de forma
implícita e explícita concepções de linguagem, de língua e de ensino e aprendizagem da
prática escolar”. (p.42)
Algumas pesquisas, como a citada acima, apontam que existe uma tendência dos
documentos oficiais em tentar reformular algumas concepções acerca do ensino de língua
portuguesa sempre buscando aproximarem-se das novas tendências contemporâneas dos
estudos na área de linguagem. Nessa tentativa de romper com concepções anteriores acerca da
linguagem, muitas vezes, as propostas curriculares apresentam incoerências entre
embasamentos teóricos e orientações. Nessa perspectiva, Marinho e Carvalho (1996)
destacam que:
Em função da perspectiva renovadora, geralmente esperada de um currículo,
é que encontramos nessas propostas curriculares uma das justificativas que
explicam um movimento de mudanças no ensino de português. Não é
gratuito então, que a maioria das propostas analisadas sintonizem com as
tendências contemporâneas e inovadoras dos estudos na área de linguagem,
ainda que, muitas vezes , de forma imparcial e incipiente.(p.42)
56
O movimento de mudanças nas propostas curriculares foi um dos aspectos constatado
por Marinhoi5 (2001) que, em seus estudos, analisou dezenove propostas curriculares de
Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (1ª a 8ª séries) de vários estados brasileiros.
Segundo a autora citada, para redefinirem o objeto de ensino de português, os
currículos apresentam mudanças que refletem características entre antigas e novas
concepções. Nesse sentido, “é sintomático que esses documentos dediquem um bom espaço
traçando novos rumos para a disciplina, muitas vezes, estabelecendo um nítido confronto
entre o novo e o velho.” (p.49)
Outro aspecto ressaltado na pesquisa se refere à forma de organização da maioria das
propostas curriculares que se constituiu historicamente em: pressupostos teóricos, objetivos,
conteúdo, metodologia e avaliação. Segundo a pesquisadora supracitada, a observação dessa
estrutura e a configuração do conteúdo permitiram verificar quais as concepções que
direcionam o processo de produção de um texto. Ou seja, a ênfase em um dos aspectos pode
ajudar a interpretar as concepções de ensino de língua portuguesa que estão veiculadas nos
documentos.
Com o anseio em modificar o conhecimento considerado ultrapassado, foi constatado
que a maioria dos documentos analisados apresentou um esforço em tentar compor um novo
campo de conhecimento direcionado ao professor-leitor. Para tal, diversas estratégias foram
utilizadas, tais como a inserção de informações e exemplos que corroboram para a defesa dos
pressupostos defendidos.
No entanto, essa busca por mudanças de concepções para o ensino de Língua
Portuguesa, embasadas na compreensão da língua como interação, também gerou algumas
incoerências. Segundo a estudiosa supracitada:
dado o momento de transição e busca de novos rumos epistemológicos, que
os marcos teóricos funcionem mais como uma profissão de fé e não se
concretizem nos procedimentos metodológicos ou nos conteúdos
programáticos, apresentando, com freqüência, incompatibilidade entre si.
Nesse sentido, encontramos currículos que, através da substituição das
terminologias, preocupam-se em marcar, de forma reiterada, uma mudança
conceitual, mas acabam, em outros momentos, repetindo e reforçando
modelos anteriores. (p.58)
5
Segundo Marinho (2001), a análise dessas propostas fazia parte de um projeto realizado pelo Centro de
Estudos de Alfabetização, Leitura e escrita (CEALE, FaE, UFMG) que objetivava subsidiar a equipe de técnicos
do MEC responsáveis pela elaboração dos PCN. (p.22)
57
Trata-se de observar que as propostas, para mudar suas perspectivas e se contraporem
ao ensino de português numa visão “tradicional”, optam em adotar “uma concepção interativa
da linguagem, embora com contradições e equívocos”. (cf. Marinho, 2001, p.56)
Em seu corpus, Marinho (2001) também observou aspectos diretamente relacionados
ao ensino da gramática, leitura e produção. Em relação à gramática, constatou-se que a
dificuldade apresentada na maioria dos documentos foi a de tentar articular uma perspectiva
normativa da língua a uma concepção discursiva. Ou seja, as propostas muitas vezes ora
explicitavam a concepção da gramática prescritiva com ênfase na internalização de regras, ora
da gramática na perspectiva da enunciação focada na análise linguística. Ainda, segundo a
autora supracitada, grande parte dos currículos, na tentativa de rompimento com o ensino de
língua portuguesa focado na aprendizagem de regras gramaticais, apresentou a seção dos
„conhecimentos linguísticos‟ ao invés de „gramática‟, o que parece:
querer estabelecer e sedimentar uma concepção de estudo da língua que
pretende, dentre outros aspectos sedimentar uma concepção de estudo da
língua que pretende, dentre outros aspectos, interligar funcionalmente o
estudo gramatical com o uso da língua, principalmente nas práticas de leitura
e escrita e, sobretudo, dar a esses dois campos maior ênfase. (p.57)
Entretanto, essa tentativa de ruptura conceitual não se configurou em mudanças nos
pressupostos metodológicos e/ou nos conteúdos programáticos, uma vez que “retirar o termo
gramática não significou, necessariamente, que seu status foi perdido ou relativizado”.
(MARINHO, 2001, p.58)
Tais aspectos podem ser observados em estudos mais recentes como, por exemplo, o
realizado por Silva (2008), que buscou investigar o tratamento dado ao ensino da gramática
ou análise linguística em currículos. O autor discute como os documentos oficiais estariam
instituindo determinadas concepções e práticas sobre o ensino da “gramática” ou “análise
lingüística”. Na pesquisa supracitada, foram analisados documentos oficiais, tais como:
Parâmetros Curriculares Nacionais, currículos do estado de Pernambuco e da cidade do
Recife. Os resultados desse estudo evidenciaram, dentre outros, uma complexa combinação
entre tradição e inovação nos saberes a ensinar. Também foi observado que alguns textos
oficiais usavam uma nova terminologia (“análise e reflexão da língua”, “prática de análise
linguística”, “conhecimentos linguísticos”) para o eixo designado como “gramática”, já em
outros documentos, mantiveram essa denominação.
Com o exposto, podemos perceber que, atualmente, alguns documentos oficiais
refletem aspectos de preocupação em tentar romper com concepções mais tradicionais em
58
relação ao ensino de gramática, apresentando pressupostos epistemológicos dentro das novas
tendências de análise linguística, mas ainda apresentam contradições entre novas e velhas
concepções.
Retomando o estudo de Marinho (2001), foi constatado que, apesar da maioria das
propostas enfocar a função social da linguagem e seus elementos de interlocução, não
apresentaram definições compatíveis aos objetivos relacionados à leitura e à produção. Dentre
os resultados, foi observada a preocupação em definir a necessidade do desenvolvimento da
leitura de diversos textos de circulação social. No entanto, as atividade e estratégias didáticas
direcionavam o foco da leitura para exploração de tipos textuais: descritivo, narrativo e
dissertativo. Sendo esse último, considerado o mais difícil a ser apreendido.
A autora supracitada aponta que, embora a maioria das propostas curriculares
apresente pressupostos voltados para função social da linguagem e seus elementos de
interlocução, foi observado que os objetivos relacionados à leitura e produção de texto não
possuem uma clareza concomitante com esses pressupostos. Ou seja, “reconhecer o papel da
escola na formação do leitor e escritor pode significar, na maioria deles, a busca por
estratégias de formação de habilidades no „manejo do texto‟, através de orientações para o
trabalho de interpretação de textos”. (MARINHO, 2001, p. 69)
Um ponto destacado pela pesquisadora se remete ao fato de que, na maioria das
propostas, a ênfase na leitura por prazer, “pode representar uma falta de uma perspectiva mais
consistente sobre a função da leitura como atividade cognoscente.” (p.73)
Outro aspecto a ser ressaltado, se refere à ansiedade de estar em consonância com os
usos sociais da escrita. A maior parte das propostas acreditava que a explicitação da
importância da diversidade de texto garantiria a coerência teórica com as teorias discursivas
da linguagem. Segundo Marinho (2001):
O trabalho com uma variedade de textos não garante por si mesmo uma
concepção discursivo-textual, se vem orientada exclusivamente pela
exploração dos tipos textuais, descritivos, narrativos e dissertativos ou por
descrições a fim de normatizar os gêneros. Esses textos seriam, então, um
arremedo de textos ou uma outra versão da gramática classificatória. (p.74)
Nessa perspectiva, o contato com uma maior quantidade de diferentes tipos de textos
se configura numa preocupação das propostas embasadas na “necessidade inquestionável de
que os alunos precisam aprender a ler e escrever qualquer tipo de texto que circula na
sociedade”. (MARINHO, 2001, p.73). Ainda, conforme Marinho (2001), a ênfase na
diversidade textual parece ser uma tentativa de resolver a ansiedade de se trabalhar numa
59
perspectiva de usos sociais da língua. Em outros termos, o contato por si só com uma gama
de textos que circulam socialmente não explica o pressuposto de se trabalhar a língua como
prática social. Na maioria das propostas analisadas, a autora destaca que eram listados
diversos textos de circulação social. No entanto, as funções sócio-comunicaticas dos gêneros
não eram destacadas.
Nesse sentido, embora não se descarte que o discurso voltado para um trabalho com a
diversidade textual frente aos pseudo-textos utilizados no contexto escolar consiste num
movimento positivo, a pesquisadora ressalta que:
a noção de texto como parâmetro para a definição dos conteúdos, objetivos,
estratégias de ensino/aprendizagem da leitura e da escrita vem indicar ainda
mais a necessidade e dificuldade de se tomar o texto como o recorte
lingüístico básico do ensino/aprendizagem, numa concepção discursiva ou
interativa da linguagem. (p.78)
Por fim, para sintetizar, Marinho (2001) destaca que um “quadro de definição e
orientação da leitura e da escrita, nesses currículos, remete à necessidade de concretizar um
pressuposto básico desse momento de ruptura, que concebe a leitura como atividade de
produção de sentidos”. (p.72)
Em estudos mais recentes, como o de Albuquerque (2002), que analisou a proposta do
Recife intitulada “Tecendo a Proposta Pedagógica” de 1996, podemos encontrar resultados
concernentes à necessidade de mudanças teórico-metodológicas para o ensino de Língua
Portuguesa. Segundo a referida autora, o documento em foco, para justificar as “novas
tendências” para o ensino da linguagem, tece considerações acerca de práticas “tradicionais”
que necessitariam ser suplantadas, tal como destaca abaixo:
O documento apresenta-se, então, como denunciador e possibilitador de
mudanças. A primeira parte, correspondentes aos “Fundamentos teóricometodológicos”, busca fazer um diagnostico das práticas de ensino da
linguagem
nas
escolas,
práticas
essas
desenvolvidas
pelos
professores/leitores do documento. Para falar do novo, do que deve ser feito,
é preciso da crítica ao que se faz e este é o “primeiro passo para a construção
de uma proposta curricular” (p.39)
Nesse sentido, a autora supracitada discute fragmentos, dos diversos eixos de ensino,
explicitados na proposta em foco, em que são direcionados ao professor/leitor alguns pontos
sobre “o que não deve mais ser feito em relação ao ensino de Língua Portuguesa”. (2002,
p.42)
60
A questão da necessidade de mudança nas práticas dos professores, ressaltadas na
proposta, perpassa por uma mudança na concepção de linguagem, de forma a orientar o
professor a desenvolver uma prática embasada nesses pressupostos, como também possibilitar
pontos de reflexões para mudanças nas práticas pedagógicas dos professores considerados
tradicionais. (ALBUQUERQUE, 2002, p. 44)
Albuquerque (2002) também observou no documento curricular que a ideia
interacionista de linguagem não é apresentada com clareza, uma vez que se remete a múltiplas
concepções, como também suas relações com as diferentes dimensões não são discutidas de
forma aprofundada. (p.46-47)
Nesse sentido, a autora citada destaca:
A concepção de linguagem como interação é o que prevalece nesse
documento, e é essa concepção que deveria orientar, hoje, a organização da
prática pedagógica. Sua origem, relacionada a estudos desenvolvidos em
diferentes campos do conhecimento, foi focalizada, mas em que consiste
essa concepção ainda não está claro para o leitor. (p. 49)
Ainda nesse estudo, constatou-se que, didaticamente, a transposição dessa concepção
apresenta inconsistências, além do que a estratégia discursiva adotada, no documento
analisado, se destina mais a explicitar o rompimento da concepção de língua como código do
que apresentar com mais clareza ao leitor as relações entre concepção interacionista e ensino
da língua. (p.58-50)
Outro aspecto importante a ser ressaltado se refere ao fato das implicações
metodológicas para o trabalho com leitura e produção de textos, ou seja, a concepção
interacionista da língua que o documento assume adotar parece estar mais voltada para os
aspectos da comunicação oral entre professor e aluno, tal como ressalta a pesquisadora:
O termo interação foi apresentado como envolvendo uma comunicação oral
direta entre pessoas (no caso professor e alunos), o que desconsidera a
natureza discursiva da linguagem que extrapola, como abordado por
BAKHTIN, essa comunicação oral “face a face” (p.59)
Em relação ao ensino da leitura, dentre os resultados encontrados na pesquisa de
Albuquerque (2002), destacamos que a proposta analisada também utilizava a estratégia
discursiva de se contrapor ao ensino desse eixo numa perspectiva tradicional para justificar a
adoção de novas perspectivas. Nesse sentido, utiliza, num primeiro momento, a defesa de uma
perspectiva de leitura vinculada à leitura do mundo e, posteriormente, a discussão de que o
texto escrito deve estar associado com as diferentes linguagens. No entanto, não é esclarecida
61
ao leitor a relação entre a concepção de linguagem defendida, discutida anteriormente, e a
perspectiva de leitura do mundo, como também qual a concepção de texto que deveria
orientar o ensino de leitura. (p.61-62)
Já em relação à análise dos conteúdos programáticos, primeiramente, a pesquisadora
faz uma ressalva a área de conhecimento da proposta intitulada “compreensão de leitura”,
uma vez que a leitura, nesses termos, representa um complemento e não um eixo sobre o qual
se deva refletir de forma mais específica, numa perspectiva interacionista, tal como propõem
os pressupostos teóricos da proposta. (p.72). Foi observado também que, apesar de haver no
documento analisado conteúdos que se remetam ao desenvolvimento de habilidades voltadas
para o contato com diversos tipos de textos, não se esclarece as inter-relações entre esses
diferentes tipos de textos e suas relações com os usos e finalidades sociais da leitura. (p.73)
Outro aspecto relevante se refere ao fato de indicar na parte destinada a “sugestões de
atividades” uma lista de tipos de textos que apresentam confusões entre tipo, gênero e
portadores de textos e não algumas orientações de atividades para o trabalho com a leitura e
escrita. Segundo Albuquerque (2002), fica à margem de interpretação do professor-leitor
compreender as diferenças entre tipo, gêneros e portadores de texto e tomar decisões a
respeitos dos aspectos metodológicos de usos nas situações de leitura e escrita dos mesmos.
(p.73)
Ainda sobre tal aspecto em foco, Albuquerque (2002) faz algumas ressalvas em
relação a alguns pontos da listagem de conteúdos para o trabalho com a compreensão de
leitura. Dentre elas, destaca a forma de indicar conteúdos mais gerais, desconsiderando as
especificidades de cada gênero. Para tal, a autora ressalta vários exemplos, dentre os quais
destacamos o fato da proposta indicar o conteúdo “identificação da ideia principal e
secundária”. No entanto, o questionamento realizado pela pesquisadora se remete ao fato de
que não são todos os gêneros que possuem ideia principal e secundária. (p.74). Segundo a
própria autora:
Esta concepção implicitamente significa que todo texto comunica uma idéia
única, que precisa ser apreendida pelo leitor-aluno/professor. Relacionada a
essa concepção de texto, encontra-se uma concepção de leitura como
apreensão do sentido único do texto. (p.75)
Para finalizar, a pesquisadora destaca que, apesar do documento apresentar a intenção
de superar práticas de leituras distanciadas de seus usos reais, esse intuito “permanece sem
resposta”. (ALBUQUERQUE, 2002, p.75). Ou seja, os pressupostos que orientam a proposta
62
não oferecem subsídios suficientes para estabelecimento de relações entre a concepção
defendida e suas implicações para o ensino da leitura.
Dado o exposto, podemos perceber que o movimento de mudanças no ensino de língua
portuguesa, muitas vezes, reflete uma tentativa das propostas curriculares se contraporem a
um ensino descontextualizado de língua materna. Ou seja, a apropriação discursiva articulada
com a perspectiva interacionista, muitas vezes, é materializada nos currículos, embora ainda
apresente contradições. Essas contradições são observadas ora na tentativa de articulações
entre os pressupostos teóricos defendidos
e orientações metodológicas, ora no
aprofundamento de embasamento teórico que subsidiem o ensino de língua materna ou nas
relações teóricas da perspectiva interacionista da linguagem e suas implicações para o ensino.
Portanto, corroboramos com Marinho (1998) quando defende que as concepções sintetizadas
no currículo representam a “mentalidade de um momento da história do ensino de Português.”
(p.50)
Dessa forma, é de extrema relevância refletir como as propostas curriculares abordam
determinadas concepções sobre a linguagem e o ensino de língua portuguesa e suas
implicações nas propostas curriculares, especificamente, a inserção dos gêneros discursivos
nos textos prefigurativos.
No tópico a seguir, destacaremos algumas reflexões sobre o lugar da língua portuguesa
nas propostas curriculares de Pernambuco séculos XIX e XX. Para tal, apontaremos a
organização dos cursos e disciplinas nos diversos contextos históricos. Posteriormente,
indicaremos exemplos de alguns currículos de Língua Portuguesa e por fim, faremos uma
breve análise das concepções de linguagem, língua e suas implicações no ensino nas
propostas curriculares de Língua Portuguesa.
63
4.4 A Língua Portuguesa nos currículos: uma breve trajetória das
propostas curriculares de Pernambuco dos séculos XIX e XX.
As concepções de linguagem, língua e de ensino e aprendizagem da prática escolar
estão intrinsecamente vinculadas ao seu contexto histórico. Nesse sentido, observar as
propostas curriculares, em seu processo de produção, pode nos oferecer indícios de como a
Língua Portuguesa estava sendo concebida nos séculos XIX e XX nos currículos de ensino no
Estado de Pernambuco. Em outros termos, verificar os embasamentos teóricos, os objetivos,
conteúdos abordados nos diversos textos prefigurativos podem nos indicar algumas pistas se o
foco do ensino de português estava subsidiado numa concepção de linguagem como
expressão do pensamento, comunicação ou interação.
Nessa discussão, não temos a
pretensão de analisar minuciosamente as propostas curriculares de Pernambuco6, mas sim
suscitar uma reflexão acerca das concepções de linguagem que permeiam o ensino de
português em várias orientações curriculares do estado de Pernambuco.
Britto (2005), em seus estudos, discute sobre a trajetória do currículo de ensino
fundamental na rede estadual de Pernambuco. De acordo com a autora, o ensino primário, em
1865, era dividido em primeiro grau, que corresponde à instrução elementar, e segundo grau,
que acrescentava rudimentos das ciências à formação inicial. Nesse contexto, o currículo se
organizava da seguinte forma:
Primeiro grau: Instrução Moral e Religiosa; Leitura e Escrita e noções de
gramática Nacional; Princípios de Aritmética Elementar e suas operações
sobre números inteiros; Sistemas de Pesos e Medidas usados na Província.
Segundo grau: Desenvolvimento da Aritmética e suas aplicações práticas,
quer em quadrados e decimais, quer em complexos e proporções; Leitura de
Evangelhos; Elementos de Geografia e História; [...] (BRITTO, 2005, p.38 –
grifo nosso)
Observando o trecho acima, podemos verificar que o foco da Língua Portuguesa se
direcionava ao ensino da leitura, escrita e gramática. Entretanto, ao analisarmos documentos
internos da “Directoria Geral de Instrução Pública de Pernambuco”, publicado em 1864,
constatamos que para um professor assumir as cadeiras do ensino do primeiro grau era
necessário realizar um exame de habilitação de Grammatica, Arithmetica, Doutrina Christã e
Moral Religiosa e Systema Prático e Methodo de Ensino. Nas perguntas destinadas à prova de
6
Nesse item, dialogaremos com os dados da autora Britto (2005) e com propostas curriculares encontradas no
arquivo público e nas bibliotecas públicas de Pernambuco. Parte da análise dessas propostas curriculares foi
publicada no 17º COLE. (cf. Amorim, 2009)
64
Grammatica, pudemos perceber que o foco para a seleção de um professor era na gramática.
Vejamos abaixo:
Prova Grammatica
1) O que são verbos nas línguas?
2) Qual é a melhor, mais clara e mais lógica classificação dos verbos?
3) O que é prosódia?
4) Como se dividem os sons fundamentais que constituem a base da pronuncia?
5) O que se entende por sons acidentaes?
6) O que é Orthographia?
7) Qual é a Orthographia chamada de pronuncia, etymologia e usual?
(folha 207)
Os elementos acima expostos podem nos dar indícios de que o ensino de língua
portuguesa estava voltado para a teorização gramatical, uma vez que os elementos que eram
exigidos para aprovação de um professor eram o entendimento da língua como estrutura.
No contexto da Província, a valorização de um ensino de língua voltado para
gramática e leitura de textos religiosos foi marcante. Podemos destacar como exemplo um
documento intitulado de “Reorganisação do Ensino Público em Pernambuco”, publicado em
1874, no qual o ensino primário nas escolas públicas compreendia quinze disciplinas,
observemos as relacionadas ao ensino de português:
[...]
1.
Leitura e escripta.
2.
Elementos de grammatica nacional.
[...]
6. Leitura de Evangelhos e história sagrada;
[...]
Título III. Seção I Art. 33 (PERNAMBUCO, 1874, p.21)
Já no documento intitulado “Regulamento orgânico da administração do ensino
público (Reorganização da Instrução Provincial)”, publicado em 1879, podemos observar que
a língua nacional tornou-se uma disciplina dentre as demais:
Art. 58. O ensino nas escolas públicas comprehende:
[...]
Leitura,
Escripta e desenho,
Língua Nacional,
[...] (PERNAMBUCO, 1879, p.15)
65
A tendência da organização das propostas de ensino, em 1884, ainda continuou
seguindo a sistemática acima citada, ou seja, o ensino estava organizado em Leitura, Escripta
e Língua Nacional. Já no documento intitulado “Regimento das Escolas de Instrução
Primária”, publicado em 1885, podemos constatar uma articulação dos eixos na estrutura da
disciplina:
II – Língua Nacional – leitura, recitação, exercícios grammaticaes
práticos, redacção e composição. II – Língua Nacional – leitura,
recitação, exercícios grammaticaes práticos, redacção e composição.
(PERNAMBUCO, 1885, p.19)
Ainda nesse documento, encontramos um “Plano Gradual de Ensino Primário”, onde
estão listados vários conteúdos de ensino da disciplina Língua Nacional. Destacamos os
conteúdos do segundo grau:
Leitura corrente e explicada; exercícios de linguagem. Regras grammaticaes
deduzidas de trechos clássicos, prática de redacção e composição com
elementos dado pelo professor. Recitação de pequenas fábulas, trechos
seletos de poesia. Noticia das principais obras clássicas, dada em
conversação pelo professor. (PERNAMBUCO, 1885)
Com o acima exposto, podemos constatar o foco de ensino voltado para leitura e
escrita, como também podemos entender que a ênfase dada era à arte do bem escrever,
conforme a literatura clássica. Observamos, ainda, que mesmo com o enfoque numa
perspectiva prescritiva de linguagem, os gêneros discursivos são utilizados, no caso acima,
nas indicações para o trabalho com fábulas e poesias.
Já no século XX, o cenário nacional vivenciou grandes movimentos 7 de tendências
pedagógicas, tais como: Escola Nova, Tecnicista e Crítica. Esses movimentos, de forma direta
ou indireta, empreenderam reformulações na educação brasileira. O currículo do estado de
Pernambuco, por sua vez, também sofreu influências dessas tendências que materializaram
reformulações nas propostas.
Segundo Britto (2005):
Houve situações em que foram vivenciados aspectos de mais de um
movimento no desenvolver de uma Proposta Curricular.
7
Não é nosso objetivo discutir os conceitos implícitos em cada uma das correntes, nem abordar suas
contribuições, mas situá-las na história do estado de Pernambuco.
66
Idéias novas foram surgindo na condução do processo ensino-aprendizagem
da leitura, da escrita, da gramática, [...] e outro, que não se constituíram
grande movimentos, mas foram de muita importância. (p.47)
Na década de 20, o currículo no curso primário estava estruturado em ensino
fundamental complementar, sendo a primeira etapa em cinco anos e a segunda em dois anos.
Segundo Britto (2005), o trabalho docente era orientado por um documento intitulado de
“Programa de Ensino para o curso Primário”, o qual dividia as disciplinas do curso primário
em:
Aritmética; Álgebra; Geometria; Leitura; Linguagem oral; Linguagem
Escrita; Francês; Geografia, Cosmografia; História; Física; Química;
Higiene; Música; Desenho: Caligrafia; Trabalhos Manuais; Educação Física;
Escotismo; Educação Cívica; Moral e Estética. (BRITTO, 2005, p.95 – grifo
nosso)
Com o acima exposto, podemos perceber que a leitura, a linguagem oral e a escrita
consistiam em disciplinas separadas. Corresponde a uma visão fragmentada, na qual leitura,
oralidade e escrita são disciplinas trabalhadas separadamente e não como eixos articulados de
ensino da língua materna.
Já em documentos, especificamente, o de “Instrucção Primária”, publicado em 1928,
constatamos que a leitura e a escrita são trabalhadas na disciplina Leitura e Língua Nacional,
sendo a concepção que subjaz a proposta curricular voltada ao estudo da estrutura da língua,
conforme a lista de conteúdos no exemplo abaixo
Leitura e Língua Nacional
1º classe
Leitura diária do livro adoptado, attendendo-se logo, quanto possível, à regra
de pronnucia e à inflexão da voz;
Graphia no quadro negro das palavras mais difícies e das expressões novas
[...]
Reprodução de toda licção [...]
Exercitar a classe no conhecimento de diphtongo e triphthongo, grupos
consonantaes, numero de syllabas de uma palavra: das palavras simples e
compostas, primitivas e derivadas.
Escripta
Continuação dos exercícios dados na classe infantil [...]
Cópias de sentenças.
Cópia de lição do dia.
Dictado de pequenas sentenças.
Formar pequenas pharares com elementos dados pelo professor [...]
(PERNAMBUCO, 1928, p.2 )
67
Em 1929, um plano de reestruturação, proposto por Carneiro Leão, intitulado
“Organização da Educação” no estado de Pernambuco, reorganizou a educação primária em
sete anos: fundamental de cinco anos e complementar de dois anos. Nesse contexto, a
preocupação era que a escola se articulasse com a sociedade:
Art. º - A escola primaria deve ser alguma coisa mais do que um
estabelecimento em que se aprende a ler, escrever e contar. Deve ministrar,
pela observação e pela experiência, um conhecimento exacto da vida
corrente, de modo que seja possível preparar o individuo para tornar-se um
elemento activo na sociedade. (PERNAMBUCO, 1929, p.55-56)
Segundo Britto (2005), na década de 30, foi implementada uma reformulação nos
programas de ensino, na qual os assuntos passaram a ser distribuídos por Grupos de Assuntos
Correlatos. Nessa perspectiva, o docente deveria realizar as adaptações necessárias,
abordando um conteúdo por tema e em diferentes etapas (observação, associação e
expressão). Para exemplificar, autora supracitada destaca um exemplo:
Centro de interesse para o 2º ano: O meio próximo
Tema: aspecto material da cidade.
OBSERVAÇÃO – a cidade- os rios – ponte – bairros- ruas – praças e
avenidas [...]
ASSOCIAÇÃO – aproveitar os desenhos e maquetes para o estudo das
linhas e ângulos- Sinais aritméticos – Mecanismo de adição e da
multiplicação [...]
EXPRESSÃO – Leitura comentada de pequenas histórias do livro de classe.
Leitura de trechos sobre a cidade. Iniciação de leitura silenciosa. Cópia de
trechos. „Ditado de sentenças visualizadas‟. „Narração oral e escrita de
excursões e passeios‟.[...] (BRITTO, 2005,p.107 - grifo nosso)
Na estruturação acima exposta, podemos verificar que os eixos de leitura e escrita
estão articulados por uma temática para tentar atender ao objetivo da educação de preparar as
pessoas para serem elementos ativos na sociedade. Entretanto, mesmo com a preocupação de
se trabalhar com temas, encontramos documentos específicos da época que listavam os
objetivos e conteúdos a serem trabalhados nas diversas etapas da escolaridade. Nesse sentido,
destacamos o documento intitulado “Programa de Educação Primária”, apresentado pela
Diretoria Técnica de Educação, em 1937. Esse Programa enfatizava a importância de ordenar,
de maneira clara e precisa, o conteúdo do currículo escolar, cabendo ao professor
“desenvolvê-lo e adaptá-lo às condições peculiares ao meio e às necessidades, aptidões e grau
de desenvolvimento dos escolares.” (p.2) Em relação ao ensino da língua, os objetivos eram
68
estabelecidos por meios da disciplina “meios de expressão e atividades manuais”, nos
diferentes anos, tais como:
1º Dar aos alunos possibilidades de associar sentenças e palavras escritas aos
significados das mesmas; 2º Habituá-los a articular com clareza e precisão as
palavras lidas; [...] 4º Desenvolver-lhes a disciplina do pensamento por todos
os meios oportunos e aconselháveis. [...] (PERNAMBUCO, 1937, p.5)
Dado o exposto, podemos perceber que o ensino de Língua Portuguesa estava voltado
para o desenvolvimento do pensamento por meio de um trabalho articulado com a
estruturação de frases, sendo estas o objeto central do ensino. Em outros termos, os conteúdos
da disciplina “meios de expressão e atividades manuais” do primeiro ao quarto ano resumiamse a atividades como cópias, ditados, preenchimento de sentenças, como podemos observar no
exemplo abaixo:
Primeiro ano
Conversação generalizada sobre as causas e fatos do próprio mundo dos
alunos.
Visualização de sentenças curtas e simples [...].
Exercícios de visualização.[...]
Cópia, a lápis de cor, de sentenças em cadernos feitos pelos alunos.
Uso do livro de leitura, em momento oportuno. [...]
Representação de memória de todas as sentenças e palavras visualizadas;
Escrever com clareza, o nome, o endereço, o lugar e a data do nascimento
[...]
Substantivo: gênero e número. O ponto final e de interrogação.
(PERNAMBUCO, 1937. p.6)
A preocupação com a correlação entre as disciplinas ainda perdurou na década de 40.
Segundo Britto (2005), “na definição dos objetivos nas diversas disciplinas observou-se a
preocupação de fazer o professor sentir o valor e a utilidade das mesmas, bem como a
oportunidade de formar habilidades e desenvolver atitudes em conseqüência dos
conhecimentos adquiridos.” (p.116). Já em 1945, cria-se outro programa intitulado
“Programa de Educação Primária”, objetivando resgatar o prestígio das aulas de linguagem
em Pernambuco, considerando-as “o ponto mais interessante da educação intelectual e moral
de uma escola” (BRITTO, 2005, p.18)
Segundo Britto (2005), nas décadas de 50/60, vários programas mínimos de ensino,
desenvolvidos nas diversas unidades escolares do estado e diferentes períodos do ano letivo,
foram elaborados com o intuito de produzir um produto final intitulado de “Programa de
Ensino para o Curso Primário Infantil”, publicado em 1961.
69
Observando o documento “Programa de Ensino para o Curso Primário Infantil”,
publicado em 1961, constatamos que esse estava estruturado em objetivos gerais, objetivos
especiais da disciplina em cada série, matéria de estudo e sugestões práticas para aplicação
dos objetivos da matéria de estudo.
Como a disciplina linguagem era articulada pelos eixos de ensino: leitura, escrita e
gramática, podemos destacar alguns objetivos gerais de cada uma:
Leitura
Manter no aluno um interesse profundo e permanente pela leitura, firmandolhe a noção de utilidade da mesma, através da vida [...] Desenvolver a
habilidade de ler com compreensão procurando sempre interpretar o que fôr
lido. Ampliar o campo de leitura do aluno introduzindo-lhe novas variedades
de livro (...) Estimular o gosto pela boa literatura despertando o interêsse dos
alunos pelo estudo da língua pátria e pela literatura nacional, fortalecendolhe corretamente o sentimento de brasilidade. (PERNAMBUCO, 1961, p.3)
Escrita
Levar a criança a adquirir maior capacidade de organizar mentalmente o
pensamento e de exprimi-lo por escrito, com simplicidade, clareza e
correção, sob várias formas – correspondência, relatório, descrição,
composição, narração, exposições de fatos, atas, requerimentos, etc.
(PERNAMBUCO, 1961, p.8)
Gramática
O objetivo final do ensino de gramática é assegurar, no curso complementar,
a formação de uma atitude favorável ao estudo das noções gramaticais
básicas. (p.12) (PERNAMBUCO, 1961, p.12)
Com objetivos acima expostos, verificamos a preocupação da proposta em
desenvolver o gosto pela leitura, principalmente, para a literatura nacional brasileira, como
também o estímulo da leitura para diversas finalidades e utilidades práticas. Assim,
observamos que, ao mesmo tempo em que atribui à literatura nacional um papel de destaque,
não descarta a possibilidade de ampliação da leitura através de outros tipos de textos nãoliterários, tal como discutiremos adiante. Já em relação à escrita, constatamos que, apesar do
foco se direcionar à produção de alguns gêneros (relatório, requerimentos) ou para um
trabalho com sequências discursivas (narração, descrição, exposição), encontramos também
implicações oriundas da ênfase no desenvolvimento da capacidade de escrever, conforme
organização do pensamento. Essa noção de escrita se veicula a arte de dominar as regras
gramaticais a fim de escrever corretamente, tal como é retratado nos objetivos mais
específicos desse eixo: “Tornar a criança sensível às incorreções da linguagem; Despertar-lhe
70
o desejo de falar e escrever corretamente ou capacitá-la a descobrir e corrigir os próprios
defeitos da linguagem.” (PERNAMBUCO, 1961, p.12)
Ainda no documento “Programa de Ensino para o Curso Primário Infantil” publicado
em 1961, podemos encontrar, na seção “Sugestões práticas para a aplicação dos objetivos e da
matéria de estudo” de leitura, diversas finalidades: “ler para extrair ideia principal, identificar
detalhes, responder a questionários, reproduzir oralmente o que foi lido, resumir um longo
trecho,
distinguir
material
factual
de
material
de
ficção,
ler
para
comentar,
etc”(PERNAMBUCO, 1961, p.5- 6).
Já na seção destinada a “Sugestões práticas para a aplicação dos objetivos e da matéria
de estudo” de escrita, observamos orientações para a produção de redações com foco nas
sequências discursivas e, quando se tratava de redações de temas livre, alguns princípios
deveriam ser seguidos, tais como: “seqüência lógica da frase, emprego correto de conectivos
para integração exata do pensamento, subordinação apropriadas às ideias principais, forma de
frase, clareza na exposição, escolha adequada da frase”. (PERNAMBUCO, 1961, p.9 e 10)
Ao mesmo tempo em que encontrarmos orientações para a produção de alguns gêneros, tais
como resumo, diário, telegramas, artigos e entrevistas para o jornal da escola, autobiografias
(p.10 e 11), dentre outros, verificamos também orientações para composições de histórias
descontextualizadas a partir de gravuras, de títulos sugestivos, de palavras dadas. Com isso,
constatamos que, ora as orientações se baseavam em uma gama de diversidade de textos, ora
enfatizava o emprego correto de elementos linguísticos, como também tinham como proposta
um trabalho com textos soltos.
Em relação ao trabalho com gramática, nas sugestões práticas, eram propostos “jogos
e exercícios para substituição de formas incorretas pelas corretas, trabalhos escritos com
oportunidade de uso de casos em foco, repetidos em situações diversas, até que o hábito fosse
assegurado [...]” (PERNAMBUCO,1961, p.13) Podemos verificar na seção “Matéria de
Estudo” uma lista de conteúdos voltados para as classes gramaticais, classificação de
palavras,
pontuação,
concordância,
revisão
de
alfabeto
e
consoantes,
etc.
(Cf.
PERNAMBUCO, 1961, p.12-13)
Com os elementos acima discutidos da referida proposta, observamos que a mesma
manifesta uma ampliação das finalidades de leitura e um trabalho com uma diversidade de
textos, se compararmos a programas e propostas de décadas anteriores. Nesse sentido, apesar
de verificarmos uma grande preocupação com o escrever segundo as regras gramaticais, o
documento em foco parece introduzir elementos importantes para o ensino de língua materna,
tais como o contato com alguns textos na leitura e produção, mesmo que as implicações
71
pedagógicas apresentem lacunas no momento de materializar orientações para o trabalho com
esses textos articulados aos eixos de ensino.
Nesse sentido, podemos encontrar, ainda, algumas mudanças na perspectiva de se
trabalhar a linguagem contextualizada com outras áreas de conhecimento e com articulações
entre os eixos de ensino de língua portuguesa, tal como é ressaltado em alguns princípios do
documento “Programa de Ensino para o Curso Primário Infantil”:
O ensino da linguagem não se fará isoladamente, mas em estreita conexão
com as demais matérias do programa [...]
É oportuno esclarecer que apenas por motivos de ordem didática e para
efeito de esquematização [...] acha-se o programa de linguagem dividido em
três partes – leitura, escrita e gramática – não significando de modo algum
que se devam aulas de isoladas de cada uma delas.
O ensino da linguagem atenderá, igualmente, à integração ecológica [...] O
professor não poderá ignorar as condições físico-sociais do meio, tal
relevantes no Nordeste [...] (PERNAMBUCO, 1961, p.14)
No entanto, não podemos deixar de ressaltar que o documento ainda traz implicações
vinculadas a uma perspectiva de língua como estrutura do pensamento, principalmente
quando ressalta, em seus objetivos gerais para escrita é “Levar a criança a adquirir maior
capacidade de organizar mentalmente o pensamento e de exprimí-lo por escrito, com
simplicidade, clareza e correção, [...]”. (PERNAMBUCO, 1961, p.8)
Segundo Britto (2005), na década de 60, especificamente em 1968, foi elaborado outro
programa de Ensino, o documento “Currículo da Escola Primária em Pernambuco”, cujo
enfoque era uma organização de uma proposta por níveis. Com o objetivo de atender
adequadamente o desenvolvimento das capacidades dos alunos, o programa do Curso
Primário possuía seis níveis e possibilitava que os alunos avançassem de acordo com o
desenvolvimento de suas potencialidades. Os conteúdos eram abordados em nível crescente
de dificuldade e complexidade. Ainda conforme Britto (2005), o foco do trabalho com a
linguagem nesse documento estava direcionado a “Gramática de maneira menos formal,
dando mais relevo ao falar e escrever corretamente a língua pátria, diminuindo a preocupação
com a aprendizagem de regras, definições e classificações.” (p.149)
Já na década de 70, foi implementado oficialmente o tecnicismo e algumas
reformulações a nível nacional são realizadas. A organização do ensino no Brasil passava a
ser subdividida em primeiro grau e segundo grau. Nesse contexto, os conhecimentos de
Língua Portuguesa se constituíam na matéria intitulada “Comunicação e Expressão”. Em
Pernambuco, a Proposta Curricular de Ensino – 1º grau, publicada em 1978, se constituiu
72
inicialmente nos seguintes documentos: Volume I - Fundamentação filosófica, sócioeconômica – cultural e psicológica; Volume II – Comunicação e Expressão; Volume III –
Ciências incluindo Matemática e Volume IV – Estudos Sociais.
Essa proposta materializava a concepção de língua como instrumento de comunicação
atendendo às exigências das orientações nacionais. Segundo Louzada (1997), “com a edição
da LDB, em 1971, a disciplina passou [...] a integrar o núcleo comum do currículo do 1º Grau
e a chamar-se Comunicação e Expressão.” (p.47)
Nos anos 80, foi elaborado um documento intitulado “Perfis de saída dos alunos de 1ª
a 4ª série – Viabilização de uma Proposta de Conteúdos Mínimos”, com o objetivo de
“garantir a socialização dos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade como
um instrumento de lutas para atenuar as desigualdades socais” (BRITTO, 2005, p.165). Essa
contemplou as disciplinas Língua Portuguesa, Matemática, Iniciação às Ciências, Integração
Social, Ensino Religioso, Educação Física e Educação Artística. Segundo Britto (2005), essa
proposta era um “documento de referência para o trabalho individual de cada escola e de cada
professor” (p.166)
Na década de 90, o documento “Coleção Professor Carlos Maciel: subsídios para a
prática pedagógica” foi proposto pela Secretaria de Educação e Cultura. Nessa, vinte e quatro
documentos estavam direcionados ao Ensino Fundamental e Médio e tinham como objetivo
suscitar reflexões para o ensino.
No que se refere ao ensino da Língua Portuguesa, destacamos o volume vinte e três 8
que, além de representar “o empenho em trazer à discussão questões teóricas e práticas
fundamentais sobre o ensino da Língua” (PERNAMBUCO, 1994, p.7), destaca sua
especificidade, cuja pretensão é “acentuar a orientação do ensino da língua para a
comunicação.” (PERNAMBUCO, 1994, p.7)
Ainda nesse documento, podemos observar que toda sua proposta curricular está
articulada a uma forma de aquisição e aprendizagem funcional da língua:
Assumimos, portanto, que o núcleo maior da presente proposta é a
concepção funcionalista da língua, da qual se deriva o princípio geral de que
a língua só atualiza através dos textos, a serviço da comunicação
intersubjetiva, em situações de atuação social. É, pois esse núcleo que deve
constituir o ponto de referência para a determinação de todas as opções
pedagógicas, seja a definição dos objetivos, dos conteúdos programáticos,
seja a escolha das atividades e da forma particular de realizá-las e avaliá-las.
(PERNAMBUCO, 1994, p.17)
8
O volume 23 (vinte e três) corresponde ao Ensino de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª série.
73
Com o exposto, podemos observar que a concepção de língua se volta às práticas
sociais em que o texto assume um papel de destaque. Com a intenção de romper com as
concepções de língua como sistema abstrato, a proposta da “Coleção Professor Carlos
Maciel” assume que “somente uma concepção funcionalista da linguagem pode, de forma
ampla e legítima, fundamentar um ensino da língua que seja individual e socialmente
produtivo e relevante”. (PERNAMBUCO, 1994, p.17)
Nesse sentido, o documento supracitado destina duas páginas para discutir concepções
que norteiam as práticas do ensino do Português mostrando ao leitor as implicações de um
ensino mecânico, descontextualizado e centrado nas estruturas da língua, como podemos
observar nos exemplos abaixo:
No que se refere à prática da escrita, tem-se constatado:



[...]
predomina a prática de uma escrita mecânica e periférica, centrada,
inicialmente, nas habilidades motoras de produzir sinais gráficos e, mais
adiante, na apreensão pura e simples de regras ortográficas;
predomina a prática de uma escrita artificial e inexpressiva, com
“exercícios” de palavras soltas ou, ainda, de frases isoladas, fora de qualquer
contexto comunicativo, vazia, portanto, do sentido e da força da atividade
verbal cotidiana;
predomina a prática de uma escrita sem função, destituída de qualquer valor
interacional, [...] (PERNAMBUCO, 1994,p.14)
No que se refere à prática da leitura, tem-se constatado:



prevalece uma atividade de leitura centrada nas habilidades mecânicas de
decodificação da escrita, sem dirigir, contudo, para o aspecto da interação
verbal, a aquisição dessas habilidades;
prevalece uma leitura sem interesse, sem função, pois aparece inteiramente
desvinculada dos diferentes usos sociais da escrita;
prevalece uma leitura, sem gosto, sem prazer, convertida em momento de
treino e reduzida, assim, aos exercícios de “leitura em voz alta” realizados,
quase sempre com interesses avaliativos; (PERNAMBUCO, 1994,p.14)
[...]
No que se refere à gramática, tem-se constatado:

uma gramática abstrata, que é “sobre a língua”, quase sempre sem vinculação
com a língua escrita ou falada na comunicação do dia-a-dia;
 uma gramática fragmentada, da palavra e da frase isoladas, das palavras e das
frases descontextualizadas, sem sujeitos interlocutores, sem contexto, sem
função, posta para servir de lição, para virar exercício;
[...]
 uma gramática do aspecto prescritivo, preocupada apenas com o “certo” e o
“errado”, dicotomicamente extremados [...] (PERNAMBUCO, 1994,p.15)
[...]
74
Com isso, observamos a proposta utilizar estratégias de leitura que tecem argumentos
ao leitor que justifiquem a perspectiva a ser adotada para o ensino de língua materna
dissonante do que, tradicionalmente, vinha sendo proposto: uma perspectiva voltada para
aprendizagem da estrutura da língua, suas normas e exceções, bem como suas aplicações nos
diferentes eixos de ensino.
Assim, verificamos a intenção da “Proposta Professor Carlos Maciel: subsídios para a
prática pedagógica” propõe a adoção de “princípios teóricos capazes de sustentar um ensino
produtivo da língua” (PERNAMBUCO, 1994, p.16). Para tal, explicita que duas tendências
circuncidaram o ensino da linguagem:


uma primeira, centrada na língua enquanto sistema virtual, abstrato,
independente de suas condições de realização;
uma segunda, centrada na língua enquanto atividade verbal de dois ou
mais interlocutores, enquanto sistema-em-função, vinculando, portanto,
às circunstâncias concretas de sua atualização.
(PERNAMBUCO, 1994, p.17)
O pressuposto assumido pela proposta baseia-se na segunda tendência, evidenciando
que “se a língua-em-função apenas ocorre em função da textualidade [...], admite-se também
que só o estudo das regularidades textuais, na sua produção e interpretação, pode constituir o
objeto de um ensino da língua que pretenda ser, como se disse acima, produtivo e relevante”
(PERNAMBUCO, 1994, p.17).
Nessa perspectiva, as seções destinadas à exposição dos princípios norteadores dos
eixos de ensino, bem como suas implicações pedagógicas, manifestam o desejo de não se
basear na perspectiva de ensinar normas do bom comportamento lingüístico, mas sim na visão
funcionalista da leitura, escrita e gramática.
Dessa forma, nas orientações destinadas aos conteúdos programáticos, podemos
observar uma indicação de qual seria o objetivo mais geral ao definir determinados conteúdos
para o Ensino Fundamental, o de “ampliar a competência da criança para o exercício cada vez
mais pleno, mais fluente e interessante da fala e da escrita”. (p.29) Para tal, o documento em
foco explicita a preocupação em reorientar a prática não mais centrada nas estruturas da
língua, mas sim em sua língua-em-função (PERNAMBUCO, 1994, p.29).
Ainda segundos essas orientações, o programa para as aulas de Português, em termos
gerais, seria:
 falar,
 ouvir,
75
 ler e
 escrever textos em língua portuguesa,
dentro de uma distribuição e complexidade gradativas, atendendo-se ao
desenvolvimento conseguido no domínio de cada habilidade. Mais uma vez,
explicitamos o princípio de que toda atividade lingüística é necessariamente
textual e, assim, é no texto e para o texto que se deve centrar o estudo
relevante e produtivo da língua. (PERNAMBUCO, 1994, p.29)
Com o exposto, podemos perceber que a ênfase no texto nos diversos eixos de ensino
se constitui uma preocupação para o ensino de língua portuguesa. Ainda, nessa proposta,
constatamos orientações para o desenvolvimento das habilidades de falar e ouvir, escrever e
ler, no item “os conteúdos programáticos”, tais como:
Falar e ouvir:
 contar histórias, reais ou imaginadas, inventando-as ou reproduzindo-as;
 relatar acontecimentos;
 debater, discutir acerca dos temas variados [...]
[...]
 fazer e dar entrevista;
 dar depoimentos;
 apresentar resumos, etc; (PERNAMBUCO, 1994, p.29-30)
Escrever:
 avisos aos colegas;
 pequenas informações aos pais e outras pessoas da comunidade escolar;
 [...]
 convites;
 lista de cooperadores, de aniversariante, de materiais, de livros [...]
 cartas, uns aos outros, aos professores, às pessoas da escola [...]
 esquemas, resumos,[...]
 pequenas narrativas (criadas ou recriadas a partir de outras lidas ou
ouvidas)
 [...]
 poemas;
 canções infantis e regionais;
 cartazes [...] (PERNAMBUCO, 1994, p.30)
Ler
 historinhas, com ou sem gravuras e em quadrinhos (incluindo, é claro,
pequenas narrativas de caráter literário)
 poemas (apropriados à faixa etária dos alunos)
 canções infantis e regionais;
 notícias de jornal;
 folhetos;
 cartazes; [...] (PERNAMBUCO, 1994,p.31-32)
76
Nas orientações expostas acima, percebemos a grande preocupação da proposta em
diversificar o material textual nos diversos eixos de ensino, reforçando a necessidade de
ensinar a língua materna a partir dos textos:
Por essa amostragem, fica evidente nossa pretensão quanto à diversidade de
texto que a escola deve providenciar. É importante que a criança,
sistematicamente, confronte a multiplicidade de usos e funções a que se
presta a língua, na variedade de situações em que acontece.
(PERNAMBUCO, 1994, p.32)
Nessa perspectiva, a diversidade textual é inserida na proposta de forma integrada ao
eixos de ensino de língua portuguesa com o propósito de não só aproximar a língua nos
diversos contextos e usos, mas também se contrapor a uma perspectiva descontextualizada da
leitura e escrita, tal como o documento manifesta: “o importante é que deixe a escrita vazia de
palavras soltas, de frases soltas, que não dizem nada do mundo, da experiência e da fantasia
das crianças”. (PERNAMBUCO, 1994, p.31)
Ainda em relação a essa diversidade textual encontrada nas orientações para os
conteúdos programáticos de Português, observamos que não são elencados apenas tipos de
textos, mas também uma mistura entre gêneros (poema, convites, notícias, etc), tipos
(desenvolvimento de pequenas narrativas) e portadores (cartazes).
Outro aspecto relevante a ser ressaltado é fato de haver muito mais uma preocupação
da proposta em oportunizar ao aluno uma grande quantidade de textos, cabendo ao professorleitor selecionar os textos de acordo com as séries. Sendo assim, não aprofunda orientações de
quais aspectos dos textos poderiam ser enfocados e, ao mesmo tempo, alvo de reflexões mais
sistemáticas. Nesse sentido, quando o documento destaca “que a escolha desses diferentes
tipos de texto deverá ir acontecendo gradativamente”, na verdade, se remete a perspectiva de
que existem textos que são mais apropriados por serem menos extensos para as séries iniciais
e os textos longos para as séries posteriores. Como exemplo, podemos encontrar, nas
orientações da proposta, a ideia de que os rótulos e as listas poderiam ser utilizados nas fases
iniciais por serem textos mais curtos. Com o desenvolvimento das habilidades das crianças, as
reflexões perpassariam por textos mais longos. (Cf. PERNAMBUCO, 1994, p.31)
Assim, como vimos discutindo, constatamos que a principal preocupação da proposta
era evidenciar mudanças no que concerne à concepção de linguagem. Para tal, enfatiza uma
negação de um ensino da língua como estrutura. Nesse sentido, o próprio eixo de ensino
“gramática”, nessa proposta, está voltado para um estudo natural no texto, ou seja, se estudar
a gramática numa “perspectiva eminentemente textual, o que significa perceber com o as
77
categorias e regras gramaticais, na verdade, funcionam na construção dos textos, orais e
escritos, curtos e longos”. (PERNAMBUCO, 1994, p.34)
Silva (2008), analisando a referida proposta no que concerne ao eixo “gramática” ou
análise “linguística”, observou que esse documento:
apenas delimitou alguns conteúdos gramaticais, nele considerados como
relevantes para a compreensão de como a língua funciona em textos.
Observou-se, no caso, uma organização dos conteúdos um tanto distinta
daquela encontrada no antigo ensino de gramática. (p.97)
Ou seja, na tentativa de se articular os pressupostos teóricos assumidos, o ensino da
gramática está articulado com os outros eixos de ensino, sendo concebida como “um
conhecimento diretamente relacionado – na verdade subordinado – à compreensão e à
produção de textos orais e escritos [...] (SILVA, 2008, p.78). Tal aspecto pode ser verificado
quando o documento destaca que “o estudo do texto, da sua sequência e de sua organização
sintático semântica conduzirá forçosamente o professor a lidar com as categorias gramaticais:
do substantivo, do adjetivo, do verbo [...]” (PERNAMBUCO, 1994, p.33)
Como a ideia trazida pela proposta é de trabalhar com a gramática com base nos
textos, ressaltamos ainda que o objeto de estudo da gramática não está indicado nas seções de
orientações dos “conteúdos programáticos”, mas sim destacados nos objetivos e metodologia
das atividades como levantamentos de algumas questões gramaticais importantes para
funcionamento da língua no texto (Cf. PERNAMBUCO, 1994, p.34). Dessa forma, indica sete
pontos referentes aos assuntos gramaticais, destacando o trabalho com os mesmos articulado
com o texto, como por exemplo:
[...] o uso dos artigos definidos e indefinidos, considerando-se, também, as
implicações que tem o seu emprego no desenvolvimento do texto [...]
(PERNAMBUCO, 1994, p.35)
Tal aspecto também foi observado por Silva (2008) ao constatar que “o documento
curricular da rede estadual de Pernambuco não sugere uma organização e distribuição dos
conhecimentos gramaticais a serem ensinados em cada ano/série, cabendo este trabalho ao
professor.” (p.82).
Com base nos pressupostos apresentados pela coleção “Professor Carlos Maciel”,
podemos observar que se trata de uma tentativa de implementar mudanças em concepções
sobre língua, texto e novas orientações para o trabalho nos vários eixos de ensino.
Constatamos também que a mesma tenta se articular com as novas perspectivas, ao
78
observarmos, nos eixos acima citados, uma ênfase muito grande no texto como unidade de
ensino de Língua Portuguesa a serviço da comunicação. No entanto, não aprofunda questões
importantes de ordem teórica e metodológica nas especificidades dos diferentes eixos de
ensino. Tais contradições também foram evidenciadas na pesquisa de Marinho (1998), a qual
concluiu que:
Algumas propostas pretendem ser exclusivamente interacionistas e, por isso
mesmo, julgam suficiente como conteúdo curricular explicitar essa
concepção, sugerindo o seu desdobramento par uma concepção geral nas três
áreas básicas de ensino: leitura, produção de texto e conhecimentos
lingüísticos ou gramática. (p.55-56)
Portanto, para romper com velhas tradições, no que se refere ao ensino da língua
materna, as orientações referenciam propostas inovadoras que, muitas vezes, refletem
contradições que trazem implicações nas suas orientações metodológicas ou não apresentam
explicações mais aprofundadas e articuladas.
Com o que foi discutido ao longo desse subcapítulo, podemos observar que,
primeiramente, no ensino de língua portuguesa, a ênfase recaía sobre a necessidade de
aprender as regras gramaticais. Para tal, era de extrema relevância um trabalho voltado para o
ensino de frases fragmentadas, de elementos estruturais da língua, uma vez que o objetivo era
o domínio da arte do escrever bem segundo as normas gramaticais. Com o advento de uma
perspectiva mais utilitária da linguagem, as proeminências dos tipos textuais ganham espaço
no ensino de língua materna, passando a ser vinculadas aos aspectos relacionados à apreensão
de macro-estruturas que definem o tipo textual. Em outros termos, a preocupação maior das
orientações prescritivas incidia, muitas vezes, sobre o repasse do conhecimento das
configurações textuais típicas, tais como narração, descrição, dentre outras. Por fim, vemos
um discurso mais voltado ao uso de uma grande diversidade textual para o desenvolvimento
das habilidades do aluno, através de uma ampla variedade de textos que circulam socialmente.
Ou seja, de acordo com essa perspectiva, o contato com uma gama de textos possibilita o
desenvolvimento de capacidades necessárias ao reconhecimento de determinados textos e
seus efeitos de sentido (cf. Mendonça, 2002). Nessa perspectiva, o texto é utilizado a serviço
da comunicação, na qual a ênfase dar-se-á no contato amplo de produção e recepção de texto.
Ressaltamos também que, ao fazermos uma breve discussão sobre as propostas
curriculares de Pernambuco, relacionando-as com concepções de língua e linguagem,
apresentamos o que estava sendo proposto para o ensino de língua materna em determinados
79
contextos históricos. Tal discussão fornece elementos relevantes para analisar a proposta
curricular mais recente para as escolas públicas do estado de Pernambuco, a BCC-PE.
Dessa forma, podemos observar que toda proposta curricular tem subjacente uma
determinada concepção de linguagem. Assim, os elementos que a compõem, objetivos do
ensino, conteúdos, orientações metodológicas, sugestões de atividades, perpassam por uma
escolha de como conceber a língua, sua aquisição e sua aprendizagem. Nessa perspectiva,
nada do que se concretiza nos textos prefigurativos deixa de se relacionar a um corpo de
princípios, a partir dos quais se percebem os fenômenos linguísticos e discursivos.
Considerando que não apenas os documentos curriculares oficiais orientam o trabalho
do professor, neste estudo dedicamo-nos, a refletir sobre outro tipo de documento que também
desenvolve um papel fundamental na organização do trabalho pedagógico: o livro didático.
No próximo capítulo, nos deteremos a tecer considerações acerca do livro didático de
língua portuguesa. Nesse sentido, primeiramente apresentaremos algumas reflexões sobre o
livro didático e suas relações com os documentos oficiais e o mercado editorial.
Posteriormente, refletiremos sobre o papel do livro nas relações de ensino-aprendizagem. Em
seguida, traçaremos um perfil do livro didático de língua portuguesa. Por último, discutiremos
acerca da didatização dos gêneros discursivos no livro didático.
80
Capítulo 3
O Livro didático de Língua Portuguesa
Conforme anunciamos nos objetivos dessa pesquisa, o foco de análise nesta
investigação também será o livro mais distribuído no estado de Pernambuco em 2007.
Portanto, nesse capítulo, acreditamos ser de extrema relevância debater alguns tópicos
referentes a este tipo de recurso didático tão presente no cotidiano das escolas brasileiras.
Inicialmente, refletiremos acerca de como o livro foi tecendo seu percurso histórico, a
partir de documentos oficiais e mercado editorial. Em seguida, abordaremos aspectos
relacionados ao papel do livro didático na sala de aula, estabelecendo conexões entre as
temáticas abordadas. Posteriormente, nos deteremos nas especificidades do livro didático de
língua portuguesa, a fim de apontar seus avanços e entraves no que concerne ao ensino de
língua materna. Nesse sentido, apontaremos alguns estudos que realizaram uma análise mais
qualitativa dos livros didáticos de língua portuguesa e ressaltaram aspectos positivos e
negativos dos mesmos.
3.1 Livro didático: uma breve retrospectiva
O livro didático é um material que assume o lócus nas discussões contemporâneas, por
fazer parte da cultura, das políticas públicas e por ser um instrumento de apoio no processo de
ensino-aprendizagem. Um levantamento realizado por Batista, Rojo e Zúñiga (2005)
envolvendo a produção acadêmica sobre os livros didáticos no Brasil constatou a existência
de 1927 trabalhos sobre LD, no período que corresponde de 1975 a 2003 9, sendo a maioria
delas destinada à área de Ciência da Linguagem (37,2%).
Esse objeto complexo se constitui, segundo Stray (1993 apud CHOPPIN, 2004, p.
563) no “cruzamento de cultura, da pedagogia, da produção editorial e da sociedade” .
As transformações sofridas pelo livro didático ao longo dos tempos foram muitas.
Antes da invenção da imprensa, os povos formulavam seus livros com os materiais que
dispunham na época para constituí-lo, tais como papiro, papel, etc. A produção de livros, em
9
Os referidos autores destacam que utilizaram a Plataforma Lattes do CNPq para o levantamento das pesquisas
sobre o tema. Como essa Plataforma foi implementada na década 1990, destacam que os dados que permitiram
uma maior segurança estão no período entre 1990 a 2003.
81
larga escala, ganha espaço quando a imprensa, no final do século XV, impulsiona a
divulgação e a impressão dos mesmos.
Em seus estudos sobre o livro didático no Brasil, Freitag et al. (1989), em um dos
tópicos de sua análise, se refere ao histórico do livro didático. Segundo os referidos autores:
Poder-se-ia mesmo afirmar que o livro didático não tem história própria no
Brasil. Sua história não passa de uma seqüência de decretos, a partir de
1930, de forma aparentemente desordenada, e sem a correção ou crítica de
outros setores da sociedade [...] Essa história de leis e decretos somente
passa a ter sentido quando interpretada à luz das mudanças estruturais como
um todo, ocorridas na sociedade brasileira, desde o Estado Novo até a “Nova
República” (p.11)
Com o exposto, podemos perceber que, para as autoras supracitadas, o histórico do
livro didático está intrinsecamente relacionado às políticas públicas de livro didático e ao
contexto histórico-social no qual está inserido.
No Brasil, o aumento da produção se incrementa com a criação do Instituto Nacional
de Livro (INL), em 1937, que tinha como objetivo legitimar o livro didático em escala
nacional e, ao mesmo tempo, estimular sua produção. Segundo Freitag et al. (1989), seriam
“as primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado Novo para assegurar a divulgação e a
distribuição de obras de interesse educacional e cultural, criando-se o INL.” (p.12).
O controle dessas produções é instituído com o surgimento da Comissão Nacional do
Livro Didático (CNLD), conforme Decreto-Lei nº 1.006 de 1938, cuja função se atrelava à
fiscalização política e ideológica do que meramente didática. Ainda nesse decreto, foi
definido, pela primeira vez, o que seria livro didático:
Art. 2º, inciso 1º - Compêndios são livros que exponham total ou
parcialmente a matéria das disciplinas constantes nos programas escolares;
2º - Livros de leitura de classe são livros usados para a leitura dos alunos em
aula; tais livros são também chamados de livros de texto, livro-texto,
compêndio escolar, livro escolar, livro de classe, manual, livro didático
(Oliveira, 1980, p. 13, apud Freitag et al. 1989, p.12 e13)
Em 1945, pelo Decreto-Lei nº 8.460, se consolida a legislação sobre o processo de
autorização para adoção e uso do livro didático, problemas de atualização e distribuição dos
mesmos, além de medidas em relação à especulação comercial. (Cf. Freitag et al.,1989, p.13).
Essa legislação surgiu a partir das críticas contra a legitimidade da CNLD.
Na época da ditadura militar, diversos acordos são assinados entre o governo
brasileiro, na representatividade do MEC (Ministério da Educação), e o governo americano,
82
representado pela USAID (Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Nacional).
Esses acordos culminaram na criação da COLTED (Comissão do livro Técnico e do Livro
Didático) que tinha como finalidade dirigir as ações de edição, produção e distribuição do
livro didático. Um acordo firmado em 1967, entre MEC/USAID e SNEL (Sindicato Nacional
dos Editores de Livros), tinha como pretensão “tornar disponível cerca de 51 milhões de
livros para os estudantes brasileiros no período de três anos”. (Cf. Freitag et al. 1989, p.14).
Os educadores brasileiros realizaram diversas críticas a respeito desses acordos, uma vez que
as responsabilidades de execução recaiam sobre o MEC e SNEL e os mecanismos de controle
sobre os órgãos da USAID. Em 1971, a COLTED foi extinta e o INL passou a desenvolver o
PLID (Programa do Livro Didático).
Em 1976, surgiu a FENAME (Fundação Nacional de Material Escolar), tendo como
responsabilidade definir diretrizes, coordenar distribuições do LD, formular programa
editorial, executar programas do LD e cooperar com instituições educacionais, científicas e
culturais. (cf. Freitag et al. 1989, p.15)
Já em 1983, houve uma concentração de vários programas do governo, com a criação
da FAE (Fundação de Assistência ao Estudante). Segundo Freitag et al. (1989):
foram reunidas em uma instituição única vários programas de assistência ao
governo, como PANAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar)
PLIDEF (Programa Nacional do Livro Didático – Ensino Fundamental),
programas editoriais, de material escolar, bolsas de estudos e outros. (p.16)
Essa centralização política assistencialista gerou críticas e denúncias. As autoras
supracitadas salientam que dentre as denúncias se destacam: os livros didáticos não eram
distribuídos nos prazos estabelecidos, havia pressão das editoras junto aos órgãos
responsáveis e o autoritarismo nas escolhas dos livros didáticos. (cf. Freitag,1989, p.16)
Quando o PLIDEF é substituído pelo PNLD, com a edição do decreto 91.542, de
19/8/85, algumas mudanças são inseridas no que se refere ao programa de livro didático.
Dentre elas, a adoção de livros reutilizáveis (exceto para a 1ª série), escolha do livro pelo
conjunto de professores, sua distribuição gratuita às escolas e sua aquisição com recursos do
Governo Federal (cf. Brasília, FNDE).
O PNLD, tal como se configura atualmente, passou por uma série de transformações
que definiram a relação do Estado brasileiro com o livro. Segundo Batista (2003), o
desenvolvimento desse Programa esteve sempre dependente a resolver duas questões centrais:
“a questão da qualidade dos livros que eram adquiridos e das condições políticas e
83
operacionais do conjunto de processos envolvidos na escolha, aquisição e distribuição desses
livros” (p.27)
Segundo Batista (2003), a questão da qualidade consistiu numa preocupação do MEC
que passou, desde 1996, a elaborar e executar medidas para avaliar, de forma sistemática e
contínua, o livro didático, como também discutir as perspectiva das características, funções e
qualidade do LD com os diversos setores relacionados à sua produção e consumo. Ainda
segundo o autor supracitado, dois aspectos repercutem sobre o PNLD: a natureza centralizada
do Programa e a utilização de recursos federais. A primeira se trata de “uma ação dependente
de um grande volume de recursos e organizada em torno de processos de grande
complexidade e envergadura” (BATISTA, 2003, p.35). Já a segunda aborda toda discussão
acerca do financiamento diante a necessidade de um acentuado volume de recursos para todo
processo de avaliação, escolha e compra dos LDs no Brasil.
Não podemos deixar de ressaltar que muitas das melhorias que os LDs sofreram, ao
longo desses anos, foram impulsionadas pelo PNLD, uma vez que foi instaurado:
um consenso em torno de seu papel fundamental para construir com a
comunidade escolar e universitária e com as editoras envolvidas no
esforço de melhoria dos materiais didáticos, um novo padrão de
qualidade para o livro escolar. (BATISTA, 2003, p.39)
Nesse sentido, as avaliações, de certa forma, orientam as editoras a reformularem suas
propostas, objetivando transformar os livros didáticos disponibilizados para a escolha pelas
escolas públicas. Esses materiais constituem-se, então, em instrumentos que contribuem para
o aprendizado de várias áreas de conhecimento segundo as orientações de documentos como
os parâmetros e referenciais curriculares nacionais. Dentre os impactos positivos do PNLD,
Batista (2003) ressalta:
[...] -, a avaliação pedagógica dos livros ensejou uma ampla renovação da
produção didática brasileira, evidenciada tanto pela participação de novas
editoras a cada PNLD, com a inscrição de novo títulos, quanto pelo
surgimento de uma nova geração de autores, o que revela, em princípio, a
preocupação crescente das editoras com a adequação dos livros didáticos.
(p.38)
Assim, com os critérios ao qual são submetidos alguns livros didáticos, “os editores
passaram a encontrar, portanto, na avaliação, uma forte barreira para a venda de seus livros
para o Governo Federal” (BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2005, p.52)
84
É importante salientar que, além de todo esse processo de confronto entre mercado
editorial e política de controle do MEC, encontramos também as forças oriundas da sala de
aula: quem não mais está entrelaçado a esse processo senão o professor e aluno? Para tal, a
escolha, muitas vezes, se configura numa oportunidade de discussão das propostas de várias
editoras e a seleção do recurso a ser utilizado no processo de aprendizagem. Nesse sentido, “o
livro didático está presente cotidianamente na sala de aula e constitui um dos elementos
básicos da organização do trabalho docente”. (BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2005, p.52)
Com o exposto, podemos observar que a compreensão sobre a história do livro
didático no Brasil não pode ser desvinculada do estudo sobre os decretos, leis e medidas
governamentais. Nesse sentido, pode-se conceber que o livro, como um instrumento
complexo, nem sempre atendeu às necessidades da escola, mas sim a interesses de gabinetes,
levando em consideração a política vigente e a produção cultural de um determinado contexto
histórico.
Atualmente, observamos que um dos focos das políticas governamentais é a qualidade
dos livros didáticos que, em torno de toda uma complexidade, se configura pela interposição
de múltiplos sujeitos em sua produção, circulação e consumo. A abordagem do livro didático
é sempre polêmica, por isso, pesquisadores investem em seus estudos, procurando observar a
qualidade do livro didático, indicando suas deficiências e ressaltando suas melhorias. Dentre
os pesquisadores, destacamos Rojo (2003), Val e Castanheira (2005), Batista (2005), Bezerra
(2005), Rangel (2005), Morais e Albuquerque (2005), Marcuschi e Leal (2009), Leal,
Brandão e Torres (2009) e outros que endossam, há duas décadas, o interesse por esse objeto
multifacetado.
No contexto escolar, o livro assume um papel relevante, uma vez que é um dos
instrumentos mais utilizados, servindo como fonte de consulta tanto para o aluno, quanto para
o professor. Batista et al (2005) ressalta que:
Num país - como um Brasil – de parcimoniosa distribuição do livro, o
manual didático é um dos poucos gêneros de impresso com base nos quais
parcelas expressivas da população brasileira realizam uma primeira – e
muitas vezes a principal – inserção na cultura escrita. É, também, um dos
poucos materiais didáticos presentes cotidianamente na sala de aula,
constituído o conjunto de possibilidades a partir do qual a escola seleciona
seus saberes, organiza-os, aborda-os. (p. 47)
Assim, esse material didático pode ser utilizado como apoio às atividades propostas
em sala, como fonte bibliográfica, como suporte para planejamentos e preparação das aulas
85
e/ou como fonte de formação para o professor. Nesse sentido, não podemos deixar de ressaltar
que o livro possui um papel específico na sala de aula, sendo o mesmo capaz de contribuir
para a aprendizagem dos alunos.
Os usos que os professores e alunos fazem do LD também perpassa pela questão de
que ele não é um mero instrumento, mas sim um objeto material complexo que aborda o
conhecimento e os conteúdos escolares de acordo com princípios metodológicos e concepções
definidas pelos autores e editores. Entretanto, ressaltamos que, muitas vezes, esse também
apresenta lacunas, indefinições metodológicas, simplificação de conhecimentos, enfim, alguns
percalços que podem prejudicar sua intenção de realizar contribuições para aprendizagem. Por
isso, cada vez mais o MEC explicita a preocupação em avaliar a qualidade dos LD. Nesse
sentido, destacamos um fragmento que ressalta tal inquietação num documento sobre os
princípios e critérios para avaliação de livros didáticos publicado pelo MEC:
[...] é fundamental melhorar a qualidade do livro didático no Brasil. Um
passo está sendo dado nesse sentido ao produzir-se um catálogo com os
títulos recomendados, a partir de sua análise por especialistas de área, com
experiência docente, apoiados por critérios cuidadosamente elaborados.
(BRASIL, 1998)
Nesse contexto, o docente se configura num sujeito que interfere nesse processo, por
ser dado ao mesmo a oportunidade de selecionar qual o livro que será utilizado como
instrumento facilitador da aprendizagem do aluno. Portanto, faz-se necessário também que o
docente questione o papel do livro didático, observando suas características positivas, como
também suas limitações, a fim de fazer complementações adequadas às realidades específicas
do contexto escolar.
Nesse sentido, acreditando que o desenvolvimento de algumas capacidades não se dá
forma natural, mas sim necessitam de intervenções mais peculiares da escola, consideramos
que o estudo dos livros didáticos, que orientam intervenções nas salas de aula, é de extrema
importância. Para tal, o livro é visto como espaço educativo possibilitador da aprendizagem.
Val e Castanheiras (2005) salientam:
Acredita-se que o desenvolvimento das capacidades lingüísticas – de
natureza discursiva, textual e gramatical – envolvidas no pleno exercício da
cidadania numa sociedade letrada não são apreendidas espontaneamente,
precisam ser ensinadas. Daí a necessidade de os livros didáticos que no
Brasil, têm funcionado como importante apoio ao trabalho do professor,
apresentarem atividades de leitura, produção de textos, práticas orais e
reflexão sobre a linguagem bem conduzidas, com a exploração de estratégias
pertinentes e diversificadas. (p.154)
86
Dado o exposto, percebemos que o livro poderá ser utilizado como um recurso
eficiente integrado no processo de aprendizagem, desde que se reflita acerca de seus avanços
e limitações para que, em funções dos objetivos que se deseja alcançar, o mesmo possa ser um
recurso pedagógico eficiente que contribua efetivamente na relação de ensino-aprendizagem.
No próximo item, discutiremos, especificamente, sobre o livro didático de Língua
Portuguesa, bem como faremos algumas reflexões sobre alguns de seus avanços e entraves
para o aprendizado de língua materna.
3.2. Livro didático de Língua Portuguesa
Nem sempre o livro didático de Língua Portuguesa (doravante LDLP), tal com se
configura atualmente, era o instrumento utilizado no ensino de língua materna. Até certo
contexto histórico, em meados dos anos 60, quem subsidiava as aulas de português eram os
manuais didáticos com excertos de textos literários: ora separados em gramática e antologia,
ora unificados num só livro, mas com partes independentes. Vale salientar que a concepção de
língua que permeou esse período, como já foi discutido no capítulo I, era:
a concepção de língua como sistema: ensinar português era ensinar a
conhecer/reconhecer o sistema lingüístico, ou apresentando e fazendo
aprender a gramática da língua , ou usando textos para buscar neles as
estruturas lingüísticas que eram submetidas a análise gramatical. (SOARES,
1998, p.55)
Nesse sentido, para o ensino de língua materna, alguns materiais foram utilizados. Tal
como ressaltam Bunzen e Rojo (2005), o ensino da língua foi, “durante alguns séculos, feito
por meio de cartilhas e livros de leituras nas séries iniciais [...] e por meio de antologias [...],
gramáticas, manuais de Retórica e Poética, nas séries mais avançadas”. (p.76)
Alguns estudos, como o de Razzini (2000, apud Bunzen e Rojo, 2005) ressaltam que o
arquétipo de LDP, tal como conhecemos nos anos 70, foi fruto das transformações
educacionais do contexto da ditadura e da publicação da lei 5692/71. Entretanto, o mesmo
ainda ressalta que esse livro didático fora pensado num período de tempo maior entre as
décadas de 50 e 60.
Atualmente, como já foi exposto, todo LDLP adotado na rede pública via distribuição
MEC se submete a uma avaliação do PNLD, segundo critérios avaliativos que orientam sua
recomendação. Em decorrência dessa avaliação, os autores e editores passaram a se preocupar
87
mais com a qualidade desse material. Ou seja, para se adequar às novas exigências e prérequisitos para serem aceitos pelo PNLD, reformulações são realizadas e, muitas vezes, as
concepções acerca do ensino da língua materna são redirecionadas. Rangel (2005), discutindo
sobre o despertar do interesse de pesquisadores e educadores pelo LDP, ressalta que:
O PNLD, especialmente a partir da avaliação, estabeleceu perspectivas
teóricas e metodológicas bastantes definidas para o LDP, perspectivas estas
que se tornaram possíveis graças a uma movimentação no campo de reflexão
sobre o ensino da língua materna que bem poderíamos considerar como uma
mudança de paradigma. (p.14)
Para que LDLP se configure como um instrumento de ensino pautado na concepção de
língua como prática social, conforme a mudança de concepções citada acima, os autores de
livros “precisam enfrentar novos objetivos didáticos do ensino de língua materna: o discurso,
os padrões de letramento, a língua oral, a textualidade, as diferentes “gramáticas” de uma
mesma língua.” (RANGEL, 2005, p.19).
No entanto, nem sempre as reformulações realizadas se configuram em mudanças
amadurecidas de paradigma. Rojo (2003), discutindo sobre o perfil do LDP de 5ª a 8ª,
concernente a avaliação dos livros de 2002, destaca que:
Embora possamos dizer que os procedimentos de avaliação do PNLD
tenham surgido efeito na melhoria da qualidade de alguns aspectos do
material didático distribuído em nossas escolas, o LD ainda está a exigir um
enorme montante de esforços para o incremento de sua condição didáticometodológica nos campos específicos de ensino de língua materna a que se
dedica, especialmente no caso do ensino de gramática e da construção e uso
da oralidade em sala de aula. Mas não muito menos, no campo da leitura e
da produção de textos escritos. Faz ver também que são de ordem didáticometodológica seus principais problemas remanescentes. (p.98)
Bezerra (2002) também ressalta que, apesar das pressões que os livros didáticos
sofrem para empreenderem reformulações em suas bases metodológicas, de conteúdo e
teóricas, ainda podemos encontrar mudanças aparentes se consagrando antigas práticas e
concepções teóricas.
Os vários problemas a serem resolvidos pelos livros didáticos de língua portuguesa se
articulam a uma questão crucial: o que um bom LDLP deve oferecer? Como definir a questão
da qualidade do LDLP que vá além do atendimento das necessidades do professor, do papel
de instrumento na formação do professor e, principalmente, da oferta de propostas produtivas
ao trabalho escolar?
Marcuschi e Cavalcanti (2005) destacam que:
88
o bom LDPD será aquele que: 1) permitir a problematização das práticas de
letramento, oportunizando momento diversificados de trabalho textual em
contextos de uso; 2) operar com os gêneros textuais que circulam
socialmente, considerando-se aí as práticas discursivas dos interlocutores.
Esse enfoque está estreitamente interligado à noção de letramento, visto
como “o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como conseqüência de ter se apropriado da escrita (SOARES,1998), de
língua enquanto atividade histórica e situada, nas qual se acham envolvidos
os usuários para construir e reconstruir permanentemente uma visão pública
do mundo, e de gênero textual como entidade sócio-discursiva e forma de
ação social incontornável em qualquer situação de comunicativa
(MARCUSCHI, 2000) Essas são as opções esperadas de LDPL que se
propunha estar em sintonia com aspirações da sociedade, em termos de
formação básica com qualidade social para as crianças e os jovens
brasileiros, numa perspectiva socio-interacionista, em que o conhecimento é
compreendido e apreendido como construção histórico-social. (p.240)
(MARCUSCHI, CAVALCANTI, 2005, p.240)
Com o exposto, pode-se perceber que a qualidade do material do LDP para as
referidas autoras está intrinsecamente ligada à noção de língua como atividade dialógica,
considerando todas as condições enunciativas que presidem toda produção de linguagem.
Bezerra (2002) destaca que, diante do contexto atual, se faz necessário que o LDLP
trabalhe com uma diversidade de textos com a finalidade de desenvolver as competências
linguísticas, textuais e comunicativas dos alunos.
Considerando os aspectos discursivos da linguagem e aspectos relacionados à cultura
escrita e oral, Rojo (2003) ressalta que:
Lidar com os aspectos discursivos dos textos em sua efetividade, reconhecer
os interdiscursos e as diversas linguagens sociais presentes nos textos orais e
escritos, encarar a fala oral pública como objeto letrado sobre o qual a escola
tem um papel, trabalhar as propriedades formais e estilísticas da linguagem
em sua relação com o funcionamento dos textos e discursos são atividades –
centrais, no processo de letramentos – que ainda estão longe da realidade dos
LDs que circulam em nossa rede pública hoje. (p.99)
No entanto, embora vários autores destaquem a necessidade de trabalhar a língua
materna numa perspectiva sócio-discursiva, podemos encontrar, em pesquisas de cunho
qualitativo, LDLP que ainda estão destoantes das concepções da linguagem como prática
social. Nessa perspectiva, destacamos um estudo realizado pela pesquisadora Val (2003)
sobre as atividades de produção de textos escritos em livros didáticos de 5ª série do Ensino
Fundamental. Esse teve como corpus 11 coleções avaliadas pelo PNLD/2002 e 3 coleções
excluídas com base na Ficha de Avaliação do PNLD/2002 relativa às atividades de produção
de textos escritos. Dentre os dados destacados pela autora, foi constatado que a maioria dos
89
livros didáticos indicava os gêneros em suas propostas. Entretanto, não desenvolviam um
trabalho mais sistemático acerca desse conceito, uma vez que não se preocupavam com os
objetivos e funções sociais, com o perfil dos destinatários, a esfera de circulação e do suporte,
enfim, com algumas características relevantes dos gêneros. Ainda, segundo esse estudo, o que
é priorizado nas atividades de produção de texto e nas propostas de revisão e auto-avaliação
são aspectos relacionados à forma do texto. A própria autora salienta que:
os fatores determinantes na escolha do que vai se dizer e do modo como vai
se dizer, ligados à representação que se faz dos objetivos do texto, do leitor a
que se destina, do contexto e do suporte em que deverá circular, da situação
em que será lido, ou não chegam a ser explicitados, ou são mencionados
apenas eventualmente.(p.151)
Observamos, com o acima exposto, que ainda existem muitas propostas nos LDLP que
desconsideram os elementos fundamentais para a produção de um texto escrito, os quais
implicam na escolha de um determinado gênero de acordo com a situação de interlocução:
para quê, para quem, sobre o quê e em que esfera e suporte circularão.
Rojo (2003), discutindo sobre os resultados da avaliação pedagógica realizada pela
Comdipe/SEF/MEC dentro do PNLD/2002 acerca dos LDs de Língua Portuguesa da 5º série a
8º série do ensino fundamental, destaca, que, na seleção do material textual:
há diversidade de gêneros (97%), de tipos de textos (89%) e de contextos
sociais de usos dos textos (esferas de circulação, 86%), com incidência
representativa da esfera literária (81%), o que parece colaborar com a
ampliação do repertório literário do aluno (72%). Também há diversidade de
suportes de origem dos textos (86%), sem que, entretanto, haja sempre
fidelidade à representação dos suportes em questão (64%). (p.85)
Esse aspecto pode evidenciar um avanço no que concerne à diversidade de gêneros
que os editores selecionam para os LDs. Entretanto, é necessário refletir se as propostas
didáticas dos livros sugerem um trabalho articulado com atividades que explorem os
elementos sociodiscursivos e linguísticos do gênero em questão. A respeito disso, a autora
supracitada salienta que “os textos apresentam-se também em gêneros bastante diversificados
(97%), embora nem sempre as características destes gêneros sejam exploradas nas atividades
de leitura e produção”. (ROJO, 2003, p.84)
Tal aspecto foi observado por Marcuschi e Leal (2009) que, ao refletirem sobre o
trabalho com condições de produção dos textos dos livros didáticos do PNLD 2009, anos
iniciais, constataram que:
90
Segundo os dados do PNLD 2007, todas as 37 coleções de 1ª a 4ª série
aprovadas contemplam a diversidade de gêneros textuais em suas atividades
de escrita. Todavia, nem sempre o trabalho com os gêneros textuais está
associado a encaminhamentos que considerem as condições de produção e
circulação. Quatro das coleções analisadas costumam negar ao aluno
indicações a respeito do destinatário do texto. [...] Em cinco obras didáticas,
pouco se diz quanto ao contexto social em que o texto poderia circular [...]
de forma a caracterizar uma situação efetiva de interlocução. Seis da coleção
não apontaram rotineiramente os objetivos do ato de escrita. [...] Por fim,
sete das coleções avaliadas, não é sempre indicado o suporte em que o texto
será apresentado ao leitor – nem mesmo os suportes próprios da cultura
escolar [...] (p.136)
Bezerra (2005), ao analisar um LDP, observou que favorecer o contato com a
diversidade de textos que circulam socialmente consiste num avanço dos autores de LD.
Entretanto, ainda não se configura em realidade um trabalho mais sistemático com os gêneros
em seus usos sociais e sua distinção de tipo textual.
Com o exposto, observamos mudanças nos LDLP no que se refere à natureza do
material textual, principalmente, à inserção de vários gêneros discursivos nos mesmos. No
entanto, as atividades voltadas para os gêneros ainda precisam ser mais bem investigadas, de
forma a observar se favorecem ou não o desenvolvimento das capacidades linguísticas e
discursivas dos alunos.
Em um estudo acerca do perfil dos livros avaliados no PNLD 2004, as pesquisadoras
Val e Castanheiras (2005), a partir dos dados do PNLD 2004, a fim de verificar as
implicações de sua configuração para o ensino de língua materna, discutem os perfis de 41
livros de alfabetização e 42 coleções de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª. Dentre os resultados
encontrados, destacamos aqueles que se referem à seleção do material textual e ao tratamento
com as atividades de leitura e escrita nos LDPs de 1ª a 4ª. Nesse estudo, constatou-se que os
textos inseridos nos livros didáticos pertencem a gêneros e tipos variados, como também
contemplam diversidade de temática ficando entre 80 a 93% a frequência nas obras
analisadas. No entanto, no que se refere ao item fidelidade ao suporte original dos textos, o
índice apresenta menor frequência (52%). Segundo as autoras supracitadas, “o que pode
significar um índice alto de descaracterização de textos extraídos da imprensa ou de suportes
muito específicos, como propagandas e as embalagens comerciais”. (p.167)
No que se refere às atividades de leitura e compreensão de textos, a exploração dos
gêneros textuais se apresenta numa boa frequência em 71% das coleções analisadas. Foi
observado também que as estratégias de leitura (comparação entre informações, ativação de
conhecimentos prévios e produção de inferências) estavam razoavelmente presentes em mais
91
de 80% dos livros. No entanto, as estratégias de generalização, predição e formulação de
hipóteses apresentavam-se em menor frequência, abaixo de 60% e checagem de hipótese com
uma presença ainda menor, 30%.
Já as atividades de produção de textos escritos, a diversidade de gêneros, de tipos
textuais e a indicação do gênero e do tipo de texto atingiram uma alta frequência, sendo
respectivamente 98%, 100% e 95%. A respeito disso, as autoras da pesquisa ressaltam que:
o mais significativo é que a diversidade de gêneros e de tipos parece estar
incorporada às propostas das obras didáticas, tanto nos materiais oferecidos à
leitura quanto nas atividades de produção escrita, porque isso pode ser um
indicio de que a diversidade das manifestações da escrita em circulação na
sociedade está efetivamente presente nas salas de aulas. (p.175)
Todavia, menos da metade das obras se preocupam em orientar os elementos
fundamentais das condições de produção e circulação dos textos nas propostas escritas.
Com os resultados da pesquisa acima expostos, podemos observar mudanças nas
coleções de LDLP, principalmente, no que concerne à diversidade de gêneros e tipos textuais
e sua relação com o trabalho com a leitura e a escrita. Com isso, percebemos a preocupação
dos autores e editores dos livros didáticos de língua portuguesa em empreender reformulações
em suas propostas com base em novas discussões sobre o ensino da língua como processo de
interação, em contextos de usos autênticos, com os diferentes gêneros discursivos, suas
funções interativas e os diversos suportes de materiais.
Entretanto,
os
estudos
apontados
nesse
tópico
mostram
que
propostas
descontextualizadas, fragmentadas e com objetivos imprecisos não oferecem a oportunidade
de refletir mais sistematicamente acerca das características dos gêneros selecionados, como
também não promovem articulações para que os alunos percebam as semelhanças e diferenças
de um gênero em relação a outro.
As avaliações nacionais de LDLP, por sua vez, apontam uma tendência dos autores de
livros didáticos de inserirem em suas coleções uma variedade de gêneros e temas. No entanto,
o desenvolvimento de um estudo sistemático em que se diferencie tipo de gênero e reflita
acerca dos usos reais de cada gênero ainda é incipiente. (cf. Bezerra, 2005, p.42)
Nesse sentido, algumas pesquisas apontam para uma necessidade de reflexões maiores
para o trabalho didático com os gêneros, como no caso da pesquisa realizada por Barros e
Nascimento (2007). Esse estudo tinha com o objetivo de observar o tratamento didático que
os autores dos LDs atribuem a produção textual do gênero crítica em um capítulo de um livro
didático do Ensino Médio, volume dois.
92
Dentre os resultados encontrados, os pesquisadores supracitados observaram que o
Manual do professor do LD se propõe a trabalhar as dimensões dos gêneros de acordo com os
pressupostos teóricos de Bakhtin, no entanto, apesar dessas serem alvos de reflexões nas
atividades do LD, muitas vezes as reflexões são superficiais e não aprofundadas.
Outro aspecto a ser destacado se remete ao favorecimento por parte das atividades da
assimilação das características prototípicas do gênero em foco, entretanto o trabalho
articulado com alguns pontos de análise linguística merece maior reflexão. Constatou-se
também que as propostas de produção do gênero crítica são bem formuladas, mas que
poderiam apresentar sugestões voltadas para um trabalho prévio e coletivo com expansão das
características dos gêneros abordados.
Quim e Martins (2006), analisando a diversidade de gêneros textuais e o ensino de
leitura no livro didático em um livro de 4ª série do ensino fundamental, de forma mais
específica o primeiro capítulo, observaram que o mesmo explora gêneros relevantes e são
propostas algumas atividades de leitura que exploram conhecimentos sobre os gêneros No
entanto, poderia favorecer o contato maior com gêneros do cotidiano dos alunos e que
permitissem explorar a estrutura e funcionamento da linguagem nestes textos. Em relação a
atividade com o gênero biografia, as autoras apontam que, apesar do livro explorar questões
de leitura sobre o gênero, poderia oportunizar um maior contato com outras biografias e
ampliar as atividades que trabalham com características do gênero em questão.
Como podemos observar, a inserção dos gêneros nos livros didáticos nem sempre vem
acompanhada de um trabalho mais sistemático que ressalte as suas características. Alves
(2005), ressalta que:
nos LDP destinados aos terceiros e quartos ciclo do ensino fundamental, a
presença de poemas é uma constante, mas o modo como são utilizados
apresenta problemas sérios. Há problemas relativos à qualidade estética dos
textos, à adequação ao leitor a que se destina e, sobretudo, ao modo de
abordagem. (p.63).
Biasi- Rodrigues (2002), analisando o tratamento dos gêneros em três livros didáticos
destaca que:
o termo gênero e tudo que envolve o reconhecimento de um gênero
textual/discursivo passam a largo nas três coleções analisadas. As atividades
propostas não exploram as condições de produção ou instâncias
comunicativas em que os gêneros são construídos e praticados, seus
propósitos comunicativos e as relações que se estabelecem em função desses
propósitos entre produtor (falante/escritor) e receptor (ouvinte/leitor). (p.57)
93
Ainda sobre esse estudo, a autora supracitada ressalta, em seu artigo, três atividades
que não suscitam reflexões mais sistemáticas sobre os gêneros, e, portanto, apresentaram
lacunas no que se refere ao trabalho com os mesmos numa perspectiva enunciativa da
linguagem e as características sociodiscursivas.
Primeiramente, a pesquisadora cita uma atividade envolvendo uma certidão de
casamento, na qual o livro explora questões referentes às suas características estruturais e
condições de produção. No entanto, na seção de “Produção” é solicitada ao aluno a confecção
de um convite. Assim, segundo Biasi-Rodrigues (2002) “há uma lacuna nessa proposta de
atividade de produção que pode ser preenchida pelo professor, explorando as características
do gênero convite e examinando em vários exemplos os aspectos lingüísticos e formais”.
(p.57). Outro exemplo apontando pela autora remete a duas atividades da outra coleção: a
primeira voltada para uma letra de música, com questões sobre o texto e, em seguida, com a
indicação de uma proposta de produção de uma narração e a segunda com a exploração de um
poema, seguido de uma explanação sobre descrição e com uma proposta de produção de uma
descrição de um prédio ou monumento da cidade. Em ambas, a pesquisadora afirma que “os
autores privilegiam a classificação formal ao solicitar que os alunos produzam uma narração
e uma descrição vistas como gêneros.” (BIASI-RODRIGUES, 2002, p.59)
Por último, a terceira coleção na subseção “Pesquisa e produção de texto” traz uma
proposta de exploração de uma pesquisa centrada numa crônica sobre censura, após é
solicitado aos alunos que os resultados sejam apresentados em forma de debate apresentando
para os mesmos elementos importantes para o debate, por fim, convida os estudantes a
escreverem uma dissertação sobre censura e preconceito explicando a estrutura tradicional da
dissertação. Essa atividade, Biasi-Rodrigues (2002) ressalta que é:
um claro exemplo de que se praticam ainda alguns equívocos sobre o que é
produção de textos autênticos e sobre os seus propósitos comunicativos e
efeitos sócio-comunicativos. E ainda é preciso salientar que o gênero
crônica, utilizado como ponto de partida para as duas atividades, não foi
explorado ou sequer foi comentado! (p.60)
No entanto, podemos encontrar alguns estudos que se remetem a uma reflexão dos
gêneros nos LDs como alvo de reflexões mais sistemáticas como o de Amorim e Silva (2007).
Neste trabalho foi analisado o trabalho didático com quatro gêneros de uma coleção de livro
didático de língua portuguesa das séries iniciais. Nesse, foram observados os procedimentos
didáticos de inserção dos gêneros poema, conto, reportagem e tirinha nos livros didáticos. As
autoras supracitadas observaram que, em relação ao poema, os volumes 1 e 2 evidenciaram
94
uma preocupação em trabalhar como evidenciar os contextualizadores do poema, sua
estrutura e sua funcionalidade e os volumes 3 e 4 fora observado um maior aprofundamento
dos recursos linguísticos usados no gênero, sempre articuladas às propostas de leitura,
interpretação oral e escrita e produção.
Ainda no estudo em questão, em relação ao gênero conto, constatou-se que, apesar do
gênero a ser lido não ser indicado, existe uma preocupação da autora com uma sequência
didática, uma vez que propicia atividades de antecipação à leitura do conto. Nesse sentido, os
alunos são estimulados a desenvolver as capacidades linguístico-discursivas, ao construírem
um significado global de um texto, utilizando as unidades sócio-discursivas próprias de cada
gênero. No entanto, em algumas atividades com o gênero conto não há uma articulação direta
entre a leitura e produção, uma vez que o aluno é convidado a escrever outros gêneros. Com o
gênero reportagem verificou-se que há LDs uma preocupação com o reconhecimento do plano
textual geral dos gêneros, os tipos de discurso e de seqüências mobilizadas. Nesse sentido, a
proposta de trabalho com o gênero reportagem está direcionada aos elementos sóciodiscursivos básicos desse gênero: para quê, para quem, em que esfera e qual o suporte. Já em
relação a tirinha percebeu-se que as atividades são direcionadas para identificação e
apropriação das características sócio-discursivas e estruturais do gênero textual tirinha. Há
constantemente a exploração dos recursos lexicais, frasais e das estruturas gráficas da tirinha
necessárias a formação de um leitor capaz de construir sentidos do texto.
Cafiero e Corrêa (2009), analisando seis coleções aprovadas no PNLD 2008, de 5ª a
8ª séries, a partir do Guia de Livros Didáticos e as fichas avaliativas, observaram , dentre
outros resultados, dois conjuntos de práticas em relação aos textos literários: o primeiro pouco
contribui para formação do leitor e o segundo aborda um perspectiva interessante para o
trabalho com os textos de literatura. Nessa direção, verificaram que as coleções do primeiro
grupo incorporam “um número restrito de textos literários para exploração de atividades de
leitura, priorizando gêneros de outras esferas de circulação [...] Nelas há também um excesso
de textos e muitos constituem recortes das obras de onde foram extraídos” (CAFIERO e
CORRÊA, 2009, p.164). Já as do segundo grupo, alguns fatores contribuem para a formação
do leitor literário, tais como: “seleção de autores que oportunizam ao aluno contato com
leitura de qualidade, [...], apresentação de textos integrais, [...] e exploração das escolhas
linguísticas [...]” (CAFIERO e CORRÊA, 2009, p. 165). Ainda nesse estudo, os autores
supracitados elaboraram um quadro síntese das características das coleções no trato literário,
destacando não só a presença de diversidade de gêneros, mas também o enfoque dado ao
tratamento didático:
95
QUADRO 2: Síntese das características das coleções no trato do texto literário
Fatores que contribuem para formação do
Fatores que contribuem pouco para formação
leitor literário no LD
do leitor literário no LD (ou não contribuem)
Boa seleção de textos e autores.
Número restrito de textos literários – apesar da
Diversidade nos gêneros da literatura.
diversidade de gêneros.
Exploração de textos integrais. (longos)
Excesso de textos fragmentados.
No trabalho com textos literários, exploração das Exploração que privilegia sentidos literais,
escolhas linguísticas, dos efeitos de sentido, do inclusive na abordagem de textos literários.
pacto ficcional.
Textos
literários
Exploração das imagens evocadas por algumas
gramaticais ou ortográficos.
palavras, da relação simbólica, via metáfora ou Exploração
comparação.
usados
limitada
a
para
poucos
exercícios
recursos
expressivos e estéticos usados, em geral, nos
No tratamento de poemas, exploração da poemas.
sonoridade.
Exploração da forma composicional dos textos Tratamento dos gêneros como se fossem formas
(na narração: situação inicial, complicação, fixas, não levando os alunos a perceber o que há
clímax, desfecho), combinada com a exploração de recorrente neles, mas apenas informando
do estilo e da função do gênero.
“quais são as partes do gênero X”.
Estímulo à leitura da obra literária completa.
Análise e discussão do contexto de produção dos
textos.
Instauração do lúdico, do prazer.
Fonte: CAFIERO E CORRÊA, 2009, p. 165
Como vemos, dentre as características que Cafiero e Corrêa apontam, como boas
práticas para formação do leitor literário nas coleções analisadas, as que retomam a
necessidade de não só a explorar os aspectos estruturais dos gêneros literários, mas também
outras dimensões, tais como o estilo e a função do gênero.
Com os estudos discutidos nesse capítulo, de forma geral, podemos observar que
existe uma tendência dos livros didáticos em diversificar o material textual. Entretanto, faz-se
necessário discutir como essa material está sendo aproveitado nas atividades dos LDs e quais
os enfoques estão sendo dados ao trabalho com os mesmo. Segundo Hoffnagel (2002):
se vamos seguir a recomendação dos PCN de possibilitar a compreensão
crítica dos vários gêneros discursivos que o cidadão lida no seu cotidiano,
precisamos ir além de simplesmente apresentar os vários gêneros como
96
exemplos de formas: isto é uma carta, uma entrevista, um artigo de opinião,
etc. (p.192)
Corroboramos com a ideia de que o conhecimento do gênero é uma ferramenta muito
importante para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e discursivas do indivíduo. Os
livros didáticos, por sua vez, podem propor atividades com diferentes gêneros e destinatários
enfocando os aspectos sociodiscursivos.
A abordagem dos gêneros de diferentes esferas sociais que apresentam uma grande
variedade de suportes (revistas, jornais, enciclopédias) e de autorias é uma tentativa de
contemplar as necessidades de múltiplos letramentos exigidos por uma sociedade
contemporânea. Rojo (2003) ressalta que, “muitas vezes, o LD é o único material de leitura
disponível nas casas destes alunos do Ensino Fundamental e, por isso mesmo, é
importantíssimo para o seu processo de letramento que esses textos sejam de qualidade.”
(p.83).
Dessa forma, acreditamos que o livro didático não é o único instrumento do educador
e do aluno, mas é uma ferramenta importante no processo de ensino/aprendizagem de Língua
Portuguesa. O trabalho com a escrita, leitura e oralidade é um dos norteadores da ação
pedagógica e um livro de Língua Portuguesa deve trazer uma proposta voltada para o
desenvolvimento de um sujeito que, ao “produzir um discurso, conhecendo possibilidades que
estão postas culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará,
escolhendo aquele que for apropriado aos seus objetivos e à circunstância enunciativa em
questão.” (BRASIL, 1997, p.65).
No próximo capítulo apresentaremos a metodologia do estudo em questão. Para tal,
tecermos algumas considerações sobre o aporte metodológico adotado, as fases de realização
da pesquisa e os aspectos observados.
97
Capítulo 4
Procedimentos metodológicos
A metodologia empregada neste trabalho foi baseada na análise de conteúdo e
documental (Bardin, 2004), uma vez que a preocupação central foi analisar a Base Curricular
Comum de Pernambuco e a coleção de livros didáticos mais distribuída nas redes de ensino
do referido estado, de forma a refletir sobre como o ensino dos gêneros discursivos está sendo
concebido nesses documentos.
Segundo Bardin (2004), a análise documental é definida como “uma operação ou um
conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma
diferente da original num estado ulterior a sua consulta e referenciação” (p.40).
A análise de conteúdo e documental nos permitiu interpretar os significados nos
documentos oficiais, ultrapassando uma simples compreensão do real para uma
sistematização mais complexa dos dados apresentados, como também proporcionou
instrumentos técnicos que colaboraram para o rigor na produção do conhecimento científico.
Nesse sentido, Bardin (2004) ressalta que:
a “atitude de vigilância crítica exige o rodeio metodológico e o emprego de
técnicas de ruptura e afigura-se tanto mais útil para o especialista das
ciências humanas, quanto mais ele tenha sempre uma impressão de
familiaridade face a face ao seu objeto de análise”(p.24)
Assim, o desejo de rigor e a necessidade de descobrir nos incitou a realizar uma
análise minuciosa de como o ensino dos gêneros discursivos está sendo concebido na Base
Curricular do Estado de PE e no livro mais adotado no conjunto das redes públicas de ensino
do estado. Para realização da análise do objeto de pesquisa, dividimos os procedimentos em
duas fases: a análise da BCC-PE e a análise do livro didático de língua portuguesa. Sendo
que, em ambas as fases, utilizamos os momentos propostos por Bardin (2004). Vale ressaltar
que o percurso metodológico10 escolhido se assemelha ao trajeto utilizado pelo pesquisador
Silva (2008), que analisou o tratamento dados ao ensino da “gramática” ou “análise
lingüística” em documentos oficiais e livros mais solicitados na rede pública de ensino de
Pernambuco através da análise de conteúdo.
10
Conferir os estudos de Silva (2008)
98
Nesse sentido, tanto na análise da Base Curricular Comum quanto na coleção mais
adotada na rede pública de ensino, empregamos os momentos da análise propostos pela autora
supracitada: (1) a pré-análise, cujo objetivo é “tornar operacionais e sistematizar as ideias
iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações
sucessivas, num plano de análise (p.89); (2) a exploração do material, que tem como
finalidade “a administração sistemática das decisões tomadas” (p. 95) e; (3) por último, o
tratamento dos resultados, em que “o analista pode propor inferências e adiantar
interpretações a propósito dos objetivos previstos” [...] (p. 95).
No que se refere à pré-análise, esta teve como finalidade “a escolha dos documentos, a
formulação de hipóteses e a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação
final”. (89). Esta fase nos permitiu observar as manifestações explícitas para uma organização
sistemática dos indicadores. Com isso, observamos, no corpo do documento, fragmentos que
mencionam alguma orientação para organização dos indicadores. Essa organização nos
ajudou a isolar os dados e, posteriormente, confrontá-los em suas semelhanças e/ou diferenças
com o objetivo de montar a categorização.
Posteriormente, fizemos a exploração mais detalhada dos dados identificadas na préanálise. Para tal, inicialmente, isolamos as recorrências das informações, suas características
semelhantes e/ou relacionadas para, em seguida, darmos continuidade ao processo de
classificação e agregação, ou seja, a formulação de categorias. Nesse sentido, utilizamos,
como unidade de registro, „o tema‟ que nos permite, segundo a autora supracitada, “que o
texto seja recortado em idéias, constituintes, em enunciados e proposições portadores de
significações isoláveis”. (p. 99). Dessa forma, conseguimos isolar os fragmentos que
representam unidades de significação para, então, descobrir “os <<núcleos de sentido>> que
compõem a comunicação cuja presença ou frequência de aparição significou alguma coisa
para o objetivo analítico escolhido”. (BARDIN, 2004, p.99). Em seguida, agrupamos as
unidades de sentido para categorização que, segundo Bardin (2004), “tem como primeiro
objetivo [...] fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos”.
(p. 112-113). Tratou-se de organizar os referentes para mapear as observações, fragmentos e
temas que surgem e reaparecem em diferentes situações, enfim, verificar as regularidades e
construir categorias. A partir dos mesmos, aprofundar, ampliar e fazer interligações com o
objetivo de reorganizar as categorias e levantar elementos relevantes acerca do objeto de
pesquisa. Segundo Bardin (2004):
99
os conteúdos encontram-se ligados a outra coisa, ou seja, aos códigos que
contém, suportam e estruturam estas significações primeiras (cf. supra), ou
então, às significações <<segundas>> que estas significações primeiras
escondem e que a análise, contudo, procura extrair: mitos, símbolos e
valores, todos estes sentidos segundos que movem com descrição e
experiência sob o sentido primeiro. (p.129)
Por último, na fase final, a partir das evidências categorizadas, realizamos a
interpretação dos dados cujo objetivo foi “propor inferências e adiantar interpretações a
propósito dos objetivos previstos ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas”.
(p.95). Tratou-se, portanto, de analisar os dados, interpretando-os além do que está explícito.
A autora supracitada destaca que a “análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por
trás das palavras sobre as quais se debruça [...] é uma busca de realidade através das
mensagens”. (BARDIN, 2004, p.38)
4.1. Análise da Base Curricular Comum
Na primeira fase da pesquisa, fizemos uma análise documental da BCC-PE,
observando os seguintes aspectos:
 a concepção de gênero discursivo expressa na BCC-PE;
 os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a
proposta;
 os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos indicados para as
diferentes etapas de escolaridade;
 as orientações relativas à metodologia a ser empregada no trabalho com os gêneros
discursivos na BCC-PE, tanto na modalidade oral, quanto escrita;
 as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos, com foco na escolha dos
livros didáticos de língua portuguesa.
Seguindo as fases propostas por Bardin (2004), observamos alguns aspectos, abaixo
descritos, de forma minuciosa.
100
4.1.1 Concepção de língua, texto e gênero discursivo
Nessa categoria identificamos as referências oriundas da teoria dos gêneros
discursivos a fim de mapear as concepções subjacentes à proposta. Para tal, verificamos as
seções que apresentam os objetivos, as competências e saberes, as referências, os exemplos
dados, enfim, dados que estavam sendo orientados pela abordagem dos gêneros e que
consistiam em princípios norteadores da proposta. Em outros termos, foram mapeadas, em
todas as subdivisões do documento, as informações que tivessem relação com os pressupostos
teóricos sobre língua, texto e gênero; em seguida, essas foram submetidas ao tratamento
inferencial para identificação da concepção de gêneros discursivo.
4.1.2 Análise das orientações para o trabalho com leitura, produção de textos e oralidade
Nessa categoria, mapeamos todas as orientações referentes ao trabalho com leitura,
produção de texto e oralidade com a finalidade de verificar se existem itens que remetem ao
trabalho com os gêneros discursivos. Ou seja, observamos no documento em foco as
orientações metodológicas que se remetiam ao trabalho com os gêneros discursivos nos
diferentes eixos de ensino que, em seguida, foram submetidas a uma interpretação minuciosa.
Assim, conseguimos inferir os significados referentes ao trabalho com os gêneros nos
diferentes eixos de LP, como também suas respectivas orientações para o leitor referentes aos
procedimentos metodológicos.
4.1.3 Análise das orientações específicas para o trabalho com alguns gêneros discursivos
e textos
Já nesse aspecto, observamos na BCC-PE as orientações mais específicas para o
trabalho com alguns gêneros discursivos. Com os dados referentes a essa categoria
conseguimos mapear e interpretar quais os saberes e habilidades suscitados pelas orientações
oferecidas pelo documento, como também suas indicações para as diferentes etapas de
escolaridade. Portanto, a análise inferencial nos permitiu identificar quais orientações
específicas para o trabalho com determinados gêneros o documento em lócus manifesta.
101
4.1.4 As orientações relativas à escolha dos recursos didáticos
Nessa categoria, verificamos se o documento traz algumas contribuições acerca das
orientações referentes à escolha dos recursos didáticos. Primeiramente, mapeamos e
discutimos os critérios norteadores para seleção dos textos para no ensino de língua materna.
Depois, discorremos sobre as orientações dadas para escolha do livro didático na BCC-PE.
4.2. Análise da coleção de livro didático mais distribuída nas escolas públicas de
Pernambuco
Na segunda fase, nos dedicamos a investigar os procedimentos didáticos de inserção
dos gêneros discursivos na coleção de Língua Portuguesa dos anos iniciais mais distribuída
na rede pública de ensino de Pernambuco. Para isso, verificamos, a partir dos dados coletados
pelo pesquisador Silva (2008), que a coleção mais distribuída na rede pública de ensino do
estado supracitado e aprovada no PNLD 2007 foi “Porta Aberta11”, de Isabella P. de M.
Carpaneda e Angiolina D. Bragança.
Após realizada a identificação da coleção, realizamos a análise do manual do
professor, o levantamento dos gêneros discursivos abordado no livro mais adotado e análise
do trabalho didático com os gêneros discursivos.
Nesse sentido, primeiramente fizemos uma análise da proposta com o trabalho de
gêneros discursivos expressa no manual do professor, observando os seguintes aspectos:

a concepção de gênero subjacente ao manual;

os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a
obra.
Esta análise nos permitiu uma reflexão acerca dos princípios para definir a seleção dos
textos, a seleção dos objetivos, a composição dos tipos de atividades – leitura, produção de
textos, reflexão sobre o gênero e as orientações para professor sobre o trabalho com os
gêneros expressas nos manuais.
No segundo momento, realizamos um levantamento dos gêneros discursivos presentes
nos livros. Para isso, elaboramos uma tabela contendo os gêneros discursivos encontrados no
11
Conferir Silva (2008, p.108).
102
livro didático e suas distribuições nas respectivas unidades e páginas. Isso nos possibilitou
saber:

quais gêneros discursivos estão inseridos nos livros;

os gêneros que são mais intensamente explorados nos livros.
Por último, analisamos a abordagem didática dos gêneros nos livros das coleções cuja
finalidade foi verificar qual tratamento didático a coleção em foco direciona para o trabalho
com os gêneros. Ou seja, observamos, nesta análise, os tipos de atividades do livro que têm
relação com o trabalho com os textos:

se há ênfase em questões que ressaltam ou mobilizam conhecimentos relativos aos
gêneros discursivos ou questões que têm relações com características dos gêneros
discursivos;

se favorecem a reflexão/explicitação sobre as características dos gêneros discursivos;

se há inserção de conceitos e propriedades dos gêneros discursivos;

como o livro organiza a seqüência e as propostas de atividades com os gêneros
discursivos.
Na análise da coleção de LD, buscou-se investigar se os princípios relativos aos
gêneros discursivos que perpassam a coleção de livros didáticos são os mesmos orientados
pela BCC. Tratou-se de uma oportunidade de verificar se os materiais didáticos
disponibilizados aos professores possuíam princípios relativos ao trabalho com os gêneros
discursivos que perpassam a Base Curricular Comum do Estado de Pernambuco. Desse modo,
as reflexões feitas com na análise do LD já incorporaram comparações com os resultados
obtidos por meio da análise da BCC-PE.
103
Capítulo 5
A Base Curricular Comum de Pernambuco
Neste capítulo, teceremos considerações mais gerais sobre a BCC- PE. Sendo assim,
no primeiro tópico apresentaremos informação sobre o processo de elaboração do referido
documento, cuja finalidade é fornecer uma breve contextualização sobre os procedimentos
que orientaram a construção da Base Curricular. Em seguida, debateremos os fundamentos
gerais e estrutura da proposta, a fim de oportunizar reflexões tanto sobre a forma como tal
documento está estruturado, como também a análise dos princípios explícitos que norteiam a
educação neste documento.
5.1. A Base Curricular Comum de Pernambuco: breve contextualização
A Base Curricular Comum de Pernambuco tem como finalidade não só orientar
propostas curriculares de ensino, como também fornecer subsídios para as políticas
avaliativas realizadas no Estado. Em outros termos, a mesma objetiva oferecer elementos que
sejam levados em consideração nos processos avaliativos a nível estadual. Tal aspecto se
relaciona a necessidade de endossar a discussão sobre a oferta de educação de qualidade a
todos, tal como é ressaltado em um documento que fornece informações sobre as ações para
elaboração da BCC-PE:
A necessidade de uma Base Curricular Comum é imperiosa. Como se sabe,
ainda que cerca de 98% das crianças brasileiras tenham vagas asseguradas na
escola a qualidade da educação que lhes é oferecida está muito distante de
corresponder às exigências da sociedade democrática e do conhecimento,
hoje em processo de gestação e consolidação no Brasil e no mundo. A
sociedade brasileira exige uma educação que atenda aos requisitos da
qualidade social. (RECIFE, 2004, p.87)
Sendo assim, para elaboração de uma base comum a todos, foram convocados
representantes de vários órgãos públicos e representantes de conselhos e instituições, tais
como: União de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Secretaria Estadual de
Educação (SE), Conselho Estadual de Educação (CEE), Associação Municipal de
Pernambuco (AMUPE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
104
(PERNAMBUCO, 2008, p. 9) Destacamos, ainda, que o processo de elaboração do
documento foi iniciado em 2004.
A comissão de elaboração do referido documento contou com uma equipe de
coordenação composta por representantes da UNDIME e SEE/PE, professores das redes
públicas e também representantes das instituições acima citadas, além de pareceristas de
instituições federais e estaduais, tais como: UNICSUL/SP, PUC/SP, UFPE, UFMG e
UEL/PR. (PERNAMBUCO, 2008, p.4).
Com o acima, observamos que vários segmentos da sociedade foram convidados a
discutir e elaborar um documento comum orientador da educação pública no estado de
Pernambuco. Essa comissão interestadual, também tinha como objetivos:

Garantir a implementação de estratégias de avaliação e monitoramento
da educação Básica;

Implementar propostas pedagógicas que contemplem as competências
e conteúdos comuns às redes municipais e estadual geradas pelo SAEPE e,
ao mesmo tempo, aquelas que decorrem das especificidades de cada
Município;

Assegurar informações necessárias ao controle social da qualidade da
aprendizagem em Língua Portuguesa e em Matemática nas redes públicas;

Fortalecer os Núcleos de Avaliação propiciando sua participação na
avaliação SAEPE. (RECIFE, 2004, p.90)
Ainda, sobre o processo de elaboração, uma equipe pedagógica composta por
coordenadores, consultores em Avaliação em Língua Portuguesa e Matemática, seria
orientada pelas perspectivas de:
a)
Contemplar as questões postas pela legislação educacional
consubstanciada pela Constituição, na LDB, nos atos de Conselho de
Educação, em especial, nas Diretrizes Nacionais;
b)
Avaliar os descritores do SAEB e os Descritores do SAEPE, visando
os eixos estruturados da Base Curricular Comum;
c)
Elaborar a versão preliminar da Base Curricular Comum a ser
apresentada e discutida com a Comissão Interinstitucional, os Dirigentes
Municipais de educação e os (as) professores (as) das redes municipais e
estadual;
d)
Integrar ao documento – Base Curricular Comum: versão final, as
recomendações indicadas no processo de discussão e negociação dos agentes
públicos envolvidos.(RECIFE, 2004, p.90-91)
Como podemos observar, os pressupostos norteadores do processo de elaboração,
além de ressaltarem a necessidade de pleitear os aspectos legais, também estavam
preocupados com os descritores das avaliações nacionais e estaduais. Quando destaca a
105
necessidade de cooptar as sugestões apontadas durante o processo, está destacando o caráter
público de debate dado aos objetivos de se construir uma base comum às redes públicas de
educação.
No projeto de elaboração, a equipe pedagógica também era responsável por alguns
procedimentos expressos nas atividades, tais como:
a)
Reunião da comissão de elaboração e da diretoria da UNDIME com
três expositores. Reflexões sobre as questões relacionadas a: ética/cidadania,
ciclo/série, competência, interdisciplinaridade, área/disciplina;
b)
Elaboração da primeira versão do documento introdutório da Base
Curricular Comum às Redes públicas Estadual e Municipais de Pernambuco
– Língua Portuguesa e Matemática, pela equipe de coordenação da
elaboração;
c)
Reunião da comissão de elaboração e da diretoria da UNDIME:
discussão da primeira versão do documento introdutório e reflexões sobre
questões especificas das áreas (em dois grupos: Português e Matemática)
com um expositor para cada área;
d)
Revisão do documento: elaboração da segunda versão do documento
introdutório e da primeira versão dos documentos específicos das áreas de
Língua Portuguesa e Matemática, pela equipe da coordenação da elaboração;
e)
Reunião da comissão de elaboração, da diretoria da UNDIME e
representantes do MEC, para discussão da primeira versão dos documentos
específicos (em dois subgrupos: Português e Matemática);
f)
Revisão dos documentos pela comissão de elaboração. (RECIFE,
2004, p.92)
Dentro da perspectiva de oferta de uma educação de qualidade, reforçada pela
necessidade de nortear as políticas avaliativas do estado de Pernambuco, a elaboração e
análise da BCC-PE foram realizadas através de reuniões e seminários que:
ocorreram ao longo de todo o processo [...] e deles participaram debatedores
convidados [...], membros da SEDUC e da diretoria da UNDIME,
professores da educação básica das redes públicas [...], integrantes dos
movimentos sociais [...] , representantes dos núcleos de avaliação [...],
representantes do Conselho Estadual de Educação e conselhos municipais de
educação [...]. (PERNAMBUCO, 2008, p.12-13)
Os seminários regionais, por sua vez, realizados também com parcerias, tinham como
objetivo:
analisar a versão do Projeto – Base Curricular Comum às Redes Públicas
Estadual e Municipais de Pernambuco, com vistas a sua reformulação, e
validação, avaliar as competências analisadas pelos dirigentes municipais de
educação, apresentar plano de trabalho completo para implementação da
Base Curricular Comum. (RECIFE, 2004, p.94)
106
Como podemos observar, dada a natureza da proposta da base curricular comum às
redes públicas de ensino, os procedimentos adotados não poderiam estar destoantes de uma
discussão coletiva. Ou seja, para o atendimento à tessitura do documento, eram necessárias
vozes dos vários segmentos sociais, bem como representantes dos municípios e de várias
instituições.
5.2. Fundamentos gerais e estrutura da proposta
Em relação à organização da BCC-PE, verificamos que, primeiramente, é oferecida ao
leitor uma „apresentação’ geral do documento com informações referentes ao processo de
elaboração, observando a ênfase dada ao princípio democrático de participação, tal como é
ressaltado no seguinte fragmento:
A elaboração da BCC foi resultado de um processo democrático e
participativo sob a responsabilidade de gestores das redes municipais e
estaduais, através da coordenação do projeto e das comissões de
elaboradores, compostas por assessores de universidades e por professores
especialistas das redes públicas de ensino [...] (PERNAMBUCO, 2008, p.9)
Ainda nesse tópico de apresentação, podemos encontrar aspectos referentes aos
objetivos aos quais se propõe o referido documento, dentre os quais o que destaca que: “[...] A
BCC cumpre o objetivo de contribuir e orientar os sistemas de ensino, na formação e atuação
de professores da Educação básica [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.10) e um convite ao
público-alvo a não só conhecê-lo, mas também torná-lo alvo de futuras reflexões. (Cf.
PERNAMBUCO, 2008, p.10)
Após a apresentação, é destacada uma seção referente à „introdução’, a qual faz uma
explanação sobre aspectos referentes à necessidade de refletir sobre a possibilidade de
Pernambuco alcançar outros patamares na educação, ou seja, galgar melhorias em sua
qualidade. (cf. PERNAMBUCO, 2008, p.11) Para tal, ainda nesse tópico, são discutidos
elementos concernentes ao caráter de flexibilização perante as possibilidades de futuras
reflexões e modificações a partir das críticas suscitadas, pois “a versão aqui apresentada é um
momento especial desse processo, mas novos encaminhamentos que ampliem seu alcance e
eficácia são indispensáveis” (PERNAMBUCO, 2008, p.11). Em seguida, o documento em
foco destaca que, apesar da BCC se remeter a um amplo público-alvo, tais como, “equipe
gestora e os técnicos de ensino, os integrantes dos conselhos de educação, os professores dos
cursos de licenciatura, os estudiosos da área educacional [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.13), o
107
principal interlocutor é o professor atuante nas redes públicas de ensino. Por fim, na
introdução, são anunciados os tópicos que fundamentam a proposta, bem como seus
princípios e suas orientações para o ensino. Nesse sentido, o documento se estrutura da
seguinte maneira:
(1) Fundamentos e Bases Legais
(2) Eixos Metodológicos: mobilizando saberes
(3) Eixos da organização curricular
(4) Questões do ensino e da aprendizagem
(5) Projeto político pedagógico da escola
(6) Princípios orientadores
(7) Competências e saberes
(8) Os aspectos didáticos
No que concerne à primeira seção, de “Fundamentos e Bases Legais”, observamos
que a proposta, inicialmente, suscita uma reflexão sobre modernidade e sua construção
histórica a partir das ideias do autor Martins (cf. PERNAMBUCO, 2008, p.17). Para tal, insere
reflexões sobre paradigmas no subtópico intitulado 1.1 “Paradigma: solidariedade, vínculo
social e cidadania”. Observamos que, para a defesa do princípio norteador paradigma da
solidariedade e suas implicações para a educação, o documento apresenta algumas
considerações acerca do paradigma do interesse e da obrigação nas páginas 19 e 20.
Há, no documento, a explicitação de que o paradigma do interesse é edificado sob a
óptica individualista e mercantilista, ou seja, os interesses pessoais se sobressaem em relação
ao coletivo. Trata-se de uma perspectiva utilitarista associada às questões econômicas de
expansão de mercado e ao ideário do bem-estar social através do consumo de bens. As
implicações educacionais, por sua vez, se reduzem ao fator econômico, sendo o aluno, o único
responsável pelo seu sucesso ou fracasso.
Já no paradigma da obrigação, o documento destaca que a ênfase recai sobre o
controle dos fenômenos sociais para manutenção da ordem coletiva. Sendo assim, essa
perspectiva credita ao estado um poder centralizador e organizador do processo de
modernização, o qual é de suma importância “garantir o sistema social como um todo, mesmo
que sacrifique o individuo” (PERNAMBUCO, 2008, p.21). Nesse contexto, a educação assume
o papel de defender o ideário do Estado corroborando com as leis que regulamentam as
condutas da sociedade e, portanto, ajudam na construção de um projeto de modernidade.
108
Dessa forma, a educação se torna um instrumento para a formação de uma sociedade em
constante progresso e baseada num estereótipo de cultura desejável.
Por fim, o documento tece considerações sobre o paradigma da solidariedade,
assumindo tal perspectiva como norte da proposta.
Este paradigma se apresenta como
alternativa a ideias edificadas tão somente a partir de interesses econômicos e individualistas.
Assim, a solidariedade se vincula à superação da exclusão, cabendo ao Estado a obrigação de
articular meios para superá-la. Nesse sentido, as bases da educação estão fixadas na melhoria
da qualidade de vida das pessoas, no compromisso com a dignidade humana, a justiça social,
a ética e a cidadania. Trata-se de estabelecer fundamentos no reconhecimento do outro, suas
diferenças e singularidades, como também pressupõe conhecimentos para o bem comum.
Percebe-se, então, que a primazia de escolha pelo paradigma da solidariedade para
educação emerge da necessidade de construir uma “cidadania democrática e plural [...] , bem
como no respeito à diversidade dos atores sociais envolvidos no processo. (PERNAMBUCO,
2008, p. 23)” Para referendar tal aspecto, a proposta apresenta um subtópico intitulado “1.2
Bases legais da proposta curricular”, citando documentos como a Carta Magna, o Estatuto da
Criança e do Adolescente e a legislação, tais como, Constituição Federal, Constituição do
Estado de Pernambuco e a LDBEN. Nessa perspectiva, a discussão se atém à educação como
direito e dever do Estado, ressaltando que a pessoa, a cidadania e o trabalho são alvos da
escolarização, como também os princípios de liberdade e solidariedade.
Podemos encontrar, ainda, um debate acerca do embasamento legal para a construção
de uma base curricular referenciado nas constituições nacional e estadual, como também nas
Diretrizes Curriculares Nacionais. Já no subtópico “1.3 Diretrizes: identidade, diversidade e
autonomia” o foco volta-se à reflexão sobre a construção da identidade cidadã que, sem
desconsiderar aspectos relacionados as diversidade de cada grupo ou indivíduo, necessita de
conhecimentos para o exercício da cidadania. Trata-se de apresentar ao leitor um dos
argumentos para a constituição de uma base comum para o estado com a proposição de que
conhecimentos mínimos são relevantes para a constituição da identidade. Entretanto, o
documento também ressalta o caráter da flexibilização e autonomia, ou seja, não se trata de
desconsiderar conhecimentos dos diversos grupos, uma vez que as redes municipais e
estaduais devem dialogar com a diversidade e, consequentemente, ampliar ou aprofundar
proposições sobre conhecimentos dos grupos pertencentes à cultura local.
Os princípios de solidariedade, vínculo social e cidadania oferecem subsídios para as
orientações sobre as concepções referentes ao ensino e aprendizagem no tópico “Eixos
Metodológicos: mobilizando saberes”. Nesse sentido, o documento destaca que a escolha
109
pelo desenvolvimento de saberes e competências está articulada ao principio da possibilidade
de intervenção humana, ou seja, na capacidade do indivíduo interferir em sua realidade. É no
conceito de competência, com base no autor Perrenoud (cf. PERNAMBUCO, 2008, p.32), que a
BCC estabelece suas diretrizes em relação ao processo de ensino e aprendizagem. Tal
conceito também representa a superação da mera transmissão de conteúdos e da dicotomia
entre tempo para adquirir saberes e tempo para desenvolver competências (cf.
PERNAMBUCO, 2008, p.33).
Dentro dessa perspectiva, o papel do professor se reformula, pois se configura em um
ser que também vivencia saberes e sabe mobilizá-los nas mais variadas situações. Os alunos,
por sua vez, tornam-se sujeitos questionadores e participativos nos processos de construção de
conhecimento. Segundo o documento, “na perspectiva das competências, não se concede
destaque, portanto, à ótica da transferência de conhecimentos nem à figura do professor como
mero multiplicador de informações.” (PERNAMBUCO, 2008, p. 34). Com isso, verificamos
que a proposta ressalta a necessidade de mudanças nas concepções de ensino-aprendizagem
contrárias às perspectivas que privilegiavam um ensino pautado na valorização excessiva de
conteúdos e na recepção passiva dos mesmos. Ou seja, destaca para o leitor a necessidade do
processo de ensino-aprendizagem não se configurar numa atividade mecânica de repetição e vazia
de significações, tanto para o professor como para o aluno.
Cabe, ainda, salientar que, a partir dos resultados das avaliações institucionais, o
documento indica as competências que necessitam ser alvo da escola, tais como: análise,
reflexão, crítica e autocrítica, argumentação consistente, discernimento fundamentado,
apreciação dos valores éticos, afetivos e estéticos, compreensão e expressão dos sentidos
culturais, científicos e tecnológicos em circulação nos grupos sociais (Cf. PERNAMBUCO,
2008, p.35). Como os usos das diferentes linguagens estão presentes em todas as áreas, é de
extrema relevância que competências em análise, leitura e produção das múltiplas linguagens
sejam também priorizadas na escola. (Cf. PERNAMBUCO, 2008, p.36).
Nesse sentido, um ensino com base em competências incita reformulações nos
objetivos da escola que passa, agora, a ter uma visão mais ampla de formação e de
oferecimento de práticas contextualizadas que permitam aos alunos lançar mão dos mais
variados recursos para enfrentar uma determinada situação.
Com novos objetivos, os saberes a serem contemplados no currículo devem
possibilitar “o enfrentamento dos diversos desafios imediatos e mediatos e o pleno
desenvolvimento da pessoa e da sociedade” (PERNAMBUCO, 2008, p.37). As práticas
pedagógicas, por sua vez, se redimensionam distantes da postura transmissora, passiva,
110
acrítica e desvinculada da realidade, quando o documento enfatiza que “uma pedagogia
voltada para a ampliação de saberes e competências ultrapassa a prática tradicional de
simplesmente dar aula, quase sempre reduzida a momentos de mera explicação oral dos
conteúdos” (PERNAMBUCO, 2008, p. 37-38). Com isso, verificamos que o trabalho a partir
das competências preconiza também a superação da concepção tradicional de ensino.
Outro princípio da BCC-PE em relação ao ensino por competências se remete à
relevância de discutir a perspectiva da interdisciplinaridade, a qual visa minimizar a
fragmentação do conhecimento. Segundo o documento, a implementação de tal perspectiva na
escola encontra obstáculos, uma vez que requer modificações em todo sistema educacional e
sua organização. Assume ainda que a temática é de extrema relevância para a formação inicial
e continuada dos professores, sendo que essas “exercem inegável papel na moldagem das
concepções desses educadores”. (PERNAMBUCO, 2008, p.40) Como podemos verificar, o
documento, embora reconheça as limitações da implementação da interdisciplinaridade,
indica a necessidade de inseri-la nas práticas da escola. Entretanto, acreditamos que não se
trata de “moldagem” das concepções dos professores acerca do tema, mas sim da reflexão de
como tal abordagem pode auxiliar na construção do conhecimento dos alunos.
Observamos, ainda, que a proposta orienta que “a perspectiva interdisciplinar
adequada nutre-se do aprofundamento nas várias áreas do saber, desde que esses saberes
sejam articulados de forma mais diversificada e consistente possível” (PERNAMBUCO, 2008,
p.40). Ou seja, trabalhar com prática interdisciplinar não significa desconsiderar as
especificidades de cada área de conhecimento, mas sim integrar diferentes saberes e
aprofundá-los em suas peculiaridades.
Outro elemento discutido nesse tópico é a preocupação de inserir o principio de
contextualização como instrumento relevante para que os alunos construam seus
conhecimentos a partir de relações mais amplas. Segundo a proposta, “são os diferentes
movimentos de contextualização e descontextualização que irão possibilitar ao aluno a
construção significativa dos conhecimentos, permitindo que ele identifique e se identifique
com as situações que lhe são apresentadas [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p. 42). A inserção da
contextualização no processo de ensino e aprendizagem não significa dar exemplos acerca do
conteúdo abordado, mas sim incitar a mobilização de um leque de saberes que o aluno já
possui através da proposição de uma situação desafiadora.
Em relação ao item que se refere à seção “Eixos da organização curricular”,
verificamos que os aspectos ressaltados recaem sobre a natureza de flexibilização, na
organização da educação escolar e na concepção de avaliação norteadora da proposta. Em
111
relação ao princípio de flexibilização, o documento destaca que “não pode, portanto, afastarse desse ideal de flexibilidade, para que se possa preservar o “rosto” de cada comunidade, de
cada região, ao mesmo tempo em que se garanta, por outro lado, os mais amplos e legítimos
objetivos da educação nacional” (PERNAMBUCO, 2008, p.47). Trata-se de afirmar que, ao
mesmo tempo em que a base representa a possibilidade de ofertar conhecimentos comuns para
o desenvolvimento do cidadão consciente dos seus direitos e capaz de intervir socialmente,
não se pode deixar de considerar as singularidades dos grupos sociais e valorização de suas
tradições. Em outros termos, postula a orientação de que a escola tem autonomia para dialogar
com outras culturas sem qualquer distinção ou exclusão na busca por uma educação de
qualidade.
Para apresentar a concepção de avaliação, a proposta ressalta que o processo avaliativo
envolve uma cadeia de representações, concepções e emissão de juízo de valor que estão
intrinsecamente articulados ao caráter dinâmico e processual da prática avaliativa. Em
seguida, faz uma retrospectiva da tradição de uma avaliação baseada na perspectiva somativa
e pautada num momento regulador do processo de construção do conhecimento, pois se trata
de uma classificação de desempenhos que, através de provas e testes, visa a um produto
quantitativo e numérico. Por fim, aborda a concepção de avaliação norteadora da proposta, a
qual é pautada no caráter formativo. Seguindo essa perspectiva, a avaliação admite um
significado orientador e cooperativo que visa à melhoria da qualidade do ensino e a
construção do conhecimento, conferindo ao educando um papel ativo e dinâmico. Portanto, a
avaliação, “além de estar a serviço das aprendizagens, deve ainda permitir a adaptação e o
redimensionamento do processo de formação empreendido pelo docente, levando o máximo
de alunos à aprendizagem” (PERNAMBUCO, 2008, p.55). Como podemos observar, o
documento atribui à avaliação o caráter integrador do processo de ensino-aprendizagem e a
prática de identificar os conhecimentos construídos e as dificuldades de uma forma dialógica.
No que se refere ao item “Questão do ensino e da aprendizagem”, verificamos que a
proposta faz uma breve discussão sobre as três grandes correntes que nortearam
historicamente o processo de ensino e aprendizagem, assumindo a terceira perspectiva, a qual
é embasada nos pressupostos sociointeracionistas de Vygotsky. Tal concepção orienta a
aprendizagem dos conceitos, a qual partiria de uma situação-problema para definição,
generalização e sistematização ao longo do processo. Verificamos, ainda, a ressalva para que
esses conceitos sejam “retomados posteriormente, em níveis mais complexos, de forma a
relacionar o que já sabia com o que veio a aprender em um novo contexto” (PERNAMBUCO,
2008, p.59). Trata-se, portanto, de destacar que os conhecimentos não devem ser abordados de
112
forma linear durante os anos de escolaridade, mas sim com níveis de complexidade
diferenciados a cada ano.
Em seguida, o documento discute as diferenças entre contrato pedagógico e didático.
O primeiro se constitui nas especificidades da sala de aula entre professor e aluno onde é
definido um conjunto de parâmetros que orientará as ações para promover a aprendizagem,
como, por exemplo, programa da área, cronograma de atividades, metodologias, formas de
avaliação, dentre outros. A violação das regras desse tipo de contrato acarreta transformações
e conflitos nas relações professor e alunos. Já o segundo, contrato didático, se remete
diretamente ao conhecimento e às expectativas envoltas no processo de ensino-aprendizagem.
Segundo a proposta, “ele representa o “motor” para aprendizagem de um determinado
conceito, é firmado com base em “cláusulas” cultural e cognitivamente construídas “
(PERNAMBUCO, 2008, p. 59). Nesse tipo de contrato, diferentemente do contrato pedagógico,
o rompimento suscita entraves na aprendizagem.
Podemos encontrar também um destaque ao lugar da transposição didática no processo
de ensino-aprendizagem. Para isso, o documento apresenta ao leitor a diferença entre a
transposição didática interna e externa. Segundo a proposta, a primeira se refere às
“transformações, inclusões e exclusões sofridas pelos objetos de conhecimento, desde o
momento de sua produção, até o momento em que eles chegam à porta da escola” (p.60).
Trata-se, portanto, de ressaltar os momentos de transformação que os saberes sofrem desde
sua elaboração, no âmbito acadêmico, até se configurarem em saberes a ensinar, ou seja,
destaca que o processo de alterações, eliminações, ampliações e reformulações didáticas que
os objetos de conhecimento podem sofrer, geralmente, são materializados no currículo formal
e/ou dos livros didáticos. Já a segunda, a interna, se remete “ao momento em que cada
professor vai transformar esses conhecimentos que lhes foram designados para serem
ensinados em objetos de conhecimento efetivamente ensinado” (PERNAMBUCO, 2008, p. 61).
Assim, no movimento entre o saber e o aluno, o professor também produz seu texto de saber
no bojo da sala de aula. Todavia, não verificamos na proposta um maior esclarecimento sobre
o que é transposição didática e suas implicações, ou seja, as discussões suscitadas nas páginas
60 e 61 já pressupõem que o leitor tenha conhecimento prévio sobre o referido conceito.
Posteriormente, observamos um espaço reservado ao papel do livro didático no
processo de ensino-aprendizagem. Primeiramente, ressalta que muitos dos livros destinados à
escola pública seguem os mesmos princípios teórico-metodológicos e de ensinoaprendizagem propostos pelo documento. Após, destaca que as concepções do(s) autor(s) em
relação ao processo de ensino-aprendizagem dialogam com os professores. Ou seja, o livro,
113
como suporte de conhecimento e métodos de ensino, traz em seu bojo visões sobre o que é
conhecimento, ensino, aprendizagem, avaliação, enfim, abordagens teórico-metodológicas
que incitam os docentes a reverem e/ou construírem suas concepções e suas práticas
pedagógicas.
Em relação ao item “Projeto político-pedagógico da escola: autonomia e
responsabilidade”, é proporcionada ao leitor uma reflexão sobre as dimensões do projeto
político-pedagógico. Nesse sentido, os princípios de responsabilidade, liberdade e autonomia
são defendidos como nortes para a elaboração de um projeto embasado no paradigma da
solidariedade. Verificamos também que o documento ressalta que, do ponto de vista do
conteúdo, a definição dos objetivos deve estar articulada com as questões mais amplas da
escola, sendo os mesmos “de especial importância” (p. 65) Por fim, reitera-se a afirmação de
que a seleção e organização dos saberes são de extrema relevância na dinâmica existente entre
contexto social e currículo.
Os elementos das três últimas seções do documento serão alvo de reflexões mais
sistemáticas por abordarem aspectos diretamente relacionados ao ensino de língua portuguesa.
Em outros termos, discutiremos, de forma mais específica, os dados referentes aos itens:
“Princípios orientadores”, no qual são oferecidos ao leitor os subsídios para o ensino de
língua; “Competências e saberes”, que discute elementos referentes ao processo de
desenvolvimento das competências e apresenta as competências para os eixos da língua
materna - oralidade, leitura, escrita e análise linguística; e, por último, “Os aspectos
didáticos”, que destaca o papel de recursos didáticos como o texto e o livro no processo de
ensino-aprendizagem, como também o lugar do processo de avaliação em linguagem.
Dado o exposto, podemos constatar que, de forma geral, a BCC-PE aborda questões
referentes aos pressupostos teóricos e metodológicos que respaldam o processo de ensinoaprendizagem. Verificamos também o embasamento pautado no paradigma da solidariedade e
suas implicações na organização curricular, no projeto político pedagógico, nas competências,
enfim, nos diversos aspectos que podem subsidiar os professores e profissionais da área de
educação.
114
Capítulo 6
O que propõe a Base Curricular Comum de Pernambuco para o ensino de
Língua Portuguesa?
Neste capítulo discutiremos os dados referentes à análise da Base Curricular Comum
com a finalidade de refletir acerca de como o ensino dos textos está sendo concebido nas
seções teóricas e metodológicas do referido documento.
No primeiro tópico discorreremos acerca das concepções de linguagem, texto e gênero
presentes no documento. Para tal, apresentaremos os pressupostos encontrados no documento
que orientam a defesa por um ensino de língua materna pautado na perspectiva de língua
como prática social. Observaremos também os princípios que caracterizam o texto como
resposta a outros textos e como entidade materializada em algum gênero. No que se refere ao
gênero, mapearemos os fragmentos do documento que destacam o gênero como forma
relativamente estável e suas características composicionais e sociodiscursivas.
Em seguida, o foco do debate recairá sobre os princípios didáticos relativos ao ensino
de gêneros discursivos que perpassam a proposta. Destacaremos, dentre eles, os que se voltam
para trabalho coma língua materna a partir da diversidade de gênero, do texto como unidade
de ensino e com diferentes textos orais e escritos.
Posteriormente, suscitaremos reflexões a partir dos dados referentes aos saberes e
habilidades indicados para as diferentes etapas da escolaridade. Nessas, foram identificados
trechos que se reportavam ao que está sendo proposto para o trabalho com textos, como
também indicações de aspectos metodológicos. Ressaltamos, ainda, que os dados serão
discutidos a partir dos diferentes eixos da língua portuguesa: oralidade, leitura, escrita e
análise linguística.
Por fim, apresentaremos os elementos referentes à escolha dos recursos didáticos. Para
tal, levantaremos questões que concernem a todos os fragmentos que discutem alguma
orientação à seleção dos materiais e suas implicações para o ensino.
115
6.1. Concepções de linguagem, texto e gênero
Ao analisarmos a BCC-PE, buscamos identificar a concepção de língua, texto e gênero
subjacentes à proposta. Para tal, mapeamos os conceitos e princípios defendidos no
documento. Os princípios reincidentes no documento foram:
6.1.1.. Língua como interação verbal
6.1.2. Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica
6.1.3. Texto como entidade concreta materializado em algum gênero
6.1.4. Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado
6.1.5. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas
6.1.1. Língua como interação verbal
Com base na análise da BCC-PE, verificamos alguns conceitos subjacentes à
orientação para o ensino de Língua Portuguesa. Primeiramente, observamos que o documento
fundamenta seus princípios para o trabalho com a linguagem numa perspectiva discursiva.
Nesse sentido, já na seção “Princípios orientadores”, podemos encontrar o subitem “A
língua como interação verbal” que mostra ao público-leitor o embasamento teórico referente à
noção de língua e, consequentemente, algumas implicações para o ensino da linguagem.
Ainda nesse item, observamos que a orientação teórica do documento para o trabalho
de língua portuguesa se embasa no entendimento da linguagem como processo de interação
social, tal como verificamos no fragmento abaixo:
[...] As noções básicas de que a linguagem é uma atividade de interação
social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros
textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades
individuais e sociais de uma comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p.67)
Essa maneira de conceber a linguagem atribui ao ensino da língua um caráter
dialógico, uma vez que a consideração do discurso como prática social, forma de interação
humana e seus fatores de condições e produções tornam-se elementos de extrema relevância
para o estudo da língua. Tal compreensão se aproxima do pressuposto defendido por Bakhtin,
o qual ressalta que:
116
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo
ato psicofisiológico de sua produção mas pelo fenômeno social da interação
verbal, realizada através da enunciação e das enunciações (BAKHTIN,1992,
p.123).
Verificamos a presença do pressuposto acima discutido também nos fragmentos
abaixo:
[...] é esperado que a BCC-PE conceba inteira relevância ao estudo e à
pesquisa de uma língua que seja vista como uma forma de interação social,
pela qual os interlocutores, em “mútua cooperação”, realizam a “interatividade” da troca verbal, numa condição, portanto, marcadamente
dialogal. (PERNAMBUCO, 2008, p.67)
Com o excerto acima, observamos que o documento adota uma noção de língua
associada a um conjunto de práticas sociais e cognitivas e não tão somente restrito ao
funcionamento do sistema linguístico. Essa ideia sobrepuja a compreensão da língua como
sistema centrado no código, uma vez que a mesma assume o diálogo como pressuposto da
interação social. Portanto, de forma reincidente, o fragmento afirma a concepção de
linguagem como inter-ação, uma vez que se constitui como “produto da interação do locutor
e ouvinte” (BAKHTIN, 1992, p.113)
Consequentemente, defende-se, no documento, a existência dos gêneros como
instrumentos da mediação social:
A linguagem é uma atividade de interação social, pela qual os interlocutores
atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os
sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma
comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p.67)
Nessa passagem, observa-se que a proposta, além de reafirmar a necessidade de se
conceber a linguagem produzida dentro da coletividade permitindo aos sujeitos a atuarem
sobre os outros, o mundo e a respeito de si mesmo, também ressalta que os gêneros são
instrumentos pelos quais os usuários da língua agem. Como isso, observamos que o
fragmento acima retoma a compreensão bakhtiniana de que “para falar, utilizamos sempre os
gêneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma
padrão e relativamente estável de estruturação de um todo.” (BAKHTIN, 1992, p.282)
Verificamos, com o acima exposto, que a concepção de linguagem veiculada na
proposta em foco difere das ideias presentes nos currículos de Pernambuco até meados da
117
década de 60. Ou seja, princípios teóricos da BCC-PE referentes ao ensino de língua materna
se propõem a superar um ensino da linguagem pautado na supervalorização das formas
gramaticais que desconsidera o funcionamento da língua a partir de suas condições de
produção e efeitos de sentidos, tal como foi discutido no capítulo 2.4.
Assim, os contextos de produção e circulação dos textos, as diferentes situações de
comunicação, os gêneros, as intenções dos interlocutores e produtores do discurso assumem
pauta de destaque no processo de redefinição de ensino da linguagem. Podemos verificar
essas nuances também a partir dos próprios subtítulos apresentados pelo documento, nos
quais são discutidos os princípios orientadores para o ensino de língua portuguesa da
proposta. São eles:
6.1 A língua como processo de interação (p. 67)
6.2 As condições de realização da interação verbal (p. 69)
6.3 Tipos de conhecimentos mobilizados na interação verbal (p.69)
6.4 O léxico da língua: marcas e funções (p. 71)
Marinho (2001) observou que a estrutura das propostas curriculares oferece indícios
que podem ajudar a interpretar as concepções que estão sendo difundidas. Nesse sentido,
verificamos que os três primeiros subtítulos anunciam ao leitor pressupostos para que o
ensino de língua materna seja edificado numa compreensão interativa da linguagem e o
último, de forma mais específica, ressalta a vinculação entre as palavras disponíveis,
características e funcionalidade. Tal organização nos indica a preocupação em defender que
“a interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”. (BAKHTIN, 1992,
p.123)
Entende-se, ainda nesse contexto, uma concepção de linguagem extremamente
vinculada às diversas práticas socioculturais e, desse modo, a noção de língua assume o
pressuposto de ser variável de acordo com os usos, tal como observamos no fragmento
abaixo:
Língua flexível, ainda, por admitir diferentes modos de interação oral (por
exemplo, a conversa coloquial, o contato telefônico, a entrevista, o
comentário radiofônico, o debate público) ou de interação escrita (por
exemplo, a escrita convencional, o bate-papo eletrônico, o hipertexto), por
conta das inovações tecnológicas em vigor. (PERNAMBUCO, 2008,
p.68)
118
Observamos, no trecho acima, que, tal como postula Bakthin (2000), “o emprego da
língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos
pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana” (p.261). Portanto, a língua
não pode ser vista tão somente por suas propriedades estruturais ou dissociadas de seu
funcionamento na interação verbal, mas sim numa perspectiva de pressupostos ancorados nas
condições de produção do processo de interação.
Diante os fragmentos acima citados, podemos verificar que, subjacentes aos princípios
orientadores para o ensino da linguagem na BCC-PE, estão as perspectivas histórica, social,
dialógica e interativa da língua. Nesse sentido, parece haver no documento a indicação de que
é no movimento de interação social que os sujeitos atribuem efeitos a seus discursos, pautados
no contexto histórico e social, nas condições de produção e nos papéis sociais que na
linguagem se constituem.
Desse modo, apesar das filiações teóricas não serem explicitadas, há indícios de uma
concepção de linguagem pautada nos pressupostos bakhtinianos. Embora verifiquemos que o
ocultamento dos autores é uma característica das propostas curriculares, acreditamos que a
indicação de diálogos teóricos, ao longo da apresentação do documento, poderia ajudar o
público-alvo a compreender os pressupostos que orientam a proposta e, consequentemente, o
ensino de língua materna no estado de Pernambuco. Se, segundo o próprio documento, “o
contingente de professores que exerce o magistério nas redes municipais e estadual de
Pernambuco é o interlocutor principal” (p.13), os currículos poderiam apresentar diálogos
mais intensos entre pressupostos adotados e os referenciais teóricos, de forma a contribuir
para a formação docente, de forma mais específica, à compreensão da língua em uso e
vinculada à necessidade de uma maior articulação com os contextos de produção e as práticas
socioculturais
Outro aspecto a ser ressaltado é que, embora seja reincidente no documento a
afirmação de que a “língua/linguagem é uma atividade de interação social”, ressaltamos que o
documento poderia apresentar uma compreensão mais clara do que seria essa concepção
interacionista da linguagem. A pesquisadora Albuquerque (2002) observou na análise da
proposta curricular de Recife, publicada em 1996, que a concepção interacionista da
linguagem remete a várias dimensões que não são discutidas de forma aprofundada, nem
tampouco são apresentadas com clareza ao público leitor.
Dado o exposto, constatamos que o documento em foco é pautado numa perspectiva
dialógica da linguagem, ou seja, resultado da interação humana dotada de efeitos de sentidos
entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e contexto, tal como é defendido
119
por Bakthin (2000). Portanto, observamos que, no que se refere à concepção de linguagem, o
documento se embasa nos pressupostos bakhtinianos, embora não apresente explicitações
mais diretas ao autor supracitado. Marcuschi (2008) ressalta que, atualmente, os pressupostos
de Bakhtin representam uma espécie de bom senso teórico.
6.1.2 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica
Já no que se refere ao trabalho com os textos, observamos, na proposta em foco, que
existe uma compreensão de que o texto surge como resposta a uma situação específica de
interlocução. Assim, as condições de produção, interlocutores e finalidades são elementos
relevantes a serem considerados na produção dos textos, sejam eles orais ou escritos.
Nesse sentido, encontramos na BCC-PE uma indicativa de que os textos são tecidos
com base nas imagens e pontos de vistas que os interlocutores constroem um do outro, na
representação acerca do momento e espaço de interlocução, enfim, elementos que dão suporte
à adequação, à elaboração e à compreensão dos textos às circunstâncias em questão, como no
caso das competências abaixo:
Adequar-se às condições de produção e de recepção dos diferentes
gêneros textuais orais.
Todo texto realiza-se sob diversas condições culturais. Tais condições
determinam muitas das decisões que devem ser tomadas no decorrer da
interação. Nessa perspectiva, saber adequar-se às condições de interação
significa ser capaz de ajustar o dialeto (regional e social) e o registro (mais
ou menos formal ou informal) à imensa variedade de situações sociais em
que o evento comunicativo se insere. Pode-se, assim, relacionar a variedade
de registros orais com variedade de contextos situacionais de uso da língua.
(1EF, 2EF, EM12) ((PERNAMBUCO, 2008, p.80)
Identificar o objetivo ou os objetivos de um determinado texto.
Os textos respondem aos objetivos dos interlocutores e, desta forma, sempre
respondem a alguma finalidade comunicativa. Existem elementos verbais e
não-verbais que servem como pistas para o reconhecimento de tais
objetivos ou finalidades. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.79)
Ao ler as competências acima citadas, localizadas na seção “7.3 As competências
básicas em produção e compreensão de textos orais” da BCC-PE, entendemos que existe um
princípio de que os textos são respostas às situações específicas, e, portanto, não podem ser
compreendidos fora do contexto situacional no qual são produzidos. Quando o documento
12
1EF corresponde aos anos iniciais do Ensino Fundamental, 2EF aos anos finais do Ensino Fundamental e EM
ao Ensino Médio.
120
destaca que “Todo texto realiza-se sob diversas condições culturais”, observamos a relação
direta entre texto e elementos situacionais, uma vez que são as circunstâncias tecidas no
processo de interlocução que orientam as escolhas verbais ou não-verbais que os sujeitos
fazem realizando as adequações necessárias à tessitura do texto.
Todavia, não observamos, nessa competência, uma discussão sobre a relação entre a
adequação de produção e recepção dos gêneros e a vontade discursiva dos sujeitos. Em outros
termos, a própria escolha de um gênero “é determinada pela especificidade de uma dada
esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido), do
conjunto constituído dos parceiros, etc.” (BAKHTIN, 2000, p.301). Portanto, a habilidade de
saber adequar-se às condições de interação não perpassa apenas pela questão do registro e
dialeto, mas também pelas intenções dos indivíduos. Segundo o postulado bakhtiniano, a
totalidade acabada do enunciado é determinada, dentre outros fatores, pelo querer-dizer do
locutor. Trata-se de destacar o elemento subjetivo do enunciado que, articulado à finalidade,
“forma uma unidade indissolúvel, que ele limita, vincula à situação concreta (única) da
comunicação verbal [...] (BAKHTIN, 2000, p.300). Dessa forma, tal competência poderia
contemplar a dupla relação em que os gêneros orais se constituem: contexto de produção e
intenção.
Já quando a proposta ressalta que “Os textos respondem aos objetivos dos
interlocutores”, constatamos a relação intrínseca entre texto e intencionalidade. Nessa, os
elementos são construídos com base nas representações dos sujeitos envolvidos, suas posições
e, dessa forma, as finalidades estabelecidas na interação têm a participação efetiva das
expectativas, dos valores e quereres dos mesmos. Trata-se, na verdade, de se destacar que os
textos sempre têm algo a dizer, estão interligados às situações nas quais foram produzidos e se
constituem nas relações estabelecidas entre os atores da situação.
Por isso, quando a competência ressalta que os textos respondem aos objetivos dos
interlocutores, perpassa pelos princípios de que o ouvinte também assume uma postura ativa
no processo de interação e que a comunicação discursiva se estabelece pela alternância dos
sujeitos, uma vez que “o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um
discurso adota simultaneamente para com este discurso uma atitude responsiva ativa: ele
concorda ou discorda [...], completa, adapta, apronta-se para executar, etc [...]”. (BAKHTIN,
2000, p.300). Em outros termos, observarmos que um texto, ao mesmo tempo em que se
relaciona com outros, também está à espera de uma resposta, ou seja, o texto, como produto
inacabado, quer respostas e estas, por sua vez, provocam e antecipam outras.
121
No entanto, não verificamos, na explicação da competência, como as formas típicas
composicionais e de gênero também poderiam auxiliam na identificação dos objetivos. Para
Bakthin (2000), a possibilidade de responder também está atrelada às formas típicas de
estruturação do gênero e do acabamento do enunciado. Partindo de tal pressuposto, a
consideração da composição do gênero e suas dimensões oferecem pistas aos alunos
anteciparem a(s) finalidade(s) dos textos. Corroboramos com Bakthin (2000) quando ressalta
que:
Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero, e ao ouvir a fala do
outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhes o
gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo),
a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o inicio,
somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala
evidenciará suas diferenciações. (p.302)
Dentro da compreensão de que os sentidos dos textos são tecidos sempre num
determinado contexto e numa relação de significação dos interlocutores, há, ainda, no
documento em foco, a compreensão de que os textos remetem às vozes dos outros. Em outros
termos, os textos estão imersos numa cadeia constitutiva de discursos já construídos pela
sociedade, como no fragmento abaixo:
Deve-se prever, ainda, que os textos mobilizam, de forma ampla ou restrita,
outros textos já em circulação e, dessa forma, se constituem autênticos
intertextos, do que resulta a compreensão de que nosso discurso se insere
no imenso conjunto de outros discursos já em circulação. (p.70)
Como verificamos acima, a BCC-PE destaca que os textos não são neutros, mas sim
trazem em seu cerne uma teia de discursos já produzida por outros sujeitos em outras
situações sociais. Na compreensão dialógica da linguagem, Bakhtin (2000) destaca que:
Os enunciados não são indiferentes uns aos outros, nem são auto-suficientes;
conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente. São precisamente
esses reflexos recíprocos que lhes determinam o caráter. O enunciado está
repleto de ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado
no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. (p.316)
Nesse contexto, entende-se que o texto é um tecido de muitas vozes, ou seja, traz
significações de construções coletivas e é dotado de discursos que se entrecruzam e se
complementam. Portanto, possui marcas, recursos linguísticos e discursivos oriundos de
vários sujeitos.
122
Parte-se, assim, da compreensão de que o processo de produção dos textos é
constituído num fluxo de comunicação verbal ininterrupto no qual os enunciados são tecidos
num processo contínuo e dotados de vozes de outrem. Nesse sentido, todo enunciado
pressupõe aqueles que o antecederam e os que o sucederão, sendo o mesmo um “elo na cadeia
da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2000, p. 308). Trata-se de ressaltar que, no processo de
interação verbal, a enunciação é fundada numa acepção dialógica, uma vez que “qualquer
enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma
corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao
conhecimento, à política, etc)” (BAKHTIN, 1992, p.122)
Dado o exposto, o texto, tal como foi discutido nessa categoria, se configura numa
conexão de falas de outros sujeitos e está intrinsecamente vinculado ao atendimento aos seus
possíveis interlocutores e finalidades. Entretanto, não observamos maiores discussões sobre o
papel da intencionalidade dos sujeitos na adequação de produção e recepção dos gêneros
orais, como também acerca de quais dimensões dos gêneros poderiam auxiliam na
identificação dos objetivos dos textos.
6.1.3 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero
Ao realizarmos uma leitura minuciosa da BCC-PE, verificamos que, em alguns
fragmentos, parece haver a compreensão de que o conjunto de textos com características
similares se materializa em gêneros diversos. Assim, considerando o processo de interação, os
gêneros são entendidos como artefatos sócio-históricos tecidos para alcançar as finalidades de
uma determinada ação de linguagem, tal como observamos abaixo:
Toda língua se materializa na forma de textos, que se manifestam para além
da palavra ou frase isolada, de onde se pode concluir que, no estudo do
Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita de textos
devam constituir o eixo da prática pedagógica [...].
Os textos se concretizam em diferentes gêneros (poema, aviso, anúncio,
convite, carta, e-mail, provérbio, notícia, fábula, conto, editorial, boletim
meteorológico, instrução de uso, fatura, ficha cadastral, projeto, relatório,
artigo, entre tantos outros), cada um com suas particularidades temáticas,
suas intenções específicas (o texto é pra quê?) e seus modelos de
organização e de sequência (mais rígidos ou mais flexíveis). Atendem a
diversos setores da atividade social e preenchem diferentes funções
interativas, distribuídos, assim como: textos didáticos, literários, de
humor, de crítica social, de análise política, de informação, de divulgação
científica, de advertência, de legislação, de reflexão, de auto-ajuda etc.
Circulam em diferentes suportes de materiais (jornais, revistas, livros,
fitas cassetes, disquetes, CD-ROM, vídeos, faixas, cartazes, outdoors, entre
123
outros), os quais interferem de maneira significativa, nos modos de se
elaborar e se compreender a atividade interativa e implicam, ainda, uma
determinada periodicidade de circulação e de validade. (PERNAMBUCO,
2008, p.69 – grifo nosso)
Primeiramente observamos que, ao destacar que a língua se materializa no texto, a
proposta se remete ao fato de considerar o texto como algo concreto construído no processo
de interação. Em outros termos, o texto se configura como evento interativo, dotado de
materialidade e que leva em consideração elementos, tais como: contexto, significações e
participantes.
Trata-se de considerar o mesmo como uma parte mais visível configurado no uso
interativo da língua. Bakhtin (2000) ressalta que para um texto se tornar um enunciado, dois
elementos são determinantes: um projeto de dizer (a intenção) e a realização desse projeto.
(p.330). Sendo assim, assumindo tais pressupostos, o texto no ensino de língua materna não
poderia se embasar numa perspectiva fragmentada e descontextualiza da língua, mas sim ser
compreendido como unidade de sentido, produzido em situações de interação e com
participação ativa dos sujeitos.
Verificamos também que o documento indica uma compreensão de que os textos se
materializam nos gêneros, como também a articulação dos mesmos com o tema, intenção e
modos de organização. Tal aspecto se aproxima da compreensão de que “cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos de gêneros do discurso.” (BAKHTIN, 2000, p. 279).
Ainda no fragmento acima citado, há indicação que os textos materializados nos
gêneros atendem as diversas finalidades, aos diferentes setores da sociedade e circulam em
distintos suportes. Ou seja, os gêneros operam como uma peça nas diversas situações sociais,
funcionando como mediadores das atividades dos sujeitos.
Destacamos, a seguir, outra competência que destaca o princípio de que os textos se
materializam em diversos gêneros:
Analisar a variedade de gêneros de discursos orais para poder ajustarse a essa variedade.
Os textos ocorrem sob a forma de variados gêneros, conforme os contextos
sociais de uso em que se inserem. Desta forma, é que se pode estabelecer
distinções entre a conversa coloquial, o debate, a exposição de motivos ou
de idéias, a explicação, o elogio, a critica, a advertência, o aviso, o convite,
o recado, a defesa de argumentos, para citar apenas estes poucos exemplares
de gêneros do discurso oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.79
– grifo nosso)
124
Trata-se de considerar que todo texto observável é pertencente a um determinado
gênero, sendo assim, os sujeitos utilizam os mesmos e fazem as escolhas necessárias às
situações de usos. Ou seja, na utilização de um determinado gênero, os sujeitos observam
quem é o interlocutor e seus papéis, os efeitos pretendidos, além de mobilizarem os elementos
linguísticos e discursivos apropriados.
Dessa forma, verificamos que a competência sugere que, nas diferentes situações de
uso da linguagem, os indivíduos utilizam modelos de referência e, a partir das decisões a
serem tomadas, realizam as escolhas necessárias. Em outros termos, dentro de uma gama de
gêneros que circulam socialmente, os sujeitos mobilizam saberes que indicam a capacidade de
eleger o que mais atende às condições de interlocução, realizando as modificações
necessárias. Portanto, há a indicativa de condição da ação do sujeito de linguagem à
manifestação do gênero.
A compreensão de que os gêneros assumem caráter de instrumentos que intermedeiam
as atividades de linguagem num processo de construção histórica, também está presente no
documento, tal como é ressaltado no trecho em seguida:
A linguagem é uma atividade de interação social, pela qual os interlocutores
atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os
sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma
comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p.67- grifo nosso)
Esse aspecto reporta à compreensão de que os gêneros são elementos constitutivos na
interação verbal, tal como afirma Bakhtin (2000):
Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se
tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos
de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria
quase impossível. (p.302)
Como vemos acima, há uma indicação no documento de que o gênero funciona como
articulador das ações verbais dos sujeitos. Trata-se defini-lo como instrumento cultural e
cognitivo de ação social. Schneuwly & Dolz (2004), ao explicar a tese de que o gênero é um
instrumento, destaca:
Os instrumentos encontram-se entre o indivíduo que age e o objeto sobre o
qual a situação na qual ele age: eles determinam seu comportamento, guiamno, afinam e diferenciam sua percepção da situação na qual é levado a agir.
A intervenção do instrumento-objeto socialmente elaborado- nessa estrutura
diferenciada dá a atividade uma certa forma;a transformação do instrumento
125
transforma evidentemente as maneiras de nos comportamos numa situação.
(p.23)
Essa compreensão nos sugere que, no processo de interação, o sujeito mobiliza
diferentes saberes para a escolha adequada e significativa do gênero. Ou seja, na ação de
linguagem, ele se reporta ao repertório de gêneros disponíveis ao seu redor, se apropria e
escolhe aquele necessário à situação de interação.
Diante as discussões apresentadas nesse item, verificamos indicações no documento
do princípio de que o texto se concretiza em formas diferentes, os gêneros, e que possuem
diferenças específicas.
6.1.4. Gênero como forma relativamente estável do enunciado
Como já vimos, na compreensão bakhtiniana, os gêneros são observados a partir de
suas unidades convencionais relacionadas com a natureza histórica, dialógica e discursiva do
enunciado. Isso não significa afirmar que os gêneros são apenas definidos pelos tipos de
sequências textuais. Como os enunciados são produzidos em relação ao outro, a escolha das
sequências, por sua vez, também se construirá num caráter dialógico interligado às
determinações dos gêneros em questão.
Partindo dessa compreensão, os gêneros apresentam, em seus elementos, certos traços
de regularidades comuns, tecidos historicamente nos processos de interação humana, os quais
são reconhecidos na relação falante/ouvinte. Nesse sentido, é “a ideia que temos da forma do
nosso enunciado, isto é, de um gênero preciso do discurso, dirige-nos em nosso processo
discursivo” (BAKHTIN, 2000, p.305)
Na análise da BCC-PE, verificamos que, em algumas seções, o princípio acima
discutido permeia as orientações teóricas ou metodológicas para o ensino de língua
portuguesa, como no caso abaixo:
Reconhecer características próprias do tipo ou do gênero a que
pertence o texto.
Todo texto é a concretização de um tipo e de um determinado gênero
textual (notícia, fábula, aviso, anuncio, propaganda, carta, convite,
requerimento, instrução de uso, resumo, editorial, etc) Não existem textos
fora desse enquadramento. Ou seja, a produção de cada texto é regulada a
partir de modelos – mais ou menos fixos – que as convenções sociais
instituem. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.85)
126
O item acima se refere a uma das competências localizadas na seção “7.4 As
competências básicas em leitura e compreensão de textos” e, como podemos observar, o
documento elege como necessidade o desenvolvimento de habilidades e o reconhecimento das
estruturas relativamente estáveis de alguns gêneros. Com isso, a adoção de que o gênero
possui uma identidade própria não pode ser totalmente livre do ponto de vista do tema e de
sua estrutura composicional, como também não pode ser considerado fechado e restrito, pois
o estilo e as escolhas se configuram em opções do autor. De acordo com Bakhtin (2000):
Os gêneros do discurso são, em comparação com as formas da língua, muito
mais fácies de combinar, mais ágeis, porém, para o individuo falante, não
deixam de ter um valor normativo: eles lhe são dados, não é ele que os cria.
É por isso que o enunciado, em sua singularidade, apesar de sua
individualidade e de sua criatividade, não pode ser considerado como uma
combinação absolutamente livre das formas da língua [...] (p.304)
A partir das considerações do autor supracitado, quando a competência destaca que “a
produção de cada texto é regulada a partir de modelos – mais ou menos fixos – que as
convenções sociais instituem” está se reportando ao caráter relativamente estável do
enunciado, o que ajuda os alunos a considerarem a natureza e a peculiaridade do gênero
relativo à variedade do discurso.
No entanto, ao mesmo tempo em que a competência indica a necessidade de
desenvolver habilidades para o reconhecimento das características próprias do gênero, permite
que também seja feito um trabalho em torno da identificação dos elementos próprios dos tipos
textuais. Em outros termos, não encontramos na indicação da competência especificações de
que os tipos se realizam no gênero que, por sua vez, pode apresentar dois ou mais tipos.
Trata-se de compreender que o gênero e tipo não podem ser vistos de forma
dicotômica, ou seja, as sequências também fazem parte das características do gênero e
precisam ser vistas como objeto de ensino no currículo. Ou seja, quando estudadas e
associadas a algum gênero, são vistas como complementares e fazem parte das dimensões
ensináveis de um gênero. Segundo Machado e Cristovão (2006), as sequências textuais e os
tipos de discursos predominantes e subordinados que caracterizam o gênero também precisam
ser considerados no ensino dos gêneros associados às características da situação de produção,
os conteúdos típicos do gênero e sua construção composicional.
Destacamos também outra competência da seção “7.5 As competências básicas em
produção de textos escritos” que se relaciona aos aspectos de organização interna dos
gêneros:
127
Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação
que caracterizam os diferentes gêneros de texto.
Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata,
atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de
desenvolver-se, de apresentar-se. Organizar-se em blocos, os quais
aparecem numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos
definidas e reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.94)
Com o acima exposto, verificamos que, subjacente ao desenvolvimento da habilidade,
está o princípio de identificação das características composicionais do gênero numa dada
situação e esfera de comunicação. Trata-se de destacar o princípio de que o enunciado é
considerado na unidade concreta da comunicação e que possui formas relativamente estáveis,
tal como postula Bakhtin (2000).
Dentro dessa perspectiva, a gramática também é vista como elemento constitutivo do
estilo, pois as unidades específicas de linguagem também se associam às condições
específicas da situação de interlocução e posições do enunciador. O documento em foco, na
seção “6.5 A gramática da língua: funções e limites”, ressalta o paradoxo da gramática que, ao
mesmo tempo em se vincula as regras de sua própria natureza, também possui um caráter
mutável de acordo com as condições de produção e a natureza interativa da língua:
Essa gramática constitui, portanto, um componente mutável da língua,
sujeito a alterações que as exigências do uso vão ditando, embora,
paradoxalmente, a própria natureza da língua implique um certo grau de
preservação de seus padrões. Ou seja, a gramática, ao lado de um
componente (mais ou menos) fixo, dispõe também de um corpo de
princípios não totalmente autônomos, cuja maior ou menor aceitação
depende em última instância, das condições de cada interação, das
pretensões dos enunciadores, dos gêneros e dos suportes em que essa
interação circula. (PERNAMBUCO, 2008, p.72)
Verificamos que o trecho acima destaca que, ao mesmo tempo em que a gramática é
um componente constitutivo da língua, a mesma não está abstraída dos contextos sociais e de
suas funções interativas. Tal aspecto corrobora com o pensamento de que “o locutor serve-se
da língua para as suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção da
língua está orientada no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as
formas normativas [...] num dado contexto concreto” (BAKHTIN, 1992, p.305)
Dado o exposto, observamos que o documento em foco traz à tona a compreensão de
que os gêneros se constituem como formas relativamente estáveis. Ou seja, os gêneros são
128
produzidos e podem ser considerados relativamente estáveis do ponto de vista temático,
composicional e de estilo, tal como postula a perspectiva bakhtiniana, numa determinada
esfera da comunicação verbal, dadas as condições específicas do enunciado. Entretanto, em
alguns momentos13, é possível verificar que esse princípio não é retomado nas competências
selecionadas para o ensino de língua portuguesa.
6.1.5. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas
Os gêneros, na perspectiva bakhtiniana, são definidos por três principais elementos.
São eles: (1) conteúdo temático (objetos, significações, o assunto de que vai tratar o
enunciado em questão, gerados numa esfera discursiva com suas realidades sócio-culturais),
(2) estilo (seleção lexical, estruturas frasais, gramatical) e (3) construção composicional
(relações, procedimentos, organização, estruturação e acabamento do texto, a estrutura
formal).
Nesse sentido, encontramos, no documento em foco, fragmentos que se remetem aos
elementos acima citados. Primeiramente, destacamos na seção intitulada “6.2 As condições da
realização da interação verbal”, o seguinte fragmento:
[...]. Os textos se concretizam em diferentes gêneros (poema, aviso,
anúncio, convite, carta, e-mail, provérbio, notícia, fábula, conto, editorial,
boletim meteorológico, instrução de uso, fatura, ficha cadastral, projeto,
relatório, artigo, entre tantos outros), cada um com suas
particularidadestemáticas, suas intenções específicas (o texto é pra quê?) e
seus modelos de organização e de sequência (mais rígidos ou mais
flexíveis). Atendem a diversos setores da atividade social e preenchem
diferentes funções interativas, distribuídos, assim como: textos didáticos,
literários, de humor, de crítica social, de análise política, de informação, de
divulgação científica, de advertência, de legislação, de reflexão, de autoajuda etc. Circulam em diferentes suportes de materiais (jornais, revistas,
livros, fitas cassetes, disquetes, CD-ROM, vídeos, faixas, cartazes,
outdoors, entre outros), os quais interferem de maneira significativa, nos
modos de se elaborar e se compreender a atividade interativa e implicam,
ainda, uma determinada periodicidade de circulação e de validade.
(PERNAMBUCO, 2008, p.69 – grifo nosso)
Observamos, com o exposto, a menção aos elementos constitutivos dos gêneros.
Primeiramente, quando destaca que cada gênero possui “particularidades temáticas” , se
remete aos temas constitutivos do enunciado a ser produzido, associado a diversas esferas da
atividade humana, tal como também é ressaltado acima: “a diversos setores da atividade
13
Essa discussão será retomada numa categoria específica.
129
social e preenchem diferentes funções interativas.” Em seguida, verificamos o enfoque dado
aos “modelos de organização” dos gêneros, o que remete a um dos elementos da construção
composicional e a um dos elementos referentes ao estilo e a organização das sequências que
podem estar associadas a características peculiares do autor ou do gênero a ser utilizado, por
isso no documento é ressaltado o aspecto dos modelos de organização e de sequência sererm
mais rígidos ou mais flexíveis”.
Como verificamos acima, os aspectos ressaltados no fragmento acima se aproximam
da compreensão de que “uma dada função [...] e dadas condições, especificas para cada uma
das esferas da comunicação verbal, geram um dado gênero, ou seja, um dado tipo de
enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico.”
(BAKHTIN, 2000, p.284)
Também podemos encontrar, nas seções destinadas ao desenvolvimento das
competências, alguns dos elementos constitutivos dos gêneros sendo ressaltados:
Usar as convenções gráficas da apresentação dos diferentes gêneros de
texto.
Os diferentes gêneros textuais distinguem também por diferentes formas e
recursos de apresentação, tais como margem, distribuição no espaço do
suporte textual, segmentação em parágrafos, etc. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 96 – grifo nosso)
Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação
que caracterizam os diferentes gêneros de texto.
Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata,
atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de
desenvolver-se, de apresentar-se. Organizar-se em blocos, os quais aparecem
numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos definidas e
reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p 94 – grifo nosso)
Reconhecer características próprias do tipo ou do gênero a que pertence
o texto.
Todo texto é a concretização de um tipo e de um determinado gênero textual
(notícia, fábula, aviso, anuncio, propaganda, carta, convite, requerimento,
instrução de uso, resumo, editorial, etc) Não existem textos fora desse
enquadramento. Ou seja, a produção de cada texto é regulada a partir de
modelos – mais ou menos fixos – que as convenções sociais instituem. (1EF,
2EF, EM) (p.85) (PERNAMBUCO, 2008, p. 85 – grifo nosso)
Como podemos observar nas competências acima listadas, o enfoque dado ao trabalho
com os gêneros remete mais a construção composicional ou a formas de organização textual
ou a escolha de recursos linguísticos do que ao conteúdo ou seleção dos temas de acordo com
as esferas sociais. Não queremos com isso afirmar que esses elementos são vistos de forma
130
dissociada, mas sim ressaltar que o tema também assume especificidades na relação dinâmica
entre os sujeitos da linguagem e o gênero em foco.
Como a ênfase recai na forma composicional do gênero, tal compreensão se afasta do
postulado de que “três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional)
fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela
especificidade de uma esfera de comunicação.” (BAKHTIN, 2000, p.284)
Ressaltamos, ainda, que não observamos, nas seções das competências voltadas para
os eixos de língua portuguesa, leitura e compreensão de textos, produção de textos escritos,
produção e compreensão de textos orais e análise linguística, aspectos direcionados ao
trabalho com os gêneros considerando as condições de produção e circulação dos mesmos.
Em outros termos, no documento em foco, não são discutidas, de forma mais aprofundada,
questões referentes aos propósitos e às situações de interlocução mais variadas em que
diversos gêneros circulam. Entretanto, podemos encontrar discussões sobre elementos
sociodiscursivos, quando as competências se relacionam mais diretamente aos textos como
unidades concretas singulares, ou seja, o documento insere mais discussões acerca do texto e
sua relação com os interlocutores, contexto de produção e efeitos de sentido. Tal aspecto será
discutido em outras categorias de análise.
Outro aspecto a ser ressaltado é que, apesar de o documento destacar a relação
existente entre estruturas e padrões inerentes à gramática e o caráter de flexibilidade perante
as situações de usos da língua (p.72), não observamos, na seção intitulada “7.6 As
competências básicas em análise lingüística e em reflexão sobre a língua”, maior
detalhamento de como essa flexibilização da estrutura de padrões poderia estar associadas ao
trabalho com os gêneros. Ou seja, das vinte e cinco competências apresentadas na seção
supracitada, não observamos competências que discutam a relação entre gramática e gênero.
Vejamos, por exemplo, a competência abaixo:
Analisar os padrões de combinação e de distribuição das palavras na
sequência das frases, como constituintes dos textos.
As normas da gramática prevêem padrões de combinação e de distribuição
das palavras na frase, de modo que não de inteira liberdade do usuário dispor
as palavras como bem lhe aprouver. Existem combinações possíveis e existe
uma ordem em que as palavras podem se suceder. (PERNAMBUCO, 2008,
p.102)
Nessa, verificamos que a competência chama a atenção para o caráter padrão de
organização como parte constitutiva no texto. No entanto, não destina maiores reflexões sobre
131
a associação desses padrões ao caráter de elementos característicos dos gêneros. Em outros
termos, em certas situações sociocomunicativas, os elementos composicionais, temáticos e de
estilo podem dar pistas de como os padrões de combinação e de distribuição das palavras na
frase podem ser organizados.
Trata-se, na verdade, de levar em consideração que os aspectos relativos às condições
de produção, estruturas composicionais e posições dos enunciadores influenciam as formas de
organização de usos da língua. Segundo Bakhtin (2000) ”se a oração está dentro de um
contexto, alcança sua plenitude de sentido unicamente no interior desse contexto, ou seja,
unicamente dentro do todo do enunciado, e será possível responder a esse enunciado completo
cujo elemento significante é a dada oração” (p.306-307)
Dado o exposto, observamos que, na proposta, alguns fragmentos ressaltam dimensões
do gênero, conforme a perspectiva bakhtiniana. Vale ressaltar, ainda, que o estilo como
característica constitutiva do gênero é pouco discutido pela proposta.
6.2 Os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros e texto que perpassam a
proposta
Com o objetivo de investigar quais as orientações para o trabalho com os gêneros e
textos no documento em lócus, discutiremos, neste item, os dados referentes aos princípios
didáticos que estão sendo contemplados no trabalho com os gêneros discursivos e textos.
Sendo assim, agrupamos os resultados nas categorias abaixo:
6.2.1. Diversidade de gênero
6.2.2 Texto como unidade de ensino
6.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos
6.2.1. Diversidade de gênero
Como vimos no capítulo 1, vários teóricos defendem a importância da variedade de
gêneros para o ensino de Língua Portuguesa. Com a leitura do documento em foco,
observamos que tal aspecto é contemplado, uma vez que encontramos fragmentos recorrentes,
tanto na fundamentação teórica do documento, como nas indicações de algumas competências
para o trabalho com os eixos de ensino da língua materna. Nesse sentido, destacamos que,
dentre as dezesseis vezes que a palavra gênero é ressaltada no texto da BCC-PE, em dez
132
situações essa palavra vem associada aos termos „variedade‟, „diferente‟ ou „diversidade‟
distribuídos nas seções “Princípios Orientadores” e “Competências e Saberes.”
Já na parte introdutória da fundamentação teórica, podemos encontrar indicações para
que o trabalho com a linguagem, além de estar articulado com as práticas sociais, também se
vincule ao favorecimento do contato com diversos gêneros, tal como está ressaltado abaixo:
A proposta de Língua Portuguesa da BCC-PE deverá considerar as
modalidades oral e escrita da língua e, nelas, as habilidades de compreensão
e produção. As noções básicas que fundamentam a base curricular estão
apoiadas na compreensão de que a linguagem é uma atividade de interação
social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros
textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades
individuais e sociais de uma comunidade. (PERNAMBUCO, 2008, p. 67grifo nosso)
Como observamos acima, há uma indicação de que os pressupostos que permeiam o
ensino de língua materna devem se pautar numa concepção de linguagem como práxis na qual
o contato dos alunos com uma quantidade de gêneros se faz necessário para o
desenvolvimento de determinadas competências linguísticas e discursivas.
Podemos encontrar, em outras seções, a ideia de oferecer aos alunos contato com uma
gama de gêneros que circulam na sociedade, como no caso abaixo:
No que se refere aos textos orais, vale a pena definir que merece todo
cuidado o interesse da escola por promover o contato dos alunos com
diferentes gêneros orais. Entre esses, vale a pena lembrar: conversas,
planejamento e realizações de atividades em grupo, defesa ou justificativa de
opiniões, apresentação de resultados, saudações, apresentação de propostas,
entrevistas etc. e, em diferentes situações sociais, envolvendo alguns poucos
ou muitos interlocutores, da mesma ou de outras comunidades. Somente
assim se garante a convivência do aluno com a pluralidade de intervenções e
de contextos da comunicação oral pública e, dessa maneira, se ultrapasse a
simples oralidade da conversa informal e privada entre pares do mesmo
grupo. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.1. A seleção e apresentação dos
textos, p.75- grifo nosso)
Nessa perspectiva, o documento aponta a necessidade de possibilitar aos alunos
conhecimento de gêneros variados para o trabalho com a oralidade, como também faz
sugestões de alguns gêneros a serem alvo de trabalho didático. Acredita-se, ainda, que, o
contato com essa diversidade favorecerá aos sujeitos operarem nas mais distintas
circunstâncias de comunicação. Esse aspecto também é enfatizado na seção “7.1 A seleção e
apresentação dos textos”, tal como podemos verificar no fragmento abaixo:
133
Nesta perspectiva, espera-se todo o cuidado para que os textos:
[...]
Mostrem a diversidade de gêneros de textos que circulam nos diferentes
meios sociais, tais como comentários, informações científicas, notícias,
trechos de reportagens, trechos de entrevistas, narrativas, crônicas, fábulas,
histórias em quadrinhos, tiras, charges, poemas, anúncios, avisos, cartas,
convites, declarações,para citar apenas estes. (PERNAMBUCO, 2008, p.76
– grifo nosso)
Tal aspecto se remete à ideia de que é imprescindível o trabalho com os gêneros,
entretanto, a indicativa de um repertório variado de gêneros do currículo não garante o
desenvolvimento das competências discursivas e linguísticas dos alunos, como nos mostra
Biasi (2002). A autora afirma que em função do tratamento em que se dá ao trabalho com os
gêneros nos currículos e livros didáticos, os mesmos podem se tornar alvo de estudos no
ensino de língua materna sem reflexões mais sistemáticas.
Destarte, ressaltar que a inserção da discussão dos gêneros nos currículos é de extrema
relevância, uma vez que se trata de uma forma de articular as práticas sociais aos objetos
escolares, tal como defendem Schneuwly e Dolz (2004). Porém, apenas o contato com uma
gama de gêneros pode não favorecer a inserção dos alunos em determinadas práticas
discursivas da sociedade. Ou seja, os autores destacam a necessidade de haver orientações que
discutam a seleção, sistematização e estudo reflexivo de suas dimensões quanto se propõe um
trabalho a partir dos gêneros.
Em relação aos gêneros citados, verificamos que a proposta em lócus sugere ao leitor
cinquenta e cinco gêneros que poderiam ser trabalhados no ensino de língua portuguesa. São
eles14: anúncio (4), notícia (4), carta (4), convite (3), fábula (3), aviso (3), editorial (3), artigo
(2), convite (2), aviso (2), poema, (2), relatório (2), e-mail (1), provérbio (1), conto (1),
boletim meteorológico (1), instrução de uso (1), fatura (1), projeto (1), ficha cadastral (1),
conversa (2), planejamento (1), realizações de atividades em grupo (1), defesa ou justificativa
de opiniões (1), apresentação de resultados (1), saudações (1), apresentação de propostas (1),
entrevistas (1), debate (1), exposição de motivos ou de ideias (1), explicação (1), elogio (1),
crítica (1), advertência (1), recado (1), defesa de argumentos (1), propaganda (1), bilhete (1),
ata (1), requerimento (1), instrução de uso (1), resumo (1), comentários (1), informações
científicas (1), atestado (1), trechos de entrevistas (1), trechos de reportagens (1), crônicas (1),
história em quadrinhos (1), tira (1), charges (1), narrativa (1), declaração (1).
14
Ressaltamos a frequência nas quais tais gêneros são citados no documento.
134
Primeiramente, observamos que nas indicações existe uma confusão entre gênero e
tipo, como narrativa, por exemplo, ou casos que não são gêneros, tais como, explicação,
exposição de motivos ou ideias, comentários, defesa ou justificativa de opiniões, entre outros.
Verificamos que tais gêneros são citados tanto na fundamentação teórica da proposta
como também no espaço destinado a algumas competências. Como podemos observar, são
diversas esferas de circulação, tais como, burocrática, jornalística, literária, divulgação
cientifica, cotidiano, didático-pedagógica e pertencem a diferentes ordens, como narrar,
expor, descrever ações, argumentar e relatar. Bakhtin (2000) ressalta que:
a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a
variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa
atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai
diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve
e fica mais complexa. (p.279)
Todavia, os gêneros indicados, ao longo da proposta, geralmente cumprem a função de
exemplificar a variedade de gêneros que podem ser trabalhados. Portanto, não verificamos
indicações sobre a necessidade de um trabalho mais sistemático com os gêneros, embora seja
ressaltado em alguns trechos a necessidade de enfocar os aspectos específicos dos gêneros, tal
como vemos no trecho a seguir:
Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação
que caracterizam os diferentes gêneros de texto.
Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata,
atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de
desenvolver-se, de apresentar-se, organizar-se em blocos, os quais aparecem
numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos definidas e
reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, As competências
básicas em produção de textos, p.94 – grifo nosso)
Como observamos acima, a exemplificação está associada ao desenvolvimento de uma
competência voltada para apropriação dos aspectos composicionais dos gêneros. Nesse
contexto, a citação dos mesmos surge como ilustração de quais gêneros poderiam ser
trabalhados no eixo produção textual. No entanto, não observamos no documento a alerta para
a necessidade de um trabalho sistemático com o gênero.
Destacamos outro fragmento no qual são citados gêneros, mas não há discussões sobre
quais dimensões do gênero precisariam ser enfocadas. Vejamos:
135
Analisar a variedade de gêneros de discursos orais para poder ajustarse a essa variedade.
Os textos ocorrem sob a forma de variados gêneros, conforme os contextos
sociais de uso em que se inserem. Desta forma, é que se pode estabelecer
distinções entre a conversa coloquial, o debate, a exposição de motivos ou
de idéias, a explicação, o elogio, a critica, a advertência, o aviso, o convite,
o recado, a defesa de argumentos, para citar apenas estes poucos exemplares
de gêneros do discurso oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.79)
Na indicação acima são sugeridos os gêneros a serem trabalhados para o
desenvolvimento de tal habilidade. Entretanto, de forma reincidente, não são problematizadas
as características dos gêneros a serem trabalhados de forma a oferecer ao aluno suporte para
analisar a variedade de gêneros de discursos orais, sobretudo os mais formais. Para Bakhtin
(2000), as três dimensões do gênero (tema, elementos da estrutura e estilo de linguagem) são
essenciais e indissociáveis.
A competência acima se afasta, em parte, do que é apresentado nos pressupostos
teóricos da proposta. Ou seja, na seção “6.2 As condições de realização da interação verbal” é
discutida a importância de se considerar tanto os textos, quantos os gêneros e suas
características nos usos da língua. Segundo o próprio documento, “os textos se concretizam
em diferentes gêneros [...] cada um com suas particularidades temáticas, suas intenções
especificas [...] e seus modelos de organização e sequência” (p.69). Como verificamos, há
indicação na proposta de que se deve considerar as dimensões do gênero. No entanto, quando
a competência supracitada não ressalta a possibilidade de analisar a diversidade dos gêneros
também pelas particularidades de suas características contradiz o que está sendo proposto no
embasamento teórico, como também se afasta do princípio de que os gêneros e suas
dimensões “devam se constituir pontos centrais”. (PERNAMBUCO, 2008, p.69)
Como podemos observar, o contato com a variedade de gêneros faz parte de um dos
princípios para a seleção do material a ser trabalhado, competências e fundamentação teórica
no documento. Entretanto, não verificamos discussões mais aprofundadas sobre outros
critérios que poderiam ser contemplados, como, por exemplo, a sugestão dos gêneros a serem
trabalhados em cada etapa da escolaridade, a seleção de acordo com os gêneros de diversas
ordens ou os focos que poderiam ser alvo de reflexões mais sistemáticas considerando as
especificidades de cada ano/série.
O documento cita a necessidade de se escolher os textos de acordo com sua
organização interna e tamanho, tal como verificamos abaixo:
136
Na verdade, o que vai funcionar como elemento diferenciador de uma etapa
para outra é o nível de complexidade das situações comunicativas – e dentro
destas, o texto – a partir das quais as atividades são propostas. Nessas
situações, o grau de dificuldade dos textos constitui um diferenciador
importante, seja, ainda, pela organização interna que adotam, ou ainda pela
extensão que tem, conforme sejam textos mais curtos ou textos ou mais
longos. Quer dizer, a natureza do texto, objeto de estudo e análise é que
representa o diferenciador para a exploração pretendida. Não se pode pois
interpretar as indicações das etapas para cada competência, como limite
rígido, uma espécie de marcador que reduz, que leva à fragmentação e a
compartimentalização. Nada impede que se vá além do que está indicado.
Cada contexto pode suscitar alterações. (PERNAMBUCO, 2008, p.74)
No entanto, não verificamos maior aprofundamento sobre a relevância de se discutir
critérios sobre quais gêneros/textos precisariam ser alvo de análise mais minuciosa e com
objetivos mais específicos dependendo do ano/série. Trata-se de levar em consideração a
questão da progressão no que concerne ao ensino dos gêneros na língua materna. Em outros
termos, inserir discussões referentes às especificidades de cada gênero, bem como as
dimensões a serem trabalhadas em cada ano de escolaridade. Nessa perspectiva, os objetivos a
serem atingidos a cada ano/série com o trabalho com os gêneros seriam diferenciados e
estariam articulados ao grau de complexidade exigido por várias situações de comunicação.
Dado e exposto, verificamos que o princípio de oportunizar ao aluno o contato com os
gêneros é citado em alguns trechos do documento, como também a indicação de gêneros de
acordo com os usos sociais mais frequentes. Entretanto, acreditamos ser pertinente discutir
outros critérios que auxiliam na discussão acerca de quais gêneros podem ser alvo de estudos
mais aprofundados de acordo com os princípios da proposta em foco.
6.2.2. Texto como unidade de ensino
O trabalho com os textos no ensino de língua materna passou por transformações ao
longo do tempo. Até meados da década de 70, o trabalho com os textos se pautava nas
questões concernentes às nomenclaturas e regras gramaticais. Com as contribuições da
Linguística Textual, Sociolinguística, Análise do Discurso, Psicolinguística o trabalho com os
textos se modifica, passando a ser visto como unidade fundamental da interação verbal.
Corroborando com essa discussão, a proposta em foco enfatiza a importância do
trabalho com o texto para o desenvolvimento das competências comunicativas dos alunos.
Para tal, disponibiliza ao leitor uma seção intitulada „O lugar do texto no desenvolvimento de
137
competências em linguagem‟ e alguns fragmentos distribuídos ao longo da proposta acerca
dessa temática.
A ênfase dada na relevância do trabalho com os textos é tecida com argumentos na
seção supracitada. Primeiramente, o documento discute acerca da importância de eleger o
texto como unidade de ensino para o desenvolvimento das competências comunicativas.
Sendo assim, esse princípio deve estar presente nas diversas competências da proposta, tal
como é ressaltado:
Estudos e propostas de diversas ordens, que resultam de diferentes fontes
institucionais, reiteram o princípio de que o texto deve constituir o objeto de
exploração de toda competências comunicativas. (PERNAMBUCO , 2008,
Seção 8.1 O lugar do texto no desenvolvimento de competências em
linguagem p.104)
Posteriormente, o documento em lócus utiliza-se de estratégias discursivas para
defender o redimensionamento dado ao trabalho com os textos, ou seja, comenta o fato do
texto, por longos anos, ter sido alvo apenas de reflexões gramaticais sem levar em
consideração a dimensão interacionista e discursiva da língua. Soares (1998) ressalta que a
perspectiva da linguagem como prática social confere um olhar diferenciado ao ensino de
Língua Portuguesa, passando a questionar o foco da gramática no processo de ensino–
aprendizagem. Tal aspecto é ressaltado pelo documento:
Dessa forma, o texto – oral e escrito – é o objeto de estudo, o que significa
dizer que suas regularidades, seus modos de ocorrer, de se concretizar é que
constitui o foco dos saberes a serem explorados. Não se deve recorrer ao
texto simplesmente para apoiar o estudo de uma noção de gramática. O que
deve prevalecer é exatamente o contrário: o estudo da noção gramatical
surge quando se faz necessário para um maior entendimento do texto ou
para conseguir sua adequação às condições sociais da interação.
(PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.1 O lugar do texto no desenvolvimento
de competências em linguagem p.104, 105)
O trabalho com os textos, por sua vez, se articula com as diferentes condições de
produção e das funções pretendidas. Nesse contexto, o texto é visto como processo que leva
em consideração aspectos relacionados à sua circulação, produção e recepção.
Observamos, ainda, que essa discussão é ressaltada em outras seções da proposta de
língua portuguesa, ou seja, o trabalho com a linguagem associado ao texto como unidade
básica para o desenvolvimento de certas habilidades, tal como verificamos abaixo:
138
Toda língua somente se atualiza sob a forma de textos, que se manifestam
para além da palavra ou da frase isoladas, de onde se pode concluir que, no
estudo do Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita
de textos devam constituir o eixo da prática pedagógica, até porque essas
atividades constituem também habilidades fundamentais no estudo de
qualquer domínio do saber. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 6.2 As
condições de realização da interação verbal, p.69)
No trecho acima, verificamos que, para o desenvolvimento das competências oral,
escrita e leitura, o texto é visto como ferramenta fundamental. Assim, não existe espaço para
o trabalho com frases e palavras, uma vez que o foco é o desenvolvimento de habilidades
linguísticas e discursivas dos alunos através da unidade de estudo: o texto.
Como o embasamento teórico da proposta se pauta numa visão de língua como prática
social, podemos encontrar um fragmento que destaca a relevância de romper uma visão
descontextualizada no que se refere ao trabalho com os textos, tal como vemos abaixo:
Essa visão de língua, na perspectiva da atividade verbal, considera ainda, as
condições de produção e de circulação dos textos como constituintes da
interação, o que evidencia, portanto, que o conhecimento do léxico e da
gramática de uma língua não chega a ser suficiente para que alguém atue
verbalmente com sucesso. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 6.3 Tipos de
conhecimentos mobilizados na interação verbal p.70)
Assim, verificamos argumentos que remetem à consideração dos elementos
situacionais dos textos, em que o contexto de produção e recepção constitui-se como elemento
intrínseco às condições de interação verbal em que o texto assume unidade de significação no
processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa. Portanto, não adianta enfocar a
análise da língua e gramática num ensino prescritivo, mas sim redimensionar o trabalho com
os textos levando em consideração suas finalidades e representações nas diversas situações
sociais.
No levantamento das competências da BCC-PE, observamos que, das cento e cinco
competências, quarenta e nove, distribuídas nos eixos da oralidade, leitura, escrita e reflexão
sobre a língua, se relacionam de forma direta ou indireta mais diretamente ao
desenvolvimento de habilidades voltadas paro o texto. Dentre elas, podemos destacar:
Identificar o objetivo ou os objetivos de um determinado texto.
Os textos respondem a objetivos dos interlocutores e, desta forma, sempre
respondem a alguma finalidade comunicativa. Existem elementos verbais e
não-verbais que servem como pistas para o reconhecimento de tais
objetivos ou inalidades. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, Seção
139
7.3 As competências básicas em produção e compreensão de textos orais,
p.79)
Como podemos observar, a competência acima chama atenção aos objetivos pelos
quais os textos são constituídos, ou seja, para o atendimento a uma finalidade comunicativa,
os textos possuem objetivos. Esses, por sua vez, respondem às situações de comunicação
específicas numa relação onde o produtor se preocupa com as expectativas do interlocutor e,
ao mesmo tempo, este espectador também participa do processo de construção de sentido do
texto. Assim, o outro tem um papel relevante no processo dialógico da linguagem.
Podemos citar outras competências que destacam o desenvolvimento de capacidades a
partir do texto:
Identificar a finalidade ou objetivo pretendido para o texto.
Todo texto tem uma finalidade específica, ou seja, é produzido com um
determinado objetivo, tal como: apresentar, definir, ressaltar, comentar ou
refutar uma idéia, defender um ponto de vista, fazer uma advertência,
apresentar uma explicação, revelar dados ou informações acerca de um fato,
descrever, explicar, reformular um princípio, entre muitos outros. (1EF,
2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.4 As competências básicas em
leitura e compreensão de textos, p.86)
Responder ao objetivo específico previsto para o texto.
Cada texto, independentemente da função que cumpre, tem uma finalidade
particular. Pretende-se, assim; fundamentar, defender, ressaltar, refutar,
opinar, persuadir, advertir, divulgar, explicar, ironizar, divertir, emocionar,
por exemplo. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.4 As
competências básicas em produção de textos escritos, p.93)
O foco, portanto, se detém mais na intenção que perpassa os textos nas diversas
situações de interlocução. Nessa perspectiva, a competência em leitura e compreensão de
textos destaca a identificação dos objetivos pretendidos do texto, ou seja, as estratégias e
elementos linguísticos e discursivos utilizados pelo autor indicam pistas que favorecem a
compreensão de qual é a finalidade do texto. Já em relação à competência em produção,
verificamos um destaque para as respostas produzidas através dos textos numa determinada
situação de comunicação. Em outros termos, a finalidade para a qual o texto está sendo
produzido orienta a seleção dos recursos e elementos discursivos e linguísticos a serem
utilizados.
Como podemos observar, nas três competências acima discutidas, o texto surge como
unidade de estudo. Entretanto, não percebemos discussões como as reflexões sobre as
140
dimensões especificas dos gêneros poderiam ser objeto de reflexão para ajudar o
desenvolvimento de tais habilidades.
Partindo da compreensão de que toda situação de interação, inevitavelmente, organizase em algum gênero, suas dimensões podem nos oferecem pistas para identificação de seu
propósito comunicativo, uma vez que “o gênero do discurso não é uma forma da língua, mas
uma forma do enunciado que, como tal, recebe do gênero uma expressividade determinada,
típica, própria do gênero dado.” (BAKHTIN, 2000, p.312). Portanto, quando a competência se
propõe a “identificar a finalidade de texto”, sem fazer referência à relação entre gênero e
texto empírico, não leva em consideração que o gênero se organiza a partir da função social e
intenções do locutor, da representação que faz do tema e seu interlocutor, da posição social
dos sujeitos e o suporte que veicula. Todos esses aspectos poderiam ser considerados para o
desenvolvimento da habilidade de reconhecer as finalidades pretendidas dos textos.
Tal aspecto também é observado quando se propõe o desenvolvimento da habilidade
de “responder ao objetivo especifico previsto para o texto”, sem nenhuma referência à ideia
de que os textos assumem formas relativamente estáveis justamente por adotarem
determinados gêneros adequados a tais finalidades. Ou seja, apesar de assumir, sobretudo, nas
partes iniciais da proposta, a perspectiva bakhtiniana de gêneros, não parte do princípio de
que o desenvolvimento da competência discursiva do aluno referente ao texto tem relação
com sua familiaridade com as práticas de linguagem e, consequentemente, com os gêneros.
Segundo Schneuwly e Dolz (2004), os gêneros podem proporcionar orientações para que os
alunos produzam de acordo com sua função social. Trata-se de considerar que, para responder
aos objetivos previstos, também se faz necessária a compreensão de que o propósito está
intrinsecamente relacionado à situação de interação e à intenção do locutor. Se, por exemplo,
a produção textual se destina à elaboração de um artigo de opinião, as estratégias e elementos
eleitos se articulam ao desenvolvimento de sequências da ordem do argumentar, uma vez que
a tessitura de defesa de determinados pontos de vista se faz presente no gênero citado.
Na perspectiva sociointeracionista, que parece estar subjacente ao documento, o
trabalho com os textos associado aos gêneros discursivos favorece o desenvolvimento das
capacidades linguísticas e discursivas dos aprendizes. Segundo Bakhtin (2000):
É de acordo com nosso domínio dos gêneros que usamos com desembaraço,
que descobrimos mais depressa e melhor nossa individualidade neles [...],
que refletimos, com maior agilidade, a situação irreproduzível da
comunicação verbal, que realizamos, com máximo de perfeição, o intuito
discursivo que livremente concebemos. (p.304)
141
A apresentação das competências acima citadas desarticuladas com a discussão sobre
os gêneros vão de encontro ao que é proposto pelo documento no que se refere ao princípio de
que todo texto se materializa em algum gênero. Em outros termos, quando encontramos no
embasamento teórico, do documento em lócus, fragmentos que ressaltam que “todo texto se
concretiza em diferentes gêneros” (PERNAMBUCO, 2008, p.69) ou que “a linguagem é uma
atividade de interação social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes
gêneros [...]” (PERNAMBUCO, 2008, p.67) estão incoerentes com as competências acima
discutidas, as quais não se articulam à compreensão dos gêneros.
Na competência em análise linguística abaixo, por exemplo, a ampliação dessa
discussão também poderia ser pertinente. Vejamos a competência abaixo:
Analisar os padrões de combinação e de distribuição das palavras na
sequência das frases, como constituintes dos textos.
As normas da gramática prevêem padrões de combinação das palavras nas
frases, de modo que não é de inteira liberdade do usuário dispor as palavras
como bem lhe aprouver. Existem combinações possíveis e existe uma
ordem em que as palavras devem se suceder. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, Seção 7.4 As competências básicas em análise
lingüística e em reflexão sobre a língua, p.101 e 102)
Como observamos acima, o debate para o desenvolvimento das habilidades de
distribuição das palavras e frases nos textos também poderia ser alargado com um trabalho a
partir dos gêneros. Ou seja, a estrutura composicional dos mesmos ajuda a organização dos
padrões de combinação e das distribuições das frases. Trata-se de levar em consideração as
estruturas relativamente estáveis por meio das quais se constituem os gêneros. Segundo
Bakhtin (2000):
Quando escolhemos uma palavra, durante o processo de elaboração de um
enunciado, nem sempre a tiramos, pelo contrário, do sistema da língua, da
neutralidade lexicográfica. Costumamos tirá-la de outros enunciados, e,
acima de tudo, de enunciados que são apresentados ao nosso pelo gênero,
isto é, pelo tema, composição e estilo: selecionamos as palavras segundo as
especificidades de um gênero. (p.312)
De forma geral, verificamos que as competências acima citadas suscitam a
necessidade de desenvolver habilidades a partir do trabalho com os textos. Entretanto,
destacamos a relevância de se discutir como esse princípio poderia ser atrelado mais ao
trabalho com os gêneros como objeto de ensino, tal como foi citado em alguns momentos da
fundamentação teórica da proposta.
142
6.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos
No ensino de língua materna é de suma relevância a realização de um trabalho voltado
para a modalidades escrita e oral. No que se refere à oralidade, ainda vigora uma visão
distorcida e equivocada a respeito dessa modalidade, a qual, muitas vezes, é vista como uma
habilidade inerente ao ser humano e, portanto, dispensável de qualquer trabalho mais
sistemático. Marcuschi (2004) destaca que:
a oralidade e a escrita são práticas e usos da língua com características
próprias, mas não suficientemente opostos para caracterizar dois sistemas
linguísticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos
coesos e coerentes ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e
exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e
assim por diante. (p.17)
Observamos que a BCC-PE elege, como estudo básico, os textos orais e escritos que
circulam socialmente:
[...] o estudo e a pesquisa em torno da Língua Portuguesa terão como
objetivo mais amplo e desenvolvimento e a ampliação das competências
relacionadas às atividades do uso oral e escrito da língua, em situações reais
da interação social. O foco e apoio desse trabalho no âmbito de seu aparato
teórico-metodológico é o texto oral e escrito, na sua produção e recepção.
Daí as competências e os saberes pretendidos implicam a concentração no
texto, dessa forma, centro para onde tudo vai convergir. (PERNAMBUCO,
2008, Seção 7.1 O processo de desenvolvimento das competências p.73)
No trecho acima, o enfoque dado remete à utilização do texto oral e escrito como
unidade básica para o trabalho com a língua. Nesse sentido, o próprio documento explicita
que “esta língua se expressa na modalidade oral e na modalidade escrita, respeitadas as
propriedades e convenções das condições de produção e de circulação de cada uma dessas
modalidades de uso da linguagem verbal”. (PERNAMBUCO, 2008, 6.1 As condições de
realização da interação verbal, p.68)
Partindo de uma perspectiva de usos da língua, a introdução dos textos orais e escritos,
na proposta, é vista como fundamental para a utilização da linguagem, tal como verificamos
no excerto abaixo:
Como já foi visto, nenhuma manifestação de linguagem dispensa o texto,
que, ao lado de outros componentes, compõe o universo da interação. Dessa
forma, o texto – oral e escrito – é o objeto de estudo, o que significa dizer
143
que suas regularidades, seus modos de ocorrer, de se concretizar é que
constitui o foco dos saberes a serem explorados. (PERNAMBUCO, 2008,
Seção 8.1 O lugar do texto no desenvolvimento das competências em
linguagem, p.104)
A partir desse fragmento, constatamos que a proposta atribui um papel relevante ao
trabalho com os textos orais e escritos, visto que as manifestações da língua não podem ser
consideradas fora dessa perspectiva.
Todavia, eleger os textos orais e escritos como objeto de ensino não significa afirmar
que os mesmos serão alvo de reflexões mais sistemáticas. É possível conceber, como parece
estar subjacente à proposta, um ensino por imersão, ou seja, um ensino cuja ênfase seja a de
promover muitas atividades de ler e produzir, com pouca atenção às situações de análise de
textos, quanto à forma composicional, estilo ou mesmo sobre os contextos de produção.
O documento se preocupa em destacar o ensino a partir dos textos para romper com a
perspectiva de utilizar o texto apenas para um estudo gramatical, tal como vemos abaixo:
Não se deve recorrer ao texto simplesmente para apoiar o estudo de uma
noção de gramática. O que deve prevalecer é exatamente o contrário: o
estudo da noção gramatical surge quando se faz necessário para um maior
entendimento do texto ou para conseguir sua adequação às condições sociais
de interação. (PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.1 O lugar do texto no
desenvolvimento das competências em linguagem, p.105)
Como observamos, o alvo de reflexão sobre o papel do texto no ensino de língua
portuguesa perpassa pela compreensão de que o mesmo não pode ser alvo de um trabalho
fundamentado em concepções de cunho estruturalista, o que consideramos relevante.
No entanto, ressaltamos, ao eleger os textos orais e escritos como objeto de ensino, a
necessidade de uma reflexão acerca de como tal material se configura como suporte relevante
para o desenvolvimento das competências discursivas e cognitiva dos aprendizes. Em outros
termos, o ensino da língua pode ocorrer só pelo contato com os textos ou o trabalho pode
ocorrer também em situações que possibilitam categorizações e teorizações. Guimarães
(1998) ressalta “a visão do texto na sua dupla natureza de atividade e objeto – atividade
comunicativa e atividade cognitiva – ao mesmo tempo em que objeto sobre o qual se pode
sistematizar” (p.154)
O ensino de língua materna é visto como um processo contínuo que necessita de
reflexões sistemáticas e o embasamento teórico para se trabalhar com esses textos. Entretanto,
também se faz necessário orientar não só a perspectiva da necessidade de exploração dos
textos, mas também de como trabalhar com os mesmos a partir da óptica do contato, reflexão,
144
teorização e explicitação, desenvolvendo não só as capacidades de linguagem dos aprendizes,
mas também o monitoramento de suas aprendizagens.
Na explanação de algumas competências, verificamos que a indicação de se trabalhar
com os textos orais e escritos também está presente, como no caso abaixo:
Comparar fenômenos lingüísticos em texto orais e escritos.
As modalidades oral e escrita da língua guardam similaridades e
apresentam diferenças. O confronto entre uma e outra modalidade pode ser
bastante produtivo para a compreensão daquelas similaridades e diferenças,
desde que se considerem os mesmos níveis de registro (fala formal X
escrita formal, por exemplo). (1EF, 2EF, EM). (PERNAMBUCO, 2008,
Seção 7.3 As competências básicas em produção e compreensão de textos
orais, p.79)
A partir da competência acima, observamos que ênfase está no estudo das relações
entre as modalidades oral e escrita. Tal competência retoma a importância de se trabalhar a
partir do confronto entre textos orais e escritos, ratificando a compreensão das similaridades e
diferenças. Trata-se de ressaltar as características das duas práticas discursivas cujas
semelhanças e diferenças devem ser analisadas não de maneira dicotômicas, mas sim com
aproximações e afastamentos dentro de um mesmo nível de formalismo ou informalidade.
Nesse sentido, acreditamos também ser relevante a indicação de exemplos de gêneros que
poderiam ser postos em comparação, como, por exemplo, a comparação entre conversa
informal e um bilhete.
Nesta competência aparece o foco no trabalho de reflexão sobre os textos e não apenas
nas situações de leitura e produção, mas esta não é uma tendência muito marcante no
documento.
Dado o exposto, a proposta indica a necessidade de se trabalhar com os textos orais e
escritos para que os usuários da língua, em determinadas situações, façam uso da
bimodalidade. No entanto, não percebemos debates sobre como tais textos também poderiam
ser utilizados como alvo de sistematizações de outras dimensões linguísticas.
6.3 Os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos e texto indicados para
as diferentes etapas de escolaridade
Primeiramente, ao analisarmos as competências sugeridas pelo documento,
verificamos que as mesmas se destinam ao ensino fundamental e médio. O perfil de entrada
dessas crianças é traçado na página 78 do documento:
145
[...] as competências aqui pretendidas pressupõem um sujeito já
alfabetizado e em processo de letramento mais avançado. Essa
pressuposição, não significa, no entanto, que as condições gerais
apresentadas, em qual quer tópico da BCC-PE, não possam se aplicar à
etapa da educação infantil. (PERNAMBUCO, 2008, p.78)
Como observamos acima, apesar do documento advertir que nada impede a utilização
das competências para a Educação Infantil, existe uma indicativa de que ele foi pensado para
uso em contextos em que os alunos estejam alfabetizados15. Entretanto, esse pressuposto
parece ser contraditório, visto que os anos iniciais do ensino fundamental também se destinam
aos alunos que estão em processo de alfabetização. Ou seja, é excludente não propor
competências relacionadas a essa etapa da escolaridade, uma vez que, “a BCC cumpre o
objetivo de contribuir e orientar os sistemas de ensino, na formação e atuação dos professores
da Educação Básica”. (p.10) Trata-se da necessidade de refletir acerca do pré-requisito acima
apresentado: as competências a serem desenvolvidas necessitam de aprendizes já
alfabetizados?
Não sendo este o propósito deste estudo, não nos dedicaremos a tal discussão, mas
podemos apontar que tal pressuposto seja resultado de uma interpretação de que o letramento
é o foco por excelência do ensino e que outros objetos de aprendizagem, como o sistema de
escrita alfabética, seriam menos importantes ou fossem decorrência do próprio processo de
letramento. Assim, não há, no documento, nenhuma menção a este eixo do ensino.
Em relação à distribuição das competências, a BCC-PE destina vinte e seis páginas
para sua apresentação nas seções intituladas:
As competências básicas em produção e compreensão de textos orais
As competências básicas em leitura e compreensão de textos
As competências básicas em produção de textos escritos
As competências básicas em análise linguística e em reflexão sobre a língua
Para analisarmos os dados referentes aos saberes e habilidades contemplados na
proposta, organizamos os dados da seguinte forma:
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Como se trata de um documento orientador para todo estado de Pernambuco, tal fragmento apresenta uma
visão excludente por pressupor que todas as crianças já se encontram alfabetizadas nas séries iniciais do ensino
fundamental. Tal aspecto precisa ser repensado para o atendimento do próprio paradigma defendido pelo
documento “da solidariedade, do vínculo social e da cidadania” (p.22).
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6.3.1. Os saberes e habilidades no eixo da oralidade
6.3.2. Os saberes e habilidades no eixo da leitura
6.3.3. Os saberes e habilidades no eixo da escrita
6.3.4. Os saberes e habilidades no eixo da análise linguística
6.3.1. Os saberes e habilidades no eixo da oralidade
No documento são apresentadas dezoito competências no eixo da oralidade. Destas, no
que concerne às habilidades e saberes relacionados aos gêneros para o trabalho com a
modalidade oral, observamos que a proposta sugere duas competências:
Analisar a variedade de gêneros de discursos orais para poder ajustarse a essa variedade.
Os textos ocorrem sob a forma de variados gêneros, conforme os contextos
sociais de uso em que se inserem. Desta forma, é que se pode estabelecer
distinções entre a conversa coloquial, o debate, a exposição de motivos ou
de idéias, a explicação, o elogio, a critica, a advertência, o aviso, o convite,
o recado, a defesa de argumentos, para citar apenas estes poucos exemplares
de gêneros do discurso oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p.7980)
Adequar-se às condições de produção e de recepção dos diferentes
gêneros textuais orais.
Todo texto realiza-se sob diversas condições culturais. Tais condições
determinam muitas das decisões que devem ser tomadas no decorrer da
interação. Nessa perspectiva, saber adequar-se às condições de interação
significa ser capaz de ajustar o dialeto (regional e social) e o registro (mais
ou menos formal ou informal) à imensa variedade de situações socais em
que o evento comunicativo se insere. Pode-se, assim, relacionar a variedade
de registros orais com variedade de contextos situacionais de uso da língua.
(1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 80)
A primeira suscita no aprendiz a capacidade de refletir acerca de vários gêneros orais
que circulam em diferentes esferas sociais. Nessa reflexão, se faz necessária a distinção entre
os gêneros orais frente aos diferentes objetivos e intenções para o reconhecimento de seus
elementos discursivos e linguísticos. Assim, dependendo das situações de uso, os gêneros
assumem características peculiares e, essas, por sua vez, se vinculam à complexidade exigida
situações de interlocução determinadas. Todavia, não verificamos orientações sobre quais
dimensões do gênero poderiam ajudar no desenvolvimento das habilidades de produção e
leitura dos variados textos que circulam socialmente. Ou seja, a compreensão de que “o
enunciado reflete as condições específicas e as finalidade de cada uma dessas esferas, não só
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pelo seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal [...], mas também e, sobretudo, por sua
construção composicional” (BAKHTIN, 2000, p.279)
Ainda sobre a primeira competência, observamos que os gêneros exemplificados
procedem tanto de interações mais imediatas, como da conversa coloquial e de situações mais
elaboradas da linguagem, como o debate. Sobre tal aspecto, observamos uma aproximação à
teoria bakhtiniana no que se refere à diferença entre os gêneros primários e secundários.
Segundo o próprio autor:
Importa nesse ponto, levar em consideração a diferença essencial existente
entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso
secundário (complexo). Os gêneros secundários do discurso [...] aparecem
em circunstâncias de uma comunicação cultural, mas complexa e
relativamente mais evoluída, principalmente a escrita [...]. Durante o
processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e
transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se
constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea [...]
(BAKHTIN, 2000, p. 281)
Já em relação à segunda competência, adequar-se às condições de produção e de
recepção dos diferentes gêneros textuais orais, verificamos a vinculação das condições de
produção e recepção dos gêneros às condições culturais nas quais são produzidos, ou seja, as
condições e os processos que regulam a produção e recepção dos gêneros estão imersos em
um universo comunicativo no qual as diferenças de variedade e registro se fazem presentes,
pois respondem a uma situação específica de interlocução. Entretanto, ressaltamos um
problema de reducionismo ao vincular as condições de produção e recepção dos gêneros tão
somente à adoção da variedade de registro, uma vez que desconsidera que tais condições
também determinam o estilo e a forma composicional do texto que estão também relacionadas
às intencionalidades do discurso.
Há, no documento, quatro competências que se relacionam ao trabalho com o texto,
tais como as que se voltam para a identificação do ponto de vista, dos objetivos, de
comparações entre textos orais e escritos e reconhecimento dos seus elementos linguísticos.
Nesse sentido, um dos pontos abordados para o desenvolvimento das competências para
produção e compreensão dos textos orais é a capacidade de distinguir o ponto de vista
presente num determinado texto:
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Reconhecer o ponto de vista a partir do qual o tema do texto é tratado.
Mesmo restrito a um tema particular, o autor adota para seu texto um
determinado ponto de vista, que define também as condições de sua
coerência global. (PERNAMBUCO, 2008, p.79)
Com o fragmento acima, percebemos que os textos não são neutros, uma vez que
materializam pontos de vistas do próprio autor acerca de um determinado tema. Assim, o
documento em foco apresenta a possibilidade de desenvolvimento e reconhecimento de tais
pontos pelos aprendizes. Trata-se de considerar a relação entre o tema discutido e as
condições de produção do autor, de forma mais especifica, as intenções. No entanto, não
percebemos a indicativa de esclarecimentos em torno do fato de que nem todo gênero possui
ponto de vista do autor. Em outros termos, existem textos que circulam socialmente e não
apresentam um ponto de vista específico, como, por exemplo, a parlenda e o trava-língua.
Nesse sentido, a competência acima citada não se aplicaria a todos os gêneros, uma vez que a
identificação das marcas do autor frente ao tema não são características peculiares a todos.
A identificação dos objetivos do texto também é um aspecto contemplado na proposta:
Identificar o objetivo ou os objetivos de um determinado texto.
Os textos respondem a objetivos dos interlocutores e, desta forma, sempre
respondem a alguma finalidade comunicativa. Existem elementos verbais e
não-verbais que servem como pistas para o reconhecimento de tais objetivos
ou finalidades. (1EF, 2EF, EM) ((PERNAMBUCO, 2008, p.79)
Como os textos se definem pelos fatores de situações de usos, percebemos no
fragmento acima a indicação para o desenvolvimento da habilidade de identificar os objetivos
dos mesmos. Nessa perspectiva, a proposta enfatiza as condições de produção e recepção dos
textos com o foco voltado para a finalidade de cada um. Em outros termos, os textos
materializam determinados fins de acordo com a situação de interlocução e suas
características. Sendo assim, os elementos que os constituem são relevantes para o processo
de resposta a uma situação específica de comunicação.
Porém, se todo texto se concretiza num determinado gênero, princípio defendido no
documento, tal competência poderia relacionar o reconhecimento da finalidade do texto aos
diversos gêneros que circulam socialmente. Outra competência se remete mais para as
particularidades e semelhanças dos elementos linguísticos dos textos orais e escritos, tal como
é ressaltado abaixo:
Comparar fenômenos lingüísticos em texto orais e escritos.
As modalidades oral e escrita da língua guardam similaridades e apresentam
diferenças. O confronto entre uma e outra modalidade pode ser bastante
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produtivo para a compreensão daquelas similaridades e diferenças, desde
que se considerem os mesmos níveis de registro (fala formal X escrita
formal, por exemplo). (1EF, 2EF, EM). (PERNAMBUCO, 2008, p.79)
Observamos acima a indicativa para desenvolver a capacidade dos alunos de
correlacionar os fenômenos linguísticos que emergem na superfície dos textos orais e escritos.
Em outros termos, elementos distintos e semelhantes entre a modalidade oral e escrita podem
ser alvos de reflexão, uma vez que o aluno desenvolve a capacidade de refletir os aspectos
pertinentes as duas modalidades de acordo com a situação de interlocução. No entanto, mais
uma vez, o foco recai na reflexão sobre o nível de registro e não em outras dimensões dos
gêneros.
Verificamos que os recursos coesivos presentes no discurso oral também se tornam
alvo de reflexão:
Reconhecer e utilizar os procedimentos coesivos presentes no
desenvolvimento do discurso oral.
Os textos orais não dispensam os recursos coesivos. O uso de elementos
reiterativos (como repetições, paráfrases, paralelismos, substituições
pronominais ou adverbiais, substituições por sinônimos, por hiperônimos,
associações semânticas entre palavras) ou de elementos conectores (como
preposições, conjunções, locuções adverbiais) é fundamental para promover
a coesão do texto oral. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 80)
Como percebemos acima, existe a indicativa do documento para o desenvolvimento da
habilidade de reconhecer e utilizar os elementos linguísticos responsáveis pela coesão dos
textos orais. Sendo assim, a apreensão desses fenômenos é elemento relevante para a eficácia
do discurso oral. No entanto, ressaltamos que, além de reconhecê-los e utilizá-los, os
aprendizes necessitam refletir sobre os efeitos que esses recursos coesivos podem produzir
dentro de um determinado gênero, ou seja, a utilização desses recursos está associada aos
efeitos pretendidos numa determinada situação de interlocução considerando o gênero
escolhido.
Dado o exposto, verificamos que os saberes e as habilidades contemplados no eixo da
oralidade relacionados ao trabalho com os gêneros são apresentados de forma mais precisa
apenas em duas competências. Essas, por sua vez, ora se aproximam da teoria bakhtiniana,
principalmente quando ressaltam a diferença entre gêneros primários e secundários e ora se
afastam, quando não discute o gênero em suas variadas dimensões. O documento ressalta, em
relação à oralidade, a necessidade de se desenvolver habilidades relacionadas à utilização do
registro, dos recursos coesivos, identificação de objetivos e ponto de vistas. Todavia, não
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apresenta maiores discussões de como tais habilidades poderiam ser compreendidas através
do principio proposto pelo documento: a materialização dos textos em determinados gêneros.
6.3.2. Os saberes e habilidades no eixo da leitura
No documento são apresentadas quarenta e três competências no eixo da leitura e
compreensão de textos. Destas, encontramos apenas uma competência que se remete
diretamente ao trabalho com os gêneros:
Reconhecer características próprias do tipo ou do gênero a que pertence
o texto.
Todo texto é a concretização de um tipo e de um determinado gênero textual
(notícia, fábula, aviso, anuncio, propaganda, carta, convite, requerimento,
instrução de uso, resumo, editorial, etc) Não existem textos fora desse
enquadramento. Ou seja, a produção de cada texto é regulada a partir de
modelos – mais ou menos fixos – que as convenções sociais instituem. (1EF,
2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 85)
Verificamos, com o acima exposto, a relação entre a competência e os elementos
composicionais do gênero, ou seja, indicação para desenvolver a habilidade de
reconhecimento das características peculiares aos mesmos. Trata-se de considerar as formas
relativamente estáveis dos enunciados, tal como defende Bakthin (2000). Ainda na
competência acima, observamos a ressalva de que esses modelos não são totalmente fechados,
uma vez que são mutáveis por se constituírem nas diversas esferas de usos da língua.
No que refere às habilidades do eixo da leitura que se relacionam com o trabalho com
os textos, há, no documento, vinte seis competências. Estas, podem ser podem ser agrupadas
em três grandes blocos16:
a) as que ressalvam os elementos sociodiscursivos dos textos;
b) as que indicam o desenvolvimento de estratégias de leitura com base nos textos;
c) as que destacam os aspectos linguísticos dos textos.
No que concerne às competências que destacam os elementos sociodiscursivos dos
textos, o documento em foco destaca a relevância de se considerar os elementos presentes nas
condições de produção e recepção dos textos, tal como vemos abaixo:
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Isso não significa afirma que as competências não possuem peculiaridades e que não pertencem também ao
outro agrupamento.
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Identificar elementos indicadores das condições do locutor e do
interlocutor do texto.
Os textos oferecem pistas a partir das quais é possível identificar
características próprias do locutor, inclusive traços de seu grupo dialetal.
Também é possível identificar o interlocutor de um texto ou, pelo menos,
presumi-lo, a partir de determinadas marcas textuais ou outras pressupostas
no contexto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 88- 89)
Identificar elementos indicadores das condições do espaço cultural de
produção e de circulação do texto.
Todo texto procede de um determinado espaço cultural e se destina a um
outro. Recuperar os elementos do contexto cultural em que o texto foi
produzido e vai circular constitui uma estratégia relevante para a construção
do sentido e das intenções pretendidas. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO,
2008, p. 89)
Identificar o universo de referência do texto.
Um texto pode remeter para diferentes contextos do mundo real ou do
mundo fictício e, assim, privilegiar esse ou aquele universo de referência, tal
como o universo dos mitos (infantis ou não), o universo dos temas sociais,
dos temas científicos, dos temas religiosos, por exemplo.(1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 84- 85)
Identificar a finalidade ou objetivo pretendido para o texto.
Todo texto tem uma finalidade específica, ou seja, é produzido com um
determinado objetivo, tal como: apresentar, definir, ressaltar, comentar ou
refutar uma idéia, defender um ponto de vista, fazer uma advertência,
apresentar uma explicação, revelar dados ou informações acerca de um fato,
descrever, explicar, reformular um princípio, entre muitos outros. (1EF, 2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 86)
Em geral, as competências acima se relacionam à importância de se desenvolver a
habilidade dos alunos para perceber onde os textos circulam, a quem se dirigem, suas
finalidades e intenções, estimulando o desenvolvimento social dos aprendizes.
A primeira destaca os indicadores que os textos podem oferecer para identificação dos
elementos do próprio locutor e do interlocutor do texto, ou seja, a partir de características
expressas na superfície textual, seria possível observar a quem o texto se destina e quem fala.
Trata-se de uma habilidade que favorece a percepção das intenções do autor e as expectativas
do público leitor, e, portanto, a compreensão de sentidos dos textos.
Já a segunda, ressalta a importância da identificação das esferas sociais nas quais os
textos circulam, uma vez que contribuem para a construção dos sentidos e intenções dos
mesmos. Em outros termos, identificar e refletir sobre os meios sociais nos quais os textos
circulam ajuda ao aprendiz a desenvolver estratégias de compreensão dos significados
implícitos dos textos, e consequentemente, se tornarem mais ativos diante deles.
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A terceira indica a relevância de relacionar os diversos contextos nas quais os textos
estão inseridos. Ou seja, apesar dos textos estarem imersos em variados domínios discursivos,
os mesmos podem apresentar a predominância de um, portanto, a competência se volta para a
capacidade de correlacionar o tema abordado em um determinado texto ao seu universo de
referência.
Na quarta competência, o destaque se volta para a identificação da função e objetivo
de um determinado texto. Tal habilidade se relaciona com as diferentes intenções
comunicativas que os textos assumem de acordo com a situação de interlocução. Assim,
quando exemplifica possíveis objetivos dos textos, tais como, “apresentar, definir, ressaltar,
comentar [...]” subjacente à competência existe a ideia de oferecer aos alunos contato com
uma gama de textos.
Com a discussão acima, verificamos que os saberes contemplados, em ambas
competências, se relacionam a possibilidade de saber reconhecer os interlocutores e os
processos que regem a circulação dos textos na sociedade, bem como suas intenções. Tal
compreensão se aproxima do principio dialógico da linguagem, visto que ressalta que os
textos se constituem pelo diálogo entre interlocutores.
Quando a proposta destaca a necessidade de desenvolver habilidades para identificar
características do locutor presente nos textos e também e/o reconhecimento do possível
interlocutor do texto, através de pistas, está reportando à compreensão de que um discurso
sempre é produzido em relação ao outro. Ou seja, está destacando que “a enunciação é
produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados, e mesmo que não haja um
interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual
pertence o locutor” (BAKHTIN, 1992, p.112). Nesse sentido, verificamos, ainda nas
competências supracitadas, a preocupação em relacionar os textos ao seu espaço cultural,
condições de circulação e universo de referência. Tais aspectos são relevantes para
oportunizar uma compreensão de que “a situação social mais imediata e o meio social mais
amplo determinam completamente e por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a
estrutura da enunciação (BAKHTIN, 1992, p.113)
Porém, os elementos sociodiscursivos destacados através das competências não se
articulam com a compreensão de que na utilização da língua produzimos formas
relativamente estáveis do enunciado, tal como defende Bakthin (2000). Ou seja, embora o
documento indique uma preocupação com os interlocutores e situação de interlocução não
discute de forma aprofundada como toda comunicação se dá por meio dos gêneros, e esses,
por sua vez, se constituem em campos específicos da comunicação verbal.
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Ainda em relação às competências que ressalvam os elementos sociodiscursivos dos
textos, encontramos uma que destaca a correlação entre as condições de produção e as
variedades linguísticas presentes em alguns textos:
Avaliar a adequação de determinados usos dialetais e de registro às
condições da situação de interação.
Nenhum texto ocorre fora de uma determinada situação social (mais ou
menos formal ou informal) devem-se adequar às condições desta situação.
Essa adequação constitui parte da coerência global dos textos. (1EF, 2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 91)
Observamos que as condições de uma determinada situação comunicativa orientam os
usos das variedades linguísticas dialetais e de registro. Nesse sentido, a competência destaca
a necessidade de avaliar a adequação de determinados elementos de variações dialetais, uma
vez que tais variedades se atrelam ao contexto, à intenção comunicativa e aos possíveis
interlocutores. Trata-se de discutir a questão de que não existe uma única maneira de falar ou
escrever, mas sim saber utilizar o registro às diferentes situações comunicativas e conseguir
atingir o efeito almejado. Dessa forma, a competência ressalva a capacidade de necessidade
de identificar se os usos dialetais e de registro são ou não pertinentes a situação de interação e
se contribuem para o uso eficiente da linguagem.
Outra competência se remete a habilidade de reconhecimento dos efeitos de sentido
oriundos de marcas típicas da oralidade na escrita, tal como verificamos abaixo:
Reconhecer os efeitos de sentido do uso de marcas típicas da oralidade.
Trazer, para a escrita, padrões típicos da oralidade representa um outro
recurso discursivo, cujo efeito também precisa ser identificado, para que se
construa, por inteiro, os sentidos e as intenções do texto. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 91)
Como verificamos acima, a competência ressalta a importância de reconhecer
determinadas marcas linguísticas da oralidade na escrita, essas por sua vez, são utilizadas por
alguns autores para provocar efeitos de sentido nos textos. Nesse sentido, quando os
marcadores típicos da oralidade são utilizados com determinada intenção nos textos, exigem
dos aprendizes a utilização de estratégias que analisem a intencionalidade que essas marcas
poderão provocar dependendo da situação de interlocução e, assim, ajudar na compreensão do
texto. Tais marcas típicas portanto podem estar associadas com a intenção discursiva do
locutor, uma vez que em função dos objetivos a serem atingidos o querer-dizer orienta as
escolhas. Segundo Bakthin (2000):
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esse intuito discursivo determina a escolha, enquanto tal, do objeto, com
suas fronteiras (nas circunstâncias precisas da comunicação verbal e
necessariamente em relação aos enunciados anteriores) e o tratamento
exaustivo do objeto de sentido que lhe é próprio. (p.300)
Portanto, se é por meio querer-dizer do locutor que as fronteiras do tema de seu
discurso dão delimitadas, a escolha das marcas típicas também se articula constantemente
com o tema do enunciado.
Observamos também que o aspecto da intertextualidade é contemplado no documento:
Estabelecer relações temáticas ou estruturais, de semelhança ou de
oposição, entre dois textos de diferentes autores ou de diferentes épocas.
Dois textos sobre o mesmo tema, de autores ou de épocas diferentes podem
ser observados e comparados e, a partir de diversos elementos, pode-se
perceber o tratamento temático ou a perspectiva de abordagem de cada um
deles. Pode-se, ainda, reconhecer, nessas diferenças ou semelhanças, traços
de um autor, de um grupo, de um espaço, de uma época. (1EF, 2 EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 93)
Tal como verificamos acima, existe a indicativa do documento em desenvolver as
habilidades dos alunos para identificarem as manifestações simbólicas presentes entre textos
de um mesmo tema, entre autores e textos de períodos diferentes. Assim, os aprendizes
aprenderiam a reconhecer os diálogos estabelecidos entre textos diferentes, discutindo um
mesmo tema, e as ideias de autores distintos e de épocas díspares. Em outros termos,
desenvolveriam saberes relacionados à identificação dos jogos intertextuais que emitem vozes
que circulam na sociedade, contribuindo para o desenvolvimento da capacidade crítica. Tal
compreensão se aproxima do princípio de que todo enunciado pressupõe autoria e consiste
numa resposta a outros enunciados. Segundo Bakthin (2000):
Por mais monológico que seja um enunciado [...], por mais que se concentre
no seu objeto, ele não pode deixar de ser também, em certo grau, uma
resposta ao que já foi dito sobre o mesmo objeto, sobre o mesmo problema,
ainda que esse caráter de resposta não receba uma expressão externa bem
perceptível. (p. 317)
Na proposta em foco encontramos competências que se relacionam, de forma direta ou
indireta, com o desenvolvimento de estratégias de leitura com base nos textos:
Localizar informações explícitas.
No percurso do texto, podem ser encontradas informações explícitas, isto é,
informações identificáveis linguisticamente na superfície do texto. (1EF,
2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 83)
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Depreender uma informação implícita.
Em um texto também são comuns as informações implícitas, ou seja,
informações não-ditas linearmente, mas que podem ser identificadas a partir
de outras informações disponíveis no texto ou derivadas dos conhecimentos
prévios do leitor. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 83)
Identificar o tema central do texto.
A compreensão global do texto pressupõe a identificação de sua idéia central
ou do ponto de vista que constitui o eixo em torno do qual o texto se
organiza. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 86)
As competências acima ressaltam a necessidade de desenvolver habilidades de
localização de informações e identificação do tema central dos textos. No que se refere à
localização explícita, o aluno, a partir das pistas textuais presentes na superfície dos textos,
poderá ser capaz de responder questões que se remetem a identificar: quem, como, onde, por
que, quando, para quê, dentre outras.
Já a que se refere às informações implícitas, a competência exige saberes que
ultrapassam as informações presentes na base textual, ou seja, os aprendizes necessitariam
fazer inferências indicadas pelas marcas presentes nos textos. Assim, a competência se volta
para o desenvolvimento da habilidade de ler o que está nas entrelinhas do texto.
No que concerne à identificação do tema central, verificamos a relação com o
significado global do texto, uma vez que envolve a habilidade dos alunos perceberem o texto
como um todo. Em outros termos, através dos recursos utilizados pelo autor, os alunos
poderiam identificar o que está sendo abordado no texto.
Dessa forma, observamos que as competências acima discutidas, dependendo dos
objetivos pretendidos na leitura, desenvolvem habilidades que ajudam aos aprendizes a se
situarem frentes aos textos para compreendê-los. Nesse sentido, o foco se destina a apreensão
de estratégias que facilitem a compreensão dos textos.
No entanto, destacamos que nas competências supracitadas não são discutidas como
determinados gêneros podem proporcionar ao leitor o desenvolvimento de estratégias de
modo mais efetivo a partir da compreensão de suas dimensões.
Portanto, as competências em foco não se propõem a desenvolver certas estratégias de
leitura articuladas com a compreensão de que o gênero pode mobilizar expectativas no leitor.
Além do mais, a não indicação de gêneros que poderão ser explorados para desenvolver as
estratégias de leitura, não esclarece ao leitor, por exemplo, que nem todo texto se presta a
identificação de tema central ou depreensão de uma informação implícita. Como exemplo,
podemos citar os gêneros receita e ofício, respectivamente.
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Podemos encontrar outras competências que se correlacionam ao desenvolvimento de
estratégias para facilitar a compreensão dos textos:
Relacionar informações oferecidas por gráfico ou tabela com outras
constantes em um texto verbal.
A compreensão global de um texto pode depender da relação entre seus
elementos verbais e outros não-verbais presentes. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 84)
Relacionar uma idéia ou informação com a outra ou outras presentes no
texto ou pressupostas no contexto extraverbal.
No texto, tudo pode estar em articulação: seja uma idéia ou uma informação
com outras também presentes no texto, seja uma idéia ou informação apenas
pressupostas na situação em que a interação verbal acontece. (1EF, 2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 84)
Distinguir entre informações principais e informações secundárias.
É inteiramente provável que, em um texto de maior extensão, se possa
constatar informações principais e informações secundárias. Perceber esta
distinção é fundamental para a compreensão global do texto e para a
compreensão do grau de relevância dessas informações. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 86)
A primeira competência destaca a relevância do contexto extralinguístico na
compreensão dos textos, ou seja, os elementos não-verbais são pistas que ajudam a construir
representações acerca do que está sendo tratado nos textos. Assim, tal competência ressalta a
importância do aluno desenvolver a habilidade de integrar os materiais gráficos e o texto para
ajudar a compreender as ideias presentes no texto quando esses elementos gráficos facilitam a
constituição de sentidos do texto.
A segunda destaca a necessidade de estabelecer relações entre as informações
presentes na superfície do texto ou no contexto extraverbal. Tal habilidade favorece a
compreensão do texto como um todo e conhecimento de aspectos extraverbais, uma vez que a
unidade entre as ideias de determinado texto é um dos elementos responsáveis pela coerência.
Ou seja, tal competência ajuda os aprendizes a compreenderem o que está sendo abordado no
texto para o estabelecimento de possíveis diálogos.
A terceira ressalta o desenvolvimento da habilidade de diferenciar as informações
principais e secundárias dos textos. Para tal, os alunos necessitariam desenvolver a capacidade
de correlacionar as partes do texto e a ideia principal. Nesse sentido, o texto apresenta uma
forma de organização na qual as relações entre as partes do texto podem ser percebidas na
superfície textual, bem como a relação com o assunto central. Trata-se uma estratégia
importante que facilita a compreensão dos textos.
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Podemos encontrar, ainda, competências que suscitam habilidades para o
desenvolvimento de estratégias que ajudam na interpretação dos textos:
Identificar a síntese (mais ampla ou mais reduzida) de um texto ou de
parte dele (de um parágrafo, por exemplo)
Um texto ou parte dele podem ser resumidos, de forma mais ou menos
ampla. Discernir sobre a fidelidade da síntese às idéias do texto original
constitui um indicativo relevante de que o texto foi compreendido na sua
totalidade. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 87)
Identificar as palavras-chave de um texto ou parte dele.
Inserido na habilidade de discernir sobre aspectos globais do texto, encontrase também o procedimento de identificar quais as palavras-chave do texto,
ou seja, quais as palavras mais diretamente relacionadas com o eixo
semântico que constitui a unidade do texto. (2EF, EM). (PERNAMBUCO,
2008, p. 88)
A primeira ressalta que a capacidade de identificar como a síntese de um texto pode
auxiliar na distinção entre as ideias que são fiéis ao texto original e as que não são. Trata-se de
uma habilidade que suscita do aprendiz tanto a compreensão do que está sendo abordado,
quanto a capacidade de selecionar os aspectos mais relevantes do texto. Já a segunda destaca a
importância dos alunos identificarem as palavras-chave no texto como forma de auxiliar no
processo de compreensão do mesmo. Embora tal competência destaque uma estratégia
relevante para o processo de compreensão dos textos, nem todos os gêneros são favoráveis à
identificação de palavras-chave ou à construção de sínteses.
No que concerne às competências que remetem aos aspectos linguísticos dos textos,
verificamos a indicativa de reflexões acerca da superfície textual:
Reconhecer características próprias do texto de ficção.
Os textos que remetem para o campo de ficção – sejam em prosa sejam em
verso – apresentam formas e marcas típicas de representar, pela expressão
verbal, a realidade. A compreensão global do texto supõe o entendimento
destas particularidades. (2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 85)
Reconhecer os critérios de ordenação ou de sequência do texto na
apresentação das idéias e informações.
O autor de um texto elege determinadas estratégias ou critérios de
desenvolvimento, de sequenciação das idéias ou informações. Identificar
essa seqüência constitui um recurso relevante para a compreensão global do
texto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 87)
Identificar elementos que indiquem a posição do autor frente aos textos
ou autores referidos.
Quando recorre a um elemento de intertextualidade, o autor assume uma
determinada posição – de aproximação ou de afastamento em relação à outra
voz. Não basta, portanto, apenas identificar o segmento prova da
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intertextualidade. É preciso reconhecer o grau de adesão do autor ao texto do
outro. (2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 92- 93)
Identificar referências ou remissões a outros textos ou a outros autores.
Em um texto podem ser inseridas alusões, paráfrases ou citações de outros
textos, um procedimento pelo qual se pretende algum efeito discursivo, tal
como buscar apoio, manifestar adesão, fundamentar uma posição. Perceber a
dimensão intertextual do texto constitui um aspecto de sua coerência global.
(1EF, 2EF, 2EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 92)
A primeira competência destaca o reconhecimento de elementos característicos de
textos de ficção. Esses, por sua vez, possuem manifestações linguísticas produzidas em
contextos específicos e com determinadas finalidades. Assim, perceber como esses elementos
se organizam, como também suas marcas características ajudariam na compreensão dos
textos. Entretanto, para o aluno compreender as diferentes situações comunicativas que
envolvem a ficção, seria interessante apresentar alguns gêneros que utilizem a mesma, como,
por exemplo, contos, fábulas, romance, dentre outros.
Já em relação à segunda, o destaque é dado ao reconhecimento das variadas estratégias
utilizados pelos autores na sequenciação das ideias ou informação de seus textos. Trata-se de
sugerir reflexão acerca da organização textual, mais especificamente, sobre a distribuição das
ideias no texto e sua relação com as estratégias utilizadas pelos autores. Assim, favorecer o
desenvolvimento de habilidades na esfera das manifestações discursivas e sua relação com a
leitura e compreensão de textos.
Com relação à terceira, observamos a relação entre a intertextualidade e as posições
assumidas pelo autor frente às ideias de outros. Trata-se do desenvolvimento da habilidade de
reconhecimento de como o autor se utiliza de outros discursos para emitir opiniões sobre os
mesmos, sejam eles de concordância ou não.
A quarta competência se relaciona com a questão da intertextualidade, uma vez que
indica o desenvolvimento da habilidade de identificar os elementos presentes no texto que se
remetem a outras obras ou ideias de outros autores. Nessa perspectiva, suscita do aprendiz a
necessidade de não só perceber os diálogos estabelecidos entre autores, mas sim o grau de
adesão ou contraposição nas quais as referências ou remissões estão sendo inseridas na
superfície do texto.
Assim, o reconhecimento dessas estratégias utilizadas pelo autor aciona a percepção
de que os textos podem se remeter a outros no processo de construção de sentidos. Trata-se de
ressaltar a relação do enunciador com os outros enunciados, tal como enfatiza Bakthin (2000):
159
nossos enunciados [...] estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas,
em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas ,
também em gruais variáveis, por um emprego consciente e decalcado. (p.
314)
Observamos indicadores no documento que ressaltam o desenvolvimento de
habilidades para as relações estabelecidas entre os mecanismos de coesão e/ou coerência dos
textos, tal como vemos abaixo:
Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições,
substituições ou associações que contribuem para sua coesão e
coerência.
Em qualquer texto de maior extensão, dois ou mais termos podem
estabelecer uma ligação (de referência ou de sentido), criando um nexo
coesivo entre partes do texto. Esses termos podem ocorrer sob a forma de
repetições ou substituições de palavras (substituições pronominais,
adverbiais, sinonímicas, metonímicas, hiperonímicas). De qualquer forma,
constituem indicadores dos „nós‟ que „atam‟ o texto e o deixam coeso e
coerente. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 89)
Reconhecer, entre as partes dos textos, as relações textuais indicadas
por meio de expressões conectoras.
Além das relações léxico-gramaticais, também concorrem para a coesão e
coerência do texto as relações textuais que se estabelecem, mediante o uso
dos conectores (preposições, conjunções e respectivas locuções) e de outros
elementos lingüísticos, como os advérbios e as locuções adverbiais. Tais
relações podem indicar, semanticamente, relações de temporalidade,
finalidade, causalidade, comparação, oposição, condição, conclusão, adição,
etc. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 89- 90)
Estabelecer relações de articulação e de dependência entre tópicos e
subtópicos.
O desenvolvimento de um texto, principalmente de um texto de comentário
ou um texto opinativo, organiza-se segundo um esquema em que subtópicos
estão subordinados a um determinado tópico constituindo a rede de
articulações que caracteriza sua coerência. (2EF, EM) (PERNAMBUCO,
2008, p. 86)
Estabelecer relações semânticas entre partes de um texto indicadas por
marcas morfossintáticas.
Certas marcas morfossintáticas, como as desinências verbais, por exemplo,
podem constituir pistas para se estabelecer uma articulação entre diferentes
partes do texto e, assim, reconstruir sua unidade. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p.90)
Primeiramente, observamos que as competências acima se inter-relacionam por não
ser possível dissociar a relação existente entre os elementos de coesão e a coerência para o
estabelecimento de sentido dos textos. Nesse sentido, verificamos que a primeira destaca
160
como as repetições, associações ou substituições utilizadas no texto contribuem para a
manutenção das relações entre as partes dos textos. Trata-se de enfocar o desenvolvimento da
habilidade de como determinados elementos coesivos contribuem para estabelecer a
continuidade de um texto e sua unidade de sentido.
Já a segunda, suscita a habilidade de não só reconhecer os conectores, mas também
suas funções em determinadas situações na microestrutura dos textos. Assim, compreender as
articulações entre os elementos coesivos e sua relações de efeito, sejam eles de causa,
consequência, comparação, conclusão, etc. A compreensão dos textos também necessitam da
identificação dos tipos de relações semânticas instituídas pelos usos de conectores, ou seja,
trata-se se uma competência relevante para apreensão da coerência do texto.
A terceira se relaciona com as relações de articulações dos textos que organizam em
tópicos e subtópicos. Assim, a habilidade se volta para a percepção das relações existentes
entre os mesmos, ou seja, a interdependência entre os segmentos que favorecem a coerência
do texto. Todavia, a indicação dessa competência em conjunto com exemplificações de
gêneros, que se utilizam dessa organização, tópicos e subtópicos, poderia facilitar a percepção
da relação de mútua dependência entre os mesmo, como também o estabelecimento da
continuidade do assunto abordado.
Em relação à quarta competência, o item ressaltado se volta para as relações entre as
partes do texto através das unidades morfossintáticas. As escolhas dos autores em relação às
estruturas morfológica e/ou sintática oferecem pistas de como as partes dos textos se
articulam, ou seja, como a estrutura textual pode se estruturar de forma a oferecer unidade de
significação ao leitor. No entanto, não observamos a indicação de que essas escolhas também
podem causar efeitos de sentido por atenderem a determinadas situações discursivas. Em
outras palavras, as escolhas das estruturas morfossintáticas também indicam efeitos
discursivos próprios das intenções do gênero e do estilo do autor. Portanto, apreender
determinada habilidade ajuda no reconhecimento e reflexão dos recursos que podem ser
utilizados para provocar efeitos de sentido de acordo com a situação comunicativa em
questão. Para Bakthin (2000) “a oração enquanto tal, em seu contexto, não tem capacidade de
determinar uma resposta; adquire essa propriedade (mais exatamente: participa dela) apenas
no todo do enunciado” (p. 297).
No documento podemos, ainda, encontrar habilidades de leitura que se relacionam
tanto os elementos linguísticos quanto os extralinguísticos, como no caso abaixo:
161
Reconhecer os elementos responsáveis pelo efeito de humor e ironia em
textos.
Diferentes elementos lingüísticos ou gráficos podem assumir em um texto
valores de humor ou de ironia. A identificação desses elementos é crucial
para a percepção da ironia ou dos efeitos de humor pretendidos. (1EF, 2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 92)
Discernir sobre as conclusões autorizadas pelo texto.
Os elementos lingüísticos presentes no texto e outros extralingüísticos,
pressupostos no contexto, são sinais, são pistas, a partir das quais se pode
chegar a determinadas conclusões. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008,
p. 87)
Como observamos, a indicação é o desenvolvimento da capacidade do aprendiz em
reconhecer os efeitos de humor causados pelos elementos linguísticos ou gráficos. Trata-se de
compreender como determinados recursos podem ser utilizados pelos autores para produzir
determinados efeitos de sentido nos interlocutores. Portanto, verificamos a indicação do
desenvolvimento da habilidade de reconhecer as marcas que provocam humor ou ironia. Isso
não significa afirmar que a compreensão dos efeitos que estão em jogo dar-se-á tão somente a
partir do entendimento desses recursos, uma vez que outros tipos de conhecimento precisam
ser mobilizados. No entanto, ressaltamos que a competência em foco poderia indicar que
gêneros como anedotas, tiras, charges, dentre outros, que se utilizam determinados elementos
linguísticos e gráficos para provocar efeitos de humor ou ironia.
Já a segunda indica a observação de determinadas pistas presentes no texto para o
desenvolvimento da habilidade de distinguir as conclusões que são permitidas pelo mesmo.
Apesar da possibilidade de múltiplas interpretações a partir do texto, o mesmo também possui
uma margem de interpretação, ou seja, não é permitida qualquer compreensão que não esteja
dentro dos limites e de pistas oferecidas pelos textos. Nesse sentido, os aprendizes poderiam
desenvolver a habilidade de perceber através das marcas textuais o que pode ou não ser alvo
de conclusões.
Verificamos uma competência que se relaciona a relação existente entre título e texto:
Avaliar a adequação do título do texto ou da proposta de um novo título.
A síntese mais reduzida de um texto pode estar justamente na formulação de
seu título. Conseqüentemente, estabelecer a adequação entre o título do texto
e seu desenvolvimento global constitui um procedimento em que se revela o
entendimento daquilo que no texto é globalmente relevante. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p 87 e 88)
Trata-se de uma habilidade que suscita do aprendiz o estabelecimento da relação
existente entre o título e o texto. A partir do próprio título, o aluno pode fazer antecipações
162
acerca do assunto abordado no texto, e, posteriormente, com a leitura do texto realizar o
monitoramente entre a relevância do título e o assunto abordado no mesmo.
Dado o exposto, os saberes e habilidades relacionados aos textos no eixo da leitura
ganham proeminência quando comparada aos gêneros. Em outras palavras, na maioria das
competências são destacados saberes relacionados às situações de produção, efeitos de
sentidos, usos de recurso coesivos dos textos, dentre outros, com poucas explicitações de
como o trabalho com o gênero pode subsidiar o desenvolvimento de tais habilidades. No
desenvolvimento das estratégias de leitura, por exemplo, as competências não consideram que
textos de diferentes gêneros exigem a adoção de estratégias distintas. Trata-se de ativar e
articular saberes que atendam as peculiaridades exigidas com o contato com diferentes
gêneros.
6.3.3. Os saberes e habilidades no eixo da escrita
Já no que diz respeito ao trabalho com produção de textos, são apresentadas dezenove
competências. Destas, percebemos que o documento destina duas competências ao trabalho
com os gêneros:
Adequar-se aos modos típicos de organização, sequência e apresentação
que caracterizam os diferentes gêneros de texto.
Cada gênero de texto (bilhete, carta, convite, aviso, anúncio, relatório, ata,
atestado, noticia, artigo, editorial, entre outros) tem sua forma típica de
desenvolver-se, de apresentar-se. Organizar-se em blocos, os quais aparecem
numa forma e numa sequência especifica, mais ou menos definidas e
reconhecíveis. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 94)
Usar as convenções gráficas da apresentação dos diferentes gêneros de
texto.
Os diferentes gêneros textuais distinguem também por diferentes formas e
recursos de apresentação, tais como margem, distribuição no espaço do
suporte textual, segmentação em parágrafos, etc. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 96- 97)
Como podemos verificar acima, as competências se relacionam aos aspectos
composicionais do gênero. Nesse sentido, as habilidades se direcionam para os elementos que
integram ao modo de organização dos gêneros, considerando tanto questões voltadas para sua
estrutura quanto para os elementos que compõem as sequências típicas. A primeira enfoca a
capacidade de se ajustar às características mais ou menos estáveis dos gêneros, ou seja, apesar
de um determinado gênero não ser considerado algo rígido, o mesmo apresenta sequência e
163
organização que segue um padrão. Bakhtin (2000) afirma que as formas típicas de enunciados
“introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente e sem que sua
estreita correlação seja rompida” (p. 301-302).
Já a segunda, destaca aspectos relacionados à diagramação dos gêneros, na qual indica
que os alunos façam usos dos recursos de apresentação dos mesmos nas produções textuais.
Tais usos ajudam aos aprendizes a se inserir nas diversas práticas de escrita, nas quais as
relações, procedimentos, organização, estruturação e acabamento do texto sua estrutura
formal assumem papel relevante nas produções escritas.
No eixo da escrita, verificamos também que, em quinze competências, são feitas
referências a textos. Sendo assim, tal como fizemos no eixo anterior, agrupamos as
competências em três grandes blocos17:
a) as que ressaltam as habilidades voltadas para os elementos sociodiscursivos dos
textos;
b) as que indicam o desenvolvimento de estratégias de organização dos textos;
c) as que destacam os aspectos linguísticos dos textos.
Na análise, tal como verificamos no eixo da leitura, encontramos competências que se
remetem as habilidades voltadas para os elementos sociodiscursivos dos textos, tais como:
Responder ao objetivo específico previsto para o texto.
Cada texto, independentemente da função que cumpre, tem uma finalidade
particular. Pretende-se, assim; fundamentar, defender, ressaltar, refutar,
opinar, persuadir, advertir, divulgar, explicar, ironizar, divertir, emocionar,
por exemplo. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 93)
Adequar a seleção das palavras e as estratégias de desenvolvimento do
texto às condições do destinatário previsto.
Os destinatários dos textos constituem um ponto de referência para se decidir
acerca da seleção vocabular e das formas de organização do texto. (1EF, 2
EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96)
Ajustar o registro do texto às diferentes condições do contexto
social de sua produção e circulação.
Os aspectos lingüísticos dos textos variam, conforme as condições de
sua produção, o que, naturalmente, inclui os contextos sociais em que
esses textos vão circular. Para contextos formais do uso público da
17
Isso não significa afirma que as competências não possuem peculiaridades e que não pertencem também ao
outro agrupamento.
164
atividade verbal, é recomendável o respeito às regras da norma
padrão. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96)
As competências acima destacam os aspectos que envolvem as intenções e sentidos
dos textos. A primeira se vincula aos propósitos comunicativos dos textos, ou seja,
desenvolver habilidades voltadas para as finalidades das produções. Assim, o texto
responderia aos objetivos, intenções e expectativas dos interlocutores.
Já segunda ressalta a importância da escolha vocabular e estrutura do texto frente ao
público alvo. Trata-se de considerar que o outro assume um papel relevante, uma vez que este
monitora a seleção que o autor faz no processo de elaboração dos textos, ou seja, o produtor,
além de representar uma determinada situação de interlocução, procura escolhas necessárias
para atender aos destinatários. Segundo a compreensão bakhtiniana, o enunciado é a
contraposição eu/ou caracterizado pelo “fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o
destinatário”. (BAKHTIN, 2000, p.320)
A terceira competência enfoca a necessidade de fazer adaptações acerca do nível de
formalidade da escrita em função das exigências das condições de produção e circulação
social dos textos. Em outros temos, as condições e os processos que regem a circulação dos
textos são de extrema relevância para indicar o grau de formalidade e registro, uma vez que,
em determinadas situações, os aprendizes utilizarão tanto o registro formal quanto o informal.
Quando a competência ressalta que em “contextos formais do uso público da atividade verbal,
é recomendável o respeito às regras da norma padrão”, observamos que enfatiza a
necessidade de utilizar o registro padrão em situações formais Entretanto, poderia haver
maiores esclarecimentos também para o desenvolvimento da habilidade das situações de
menor formalidade, uma vez que os alunos necessitam compreender como as marcas típicas
do registro informal possuem peculiaridades e podem representar vozes menosprezadas na
sociedade.
Outro
aspecto
observado
refere
às
competências
que
se
direcionam
ao
desenvolvimento de estratégias para organização de textos. São elas:
Utilizar conceitos, informações e dados de outras áreas do
conhecimento.
A relevância do texto – ou a importância daquilo que se diz – requer a
ativação de outros conhecimentos para além daqueles estritamente
lingüístico. Uma das condições fundamentais para se usar bem a linguagem
é “ter o que dizer”. (PERNAMBUCO, 2008, p. 95)
165
Emprestar ao texto algum aspecto de novidade e de criatividade.
Fugir da obviedade, ou saber dizer o que está para além do já evidente,
constitui uma forma de deixar o texto relevante e de interesse para o leitor.
(1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95)
Atribuir um título adequado ao texto ou a seções e subtópicos do
mesmo.
O título do texto constitui um recurso valioso para sinalizar a unidade
temática do texto, a relevância de um de seus tópicos ou de um ponto de
vista particular tratado no texto. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008,
p. 96)
Incluir referências, alusões ou citações a texto de outros.
Muitas vezes, o recurso à palavra de outros autores representa uma forma de
buscar apoio para as idéias, informações ou argumentos apresentados. (2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95)
A primeira ressalta a habilidade de inserir nas produções textuais elementos de outras
áreas de conhecimento. Trata-se de utilizar de conceitos, informações ou dados que ajudem a
desenvolver o conteúdo a ser abordado no texto. Assim, os aprendizes desenvolveriam a
capacidade não só de lançar mão de determinadas informações, mas sim de interpretar,
discutir e relacionar conhecimentos diversos em suas produções. Portanto, não se trata apenas
de acumular informações e inserir nos textos, mas sim de desenvolver a habilidade de saber
selecionar e usar apenas o que é relevante para discutir o tema, como também tecer relações
entre os conceitos, dados e informações de outras áreas para que se apresente de maneira
aceitável e favoreça a compreensão.
No que se refere à segunda, verificamos que destaca os elementos de criatividade do
autor em suas produções. Ou seja, propõe que os aprendizes sejam capazes de gerar novidades
em suas produções textuais. Assim, tal aspecto implica em emprestar ao texto uma forma
diferenciada de abordar um mesmo assunto.
Já a terceira competência se destina à organização temática do texto, ou seja, a
estratégia se volta para que a escolha dos títulos ou subtópicos facilitem a produção de textos
produzidos e atendam a situação de interlocução em foco. Nesse sentido, a forma como o
assunto é tratado no título faz com que o modo de ser apresentado esteja imerso na própria
coerência do texto e se remeta a uma lógica interna. Portanto, a habilidade se volta para a
capacidade dos alunos em atribuir um título que se relacione com o que está sendo tratado
apresentando unidade de sentido.
No que concerne a quarta habilidade, observamos a indicativa de se utilizar nas
produções textuais elementos de outros textos. Trata-se de uma estratégia que destaca a
natureza dialógica dos textos, uma vez que os alunos buscarão inserir em suas produções
166
ideias, fragmentos de outros autores estabelecendo um diálogo com os mesmos. Nessa
perspectiva, indica o desenvolvimento da capacidade de estabelecer relações de sentido e
diálogos com as manifestações simbólicas produzidas na sociedade, uma vez que todo texto
se remete a outro numa relação de correspondência de vozes.
Podemos encontrar, ainda, competências que se destinam ao desenvolvimento de
diferentes estratégias para reproduzir dados de um texto:
Reproduzir, sob a forma de esquema ou diagrama, o conteúdo de um
texto.
Existem outras formas visuais, igualmente significativas, de se sinalizar o
conteúdo de um texto, além do recurso à palavra gráfica (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 97)
Reproduzir, em tabelas ou gráficos, os dados de um texto.
A reprodução dos dados apresentados em um texto pode valer-se das
potencialidades ilustrativas disponíveis em outras linguagens. As tabelas, os
gráficos constituem uma outra perspectiva de sinalização textual. (1EF, 2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96)
A primeira ressalta a habilidade de abordar o assunto sob forma de esquema ou
diagrama, suscitando do aluno a capacidade de selecionar aspectos relevantes dos textos e
transformá-los em tópicos que direcionem o conteúdo do texto. Trata-se de desenvolver a
capacidade de sintetizar as informações de forma significativa e sem fugir ao que está sendo
abordado no texto.
A segunda também se destina a indicar a habilidade de dispor as informações de um
determinado texto em gráficos e/ou tabelas. Trata-se de problematizar os dados numéricos de
um determinado texto favorecendo a interpretação dos mesmos.
Em geral, verificamos que ambas as competências exigem dos alunos não só a
reprodução, mas a seleção dos dados relevantes a serem abordados, como também sua
transmutação para esquemas gráficos. Entretanto, as mesmas não discutem que nem todos os
textos são adequados para esquematizar as ideias em forma de esquemas e nem todo texto
apresenta informações que possam ser organizadas em gráficos ou tabelas.
Outro aspecto relevante concerne às indicações de habilidades no eixo da escrita
vinculadas aos aspectos linguísticos dos textos, tais como:
Ajustar-se às regularidades lingüísticas e discursivas próprias de cada
tipo de texto.
A forma particular de desenvolvimento dos textos depende também de sua
natureza tipológica, ou seja, se são textos (ou partes de textos): narrativos,
descritivos, dissertativos, explicativos e injuntivos (estes últimos
167
compreendem os textos em que aparecem instruções para o uso de um
aparelho, por exemplo, ou para a produção de uma determinada coisa. (1EF,
2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 94)
Empregar os diferentes recursos da coesão textual, de forma a assegurar
a continuidade do texto.
A coesão textual compreende uma série de recursos para se criar e sinalizar
no texto o necessário encadeamento entre seus diferentes segmentos, sejam
estes segmentos palavras, períodos, parágrafos ou blocos supraparagráficos.
Tais recursos incluem desde os diversos tipos de conectores até a repetição
de uma palavra, sua substituição por outra equivalente e o uso de palavras
semanticamente associadas. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 9495)
Estabelecer relações textuais entre orações, períodos, parágrafos ou
blocos maiores do texto, por meio de expressões conectoras.
Além de exercerem funções coesivas, conectores e expressões do léxico
estabelecem relações semânticas diversas, como relações de causalidade,
temporalidade, de oposição, de finalidade, de comparação, de conclusão,
entre outras (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95)
Incluir referências, alusões ou citações a texto de outros.
Muitas vezes, o recurso à palavra de outros autores representa uma forma de
buscar apoio para as idéias, informações ou argumentos apresentados. (2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 95)
A primeira destaca a natureza tipológica dos textos. Nessa perspectiva, verificamos a
indicação para o aluno fazer uso dos diversos tipos textuais para o desenvolvimento das
potencialidades de escrita. Tal aspecto necessita da exploração de como os recursos
linguísticos e textuais são utilizados no enunciado narrativo (por exemplo, entendimento das
ações de espaço e tempo, lugares e tempos em que as mesmas acontecem), descritivo (por
exemplo, usos de atributos morfológicos para a construção da qualificação do sujeito, espaço,
objeto, os usos de verbos, adjetivos ou expressão adjetivas), dissertativo (por exemplo,
identificação do argumento defendido e elementos de concordância ou de refutação, marcas
linguísticas específicas), explicativo (por exemplo, utilização de linguagem articulada e
convincente, ausente de ambiguidades e marcada pela objetividade, usos marcadores textuais
que garantam a progressão e a articulação) e injuntivo (por exemplo, exposição do
macroobjetivo, apresentação dos comandos e justificativa).
No entanto, não observamos indicações, na competência em foco, para uma reflexão
do papel dos tipos textuais associados aos gêneros. Em outros termos, os gêneros se
constituem de um tipo textual predominante18 diante de uma determinada função
comunicativa, portanto, seria uma boa oportunidade de refletir acerca das relações existentes
18
Vale ressaltar que a existência de um tipo predominante não implica na ausência de outras sequências
tipológicas.
168
entre as diversas sequências tipológicas e os gêneros. Trata-se de oportunizar uma discussão
de como os tipos textuais são partes constitutivas dos gêneros, como também oferecer a
apropriação dos fenômenos linguísticos e discursivos para o desenvolvimento da capacidade
de interação nas mais diversas situações.
Já a segunda ressalta as diferentes relações que os elementos coesivos tecem nas
produções textuais, ou seja, a habilidade de empregar os diferentes conectores e palavras para
constituição de relações entre os segmentos do texto e sua ordenação. Nesse sentido, a
competência se refere à coesão responsável pela desenvoltura do texto, ou seja, os usos de
recursos para a garantia de continuidade do sentido. Não se trata apenas de uma sequenciação
de elementos linguísticos, mas sim de elos coesivos que pretende contribuir para a construção
da unidade sentido do texto.
No que concerne a terceira, verificamos que o destaque refere às relações lógicosemânticas tecidas a partir das relações entre os recursos linguísticos e o texto. Nessa
perspectiva, a competência indica o desenvolvimento de identificar as relações de causa,
condição, concessão, conclusão, explicação, inclusão, exclusão, oposição, dentre outros, que
podem ser estabelecidas na tessitura do texto e os recursos coesivos. Trata-se de ressaltar a
natureza sintático-semântica constitutiva dos articuladores textuais, uma vez que assumem um
papel relevante para nas produções textuais por ajudar na organização micro e global dos
textos.
Podemos encontrar, ainda, competências que se relacionam com a coerência dos
textos. São elas:
Dotar texto de inteligibilidade.
A coerência do texto está diretamente vinculada à sua condição de ser
inteligível, ou de poder ser interpretado, graças também a expressão clara,
concisa e consistente das idéias, dos dados e das informações. (1EF, 2EF,
EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 94)
Manter a continuidade temática do texto.
Um dos aspectos fundamentais que garantem a coesão e a coerência do texto
é a sua condição num determinado tema. A unidade do texto resulta também
desta continuidade em torno de um mesmo eixo. (1EF, 2EF, EM)
PERNAMBUCO, 2008, p. 94)
Em relação à primeira, observamos a ressalva para a capacidade de tornar um texto
claro. Assim, a habilidade se volta a sinalizar a manutenção do tema de um determinado texto
de forma a torná-lo o mais inteligível possível para o interlocutor. Ou seja, a cada passagem
do texto, o produtor, utilizando os recursos linguísticos e extra-linguísticos, deverá oferecer
169
pistas ao leitor na construção de significados. Trata-se de produzir um texto passível de
interpretação tendo em vista articulação entre as partes do texto e o todo e a utilização de uma
linguagem clara e concisa.
Já a segunda competência destaca a necessidade de manter a unidade temática de um
texto. Para tal, a habilidade perpassa pela habilidade de encadear as ideias através da
retomada de determinados elementos ao longo dos textos, como também organizar as
informações em progressão temática. Assim, a competência indica que os alunos sejam
capazes de produzir textos sem redundâncias, observando a estrutura de informações e as
pistas relevantes para o desenvolvimento do texto.
Tal como vimos nas categorias voltadas para os eixos da oralidade e leitura, o
documento em foco destaca apenas duas competências relacionadas diretamente à reflexão
sobre o gênero. Em contrapartida, as competências que destacam o desenvolvimento de
habilidades a partir dos textos são mais expressivas na proposta. Os saberes destacados em
algumas competências, por sua vez, se aproximam de uma compreensão de linguagem
pautada nos pressupostos dialógicos.
6.3.4. Os saberes e habilidades no eixo da análise linguística
No que concerne às competências relacionadas ao trabalho com análise linguística, há,
no documento, vinte e cinco competências. Destas, verificamos apenas uma indicação de
competência voltada para os elementos sociodiscursivos dos textos, duas para os elementos
gramaticais dos textos e uma para relação entre os efeitos de sentido e pontuação, são elas:
Refletir sobre o caráter discursivo e interdiscursivo da língua.
Todo texto, na verdade, está ligado a outros anteriores, já em circulação,
Nenhum texto é, portanto, absolutamente original, ou está fora de qualquer
experiência de partilhamento. A consciência desse principio fundamenta a
certeza de que há “um grande discurso”, ininterruptamente em produção e
em circulação por todos os grupos humanos. (1EF, 2EF, EM)
PERNAMBUCO, 2008, p. 100)
Analisar as especificidades das diferentes classes gramaticais na
construção do texto.
O texto se constrói com o uso de palavras que se inscrevem em diferentes
classes, cada uma preenchendo uma função particular para que a expressão
do sentido e das intenções seja possibilitada. (1EF, 2EF, EM)
(PERNAMBUCO, 2008, p. 101)
Analisar os padrões de combinação e de distribuição das palavras na
sequência das frases, como constituintes dos textos.
170
As normas da gramática prevêem padrões de combinação das palavras nas
frases, de modo que não é de inteira liberdade do usuário dispor as palavras
como bem lhe aprouver. Existem combinações possíveis e existe uma ordem
em que as palavras devem se suceder. (1EF, 2EF, EM) (PERNAMBUCO,
2008, p. 93- 94)
Estabelecer a correlação entre o sentido e a intenção do texto e os sinais
de pontuação.
O sentido e as intenções pretendidos para o texto, por vezes, são construídos
e indicados pelo uso dos diversos sinais de pontuação, que, desta forma,
funcionam como importantes pistas para o entendimento do texto. (1EF,
2EF, EM) (PERNAMBUCO, 2008, p. 96)
A primeira ressalta o caráter dialógico da língua, uma vez que a mesma é vista como
uma atividade de interação dotada de significações. Para tal, a competência indica que os
discursos que circulam socialmente são elementos intrínsecos no processo de produção de
texto retomando a perspectiva dialógica bakhtiniana. Em outros termos, todo texto manifesta
vozes que circulam na sociedade, uma vez que se constituem num processo de refutação,
reprodução e/ou construção de ideias partilhadas culturalmente. Nesse sentido, a competência
sugere que a língua seja considerada uma atividade social, produzida num processo contínuo
de relações entre os que a utilizam e dotada de produção de sentidos.
Já a segunda remete aos elementos mais estruturais da língua. Nesse sentido, a
competência sugere o desenvolvimento de habilidades voltadas para a reflexão dos elementos
linguísticos presentes no texto, de forma mais especifica sobre o papel das classes
gramaticais. Diferente da tradição no ensino dos aspectos meramente estruturais da língua, de
forma descontextualizada e isolada, a habilidade indica que tais aspectos sejam vistos
vinculados às intenções e sentidos. No entanto, acreditamos que a mesma poderia dar mais
ênfase no uso discursivo das palavras e suas classificações, ou seja, ressaltar a possibilidade
de direcionar a reflexão gramatical a serviço dos usos sociais. A esse respeito, Bakhtin (2000)
destaca que:
a oração, enquanto unidade da língua, assim com a palavra, não tem autor;
não é de ninguém (como a palavra), sendo somente quando funciona como
enunciado completo que se torna expressão individualizada da instância
locutora, numa situação concreta da comunicação verbal. (p. 308)
A terceira competência também concerne aos elementos estruturais da língua, sendo
a ênfase destinada à combinação e distribuição das palavras nas frases. Nessa perspectiva, o
documento sugere que as normas gramaticais sejam alvo de reflexão, uma vez que a língua
possui regularidades e seus elementos não podem ser utilizados de forma aleatória. Assim, a
utilização dessas palavras na sequência garante a unidade de sentido dos textos.
171
No que concerne à quarta competência, a relação se estabelece entre os efeitos de
sentido dos usos de sinais de pontuação nos textos. Nessa perspectiva, a habilidade se destina
ao reconhecimento de como esses sinais se constituem como marcas constitutivas de sentido,
uma vez que oferecem pistas ao leitor e produtor em compreender os textos e suas respectivas
intenções. Assim, a articulação entre sentido, intenção e os usos dos sinais de pontuação não
consiste meramente numa demarcação de forma, mas sim no estabelecimento da coesão
textual e na ajuda da constituição da inteligibilidade do texto.
Com base no que foi mencionado nessa categoria, as competências que ressaltam o
trabalho com os textos na reflexão sobre a língua poderiam sugerir mais habilidades que interrelacionassem a gramática reflexiva à questão de interação numa determinada situação de
comunicação, bem como às construções de sentido do texto. Portanto, não se trata de excluir
habilidades que se destinem a reflexão sobre a língua, mas sim discutir, de forma mais
aprofundada, como determinadas habilidades voltadas para os usos da norma padrão são úteis
de acordo com a situação de interlocução.
6.4. As orientações relativas à escolha dos recursos didáticos.
No que se refere à escolha dos recursos didáticos, observamos que a BCC-PE discute a
orientação de dois recursos, de forma mais especifica: os textos a serem trabalhados e o livro
didático.
Verificamos diferentes tipos de orientações relativas à seleção dos textos a serem
direcionadas ao ensino. São elas:
- Textos de temática interessante
- Textos com extensão compatível à faixa etária
- Textos de diferentes universos culturais
- Textos/gêneros variados
- Textos de diferentes dialetos e registros
- Textos de diferentes domínios de produção
- Textos com unidade de sentido preservado de relevância conteúdos
- Projeto gráfico dos textos
- Textos e seus elementos de contextualização
172
Um dos aspectos ressaltados pelo documento é o fato dos textos serem selecionados a
partir de temáticas interessantes aos alunos. O desenvolvimento pelo gosto da leitura perpassa
pelo favorecimento de textos significativos aos aprendizes, ou seja, as práticas de leitura dos
indivíduos podem ser ampliadas a partir do contato com os textos. Tal aspecto é defendido
pela BCC-PE:
[...] serão considerados textos relevantes aqueles textos que, sob qualquer
aspecto, despertam a atenção dos interlocutores pela suposição de que
selecionam aquilo que lhes interessa ouvir ou ler. (Seção 6.2 As condições
de realização da interação verbal, p.71)
- sejam interessantes, adequando-se, na temática e na estruturação
lingüística, à faixa etária dos alunos; (PERNAMBUCO, 2008,7.2 A seleção
e apresentação dos textos p. 76)
- apresentem uma temática relevante, estimuladora, e instigante;
(PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 76)
A partir desses fragmentos, observamos que um dos princípios que orientam a seleção
dos textos é a capacidade de chamar a atenção do público alvo. Ou seja, o documento
preconiza que as temáticas abordadas nos textos precisam ser relevantes ao público alvo,
oferecendo elementos pelos quais os alunos se sintam motivados a realizar a leitura
Verificamos, ainda, a relevância de esses textos possuírem o critério de adequação à faixa
etária, no que se refere à estruturação linguística.
Para o documento em foco, os textos a serem selecionados deverão possuir extensão
compatível a faixa etária:
Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos:
[...]
- tenham uma extensão compatível a faixa etária e, principalmente, com o
tempo destinado à atividade proposta; (PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A
seleção e apresentação dos textos p. 77)
Nessa perspectiva, trabalhar com textos maiores ou menores em sala de aula se vincula
à questão da idade dos alunos e ao tempo que se destina para a atividade a ser realizada. Tais
aspectos se configuram em critérios de adequação ao ano/série pelos quais os textos serão
utilizados.
Entretanto, não podemos deixar de destacar que esse fragmento pode dar margem à
interpretação de que crianças em idades menores não poderiam trabalhar com textos mais
extensos ou vice-versa.
173
Outro aspecto a ser ressaltado é que não encontramos no documento orientações
referentes aos modos de ler os textos na diferentes faixas etárias. A discussão sobre a
variedade de situações nas quais os alunos poderão ser postos em relação à leitura, tais como,
ler sozinhos ou com a ajuda do professor, ler em voz alta ou ler silenciosamente, poderia
oferecer subsídios aos docentes para repensar o desenvolvimento de habilidades relacionadas
ao eixo da leitura.
Outro principio que permeia a escolha dos textos se refere ao oferecimento de textos
de diferentes universos culturais, tal como é ressaltado abaixo:
Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos:
[...]
- contemplem diferentes universos culturais e, dessa forma, incluam além
dos temas próprios do mundo urbano, temas próprios do mundo do campo;
Como podemos verificar, há uma indicativa no documento para não contemplar textos
apenas de um universo cultural, pois não oportunizaria ao aluno acesso a culturas de outros
grupos sociais. No entanto, a proposta em foco não apresenta maiores discussões sobre os
motivos pelos quais o currículo deva oferecer acesso a textos de diversos universos. Ou seja,
não oportuniza um debate sobre a relação entre a oferta de textos de diversos universos e o
acesso ao conhecimento de diferentes modos de vidas, de forma a desenvolver a tolerância e o
respeito a pessoas de culturas diversificadas.
Outro princípio indicado pelo documento está voltado para a diversidade de gêneros
textuais para o trabalho com a linguagem:
Mostrem a diversidade de gêneros de textos que circulam nos diferentes
meios sociais, tais como comentários, informações científicas, notícias,
trechos de reportagens, trechos de entrevistas, narrativas, crônicas, fábulas,
histórias em quadrinhos, tiras, charges, poemas, anúncios, avisos, cartas,
convites, declarações,para citar apenas estes; (7.2 A seleção e apresentação
dos textos p. 76)
No que se refere aos textos orais, vale a pena definir que merece todo
cuidado o interesse da escola por promover o contato dos alunos com
diferentes gêneros orais. ((7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 75)
Observamos nos fragmentos acima expostos que há uma indicativa de oferecer aos
alunos o contato com uma gama de gêneros que circulam socialmente. No entanto, não
verificamos reflexões acerca da seleção dos gêneros em cada ano/serie e das dimensões a
174
serem enfocadas a cada ano de escolaridade, tal como já foi discutido nesse trabalho.
Portanto, verificamos na proposta a necessidade de refletir mais sobre tais aspectos.
Constatamos também que o documento autoriza o trabalho a partir de fragmentos de
textos. Em outros termos, quando destaca que podem ser selecionados trechos de reportagem
e de entrevistas está permitindo a exploração de fragmentos no ensino de língua materna. Essa
prática se justificaria mais se a proposta concebesse a importância de abordar também outras
dimensões do ensino e não apenas as habilidades de compreensão e produção de textos, como
o trabalho envolvendo a aprendizagem do sistema alfabético de escrito, a ortografia ou outros
objetos do eixo da análise linguística. Não há, no documento, reflexões sobre o que
justificaria tal “concessão”.
Outro aspecto subjacente às recomendações relativas à escolha dos textos é o respeito
pelas diferenças culturais. Essa orientação se dá por meio da oferta aos alunos de textos de
diferentes dialetos e registros, tal como é ressaltado no documento:
Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos:
[...]
- sejam representativos de diferentes dialetos (padrão e não-padrão; desta e
de outras regiões) e de diferente registros (formal e informal) com o cuidado
para que não se restrinjam a particularidades muito especificas de um
determinado lugar ou situação. (PERNAMBUCO, 2008,7.2 A seleção e
apresentação dos textos p. 76)
Com o fragmento acima, observamos que a proposta indica a necessidade de
selecionar textos que não priorizem uma variante ou registro em detrimento da outra, uma vez
que é de extrema importância o oferecimento de reflexões de igual modo para os dialetos e
registros. Essa discussão perpassa pelo combate ao preconceito linguístico, uma vez que traz à
tona a relevância de se oferecer textos que contemplem dialetos e registros diferentes. No
entanto, não verificamos no documento maiores debates sobre as implicações de se eleger
representatividade de tais textos na escola. Ou seja, não discute, por exemplo, que o contato
com textos de diferentes dialetos e registros possibilita ao aprendiz a oportunidade de refletir
sobre os estigmas que a sociedade impõe, muitas vezes, a determinadas pessoas que não se
utilizam do dialeto padrão ou do registro formal. Tal compreensão perpassa pela reflexão da
adequação dos dialetos e registros nas diversas situações de comunicação, como também pelo
respeito às diferentes maneiras de se utilizar da língua, ou seja, o combate ao preconceito
linguístico ainda presente na sociedade, onde as variações dialetais e de faixa etária são
marginalizadas pelos grupos dominantes da sociedade.
175
No que concerne aos textos de diferentes domínios de produção, o documento indica:
- remetam para os diferentes domínios de produção e divulgação do
conhecimento, tais como imprensa, ciência, literatura, arte, política – em
prosa e em verso- e, assim, tenham como suporte o jornal, a revista, o livro
de ciências, a enciclopédia, o folheto de cordel, o cartaz, entre outros;
(PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A seleção e apresentação dos textos p. 76)
Como verificamos, o trecho destaca uma proposta de acesso a textos de diversos
domínios discursivos, tais como o científico, jornalístico e literário, como também a
contemplação de diferentes suportes. Sendo assim, podemos observar a preocupação em
ampliar o leque de letramento dos alunos, ou seja, é uma oportunidade do aluno ter contato
com diversos domínios e produção de forma a inseri-los em espaços sociais diversos
Vale ainda ressaltar na proposta a preservação do texto em sua unidade de sentido e a
relevância dos conteúdos:
Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos:
[...]
- preservem a unidade de sentido e a relevância do conteúdo, no caso de
sofrerem adaptações ou supressões. (PERNAMBUCO, 2008, 7.2 A seleção e
apresentação dos textos, p. 77)
O fragmento acima atenta para as questões voltadas para as reformulações feitas no
texto. Ou seja, o cuidado para não deformar o sentido ou o conteúdo de determinados textos
no processo de ensino aprendizagem, uma vez que a qualidade textual fica comprometida
caso as mudanças não respeitem seu texto de origem. Com a finalidade de desenvolver as
capacidades linguísticas e discursivas dos alunos, o texto que sofre adaptação ou supressão
inadequada compromete a fidelidade do texto de origem, com também não se configura como
um bom material didático a ser utilizado nas aulas de língua portuguesa.
Observamos também algumas recomendações voltadas para o projeto gráfico dos
textos. São elas:
A apresentação dos textos também merece seus cuidados, para que:
- se preserve a forma gráfica do suporte original, sempre que isso seja
relevante e possível;
- seja inteiramente legível, numa configuração clara e acessível – de maneira
que favoreça, integralmente, a leitura e o entendimento;
- esteja conforme os originais, sem erro de impressão ou outros que possam
dificultar a interpretação;
176
- traga algum tipo de ilustração ou algum recurso gráfico, caso se trate de
textos mais longos, de forma a amenizar o esforço da leitura, principalmente
quando se destinam às séries iniciais do Ensino Fundamental.
(PERNAMBUCO, 2008, p. 76-77)
Como observamos, o documento refere-se a deturpações da forma gráfica,
legibilidade, isenção de erros de impressão e presença de ilustrações. Tais aspectos são vistos
como elementos que contribuem para a qualidade do texto. Em outros termos, os alunos
merecem ter acesso a textos de qualidade e que colaborem para o desenvolvimento de suas
capacidades. Portanto, necessitam de uma apresentação gráfica que ajude o aprendiz a realizar
interpretações e criar significações com o conjunto do texto, desde seus elementos
contextuais, de tema, conteúdo e elementos gráficos.
Por último, observamos que a BCC-PE ressalta os elementos de contextualização do
texto como pré-requisitos na escolha:
Nesta perspectiva, espera-se que tenha todo o cuidado para que os textos:
[...]
Explicitem seus elementos de contextualização, tais como autoria, suporte,
lugar e época de publicação. (PERNAMBUCO, 2008,7.2 A seleção e
apresentação dos textos p. 77)
Os elementos acima citados se referem a alguns elementos contextuais dos textos.
Esses são relevantes para o estudo sistemático da linguagem, uma vez que oferecem suporte
ao leitor acerca de aspectos sociodiscursivos dos textos. Com isso, trabalhos como
antecipações, conhecimento sobre o autor, dentre outros, poderão ser realizados com o
objetivo de desenvolver as habilidades discursivas dos alunos.
A escolha do livro didático também foi alvo de reflexão no documento. Verificamos
que esse material é visto sob duas perspectivas: a relevância de ser um instrumento didático
disponível aos professores e a ressalva do mesmo não ser o único recurso a ser utilizado.
Dessa forma, a proposta ressalta que o LD é um recurso importante no processo de
ensino aprendizagem, por se tratar de um recurso de fácil acesso e que disponibiliza
conteúdos e atividades relevantes, tal como está sendo destacado abaixo:
Convertem-se assim, em apenas um dos apoios disponíveis para o professor;
talvez o mais importante, o mais facilmente acessível, na disponibilidade do
material textual que vai ser objeto de estudo, na indicação dos conteúdos
relevantes e nas propostas de atividades que ensejam sua exploração.
(PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.2 O lugar do livro didático no
desenvolvimento de competências em linguagem, p. 106)
177
No entanto, também atenta ao público leitor a necessidade desse recurso ser visto
como complemento que precisa ser revisto porque não dá conta das particularidades locais ou
regionais nas quais estão sendo inseridos:
[...] é esperado que o professor possa complementar o recurso do livro
didático, até mesmo para responder às exigências de uma atenção às
particularidade locais ou regionais da comunidade escolar. .
(PERNAMBUCO, 2008, Seção 8.2 O lugar do livro didático no
desenvolvimento de competências em linguagem, p. 106)
Com isso, observamos que a proposta indica algumas reflexões acerca desse recurso
didático utilizado em muitas escolas. Entretanto, acreditamos que a discussão poderia ter sido
ampliada chamando a atenção para critérios de escolha do livro e de outros recursos, a análise
critica das atividades propostas pelo mesmo, a relação entre os princípios propostos pelo
próprio documento e o livro didático a ser adotado, enfim, outros elementos que poderiam ter
sido alvo de reflexões mais sistemáticas.
Dado o exposto, verificamos que a BCC-PE indica alguns princípios para a seleção
dos recursos didáticos a serem utilizados. Entretanto, a discussão não favorece reflexões mais
aprofundadas sobre esses materiais. Sendo assim, a reflexão sobre o papel do livro no
desenvolvimento das competências se torna insuficiente para o que propõe o documento.
Síntese do capítulo
Nesse capítulo, discutimos os pressupostos teóricos e metodológicos que perpassam a
BCC-PE de língua portuguesa. Nessa perspectiva, verificamos que, no que concerne à
concepção de língua, a referida proposta apresenta princípios que se aproximam da
compreensão bakhtiniana de língua como interação verbal. Sendo assim, destaca como sendo
relevante para o ensino da linguagem a natureza dialógica, contexto de produção e efeitos de
sentidos produzidos entre os interlocutores. Já em relação aos princípios referentes ao texto e
gênero, observamos que o documento concebe o texto como entidade concreta materializada
no gênero.
Destacamos que, embora o documento ressalte a importância de levar em consideração
os gêneros no ensino de língua materna, não discute, de forma mais sistemática, tal aspecto.
Ou seja, não problematiza quais dimensões dos gêneros poderiam ser alvo de reflexão de
178
modo mais específico e quais as capacidades de linguagem, a eles relacionadas, podem ser
consideradas nos anos/séries.
Verificamos também que, embora o documento ressalte a relevância dos alunos
entrarem em contato com uma gama variada de gêneros não observamos discussões que
problematizassem como tal abordagem estaria articulada com as competências destacadas nos
eixos de ensino. Constatamos, ainda, que outro princípio defendido no documento é o do
trabalho a partir dos textos orais e escritos, todavia, não foram observados maiores debates
acerca de como tais textos podem ser instrumento de teorização.
Já em relação aos dados referentes aos saberes e habilidades indicados para os
diferentes eixos de ensino, foi observado que são poucas as habilidades que se relacionam à
discussão dos gêneros. Tal dado nos sugere um afastamento do princípio de que os textos se
materializam em determinados gêneros, defendido pela proposta. Em contrapartida,
encontramos competências que enfatizam o desenvolvimento de estratégias de leitura, sem
haver articulações com as propriedades dos gêneros a serem trabalhados. Tais competências
ora se aproximam de uma compreensão pautada na perspectiva dialógica da linguagem, ora se
afastam propondo análises estruturais sem relacionar ao processo de interlocução e construção
de sentidos.
Por último, discutimos as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos.
Nessas, constatamos que a BCC-PE indica princípios para a seleção dos recursos didáticos a
serem utilizados, entretanto tais orientações são dadas de forma geral sem discussões mais
aprofundadas, principalmente no item que se refere à escolha do livro didático.
179
Capítulo 7
O que propõe a coleção de livro didático de língua portuguesa mais
distribuída nas redes de ensino do estado de Pernambuco em 2007 para o
trabalho com os gêneros?
Nesta parte do trabalho, discutiremos os dados relativos à coleção de livros didáticos
“Porta Aberta”, uma vez que a preocupação do objeto de pesquisa também foi investigar os
procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais na coleção de livros didáticos mais
distribuída no estado de Pernambuco. Para tanto, apresentaremos, inicialmente, uma análise
sobre as concepções de linguagem, texto e gênero expressas no manual do professor. Nessa
análise, mapearemos os princípios explícitos e implícitos que tentam subsidiar o ensino de
língua portuguesa da coleção adotando as mesmas categorias discutidas na BCC-PE.
No capítulo 8, faremos uma discussão sobre os princípios didáticos relativos ao ensino
de textos/gêneros discursivos, de forma mais específica, sobre os objetivos didáticos relativos
ao trabalho com os gêneros abordados nas atividades da coleção. Depois, debateremos os
saberes e habilidades contemplados nas atividades, apresentando uma discussão geral sobre os
gêneros inseridos na obra e os mais explorados nos quatro livros da coleção. Por fim,
incitaremos reflexões sobre quais dimensões dos gêneros são alvo de reflexões mais
sistemáticas nos livros dos alunos, bem como a organização da sequência e das propostas de
atividades com os gêneros discursivos. Em ambos os capítulos, buscaremos estabelecer
relações com o a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco,
ou seja, observar as aproximações e afastamentos entre os princípios da proposta curricular e
o livro didático de Língua Portuguesa.
7.1. Concepções de linguagem, texto e gênero
Nesse item apresentaremos as concepções de linguagem, de texto e de gênero que
orientam o trabalho com a língua materna no manual para o professor (doravante MP). Ou
seja, debateremos quais as perspectivas apresentadas ao professor em relação à metodologia,
aos eixos de ensino de língua portuguesa e seus objetivos, às especificidades das seções do
livro, aos critérios de avaliação, ao plano de curso com os conteúdos, aos objetivos e
180
atividades e, por fim, às orientações para o desenvolvimento de alguns projetos, além de
referências bibliográficas que oferecem subsídios para o trabalho com a língua portuguesa.
Vale ressaltar que tais concepções serão analisadas em comparação com os
pressupostos identificados na BCC-PE de Língua Portuguesa. Para tanto, analisaremos os
livros fazendo uso das mesmas categorias encontradas na BCC. Buscaremos, ao utilizar as
mesmas categorias de análise, identificar as aproximações e distanciamentos entre os
documentos, ou seja, discutiremos se o LD contempla ou não os mesmos princípios e
concepções encontrados na BCC-PE. Para tal, este tópico foi dividido em cinco itens:
7.1.1. Língua como interação verbal
7.1.2 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero
7.1.3. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas
7.1.4 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica
7.1.5 Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado
7.1.1. Língua como interação verbal
O Manual do Professor dos livros se configura como um suporte que pode
efetivamente contribuir para a formação do docente por meio de indicações teóricas e
metodológicas. Corroboramos com Val e Castanheiras (2005) quando destacam:
a necessidade de os livros didáticos que, no Brasil, têm funcionado como
importante apoio ao trabalho do professor, apresentarem atividades de
leitura, produção de textos, práticas orais e reflexão sobre a linguagem bem
conduzidas, com a exploração de estratégias pertinentes e diversificadas.
(p.154)
Seguindo essa perspectiva, o MP deve oferecer orientações ao professor acerca dos
pressupostos teórico-metodológicos adotados pela coleção para o trabalho com os eixos de
ensino de língua materna. Trata-se de ressaltar que tais pressupostos refletem, de forma
explícita ou implícita, as concepções de linguagem, de língua e de ensino e aprendizagem.
Sendo assim, nesse subitem, discorreremos acerca dos princípios que nos permitem entrever
como o ensino de língua portuguesa está sendo concebido no MP da coleção. Para tal,
discutiremos a organização desse manual e suas orientações para os eixos de ensino de língua
portuguesa.
181
Ao analisarmos o MP, percebemos que, nas quarenta e oitos páginas destinas a
oferecer ao leitor orientação quanto ao trabalho com a coleção, não há uma seção específica
que discuta acerca da concepção de linguagem que norteia a coleção. Os aspectos
metodológicos estão organizados nas seções intituladas de “Apresentação”, “Estrutura da
coleção”, “Metodologia”, “Critérios de avaliação do rendimento escolar”, “Plano de curso”,
“Apêndice”, “Bibliografia”.
Embora não verifiquemos um item que explicite os aspectos teóricos da proposta, as
considerações metodológicas trazem, em seu bojo, uma concepção de língua e linguagem. Ou
seja, ao definir objetivos e determinadas estratégias, além de orientar sugestões nos eixos de
língua portuguesa, subjaz ao MP algumas correntes teóricas e suas respectivas implicações ao
ensino de língua materna.
Nesse sentido, ao mapearmos os fragmentos que nos dão indícios sobre quais
princípios a proposta da coleção elege para orientar o trabalho com a língua materna,
verificamos que tais excertos ora apontam, nas orientações metodológicas do MP, a uma visão
de linguagem voltada para situações reais de usos, ora se distanciam dessa perspectiva.
Primeiramente, constatamos que os volumes da coleção têm como objetivo principal
“auxiliar tanto o professor quanto o aluno a vivenciarem, juntos, as diversas possibilidades de
Língua Portuguesa em seus diferentes usos” (p.5 – grifo nisso). Com isso, verificamos que as
autoras destacam a necessidade de se considerar a língua em suas práticas sociais. Trata-se de
uma aproximação com a concepção de linguagem como processo de enunciação e discurso,
na qual o trabalho com a língua materna não se dá de forma estática, mas sim articulada às
condições de produção. Sobre a nova proposta de ensino de língua, Bagno (2009) ressalta
que:
As novas propostas privilegiam, portanto, as operações que um falante
competente é capaz de fazer com sua língua materna, Privilegiam o ensino
de procedimentos textuais, das técnicas discursivas, das estratégias
interacionais que permitem que alguém se expresse de forma adequada as
múltiplas situações de interação verbal, falada e escrita, em que esse
indivíduo vai se encontrar durante toda a sua vida em sociedade. (p.168)
Verificamos também que, na perspectiva de um trabalho voltado para os usos da
língua, o MP também propõe projetos em torno de algum gênero. Ou seja, em cada volume há
uma indicação de dois projetos com orientações gerais dos passos a serem desenvolvidos.
Nessa perspectiva, os projetos se voltam, no segundo ano, para as trovas e seminário (MP,
p.39 a 44); histórias e poemas (MP, p. 44 a 53), no terceiro ano; seminário e literatura de
182
cordel (MP, p. 40 a 53), no quarto ano; e, por fim, biografia e historias de suspense (MP, p.45
a 52) no quinto. Tais projetos simulam situações nas quais os alunos são levados a produzirem
a desenvolver algum trabalho que envolva os eixos de língua portuguesa, tal como destaca o
MP:
Leitura, escrita, oralidade
Os projetos têm a intenção de
colocar os alunos em contato com
as práticas da língua oral e escrita
amparadas por propósitos sociais
definidos e com interlocutores
reais, previamente determinados.
Ler, escrever, falar e escutar
ganham dimensão prática com
objetivos imediatos, tendo em vista
o objetivo final. (p.17)
(Seção Projeto, p.17)
Com isso, observamos que o trabalho com projetos já se configura como uma
metodologia que requer uma dinâmica diferenciada, e, no caso acima, esse tipo de atividade
representa uma oportunidade de movimento mais pragmático no que concerne à utilização da
linguagem. Nessa perspectiva, tal aspecto parte do princípio de que esse tipo de atividade se
aproxima da compreensão de usos da linguagem e, consequentemente, traz implicações para o
trabalho com os eixos e objetivos de língua portuguesa. De acordo com o Guia do Livro
Didático 2007, “os Projetos propostos [...], pela característica metodológica, acabam
possibilitando situações mais significativas de aprendizagem, em relação aos diferentes
componentes do ensino de Língua Portuguesa”. (BRASIL, 2006, p.256).
A inserção de trabalhos, como o citado acima, faz parte da movimentação de
reconfiguração de perspectivas para o ensino de língua materna que se estabeleceu a partir das
reflexões teóricas e metodológicas nas pesquisas educacionais e das avaliações nas quais os
livros são submetidos. Rangel (2005) ressalta que, com a mudança de paradigma a um viés de
usos sociais da língua, os autores de livros didáticos precisam repensar os objetivos didáticos
para o ensino de língua materna.
Outro exemplo se remete a certas orientações oferecidas pelo MP, como no exemplo
abaixo:
Leitura
Deve-se propiciar ao aluno a possibilidade de
interagir com o texto para então acompanhar a
183
leitura do professor. (Seção Leitura silenciosa
realizada pelo aluno, p.10)
A tarefa do professor é basicamente levar os
alunos a compreender o que leram sem no
entanto dar-lhes respostas prontas e acabadas.
Ele deve auxiliá-los a inferir e a descobrir os
significados das palavras dentro de cada
contexto especifico, principalmente nos pontos
em que a dificuldade impede-lhes a construção
do sentido. (Seção Leitura do professor em voz
alta, p.10)
Na primeira orientação acima citada, observamos que as autoras chamam a atenção
para a possibilidade do aluno “interagir com o texto” e, sendo assim, destacam a necessidade
da leitura não ser compreendida como mera decodificação. Ou seja, não se estabelece elo
entre o autor e o leitor para ressignificações sobre o que está sendo abordado. Numa acepção
de linguagem voltada para as práticas sociais, o processo de leitura deve proporcionar o
encontro com o outro, ou seja, autor, leitor e texto devem dialogar num processo recíproco de
construção de sentidos.
Já a segunda indicação está voltada para a importância de se trabalhar com os sentidos
das palavras dentro dos contextos nos quais se encontram imersas. Para tal, o docente não
deveria apresentar respostas prontas no momento em que o aluno se depara com uma palavra
que suscita dúvidas ou não compreende o significado. Tal aspecto se aproxima da
compreensão de que a leitura é um ato que se concretiza com as construções de sentidos pelo
leitor. Todavia, destacamos a necessidade de maior aprofundamento para enfatizar ao
professor a necessidade de contribuir na formação de um leitor proficiente que, dialogando
com o texto, possa atribuir significados não apenas pela compreensão literal, mas também
através de processos inferenciais e do estabelecimento de relações intertextuais.
Observamos trechos que sugerem implicações sobre as práticas de produção de textos
pautadas nos usos discursivos:
Escrita
Ao propor situações de produção de textos, o
professor deve atentar para a importância do ato
de escrever:
 escrevam para um destinatário real
(importância do que e de como dizer);
 tenham um objetivo ou finalidade; (...)
(Seção Produção, p.15)
184
Como podemos observar acima, as autoras destacam a necessidade da proposta de
produção de textos visar a um interlocutor e apresentar-se articulada às finalidades, o que
demanda a compreensão de que tal tarefa se constitui numa perspectiva dialógica. Ou seja, o
processo de produção de textos é considerado como forma discursiva de construção de
sentidos através da interação entre os sujeitos e o próprio texto. Trata-se de ressaltar o
dialogismo, tal como defende Bakhtin (2000), como princípio constitutivo da linguagem.
Em desencontro com a perspectiva acima discutida, podemos encontrar trechos que
revelam a utilização da linguagem de forma mais prescritiva, como em algumas orientações
para o trabalho com a leitura. Vejamos os fragmentos abaixo:
Leitura/Compreensão
O educador, especialmente o que lida com
leitores principiantes, deve, dependendo do tipo
de texto, priorizar a leitura silenciosa, pois os
alunos de anos iniciais, ao ter de se preocupar
com a pronúncia, o ritmo e entonação,
dificilmente será capaz de apreender, ao mesmo
tempo, o significado do texto. (Seção Leitura
silenciosa realizada pelo aluno p. 10)
Sugerimos também que, após essa leitura, o
professor resolva possíveis dúvidas quanto ao
vocabulário ou à compreensão textual fazendo
com que os alunos analisem as frases e as
estruturas frasais. (Seção Leitura silenciosa
realizada pelo aluno p.10)
Para que os alunos possam, efetivamente,
incorporar palavras novas presentes nos textos,
reutilizando-as com propriedade e com
correção em contexto frasais diferentes, é
preciso que conheçam não só o significado
delas, mas que realizem atividades de
substituição lexical, trabalhando com sinônimos
e antônimos. (Seção Estudo do texto p.11)
No primeiro trecho, percebemos a crença de que a criança não tem maturidade
cognitiva para apreender o sentido do texto ao mesmo tempo em que lê o texto em voz alta.
Não há referência teórica que dê suporte a tal pressuposto. Parece haver uma crença em que
podemos ler com boa entonação sem entendermos o texto. Desconsidera-se, assim, o papel
das antecipações como estratégias que favorecem a fluência da leitura.
Já no segundo fragmento, constatamos uma orientação que não considera o contexto
de uso, uma vez que cabe ao professor orientar a elucidação de dúvidas sobre os significados
185
das palavras no texto através de análises fragmentadas. Ou seja, observamos a
desconsideração de que os significados das palavras dependem dos sentidos gerais dos textos..
Não há indicação de que é possível inferir os significados das palavras com base nos sentidos
textuais construídos.
A habilidade de identificar os efeitos de sentido com base nas construções conotativas
ou polissêmicas das palavras ou termos de determinados gêneros favorece o desenvolvimento
do leitor, uma vez que proporciona ao mesmo perceber as intencionalidades presentes nos
discursos. Portanto, quando o manual do professor propõe a identificação dos significados das
palavras se limitando a análise das estruturais frasais, se aproxima da perspectiva do modo
tradicional de ensino da língua. Trata-se, portanto, de destacar que a natureza da linguagem é
racional, uma vez que os sujeitos pensam de acordo com regras de classificação e
conceituação, tal como destaca Travaglia (1996).
Tal aspecto também é observado no terceiro excerto, no qual o MP destaca que, para a
apreensão e utilização efetiva de novas palavras com correção em contextos frasais diferentes,
os alunos necessitam de um trabalho de substituição lexical. Observamos, ainda, que a
orientação dada ao professor indica uma visão destoante dos usos da linguagem,uma vez que
os usuários da língua não estão inseridos “em contextos frasais diferentes”, como também não
precisam, necessariamente, aprender primeiro as formas de substituição lexical para,
posteriormente, aplicá-las nas situações.
Com isso, constatamos que tal orientação se distancia da análise do funcionamento da
linguagem em situações reais de interação, pois se materializa numa perspectiva de ensino da
língua que propõe princípios gerais a serem seguidos e aplicados, sem articulação com os
contextos de usos. Tal perspectiva não se atrela à utilização da língua numa perspectiva
dialógica, conforme postula Bakhtin (2000).
Ainda no movimento de conflitos, podemos encontrar orientações para o trabalho com
a gramática que nos revelam um ensino pautado na classificação:
Reflexão
sobre a língua
Quanto ao trabalho com as convenções da
língua, inicialmente o aluno é levado a
deduzir as funções de determinadas palavras
no contexto frasal, passando, posteriormente,
a conhecer, identificar e conceituar a classe a
que tais palavras pertencem.
(Seção Gramática, p.12)
186
Como podemos observar, o trecho nos dá indícios de que o ensino da gramática está
voltado para uma visão prescritiva e linear da língua, pois o foco está direcionado ao
reconhecimento/classificação das funções das palavras. Tal orientação nos remete a uma
compreensão de que, retirada de sua função sociodiscursiva, a análise descontextualizada de
frases criadas artificialmente pode ser alvo de estudos nas atividades da coleção. Não
queremos com isso afirmar que a gramática não deva ser alvo de estudos sistemáticos na
escola, mas sim destacar a existência de fragmentos que se encontram destoantes dos
discursos sociointeracionistas para o ensino de tal eixo, tal como ressalta Bagno (2009):
é muito mais importante aprender usar a língua, a reconhecer seus múltiplos
recursos, ampliar seu repertório linguístico e sua competência comunicativa
do que aprender a fazer classificações mecânicas baseadas em
procedimentos analíticos que parecem não levar a nada e ser apenas uma
finalidade em si mesma. (p.168)
A reincidência de um trabalho com a língua dissonante das práticas sociais também
pode ser verificada em orientações para aquisição da legibilidade na escrita:
Escrita
Em todas as unidades há treino da escrita
cursiva. O objetivo dessa seção é oferecer ao
aluno a oportunidade de trabalhar com o
traçado correto das letras, imprimindo assim
maior agilidade à escrita e a legibilidade à letra.
(Seção Caligrafia, p. 16)
No fragmento acima, constatamos a necessidade de desenvolvimento de uma letra
considerada ideal para facilitar a leitura fluida dos textos. A indicação do “treino” para os
alunos aperfeiçoarem a legibilidade na escrita nos revela a crença em um modelo homogêneo,
no qual a ênfase na busca pela letra correta se associa à concepção de “velhas” atividades
consideradas, atualmente, ultrapassadas, por se tratarem de um modelo uniformizador.
Dado o exposto, constatamos
a existência de um movimento de conflitos. As
concepções adotadas ora se aproximam da abordagem de linguagem como atividade social,
suscitando orientações que nos revelam a preocupação com as finalidades sociosdiscursivas,
com o espaço do locutor e interlocutor e com as negociações de sentidos inerentes aos
processos interacionais, ora se distancia de tal perspectiva nas orientações mais prescritivas
para o trabalho com a língua materna. Ou seja, enfatiza a necessidade de trabalhar a língua
portuguesa a partir de pressupostos transmissivos, repetitivos, desprovidos de interação, uma
187
vez que o importante é ensinar regras, conhecimentos gramaticais, modelos estáticos de
leitura, desconsiderando o espaço de utilização de linguagem como processo de produção ou
leitura de textos.
O movimento de conflito da concepção de linguagem e ensino já não é percebido na
BCC-PE. Ou seja, conforme observamos no capítulo 6, tal documento assume, de forma mais
delineada, uma perspectiva de trabalho com a língua materna pautada na interação social e,
também, destina ao leitor uma seção específica para explicitação dos pressupostos defendidos.
Já na coleção, verificamos tanto a presença da influência da perspectiva interacional da
linguagem quanto fragmentos que nos dão indícios de um ensino de língua portuguesa
estático e centrado no código. Tal movimento pode estar relacionado a uma fase de transição
de paradigmas nas quais as coleções, no caso o Manual do Professor, preocupadas em atender
à concepção da língua em seus usos, apresentam incoerências nas formulações de seus
pressupostos. Portanto, em geral, a coleção em foco apresenta pressupostos que não estão em
consonância intensa com o que propõe a BCC-PE para o trabalho com língua materna.
7.1.2 Texto como entidade concreta materializado em algum gênero
De acordo como Guia do Livro Didático 2007, a coleção em foco se enquadra no
bloco das coleções organizadas por unidades temáticas sensíveis a gênero/tipo de texto19. A
disposição da coleção com base nos textos nos sugere uma compreensão de que os mesmos
devem ser alvo de reflexão no trabalho de ensino de língua materna. Sendo assim, nesse
subitem, discorreremos sobre os dados que se remetem ao como o texto se materializa nos
gêneros.
Ao longo da apresentação do MP, não encontramos fragmentos mais explícitos que
discutam como o texto se configura como unidade concreta tecido no processo de interação.
Entretanto, podemos verificar que, em alguns poucos momentos do MP, há o pressuposto, de
modo menos direto, que os textos são entidades concretas e se materializam em gêneros
diversos, como no fragmento a seguir:
19
A coleção está inserida no bloco em que a organização das obras é com base nos textos. Ou seja, organizam as
unidades com um ou mais textos, seguidos de atividades nos eixos de ensino de língua portuguesa. (BRASIL,
2006, p.229)
188
Leitura, oralidade,
escrita e reflexão
sobre a língua
Nas unidades em que constam as seções
Texto e Outro texto, ambos os textos
apresentam temática semelhante, porém,
na maioria das vezes, pertencem a
gêneros diferentes. (Seção Textos, p.10)
No trecho acima, observamos que as autoras apresentam uma proposta que visa
desenvolver habilidades relativas à leitura de textos de diferentes gêneros que girem em torno
e uma temática comum. Quando ressalta que os textos pertencem a gêneros diversos,
observamos a compreensão de que os textos são configurados como materialidade empírica e
os gêneros são instrumentos de ação. Em outros termos, para comparação entre as seções, os
textos encontram-se não só numa estrutura observável, mas também se enquadram no
princípio do pertencimento ao gênero. Tal aspecto também é observado nos fragmentos
abaixo:
Leitura, oralidade,
escrita e gramática
No mundo letrado os textos variam de
acordo com o público a que se
destinam, com a intenção de quem os
escreveu e com a finalidade com que
foram escritos (informar, convencer,
anunciar, seduzir, divertir, entre outras)
A finalidade dos textos determina a
organização, a estrutura e o estilo que
cada um deverá apresentar; em suma,
determina o gênero textual. (Seção
Textos, p. 9)
Nesta Coleção, foram selecionados –
para a leitura, escrita e reflexão sobre a
língua – textos de diferentes autores e
de variados gêneros, extraídos de
livros, revistas, jornais e muitos outros
suportes. (Seção Textos, p.9)
No primeiro trecho, verificamos que são considerados os aspectos de condições de
produção dos textos, uma vez que destaca elementos como: para quem se destina o texto,
quem os produziu e suas respectivas finalidades. Tais representações das situações de
produção determinam qual gênero será utilizado e, de forma reincidente, nos transmitem a
189
ideia de que o texto se materializa no gênero de acordo com finalidade sociodiscursiva.
Portanto, a finalidade dita o gênero, suas articulações com as estruturas composicionais e os
recursos linguísticos.
Em relação ao segundo, o enfoque é direcionado ao trabalho com os textos de
diferentes gêneros, o que nos sugere a apreensão de que o texto é a entidade concreta
intermediada pelo gênero. Em outros termos, todo texto é pertencente a um certo gênero e o
contato com os mesmos significa ter acesso a uma diversidade de formas da ação humana.
Dado o exposto, a coleção destaca que o MP da coleção apresenta fragmentos que
remetem à compreensão de que os textos se concretizam em diferentes gêneros, destacando
que a finalidade da situação sociocomunicativa determina o gênero. Tal princípio também é
observado na BCC-PE. Nesse documento, encontramos trechos que destacam, de forma mais
explícita, a ideia de que o texto é materialidade concreta e pertence a um determinado gênero.
7.1.3. Gêneros definidos por características composicionais e sociodiscursivas
Segundo a teoria bakhtiniana, os gêneros são caracterizados por três dimensões:
conteúdo temático, composição e estilo. No manual do professor, não observamos
orientações que ressaltam algumas dessas características, como também não constatamos
discussões sobre como os elementos constitutivos dos gêneros podem ser alvo de estudo mais
sistemático.
Todavia, ao analisarmos todos os objetivos explícitos20 nos manuais do segundo ao
quinto ano da coleção, verificamos que os mesmos abordam algumas dimensões dos gêneros.
Ou seja, alguns objetivos propostos pela coleção21 para o ensino de língua materna ressaltam
os aspectos composicionais dos gêneros e, de forma menos expressiva, situação interacional
e/ou aspectos sociodiscursivos e de estilo. Assim, discutiremos, nesse item, a relação entre os
objetivos e as dimensões dos gêneros que estão sendo destacadas.
Em relação aos objetivos dos gêneros da cultura literária ficcional, encontramos a
reincidência dos seguintes objetivos:
20
O manual não apresenta o nome do gênero ao lado dos objetivos. Foi preciso associar os objetivos às
atividades propostas na coleção, com a finalidade de identificar a qual gênero tais objetivos se referiam.
21
Foram observados, ao longo dos quatro livros da coleção, os objetivos apresentados na seção “Plano de
curso”. Ressaltamos, ainda, que, embora apresentemos os objetivos de forma geral, discutiremos somente
aqueles que se direcionam de forma mais específica a alguma dimensão do gênero.
190
CONTO
FÁBULA
 Identificar o problema da história e como
ele foi resolvido.
 Identificar fatos da história.
 Reconhecer o ambiente onde se passa a
história.
 Perceber a estrutura de um texto narrativo.
 Perceber que os fatos da história
encaminham-se para um final.
 Ordenar os fatos da história.
 Perceber que o narrador do texto é um
observador.
 Reconhecer a importância da forma como
se conta a história para transmitir emoções
ao leitor, tais como a seleção do narrador e
adequação de linguagem ao tipo de
narrador escolhido.
 Observar a capa do livro e a outra
ilustração para responder às questões.
 Perceber os recursos usados pelo escritor
para envolver o leitor na história.
 Perceber o tipo de linguagem usada no
texto
 Rever conceitos de fábula.
 Identificar as características dos
personagens da fábula.
 Perceber a diagramação da fábula
na página do livro.
A tabela acima nos mostra, de forma geral, quais aspectos estão sendo enfocados no
livro a respeito do gênero conto22 e fábula, ambos agrupados na ordem do narrar. (cf.
Schneuwly e Dolz, 2004).
Nesse sentido, constatamos que, nos objetivos indicados para o gênero conto, é
recorrente o destaque dado aos elementos da narrativa (situação inicial, fatos, conflito,
desfecho). O fato de se delinear os traços característicos da sequência tipológica narrativa é de
suma relevância para o reconhecimento dos aspectos linguísticos. Verificamos também na
tabela acima, menções a outras dimensões do gênero, tais como, contexto de produção,
interlocutor e a linguagem utilizada.
Ressaltamos a relevância de se trabalhar com elementos voltados tanto para a situação
interacional, quanto para o estilo e conteúdo temático. Não verificamos, no entanto, objetivos
que exploram outros aspectos relevantes deste gênero, como, por exemplo, a reflexão sobre a
função social de prazer e diversão, o perfil dos personagens, os aspectos maravilhoso,
aventura ou suspense (dependendo do tipo de conto), recursos de coesão, léxico, tempos
verbais, enfim, as configurações específicas da linguagem típica dos contos.
22
Vale ressaltar que o MP atribui ao gênero “conto” o nome de “narrativa”.
191
Já em relação aos objetivos referentes à fábula, o destaque se volta para o conceito do
gênero e sua distribuição espacial na página. Sendo assim, não observamos a indicação de
objetivos que ressaltem conhecimentos voltados para função de ensinamento, reconhecimento
da moral subjacente a diferentes fábulas, o conceito de moral, conflitos cômicos ou trágicos,
relação entre as particularidades físicas e psicológicas dos personagens da fábula e o conteúdo
temático, o contraste presente na escolha dos personagens, relação de intertextualide entre a
moral e as máximas presentes nos provérbios populares, entre outros.
Ainda concernente à esfera literária, encontramos objetivos referentes ao poema e à
literatura de cordel. Vejamos abaixo:
POEMA
 Perceber a disposição gráfica do
texto.
 Identificar estrofes, versos e
rimas.
 Compreender o conceito de
rima.
 Perceber o ritmo, a sonoridade e
a musicalidade do texto.
 Identificar a impressão que a
disposição das palavras no
poema provoca no leitor.
CORDEL
 Perceber a estrutura poética
de versos de cordel.
 Perceber o ritmo de cada
estrofe.
 Identificar os versos que
rimam em uma sextilha de
cordel.
Considerando os aspectos ressaltados acima, observamos a ênfase dada à orientação
espacial dos gêneros, sua estruturação e recursos expressivos, revelando uma preocupação
com que os alunos percebam a disposição do texto na página e, consequentemente, possam
distingui-los da estrutura de um texto em prosa. Encontramos apenas um objetivo que se volta
para os efeitos de sentido que a disposição das palavras pode provocar no leitor. Todavia, o
trabalho com gêneros da esfera literária pode ser ampliado para que os alunos percebam o
olhar poético através da linguagem utilizada, de recursos escolhidos (comparação, metáforas,
etc), posição do enunciador, da liberdade que o poeta tem para recriar, enfim, recursos
linguísticos e discursivos utilizados para provocar efeitos de sentido.
Já no caso da literatura de cordel, destacamos a importância de inserir tal gênero como
objeto de reflexão na coleção, visto que consiste numa oportunidade de os alunos valorizarem
a diversidade de manifestação de cunho popular. Trata-se de desmistificar estereótipos que
atribuem à literatura de cordel uma visão marginalizada, considerando-a de menor valor
quando comparada a literatura clássica.
192
Nesse sentido, tendo em vista o modelo ideológico de letramento, como discutimos no
capítulo 1.2, não podemos desvincular os gêneros do contexto cultural, das relações
ideológicas e de poder nas situações interacionais. Tais discussões não são oportunizadas
quando observamos, na tabela acima, que os objetivos não destacam outros aspectos além dos
composicionais. Não queremos com isso afirmar que os aspectos conceituais e formais do
cordel são irrelevantes, mas sim ressaltar a necessidade de propor objetivos que também
ofereçam reflexões sobre os propósitos do cordel, sua função sociocomunicativa de expressar
sentimentos, sensações, ideias, ponto de vistas e/ou críticas.
Dessa forma, é de extrema relevância ressaltar outras dimensões do gênero em foco,
de forma a oportunizar a compreensão de como a literatura de cordel aborda elementos das
tradições populares e de autores locais, possui conteúdos com teor de crítica social e/ou
política, humor, traz representantes de episódios veiculados ao imaginário popular, enfim, se
configura como suporte importante na difusão da leitura, pois carrega, em seu cerne, a
valorização das manifestações populares.
Dentre os textos destinados á memorização das ações humanas (cf. Dolz &
Schneuwly, 2004), agrupados na ordem do relatar, o manual indica os seguintes objetivos:





NOTÍCIA
Compreender
a
importância da escolha
do título para a notícia.
Compreender
a
importância do subtítulo.
Selecionar uma notícia de
jornal.
Identificar os elementos
essenciais da notícia: o
quê, onde, quando, como
e por que aconteceu o
fato contado.
Identificar a função da
parte da notícia que
recebe o nome de “olho”.
BIOGRAFIA
 Conhecer o tipo de
informação que estrutura
uma biografia.
 Relacionar
datas
a
acontecimentos.
 Perceber
onde
são
encontrados esse tipo de
texto.
No que se refere à explanação do quadro acima, constatamos que, para o gênero
notícia, são apresentados objetivos mais diversificados, sendo que os mesmos mobilizam
conhecimentos dos elementos constitutivos, do suporte e sociodiscursivos. Nessa perspectiva,
193
há uma indicação de que os alunos necessitam se apropriar das características do gênero em
foco.
No entanto, não verificamos, dentre os objetivos propostos, a compreensão de que a
notícia se configura num instrumento importante para reflexão sobre os fatos da realidade.
Quando enfoca, predominantemente, a identificação de sua estrutura, deixa de explorar os
conhecimentos relacionados ao público-alvo, posicionamento do jornal, sua finalidade, enfim,
acerca dos aspectos necessários para que, de fato, os leitores acreditem que os relatos dos
fatos apresentados sejam verdadeiros.
Nos objetivos relacionados à biografia, há uma preocupação em identificar os meios
de veiculação, como também seu conteúdo. Todavia, “conhecer o tipo de informação que
estrutura uma biografia” não oportuniza ao aluno refletir sobre como esse gênero reconta os
eventos da vida do biografado com o intuito de recriar sua imagem. Nesse sentido, a biografia
não se destina tão somente a descrever a vida da pessoa, mas também tecer uma imagem de
como é ou foi a vida de alguém.
Em relação aos textos destinados à discussão de problemas sociais controversos (cf.
Dolz & Schneuwly, 2004), são apresentados os seguintes objetivos:
RESENHA
 Ler uma resenha para
observar a estrutura
desse tipo de texto.
 Perceber a função das
resenhas das histórias
encontradas
nos
catálogos de literatura
preparados por editoras.
 Compreender para que
serve uma resenha.
CARTA DO LEITOR
 Identificar os parágrafos que
introduzem o assunto;
apresentam opinião contra ou a
favor do piercing; apresentam
argumentos que justificam a
opinião dos autores;
apresentam uma conclusão dos
autores sobre o assunto.
 Identificar os argumentos
utilizados pelos autores em
cada texto
 Perceber que a intenção dos
autores dos textos é convencer
alguém a modificar
comportamentos.
CARTAZ EDUCATIVO

Perceber a importância da
imagem no folheto.

Perceber as características
desse gênero textual.

Perceber a importância da
imagem para complementar a
mensagem.

Observar a estrutura de um
cartaz: a mensagem, o tipo de
letra, os verbos.

Estabelecer relação entre a
frase e a imagem do cartaz.

Perceber a função e as
características de um cartaz.

Identificar o público a que
se destina o cartaz proposto.

Identificar o órgão
responsável pela divulgação do
cartaz.
Conforme observamos, os conhecimentos mobilizados em torno da resenha se voltam
para a compreensão de sua finalidade e composição. Nesse sentido, a coleção sugere ler,
perceber e compreender que a estrutura e a finalidade da resenha possibilitarão ao aluno se
194
apropriar do gênero em foco.
Além disso, mesmo indicando que é necessário “ler e
identificar a estrutura desse tipo de texto”, não fica claro quais dimensões seriam essas. Ou
seja, dependendo do tipo de resenha, os aspectos a serem ressaltados podem ora ser mais
descritivos ora de natureza avaliativa. Portanto, para compreender qual a finalidade da
resenha, os elementos de sua natureza sociodiscursiva e linguística precisam ser alvo de
reflexões.
Na carta do leitor, além da finalidade, os objetivos propostos incitam a identificação
da sequência argumentativa do gênero, de forma mais específica, nos argumentos presentes
no gênero em foco. Com isso, sugere que, a partir da identificação dos argumentos e sua
distribuição do texto, o aluno se apropriará da finalidade do gênero. Ou seja, não é
apresentado nenhum objetivo que se relacione a uma reflexão mais aprofundada da
consistência argumentativa presente para compreensão da intencionalidade persuasiva do
gênero em foco.
Observa-se que o cartaz educativo traz reflexões enfocando o suporte, a finalidade e o
interlocutor além de indicar a necessidade de refletir sobre a relação texto verbal e não-verbal
e diagramação do gênero no suporte.
No que concerne aos gêneros designados à transmissão e construção de saberes
agrupados na ordem do expor (cf. Schneuwly & Dolz, 2004), são destacados:
VERBETE
 Ler para perceber a
estrutura
composicional do
texto.
FICHA
CATALOGRÁFICA
 Compreender a
estrutura de fichas de
animais.
Com o acima, observamos que o foco para o trabalho com alguns exemplares de
gêneros da ordem do expor é no aspecto composicional. No caso do verbete, não percebemos
sugestões que considerem a análise do gênero a nível textual e interativo. Nesse sentido, tal
aspecto poderia ser focado, uma vez que o estudo do léxico, através do gênero verbete, está
também atrelado a uma situação contextual. Ou seja, o enfoque meramente estrutural não
considera, por exemplo, que tais significados das palavras estão arrolados aos sentidos na
tessitura dos textos. A ênfase na estrutura também é observada no trato com a ficha
catalográfica. Nessa, não constatamos objetivos relacionados ao fato dos aprendizes
perceberem que tal gênero se presta à construção de determinados saberes, ou seja, de como a
facilitação da identificação de determinados dados, a classificação de conceitos e/ou
195
características, bem como a natureza dos conteúdos abordados poderiam está a serviço de
estratégias voltadas à finalidade do gênero em foco.
No que concerne aos gêneros que ressaltam instruções e prescrições, agrupados na
ordem do descrever ações (cf. Schneuwly e Dolz, 2004), são indicados:
RECEITA
 Identificar a estrutura (as
partes) de uma receita.
 Perceber para que serve
esse tipo de texto.
INSTRUÇÃO DE JOGO
 Perceber a estrutura de um
texto que ensina um jogo.
 Perceber a estrutura de um
texto instrucional.
Analisando a tabela acima, constatamos que o foco para o trabalho com os textos que
ensinam a fazer algo reside nos elementos composicionais. No caso da receita, são ressaltadas
tanto a estrutura (ingredientes e modo de fazer), quanto a finalidade do gênero. Já na
instrução, percebemos que os aspectos de composição se destacam frente aos
sociodiscursivos, ou seja, a preocupação é de que o aluno se aproprie da forma como tais
gêneros se apresentam, seja na orientação espacial ou na redação do gênero.
Em relação aos gêneros que não se apresentam nos domínios sociais de comunicação
propostos por Dolz & Schneuwly, 2004, os objetivos destacados pelo manual são:
CARTA
 Identificar as
partes que
compõem
uma carta.
BILHETE
 Identificar as
características de
um bilhete.
 Perceber a
estrutura de um
bilhete e sua
utilidade.
 Compreender o
que é um bilhete e
sua utilidade.
 Refletir sobre a
utilidade de
bilhetes.
CONVITE
CARTÃO-POSTAL
 Identificar
características desse
gênero textual para
aplicar em futuras
produções.
 Explorar a função
e a linguagem de
convites.
 Perceber a
importância de
adequar a
linguagem do
convite ao seu
destinatário.
 Reconhecer as
características de
um convite e para
que ele serve.
 Perceber a
estrutura de um
cartão-postal.
 Identificar
elementos que
compõem um
cartão-postal.
 Identificar a
frente e o verso
desse portador de
texto e sua
utilidade.
196
Conforme observamos acima, os objetivos para com os gêneros citados se relacionam
aos aspectos estruturais, seja com orientações mais gerais, nas quais não fica claro para o
professor qual a dimensão do gênero a ser trabalhada, seja com indicações mais específicas
que ressaltam os elementos composicionais.
A preocupação com a forma que o texto assume, em sua redação, está materializado
em objetivos como “perceber a estrutura”, “identificar os elementos que compõem” ou
“escrever uma carta com todas as partes”. Nesses, não são explicitadas quais partes seriam
enfocadas nos elementos de composição do gênero, cabendo ao professor subentender que
tais aspectos podem se remeter à natureza mais estrutural, como, por exemplo, a carta
(saudação, corpo, assinatura), o bilhete (saudação, recado, assinatura.) e o convite (nome da
pessoa convidada, local, data, horário).
Considerando os objetivos voltados para dimensões sociodiscursivas, observamos a
indicação para compreensão da finalidade no caso do bilhete, convite e cartão-postal. Em
ambos, há indicações, nos objetivos na esfera sociodiscursiva, para que se trabalhe com a
utilidade dos mesmos, como também chama a atenção para o interlocutor. Todavia, reflexões
sobre a linguagem a ser utilizada só são destacadas no convite. Tal dado nos sugere que existe
a compreensão de que gêneros como bilhete, carta e cartão-postal não merecem uma reflexão
mais sistemática acerca da linguagem utilizada nas diferentes situações de interação.
Em geral, embora a carta, o convite, o bilhete e o cartão postal se destinem a realizar
alguma correspondência, os objetivos, tal como são apresentados para o trabalho, não
suscitam reflexão mais específicas de cada um.
Dado o exposto, verificamos que a coleção propõe objetivos relacionados ao gênero,
sendo que os aspectos de composição se destacam frente aos elementos sociodiscursivos.
Outro aspecto a ser considerado é que os objetivos remetem ao gênero e se relacionam, de
forma expressiva, às capacidades de “perceber”, “identificar‟
e “reconhecer‟, incitando
poucas considerações no que concerne à reflexão e à compreensão das dimensões
constitutivas dos gêneros.
Na BCC-PE encontramos alguns indícios sobre as dimensões do gênero. No entanto,
tal como é apontado nos dados referentes à coleção, os elementos mais ressaltados são
referentes à forma composicional do gênero e com poucos debates sobre os objetivos e as
mais variadas situações de interlocução nas quais diferentes gêneros circulam.
197
7.1.4 Texto como resposta a outros textos produzidos numa situação específica
Diferentemente da BCC-PE, não observamos, na coleção, reflexões sobre o principio
de que os textos respondem a outros no processo de interlocução. Trata-se de não apresentar
ao leitor/professor indícios para que o mesmo compreenda que os textos estão imersos numa
cadeia dialógica e são produtos histórico-sociais. Assim, suscitaria debates sobre o
pressuposto de que os textos, além de dialogarem com outros textos já lidos e/ou ouvidos, são
sempre respostas a outros tecidos numa situação definida de interlocução.
7.1.5 Gênero textual como forma relativamente estável de enunciado
Tal como foi indicado na categoria acima, não encontramos no MP indícios que citem
a compreensão do gênero como forma relativamente estável do enunciado. Já em relação à
BCC-PE, verificamos fragmentos que reportam a tal discussão, conforme a teoria bakhtiniana
de que os gêneros podem ser considerados estáveis na esfera da comunicação verbal, dada as
condições particulares do enunciado e numa determinada situação de interlocução.
7.2. Os princípios didáticos relativos ao ensino de textos/gêneros discursivos que
perpassam a obra
Nessa categoria foram observados os pressupostos didáticos que subjazem o manual
do professor no que remete ao trabalho com os gêneros/textos. Tal como verificamos na BCCPE, os princípios abaixo também foram contemplados na coleção:
7.2.1. Diversidade de gêneros
7.2.2 Texto como unidade de ensino
7.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos
7.2.1 Diversidade de gêneros
A necessidade de se utilizar os textos de gêneros diversificados no ensino de língua
portuguesa representa a oportunidade de se aproximar das diversas situações de uso. Embora
não encontremos discussões mais sistemáticas sobre a importância de se trabalhar com
gêneros, constatamos que, em diversos momentos do manual, os mesmos são considerados
198
como elementos importantes para o ensino de língua portuguesa. Sendo assim, observamos
fragmentos que se reportam à importância de inserir uma gama de gêneros que circulam
socialmente no ensino da língua portuguesa, tal como é ressaltado a seguir:
Leitura, oralidade,
escrita e gramática
Nesta Coleção, foram selecionados –
para a leitura, escrita e reflexão sobre
a língua – textos de diferentes autores
e de variados gêneros, extraídos de
livros, revistas, jornais e muitos
outros suportes. (Seção Textos, p.9)
Como podemos observar, a relevância de introduzir textos de diversos gêneros e
suportes na coleção é ressaltada pelas autoras. Trata-se de ressaltar que, concomitantemente
com a proposta de leitura, escrita e reflexão sobre a língua, devem ser apresentadas ao aluno
aproximações de situações nas quais os diversos gêneros de texto circulam. Tal aspecto nos
sugere uma preocupação em oferecer um destaque ao funcionamento desse material frente às
diversas situações de usos ou, então, ao fato de que o princípio da diversidade possa garantir a
apropriação das características e propriedades dos gêneros.
Nessa perspectiva, como não verificamos, no MP, discussões sobre quais gêneros
devem ser trabalhados a cada ano de ensino, bem como a questão da progressão dos objetivos
relacionados a esse objeto de estudo e dimensões ou características dos gêneros a serem
enfocadas nas atividades, percebemos que a ideia se volta para ênfase na relação dos alunos
com diferentes gêneros.
Grillo e Cardoso (2003), a partir dos pareceres dos avaliadores dos LDP do 3º e 4º,
examinaram que:
Na questão do contexto de produção/recepção dos gêneros textuais propostos
para atividade de leitura em livros didáticos, verificamos que tal conceito
não, foi ainda, plenamente apropriado pelos autores. Se das 37 coleções
apresentadas para avaliação, apenas 15 foram consideradas como
preocupadas com tal questão, nenhuma manteve a abordagem
sistematicamente. (p. 112)
Portanto, a necessidade de oferecer ao aluno oportunidades de entrar em contato com
diversos gêneros nem sempre vem acompanhada de reflexões mais sistemáticas sobre tais
instrumentos no processo de ensino-aprendizagem.
199
Outro aspecto observado se refere à associação entre o princípio da diversidade e a
finalidade:
Leitura, oralidade,
escrita e gramática
No mundo letrado os textos variam de
acordo com o público a que se
destinam, com a intenção de quem os
escreveu e com a finalidade com que
foram escritos (informar, convencer,
anunciar, seduzir, divertir, entre outras)
A finalidade dos textos determina a
organização, a estrutura e o estilo que
cada um deverá apresentar; em suma,
determina o gênero textual. (p. 9)
Como verificamos acima, o trecho nos sugere que existe uma relação entre a
finalidade e os aspectos sociodiscursivos “para quem” e “por quê”. Nessa perspectiva,
observamos que o destaque dado à finalidade dos textos nos sugere que, de certa forma, os
objetivos para o ensino de língua materna não podem estar dissociados da compreensão de
familiaridade com o gênero dos textos e suas características. Sendo assim, os gêneros sofrem
alterações em seus aspectos de composição, estilo e conteúdo, dependendo dos propósitos
para os quais são produzidos.
Observamos, então, que, subjacente à compreensão de que é a finalidade que
determina em que gênero o texto será materializado, está a ideia de que os sujeitos, em suas
atividades de linguagem, elegem um gênero existente e modifica-o de acordo com as
intenções sociocomunicativas. Trata-se de uma capacidade de ação, uma vez que os sujeitos
podem adaptar-se às peculiaridades do contexto e do referente (cf. Schneuwly e Dolz, 2004).
A perspectiva de destacar os elementos referentes à situação de interação também é
enfatizada nas orientações para o trabalho com os eixos de ensino de língua portuguesa, como
no caso da produção de textos:
Escrita
Ao propor situações de produção de textos, o
professor deve atentar para a importância do ato
de escrever:
 escrevam para um destinatário real
(importância do que e de como dizer);
 tenham um objetivo ou finalidade;
(...)
(Seção Produção, p.15)
200
No trecho acima, observamos que o MP preconiza que nas atividades de processo de
produção de texto os alunos sejam convidados a produzir para um “destinatário real” com
“objetivo ou finalidade”. Sendo assim, mais uma vez, nas orientações dadas ao professor
destacam-se os elementos referentes às condições sociodiscursivas de produção.
Entretanto, tal discussão não está atrelada aos gêneros, de forma a ajudar os alunos a
pensarem sobre como produzir textos em função dos propósitos, considerando aspectos não
só relacionados à finalidade, mas também ao tema/assunto, local de circulação, recursos
verbais e não-verbais adequados à situação, aspectos linguísticos, entre outros.
Quando aborda a questão da correção dos textos dos alunos, verificamos que o MP
também ressalta a situação de interação:
Escrita
No ensino fundamental, quando os alunos
ensaiam os seus primeiros passos como
produtores de textos, não se pode esperar que
redijam textos muito bem elaborados e isentos
de incorreções. E o professor se pergunta: É
necessário corrigir tudo? Até que ponto
corrigir? Deve-se exigir do aluno a produção de
textos “perfeitos”?
A resposta a cada uma dessas perguntas variará
de acordo com a situação comunicativa na qual
o texto está inserido:

texto particular do aluno (diário de férias,
agenda pessoal ou bloco de anotações em
que registra, por exemplo, anedotas,
charadas e adivinhas) é suficiente deixar
que o próprio aluno efetue as correções que
esteja em condições de fazer.
 texto a ser lido por todos os alunos
(afixados em mural na classe, por exemplo)
– o professor deverá sugerir ou propor
soluções às suas dificuldades para que
tenham condições de melhorar os textos
produzidos, eliminando as incorreções.
 texto dirigido a outras pessoas da escola
(funcionários, professores, diretor) ou a pais
– a correção individual ou coletiva será com
um cuidado especial. (....)
 texto destinado ao público em geral, a
autoridades de empresa públicas ou
personalidades de projeção local ou
nacional (textos que extrapolem o âmbito
da escola) – o professor deve assumir a
responsabilidade.
(Seção Produção, p.15-16)
201
Nesses trechos, percebemos a vinculação entre a necessidade de oportunizar as
correções dos textos tendo em vista o público alvo. Quando se trata de gêneros mais
particulares, a correção deve ser feita pelo próprio aluno, mas quando o interlocutor é um
aluno, funcionário da escola, pessoa pública, há a necessidade de propor intervenções no
processo de correção.
Com isso, constatamos que a situação de interação também define as orientações para o
trabalho com a correção dos textos. Ou seja, embora não cite quais gêneros merecem maior
atenção no que concerne à correção, existe uma indicativa de que a imagem de um possível
interlocutor incita atitudes mais sistemáticas por parte do professor para que o texto do aluno
seja passível de compreensão. Todavia, não observamos maiores reflexões sobre os critérios
de correção no que se refere ao atendimento da finalidade sociocomunicativa e as
características dos gêneros.
Dado o exposto, constatamos que embora o MP destaque a necessidade de trabalhar
com gêneros sob a óptica do principio da diversidade e do contexto de produção, não
verificamos orientações de como os mesmos podem ser alvo de estudo mais sistemático no
processo de ensino-aprendizagem, quais os critérios de escolha e dimensões a serem
enfocadas ao longo dos livros da coleção.
Já na BCC-PE, observamos que, além de ratificar a relevância de oportunizar aos
aprendizes o contato com diferentes gêneros, cita, ao longo do documento, gêneros que
poderiam ser explorados. Todavia, não garante ao público leitor maior aprofundamento sobre
quais gêneros poderiam ser alvo de reflexões mais sistemáticas, quais características poderiam
ser enfocadas.
Dado e exposto, verificamos que o princípio de oportunizar ao aluno o contato com os
gêneros é citado em alguns trechos do documento, como também a indicação de gêneros de
acordo com os usos sociais mais frequentes. Entretanto, tal como observamos na coleção, a
proposta curricular não debate critérios que possam orientar o publico leitor sobre quais
gêneros poderiam ser alvo de estudos mais aprofundados bem como quais dimensões
poderiam ser ressaltadas.
7.2.2 Texto como unidade de ensino
Na década de 60, o texto assume a pauta das discussões, trazendo em sem bojo, a
necessidade de romper com uma visão fragmentada e descontextualizada dos objetivos de
ensino de língua portuguesa. Ou seja, diferentemente do enfoque dado ao fonema, palavra,
202
frase, o texto passa a ser abordado em sua dimensão discursiva (cf. Geraldi, 1984). Em
meados de 80, as discussões sobre o ensino da leitura escrita se atrelam à análise da
linguagem em situação de uso, considerando o contexto sócio histórico (cf. Soares, 1998)
Em consonância com tais discursos, encontramos no MP fragmentos que se reportam
à necessidade de se trabalhar com esse objeto:
Leitura, escrita, oralidade
e reflexão sobre a língua
Nesta Coleção, foram selecionados – para a
leitura, escrita e reflexão sobre a língua –
textos de diferentes autores e de variados
gêneros, extraídos de livros, revistas, jornais
e muitos outros suportes. (Seção Textos, p.9)
Quando destaca a necessidade de adotar o critério de diversidade de autores e textos
para serem trabalhados na coleção, observamos que as autoras do MP chamam a atenção para
a relevância de se eleger o texto como unidade de trabalho. Em outros termos, para o
desenvolvimento das habilidades propostas no livro, se faz necessário entrar em contado com
uma diversidade de textos. Tal aspecto é reforçado quando observamos trechos, nos eixos de
ensino, em que o texto é visto como o meio pelo qual os alunos se apropriarão de certas
habilidades:
Leitura/Compreensão
O estudo do texto tem
como
objetivo
a
compreensão
e
o
desenvolvimento
de
estratégias de leitura: o
aluno é solicitado a
responder não só a
questões
sobre
conteúdo, estrutura e
forma do texto, como
também
a
fazer
inferências, relações e
analisar os recursos de
linguagem e os efeitos
que eles causam no
leitor, desvendando as
intenções do escritor.
(Seção Textos, p.11)
Oralidade
[...] o professor deve
promover atividades
sistemáticas em que se
trabalhe
com
a
produção e recepção
de textos orais mais
estruturados e formais
do que o familiar e o
escolar [...]
(Seção
Linguagem
oral, p.12)
Gramática
Tanto na produção como
na análise de textos, os
alunos são solicitados a
aprimorar o domínio das
estruturas sintáticas da
Língua Portuguesa.
(Seção Gramática, p.12)
203
Como podemos verificar, em todos os fragmentos o texto se configura como unidade
básica para o desenvolvimento de certas habilidades. Assim, o primeiro trecho destaca
determinadas questões presentes no texto que retomam características composicionais ou
sociodiscursivas para o desenvolvimento de estratégias de leitura e compreensão. Trata-se,
pois, de considerar questões que incitem o aluno ao reconhecimento de como certas
propriedades dos textos e seus efeitos podem auxiliar na compreensão não só do que está
sendo abordado, mas ajudá-los a construir diversas estratégias de leitura.
No que concerne à oralidade, o foco recai sobre o fato de como textos dessa natureza
constituem uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento das competências
linguísticas e discursivas dos alunos. Ou seja, além do texto ser um suporte para o ensino da
oralidade, destaca a preocupação de que textos de situações mais informais não são alvos de
reflexões na coleção.
Em relação ao fragmento destinado ao ensino da gramática, verificamos a sugestão de
que as reflexões sobre determinadas estruturas sintáticas devem ser realizadas a partir dos
textos. Embora verifiquemos que tal trecho possa orientar, por exemplo, para um ensino
normativo e classificatório, ressaltamos que há uma indicativa de que esse instrumento deve
ser utilizado para o trabalho com a gramática, sem necessariamente atrelar o conhecimento
gramatical ao uso da língua e linguagem.
Observamos, ainda, que o MP destaca uma seção presente na coleção intitulada de
“Comparando Textos”. As autoras ressaltam que a proposta da seção é “refletir sobre a
intertextualidade quanto ao tema, à estrutura, aos personagens, ao ambiente, às ações e à
maneira de veicular informação.” (p.16) Dessa forma, percebemos que existe uma
compreensão de que é necessário oferecer um trabalho voltado ao desenvolvimento da
habilidade de reconhecer e refletir sobre os diálogos presentes entre textos, ou seja, a
capacidade de estabelecer relações temáticas e/ou estruturais necessárias ao desenvolvimento
de saberes relacionados à identificação dos jogos intertextuais.
Dado o exposto, observamos que as autoras da coleção destacam que o texto deve ser
utilizado como unidade para o trabalho com a língua materna.
A BCC-PE também elege como pauta em suas discussões o desenvolvimento de
habilidades a partir do trabalho com os textos. Em geral, as competências estão associadas aos
objetivos e/ou finalidades previstos e ao desenvolvimento de estratégias de leitura e/ou
escrita. Entretanto, apontamos que essa compreensão nem sempre corrobora com os
pressupostos defendidos pelo documento, como a atuação dos sujeitos por meio dos gêneros e
ao princípio de que todo texto se materializa no gênero.
204
7.2.3 Trabalho com os textos orais e escritos
No Manual do Professor da Coleção não encontramos fragmentos que abordem a
importância de se eleger o trabalho com a modalidade oral e escrita, suas semelhanças e
diferenças a partir dos textos orais e escritos. As orientações da coleção são feitas a partir de
uma perspectiva mais geral, ou seja, de se trabalhar com textos sem oferecer maiores
orientações aos professores. Já em relação à BCC-PE, embora tal pressuposto seja mais
explicitado, não observamos na discussão sobre como os textos orais e escritos também
podem servir como alvo de reflexão, teorização e explicitação. Também foi observado que
existe uma orientação acerca da relevância de ofertar ao aluno o contato com diversos textos
de ambas modalidades, mas não adentra em debates de como esse trabalho também pode ser
alvo de sistematizações.
7.3 As orientações relativas à escolha dos textos
Como orientação para os critérios que nortearam a escolha dos textos na coleção, o
MP se refere a três aspectos: (1) a diversidade de gêneros, de suportes e de autores e (2) a
presença de textos da literatura estrangeira.
O princípio da diversidade para a escolha dos textos que perpassam a obra é uma das
características ressaltadas pelas autoras da coleção. Quando destaca que foram escolhidos
“textos de diferentes autores e de variados gêneros, extraídos de livros, revistas, jornais e
outros suportes”, (MP, p.7), nos sugere a compreensão de que, quanto mais os alunos se
depararam com textos de gêneros distintos e de suportes diversos, maiores serão as
oportunidades de desenvolvimento de suas competências em língua materna.
Todavia, não observamos apresentação de discussões de como os diversos gêneros que
perpassam a obra poderiam ser trabalhados nos eixos de leitura, oralidade e escrita de modo a
contribuir para o desenvolvimento das estratégias produção e compreensão. Em relação à falta
de embasamento teórico nos LDP, também foi constatado que “há uma grande variedade de
textos para leitura [...], mas sem respaldo teórico esclarecedor, de modo que o professor e os
alunos possam identificar textos que têm características em comum [...]” (BEZERRA, 2005,
p. 42)
Ainda a esse respeito, observamos que, ao longo da apresentação dos pressupostos
metodológicos do manual, poucos são os fragmentos que reportam ao trabalho com diferentes
gêneros associados aos eixos de língua portuguesa. Sendo assim, encontramos apenas no eixo
205
da escrita, especificamente, nas orientações para correção da produção, citações de alguns
gêneros, tais como diário, agenda, anotações, anedota, charada, adivinha (p.13). Nesse, a
discussão se volta para as estratégias de correção dos textos (professor ou aluno) de acordo
com o público ao qual o texto se destina. Portanto, não constatamos reflexões mais
sistemáticas sobre os critérios adotados para escolha do material textual e sua relação com um
trabalho mais direcionado aos eixos da língua portuguesa.
A única orientação encontrada no MP em relação ao critério de escolha dos textos se
remete ao trabalho com a oralidade. Para tal eixo é oferecida a seguinte sugestão:
Oralidade
[...] o professor deve promover atividades
sistemáticas em que se trabalhe com a
produção e recepção de textos orais mais
estruturados e formais do que o familiar e o
escolar, exercitando uma linguagem que os
alunos utilizarão futuramente.
[...]
(Seção Linguagem oral, p.12)
Com o quadro acima, observamos que o MP aponta à importância de se eleger textos
orais mais formais para ampliação da competência discursiva dos alunos. Portanto, aponta um
critério de seleção para o trabalho com a oralidade. Tal aspecto se aproxima da compreensão
de Schneuwly e Dolz (2004) que, ao discutirem sobre os gêneros orais a serem trabalhados na
escola, destacam aqueles da comunicação pública formal (cf. p. 174).
Ainda segundo os autores citados, “o papel da escola é levar os alunos a ultrapassar as
formas mais institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por restrições exteriores”
(p.175). Portanto, quando um dos critérios destaca esse cuidado de selecionar os textos orais
de situações mais formais, na verdade está ressaltando a necessidade de ampliar a participação
social dos alunos em espaços que se exigem adequações próprias de cada gênero oral.
Outro aspecto a ser considerado no MP se refere ao fato de “alguns textos da literatura
estrangeira, reconhecidamente bem traduzidos, também foram contemplados” (p.7). A
inserção de textos de literatura é de suma relevância para o aprendizado da língua materna,
uma vez que, de forma geral, oferecem meios para ampliação das visões e interpretações
acerca do mundo e da vida.
Entretanto, o MP não explicita se os textos pertencentes à literatura brasileira também
foram alvo de representatividade na coleção. Tal aspecto corrobora com Guia do Livro
Didático 2007 de Língua Portuguesa, quando ressalta que “os textos literários na coletânea
206
são poucos e de autoria pouco representativa.” (p. 255). Ou seja, não encontramos os critérios
de escolha dos textos literários que perpassam a coleção nem tampouco observamos
discussões acerca de como o trabalho voltado para a literatura brasileira pode possibilitar o
desenvolvimento das habilidades dos alunos, oferecendo aos mesmos acesso ao letramento
literário, sejam de textos cânones e/ou textos da contemporaneidade.
Considerando o que foi discutido nesse item, verificamos que, embora o MP apresente
alguns critérios para a seleção dos textos na coletânea, não há uma discussão mais
aprofundada e articulada aos eixos de ensino da língua. Assim, parece haver a compreensão
de que a diversificação e ampliação do material textual para o aluno seria a garantia do
desenvolvimento das habilidades sociodiscursivas diversas dos aprendizes.
O pressuposto de se contemplar textos de diferentes gêneros também foi apontado pela
BCC-PE, mas não encontramos debates sobre quais gêneros poderiam ser trabalhados em
cada ano/série e quais os elementos poderiam ser enfocados. Esse aspecto se aproxima da
compreensão da coleção, uma vez que subjaz a ideia de que somente o oferecimento respalda
e orienta o professor na escolha do material textual a ser trabalhado.
Síntese do capítulo
Nesse capítulo, analisamos as concepções de linguagem, texto e gênero no Manual do
Professor da Coleção “Porta Aberta”. Verificamos que, nas orientações dadas ao professor,
movimentos de conflitos referentes às perspectivas adotadas para o ensino de língua materna,
ou seja, ora os fragmentos apontam para uma concepção de linguagem pautada na visão
interacionista, ora apresentam indícios que remetem à compreensão de língua como código.
Outro aspecto observado foi que o MP da referida coleção nos revela uma compreensão de
que os textos se concretizam em diferentes gêneros, remetendo a ideia de que são os objetivos
da situação de interlocução que determinam o gênero. Constatamos, ainda, que nos objetivos
propostos, há uma ênfase nos aspectos composicionais e em detrimento das dimensões
sociodiscursivas. Tais objetivos não provocam reflexões sobre todas as dimensões
constitutiva dos gêneros. Por fim, ressaltamos que, diferentemente da BCC-PE, a coleção não
apresenta reflexões sobre como o texto se configura como resposta a outros textos e como o
gênero textual remete a uma forma relativamente estável de enunciado.
Já no que concerne aos princípios didáticos relativos ao ensino de textos/gêneros
discursivos que perpassam a obra, os dados nos apontam que há compreensão de que gêneros
são importantes no ensino de língua materna, todavia não constatamos orientações mais
207
reflexivas e aprofundadas acerca de como os mesmos poderiam ser alvo de estudos
sistemáticos. Outro aspecto destacado pelo MP é que é importante eleger o texto para o
desenvolvimento das competências linguísticas e discursivas dos aprendizes. Entretanto, não
encontramos indícios na coleção que apontem como os textos orais e escritos seriam alvo de
reflexão, sistematização e teorização.
Por fim, discutimos as orientações relativas à escolha dos textos. Nessa, verificamos
que, diferentemente da BCC-PE, a coleção apresenta apenas dois critérios que nortearam a
escolha dos textos para compor os livros. Observamos, ainda, que o MP ressalta que é
importante ofertar ao aluno o contato com diferentes gêneros, entretanto, sem maiores
discussões sobre a relação desse objeto com os anos/séries e as dimensões que são destacadas
nas atividades.
208
Capítulo 8
Os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos contemplados
nas atividades da coleção Porta Aberta: dialogando com a BCC-PE
Neste capítulo, discutiremos os dados relativos aos saberes e habilidades
contemplados nas propostas de atividades presentes nos livros didáticos. Nesse sentido,
inicialmente, apresentaremos quais gêneros estão inseridos na coleção. Para mapearmos tais
dados, verificamos, em todos os livros da coleção, que gêneros estão sendo alvo de estudos
nas propostas de atividades. Posteriormente, apresentaremos um estudo minucioso sobre o
tratamento didático dado aos que são intensamente explorados, quais dimensões enfocadas e
os saberes relacionados ao objeto de estudo. Por fim, discutiremos os tipos de atividades que
o livro apresenta para o trabalho com os gêneros, bem como sua organização e sequência.
8.1 Gêneros inseridos na coleção
Ao fazermos um levantamento dos textos presentes nos livros didáticos, constatamos
uma grande variedade de gêneros discursivos, a qual foi disposta em forma de tabela para
uma melhor visualização e sistematização das ocorrências encontradas:
TABELA 1 - Frequência dos gêneros discursivos/textos nos livros dos anos 2, 3, 4 e 5 da
coleção “Porta Aberta”
GÊNERO
LD2
LD3
LD4
LD5
TOTAL
texto didático
25
28
20
20
93
tirinha / história em quadrinhos
15
17
22
23
77
resenha de livro
14
12
15
13
54
bilhete
11
18
13
08
50
piada
05
08
10
14
37
conto
08
11
07
07
33
poema
04
06
15
07
32
adivinha
02
06
10
-
18
-
04
07
06
17
verbete
03
03
03
04
13
capa de livro/revista
04
02
04
-
10
propaganda
209
receita
-
04
02
03
09
reportagem
02
03
-
03
08
diário
02
02
03
01
08
-
-
-
08
08
cantiga
03
03
-
02
08
nota de enciclopédia
01
01
01
05
08
cartaz
01
01
02
04
08
notícia
01
01
06
-
08
artigo científico
02
01
02
01
06
fábula
01
01
02
02
06
legenda
05
-
-
-
05
aviso
-
04
-
01
05
placa de trânsito
-
-
-
05
05
carta pessoal
01
01
03
-
05
lista de compras
01
01
02
-
04
ficha catalográfica
-
04
-
-
04
crônica
-
-
02
02
04
regras de etiqueta
-
02
01
01
04
capa de revista (hq)
03
-
-
-
03
lista de nomes
01
01
01
-
03
cordel
-
-
03
-
03
texto didático de livro paradidático
-
-
02
01
03
quadra
-
-
-
03
03
mapa
-
-
-
03
03
trava-língua
03
-
-
-
03
biografia
01
-
-
02
03
instrução de jogo
02
-
-
-
02
cruzadinha
01
01
-
-
02
cardápio
-
-
02
-
02
nota biográfica
-
-
-
02
02
carta do leitor
-
-
-
02
02
regra de convivência
-
01
01
-
02
09
01
07
08
25
provérbio
outros23
TOTAL
23
625
Tratam-se de gêneros que apresentaram apenas 01 ocorrência: resenha de peça teatral, convite, capa de vídeo,
sinopse de filme, parlenda, instrução de higiene, trovas, cartão-postal, lista de atividades, letreiro comercial,
gráfico, cartum, recibo, relato histórico, curiosidade, paródia, estatuto, infográfico, conselho, comunicado,
mensagem de campanha educativa, mensagem de auto-ajuda, mensagem de apelo, entrevista e anúncio.
210
Nesse sentido, verificamos que, de forma geral, há uma predominância de textos
didáticos24 (93). Logo em seguida, os que apareceram com maior frequência foram: tirinha /
história em quadrinhos (77), resenha de livro (54), bilhete (50), piada (37), conto (33) e
poema (32). Sendo assim, constatamos que, conforme fora anunciado no manual para o
professor, a coleção, de fato, contempla uma grande variedade de gêneros oriundos de
diferentes esferas de circulação social, tais como: literária, publicidade, didático-pedagógico,
dentre outras. Entretanto, nem todos são alvos de reflexão mais sistemática, conforme será
exposto mais adiante.
No que se refere ao trabalho didático com os gêneros na coleção em foco, observamos
que, em geral, a diversidade de gêneros apresentada na tabela supracitada contempla os cinco
agrupamentos propostos por Schneuwly e Dolz (2004), tal como ilustra o gráfico abaixo:
GRÁFICO 1
24
Entendemos por textos didáticos aqueles que foram produzidos pelas próprias autoras da coleção ou que não
indicam autoria e suporte e têm como finalidade ensinar algum conteúdo escolar, sem que, para isso, tenha
adotado a forma composicional de outros gêneros de circulação social.
211
Como podemos perceber, há, na coleção um quantitativo maior de gêneros da cultura
ficcional (27%), tais como conto, tirinha, história em quadrinhos, etc. Em seguida, os que
estão voltados à transmissão e construção dos saberes (19%), documentação e memorização
das ações humanas (15%), discussão dos problemas sociais controversos (9%) e, por último,
instruções e prescrições (3%).
Já os gêneros denominados “outros” (27%) são aqueles que não se apresentam nos
domínios sociais de comunicação propostos por Schneuwly e Dolz (2004) e estão inseridos na
coleção, tais como: convite, capa de vídeo, sinopse de filme, parlenda, trovas, cartão-postal,
lista de atividades, letreiro comercial, gráfico, cartum, recibo, curiosidade, paródia,
infográfico, conselho, comunicado, mensagem de auto-ajuda, mensagem de apelo, anúncio,
poema, propaganda, capa de livro/revista, provérbio, cantiga, legenda, aviso, placa de trânsito,
lista de compras, ficha catalográfica, capa de revista (HQ), lista de nomes, cordel, quadras,
mapa, trava-língua, cruzadinha e cardápio.
Nesse sentido, verificamos que, além dos textos na coleção se apresentarem em
gêneros bastante diversificados, estão contemplando agrupamentos distintos. Todavia, vale
ressaltar que os gêneros pertencentes à ordem do argumentar e descrever ações são
trabalhados com menor incidência.
O princípio de oportunizar ao aluno o contato com diferentes gêneros, que é atendido
na proposta do livro didático, fora defendido tanto pelo Manual do Professor da coleção
quanto pela BCC-PE.
No primeiro, constatamos que esse aspecto é ressaltado na
apresentação dos critérios para escolha dos textos da coleção. Entretanto, é pouco discutido
nos eixos de ensino e, portanto, não apresenta orientações de como esse objeto de ensino pode
ser enfocado ao longo da coleção.
Verificamos que a BCC-PE também elege como fundamento a diversidade de gêneros.
Tal reflexão é indicada nos pressupostos teóricos do documento e/ou através de citações de
gêneros que circulam nos diferentes meios sociais. No entanto, não observamos maiores
problematizações sobre como os gêneros poderiam estar relacionados às competências
propostas ou, então, quais dimensões a serem enfocadas a cada ano/série de forma a
oportunizar ao aprendiz a como transitar entre as diversas funções dos gêneros, ou seja, se
apropriar das dimensões dos gêneros e fazer usos dos mesmos de acordo com as intenções
sociocomunicativas.
No tratamento didático dado aos gêneros na coleção, veremos que não existe uma
relação linear entre quantitativo e características exploradas, ou seja, nem sempre os gêneros
que são mais frequentes são os mais enfocados de forma sistemática. Nesse sentido,
212
observamos, por exemplo, que os gêneros da esfera literária são os mais explorados
didaticamente nos livros didáticos da coleção, em especial, o poema e o conto. Este último
pertencente à ordem do narrar. Outros gêneros dessa mesma ordem, tais como a piada e a
adivinha, apesar de apresentarem uma ocorrência significativa nos livros, não são alvo de um
estudo mais sistemático. A seguir, serão esmiuçados alguns aspectos relacionados ao trabalho
didático com os gêneros mais enfocados na coleção analisada. .
8.2. Gêneros que são mais intensamente explorados
Como já vimos no item anterior, o material textual da coleção é bastante diversificado
e contempla várias esferas de circulação. Por outro lado, nem todos os gêneros são alvo de
discussões mais sistemáticas. Ou seja, embora o Manual do Professor não anuncie quais
gêneros serão escolhidos para maiores reflexões, como vimos no capítulo 7, as atividades
propostas nos LD nos mostram quais são os gêneros explorados de forma mais intensa.
O fato de serem considerados os mais explorados na coleção não corrobora com a
afirmação de que todas as dimensões dos gêneros são ressaltadas. Em outros termos, as
características enfocadas nas atividades com os gêneros são variadas e dependem dos
objetivos propostos pelas autoras. Sendo assim, para identificarmos os que são fortemente
explorados, utilizamos as seguintes estratégias de apresentação das reflexões: (a) análise da
frequência nos quatros livros da coleção e (b) apresentação e análise de, pelo menos, duas
sequências de atividades com questões em torno do gênero.
Como foi dito anteriormente, os gêneros que apareceram com maior freqüência na
coleção foram texto didático, tirinha / história em quadrinhos, resenha, bilhete, piada, conto e
poema. No entanto, textos representativos de alguns desses gêneros não são acompanhados de
atividades que possam ser analisadas.
As resenhas de livros, por exemplo, embora tenham presença significativa na coleção
(54), não são alvos de atividades. Tal gênero está localizado na seção “Você leu” e não vem
acompanhado de questões para serem respondidas. Com isso, parece que a inserção da
resenhas de livros tenha se dado para estimular a leitura de determinados livros que tem
relação com a temática e/ou conteúdo abordado pelo texto principal da unidade, o que é uma
proposta interessante, mas não será analisada nesta pesquisa.
Já as piadas, que também possuem representatividade na coleção, são utilizadas, em
geral, para entretenimento e, de forma mais expressiva, em atividades de pontuação,
213
gramática, ortografia. Tal aspecto foi observado no parecer disponibilizado no Guia do Livro
Didático 2007 de Língua Portuguesa, o qual destaca que:
em todos os volumes, cada unidade apresenta de um a dois textos para o
trabalho com a leitura, além de outros textos (na sua maioria tirinhas, piadas
e bilhetes) utilizados para as atividades de exploração da gramática e da
ortografia.” (BRASIL, 2006, p.251).
Nesta pesquisa, tratamos conjuntamente os gêneros tirinhas e histórias em quadrinhos,
em decorrência das inúmeras semelhanças entre eles e pelo fato de que muitas tirinhas são
usadas apenas para entretenimento ou material para estudo de conteúdos gramaticais sem
relação com as dimensões sociointerativas dos textos, mas outros textos desses gêneros serem
objeto de reflexão de aspectos sociodiscursivos.
Nesse sentido, com os critérios acima discutidos, destacamos que os gêneros/textos
mais explorados na coleção em relação aos sentidos produzidos e reflexões sobre suas
características sociodiscursivas foram: texto didático (93), história em quadrinhos / tirinhas
(77), bilhete (50), conto (33) e poema (32), que serão tratados mais detalhadamente no tópico
a seguir.
8.2.1 TEXTO DIDÁTICO
Na análise da coleção, percebemos uma presença significativa de textos didáticos,
sendo apresentados da seguinte forma nos volumes da coleção: ano 2 (25), Ano 3 (28), Ano 4
(20) e Ano 5 (20). Como já foi dito, estamos nomeando de textos didáticos aqueles que foram
produzidos pelas próprias autoras da coleção ou que não indicam autoria e suporte e têm
como finalidade ensinar algum conteúdo escolar, sem que, para isso, tenha adotado a forma
composicional de outros gêneros de circulação social. Esses textos são explorados nas seções
de “Caligrafia”, “Gramática”, “Só pra lembrar”, “Com que letra” e “Lição para casa”, e, em
menor frequência, na seção “Fique sabendo”. São utilizados, principalmente, em atividade
que exploram ortografia, gramática, paragrafação, pontuação e/ou aprimoramento dos
traçados das letras.
Nessa perspectiva, as atividades propostas em torno de um texto didático, geralmente,
não proporcionam aos aprendizes reflexões mais sistemáticas do que está sendo abordado. Os
comandos, via de regra, não problematizam o conhecimento, pois solicitam dos estudantes
que realizem ações como: “completar”, “retirar”, “copiar”. Vejamos o caso abaixo:
214
Figura 1
(Ano 3, p.292)
Os textos fornecem informações sobre dois animais e sobre alimentação. Como
vemos, os textos acima expõem dados referentes ao universo animal apresentando um
conteúdo escolar. A atividade proposta, no entanto, não explora o conteúdo textual. O foco é o
trabalho com ortografia.
Constatamos que a atividade acima tem como objetivo proporcionar aos alunos
aprendizagem sobre o emprego da letra “o” ou “u” a partir do comando para completar
palavras. Embora a atividade possa promover boas discussões sobre as regularidades do
emprego dessas letras, não há, no livro, orientações que estimulem reflexões sobre a norma
ortográfica. Isso poderia ser feito com base em propostas em que os estudantes precisassem
formular hipóteses sobre as regras que poderiam ser usadas para que decidissem sobre qual
letra utilizar.
Embora o manual do professor insira uma discussão sobre regularidades e
irregularidades da grafia e apresente algumas exemplificações, não observamos orientações
que discutam a necessidade dos alunos formularem suas hipóteses para confrontá-las e,
posteriormente, sistematizá-las. Os exercícios de ortografia, segundo o próprio Manual,
215
“objetivam levar ao aluno a descobrir e assimilar os mecanismos que estão na base do sistema
ortográfico da língua.” (p.11)
Encontramos também textos didáticos que são empregados para retirar unidades para
análise isolada e identificar conteúdos gramaticais e/ou ortográficos, tal como vemos abaixo:
Figura 2
(Ano 5, p. 240)
O texto ensina as crianças que é necessário respeitar as pessoas e valorizar a
diversidade. Sendo assim, parece ter como finalidade a sensibilização para a convivência
social. No entanto, ele não é objeto de discussão. Na atividade acima, o texto se configura
como unidade decorativa, uma vez que verificamos a remoção de uma palavra para ajudar na
explicação da diferença entre “mal” e “mau”. Ou seja, o texto didático é usado como pretexto
para estudo do emprego de “mal e mau”.
Em outras atividades, o texto didático é utilizado para a aprendizagem da
paragrafação, tal como vemos abaixo:
216
Figura 3
(Ano 3, p.174)
O texto, como os demais textos classificados como didáticos, não tem autoria e tem
função informativa. Trata de um animal, fornecendo informações sobre ele, tal como outros
textos da esfera escolar. Mais uma vez, ele é usado para o ensino de conteúdos do eixo de
análise linguística.
Nessa atividade já é apresentado um comando que oferece pistas ao aluno para dividir
o texto em parágrafos. Ressaltamos, ainda, que as estratégias de paragrafação estão explícitas
no próprio comando, o que não favorece uma reflexão sobre a utilização de parágrafos no
texto, bem como sua relação com a unidade de sentido.
A presença de atividades fragmentadas e descontextualizadas em torno dos textos
didáticos é marcante na coleção. Vejamos outro exemplo:
217
Figura 4
(Ano 5, p.266)
Conforme vemos acima, é outro texto didático que também trata do mundo animal,
ensinando sobre características do bicho em foco. Mais uma vez, é utilizado para o ensino de
conteúdos do eixo de análise linguística.
Os objetivos dessa atividade consistem na identificação dos dígrafos nas palavras
previamente destacadas no texto e a separação silábica dos mesmos. O texto, por sua vez, não
é tratado quanto ao seu propósito sociocomunicativo. Como os textos discutidos nesse item
não apresentam indicações de suporte e/ou autoria, a abordagem das considerações de
produção é inexistente.
Observamos outros textos didáticos que versam sobre o universo animal em atividade
de pontuação, tal como vemos a seguir:
218
Figura 5
(Ano 4, p.266)
Nos textos acima não são indicados autoria e/ou suporte. Ambos abordam a temática
de animais, sendo o primeiro destinado a descrever as características de um pastor alemão e o
segundo a destacar raças de cães que precisam de cuidados com a pelagem. A questão
proposta a partir dos textos não remete a seu conteúdo, mas sim a inserção de pontuação e
vírgula nos locais nas quais foram retirados. Desvela-se, portanto, a compreensão dos autores
da coleção de que textos dessa natureza devem ser utilizados para atividades sem reflexão
sobre os usos dos sinais de pontuação e vírgula.
Dentre as atividades propostas para os textos didáticos, podemos encontrar, ainda,
aquelas que discutem a relação entre fala e escrita, como o exemplo abaixo:
219
Figura 6
(Ano 4, p.285)
O texto que mais uma vez é apresentado sem indicação de autoria, ensina sobre
reações químicas, explicando como a cola gruda os objetos. Esse tema não é tratado na
questão relativa ao texto. O propósito de inserir o texto é abordar “diferenças” entre fala e
escrita.
Tal como vemos na atividade acima, o aluno não é levado, de fato, a refletir sobre as
interfaces fala e escrita, bem como características, usos e peculiaridades de cada modalidade.
Nessa atividade, parece também haver a ideia de que as marcas da oralidade contaminam o
texto escrito, e, por isso, devem ser eliminadas e/ou substituídas por palavras ou expressões
típicas da modalidade escrita. Sendo assim, desconsidera as condições de produção e efeitos
pretendidos no texto.
Em menor frequência, podemos encontrar também textos didáticos inseridos no livro
para realmente apresentar alguma informação e não apenas como pretexto para uma atividade
de análise linguística. Vejamos a seguir:
220
Figura 7
(Ano 5, p.58)
Como observamos acima, a própria seção indica que o texto abordará alguma
informação, no caso acima, a respeito da distribuição e devastação da Mata Atlântica no
território brasileiro. Os textos didáticos, localizados nessa seção, assumem como finalidade
principal fornecer conhecimentos de uma forma geral sobre uma temática do capítulo em
estudo. O próprio título da seção (Fique sabendo) já evidencia tal propósito. No entanto, o
texto não é objeto de exploração por meio de questionamento ou estímulo a outras atividades.
É inserido como um texto complementar.
Dado o que foi discutido nesse item, constatamos que os textos didáticos são, em sua
maioria, voltados para o estudo de conteúdos do eixo de análise linguística, mais
especificamente, para o estudo de ortografia, pontuação, paragrafação. As atividades, por sua
vez, levam os estudantes a identificar fatos linguísticos sem necessariamente proporcionar
reflexões sobre os usos.
Na maior parte dos casos, os textos são pretextos para a inclusão dos conteúdos, sem
haver relação entre os recursos linguísticos em análise e os efeitos de sentido dos textos.
Parece haver a compreensão que tais textos se prestam para a realização de atividades
voltadas a determinados conteúdos de língua portuguesa, não havendo, portanto, uma
221
preocupação em explorá-los para desenvolver outras habilidades, como, por exemplo, o
desenvolvimento de estratégias de leitura.
Outro aspecto a ser ressaltado é o fato das atividades com os textos didáticos partirem
do princípio de localizar, retirar e/ou copiar sem oferecer oportunidades dos aprendizes
lançarem mão de suas hipóteses e confrontá-las, sendo recorrente a ausência de
problematizações do que está sendo abordado.
Verificamos que, embora os textos didáticos sejam representativos na coleção, o
manual do professor não faz menções a esse material. Tal aspecto também é observado na
BCC-PE, na qual não observamos referências a esses textos para o trabalho com a língua
materna.
Podemos destacar também que há diferenças marcantes entre as orientações na BCCPE acerca do trabalho com gramática e os tipos de atividades presentes nos livros, sobretudo,
os que são propostos com base nos textos didáticos.
8.2.2 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS / TIRINHAS
Como foi dito anteriormente, muitas tirinhas são inseridas na coleção apenas como
pretexto para atividades relativas a conteúdos gramaticais. No entanto, as histórias em
quadrinhos são exploradas de um modo mais variado. Esses dois gêneros estão distribuídos
da seguinte forma: ano 2 (15), ano 3 (17), ano 4 (22) e ano 5 (23).
Como podemos perceber, o gênero em foco é apresentado de forma equilibrada ao
longo dos quatros livros. Em relação a sua disposição nas seções do livro, constatamos que a
HQ se encontra de forma menos expressiva no tópico principal da unidade e em maior
frequência nas seções destinadas a produção, na comparação entre textos, gramática e lição
para casa. Já as tirinhas, estão distribuídas nas seções de entretenimento, gramática, caligrafia,
e ortografia.
Na análise das atividades, constatamos que são oferecidos aos alunos poucos
momentos de reflexão acerca das tirinhas e histórias em quadrinhos. Em outros termos,
geralmente, o enfoque dado ao trabalho com o mesmo não se volta para exploração de suas
características, mas sim para elementos como pontuação ou gramática:
222
Figura 8
Figura 9
(Ano 3 , p. 121)
(Ano 3 , p. 265)
Nesse sentido, ressaltamos que é no livro do Ano 2 que tal o gênero é mais explorado,
sendo distribuído nas atividade de leitura e compreensão, de produção de textos, gramática e
comparação entre textos.
Como podemos verificar, tais gêneros não são abordados de forma sistemática e
progressiva ao longo dos quatro livros da coleção, não oportunizando “domínio” do gênero
“correspondente à prática de linguagem para que, assim instrumentado, o aluno possa
responder às exigências comunicativas com as quais é confrontado”. (SCHNEUWLY E
DOLZ, 2004, p.79)
Dentre as poucas atividades que propõem estudo mais sistemático, ressaltamos o
estudo em torno da HQ intitulada “O que fazer com tantas tábuas?” (Ano 2, p. 68 a 73).
Vejamos:
223
Figura 10
Figura 11
(Ano 2 , p. 68)
(Ano 2 , p. 69)
Figura 12
(Ano 2 , p. 69)
Na HQ acima, verificamos a preocupação das autoras em conservar as características
gráficas-editorias. Como observamos, a HQ narra um episódio em que Cebolinha e Cascão
224
trocam ideias para decidirem quais objetos poderiam fazer com tábuas. Carrinho, navio pirata,
foguete, casa na árvore, etc. foram algumas das sugestões dos dois personagens que acabam
discutindo para definir qual objeto montar. Após o debate, verificaram que o mais importante
a fazer com as tábuas era servir de suporte para que uma deficiente física pudesse circular.
Observamos que, antes da apresentação do HQ, é orientado ao professor que explore
com os alunos as revistas em quadrinhos observando “os tipos de balões utilizados (fala,
pensamento, grito, cochicho, etc) e os recursos usados para transmitir ao leitor ideia do que
está acontecendo nas cenas” (p.68). Também é destacada ao professor a necessidade de
acompanhar a leitura do texto com o aluno, chamando a atenção para as expressões dos
personagens na história. Logo após a exposição da HQ, as autoras sugerem ao professor
perguntar aos alunos, como seria possível compreender a história, se não aparece nenhuma
palavra escrita. Tal questão chama a atenção para os a compreensão do texto por meio da
sequência de imagens nos quadros e dos recursos visuais utilizados pelo autor.
Como podemos perceber acima, nas sugestões ao professor, os aspectos ressaltados
pela autora se voltam para as características composicionais do gênero, ou seja, se voltam
para a identificação dos recursos gráficos, elementos não-verbais e a composição da história
em quadros.
Depois da leitura da história em quadrinhos, o aluno é convidado a responder questões
que se remetem à compreensão do texto. Dentre elas, ressaltamos as que, de forma mais
específica, retomam as características estruturais do gênero e ao suporte. Vejamos abaixo:
Figura 13
(Ano 2, p. 71)
Podemos perceber que os objetivos da primeira questão se voltam para apresentar o
nome gênero (O texto que você leu é uma história em quadrinhos) e para mobilizar
225
conhecimentos referentes à forma composicional e recursos notacionais da HQ, destacando a
relação de como a história é contada e seus elementos não-verbais. Existe, na questão, uma
indicação de que a coleção está preocupada em oferecer ao aluno a oportunidade de
diferenciar a estrutura desse gênero quando comparado a outros.
Ainda nessa atividade, é proposta ao aluno uma pergunta referente ao suporte:
Figura 14
(Ano 2, p. 71)
Como vemos, os alunos terão que identificar os elementos que explicitam de onde foi
retirada a história e associar à capa da revista. Nessa perspectiva, tal questão remete ao
suporte da HQ mobilizando conhecimentos relacionados ao gênero nos mais variados
contextos de circulação.
Já a questão 6, letras “a, b e c”, destaca um elemento característico dos quadrinhos
que é o tipo de balão:
Figura 15
(Ano 2, p. 71)
Para essa questão, é orientado ao professor a relevância de explicar os tipos de balões
que podem ser encontrados nas HQ e qual a sua finalidade dentro da história. No caso acima,
226
os balões típicos para representar a fala e o pensamento. Trata-se de ressaltar a habilidade de
reconhecer as diferenças nos formatos dos balões e compreender que o formato de tais
recursos depende do que se deseja expressar.
Já em relação aos recursos visuais, encontramos duas questões que se remetem a tal
aspecto. São elas:
Figura 16
(Ano 2, p. 72)
Nessas, percebemos que a atenção voltada para os recursos para os elementos nãoverbais, no caso a utilização dos gestos e seus significados na HQ (7. Observe o 4º quadrinho
e escreva os significados que têm o gesto com o dedo e a expressão do Cascão e 8. Observe a
expressão do menino e marque o que ele está sentindo.). Ou seja, os conhecimentos
mobilizados giram em torno da percepção da movimentação sugeridas por meio dos gestos e
expressões dos personagens. Tais aspectos são relevantes, uma vez que contribuem para o
entendimento tanto do conteúdo que está sendo abordado, como das características peculiares
às HQ.
Por fim, nessa atividade são propostas perguntas de localização de informação (9/a.
Afinal, o que Cascão e Cebolinha resolveram fazer com as tábuas?) e emissão de opinião (9/b.
Você achou o final da história interessante? Por quê?).
Nem sempre os recursos não-verbais, características do gênero em foco, são alvo de
reflexão nas atividades. Nesse sentido, citamos a proposta de produção no livro 3, p. 197 a
199, na qual os alunos são convidados a refletir sobre os tipos de balões e a sequência da
narrativa. Vejamos abaixo:
227
Figura 17
(Ano 3, p. 197)
Conforme observamos, nessa atividade o aluno é convidado a completar a história
“Mingau em: O guardião”. Verificamos que o comando de produção destaca a realização da
leitura do começo e o fim da história para completar as ações do gato. Observamos que é
orientado ao professor realizar considerações sobre a esfera de circulação do gênero, ou seja,
chama a atenção para a relevância de o aluno entrar o contato com vários gibis para utilizá-los
como „modelos‟ na criação das histórias.
Logo após o comando da atividade, é explicitada ao aluno a necessidade de utilizar os
balões de fala, grito e pensamento, ressaltando os elementos composicionais do gênero. Ou
seja, há uma preocupação para que o aluno insira tais elementos no momento de completar a
história em quadrinhos. Com isso, observamos que o enfoque nessa atividade se remete à
compreensão de que os alunos mobilizem conhecimentos sobre os tipos de balões a serem
inseridos na história. Observamos, ainda, a preocupação em manter a sequência dos fatos da
narrativa. (Os fatos que você vai criar precisam combinar com o início e final da história.)
Já em outras propostas, como no caso do estudo “A formação da chuva” (Ano 2, p.
241-242), o gênero HQ é explorado através de perguntas que remetem à interpretação do
conteúdo abordado, de forma mais específica, à associação das imagens com o texto. Essa
atividade está inserida na unidade 15, na seção “Outro texto”. O texto principal dessa unidade
é um conto, “Elefantes”, que narra a situação de um aluno, que no primeiro dia de aula teve
228
vontade de fazer xixi durante a explicação da professora sobre
os elefantes. Como a
professora não o deixou sair, terminou fazendo xixi na sala.
O conteúdo da HQ “A formação da chuva” é semelhante ao do texto principal da
unidade. Vejamos:
Figura 18
(Ano 2, p. 241)
Como podemos observar, não verificamos indicações de suporte e autoria. Com um
conteúdo semelhante ao texto principal da unidade o qual está inserido, a HQ também narra a
situação de um aluno que quer ir ao banheiro durante a explicação da professora sobre a
formação da chuva. Como é impedido de ir, termina fazendo xixi no chão da sala. Dada a
semelhança com o conto do texto principal da unidade e a não indicação dos elementos de
circulação, destacamos a possibilidade da HQ ter sido elaborado para o LD da coleção. Os
tipos de desenho também remetem à possibilidade de que o texto não tenha sido produzido
para circular em outros suportes textuais.
Nessa atividade, é proposta ao aluno a seguinte questão:
229
Figura 19
(Ano 2, p. 242)
Como podemos observar, a questão não se remete ao gênero, uma vez que o
conhecimento envolvido é a interpretação do conteúdo que está sendo abordado na HQ. Ou
seja, o aluno deverá associar o conteúdo sobre a formação da chuva com as imagens
apresentadas nos balões.
Em seguida, é apresentada a seguinte pergunta:
Figura 20
(Ano 2, p. 242)
Nessa, cabe aos alunos não só identificar os tipos de balões, mas também mobilizar
conhecimentos que remetem à interpretação da imagem e registro através da escrita. Portanto,
não se refere diretamente ao gênero HQ. Observamos que para essa atividade é orientado ao
professor que as questões servem para verificar a compreensão dos alunos em relação às
imagens e para ajudá-los na produção.
Nessa atividade, há uma preocupação em destacar aos alunos as diferenças entre uma
passagem da história que é narrada por imagens e por escrito. Essa hipótese pode ser vista
230
quando, na atividade seguinte, é proposta uma comparação entre textos na página 243 (conto
e HQ). Nessa, o aluno terá que comparar as semelhanças e diferenças, chamando a atenção
tanto sobre o conteúdo de ambos quanto a composição dos textos.
Dessa forma, a interpretação do conteúdo das imagens da HQ “A formação da chuva”
(questão 1), a forma como escrever o que está sendo apresentado no balão com palavras
(questão 2) e a atividade de comparação de textos seriam os suportes para que aos alunos
recontem a história com palavras, na seção de Produção (pág. 244). Portanto, o objetivo do
trabalho didático com a HQ “A formação da chuva” não é destacar as dimensões constitutivas
do gênero, mas sim trabalhar alguns de seus recursos para mobilizar conhecimentos referentes
a como se transformar a história em quadrinhos em texto em prosa
A partir do que foi discutido acima, percebemos que as dimensões do gênero
destacadas nas atividades remetem aos aspectos de circulação, elementos não-verbais
(expressões e gestos) e/ou características composicionais. Todavia, ressaltamos que a coleção
oferece poucas atividades, ao longo dos LDs, para que os alunos sistematizem conhecimentos
referentes aos elementos constitutivos das histórias em quadrinhos. Destacamos, ainda, que
não encontramos questões que problematizem como o uso da linguagem oral e visual possui
semelhante relevância e como a linguagem falada se atrela à escrita na composição das
histórias em quadrinhos.
Partindo da compreensão bakhtiniana, podemos considerar que as HQ, como gêneros
discursivos secundários, incorporam os gêneros primários devido à extrema relação com as
situações de comunicação verbal espontânea.
Sendo assim, dependendo do enredo
desenvolvido, as histórias em quadrinhos se aproximam da conversação face a face por
intermédio da palavra escrita.
Nesse sentido, as atividades propostas também poderiam contemplar discussões mais
aprofundadas sobre como a utilização dos recursos não-visuais (gestos, expressões faciais e
corporais) ajuda a tecer as características das HQ. Em relação ao gênero em foco,
corroboramos com Mendonça (2002) quando sugere que:
A análise específica do gênero – sua constituição, formas de circulação,
subtipos – também podem ser objeto de trabalho na escola. No ensino
fundamental, estudar os elementos icônicos como a forma e contorno dos
balões [...], os sinais usados no lugar das letras [...], a disposição do texto
[...], por exemplo, e a relação disso tudo com a produção de sentido e com as
peculiaridade do gênero constitui, sem dúvida, material rico para o
entendimento dos múltiplos usos da linguagem dos HQs. (p.204)
231
Em relação à BCC-PE, constatamos que o gênero HQ é citado quando se apresenta o
princípio de se trabalhar com a diversidade de gêneros que circulam socialmente. Todavia,
não observamos competências nos diversos eixos de ensino direcionadas à exploração do
gênero em foco.
No entanto, mais uma vez, há um descompasso em relação aos princípios da BCC-PE,
dado que as tirinhas e histórias em quadrinhos são usadas, na maior parte das vezes, como
pretexto para o estudo de conteúdos gramaticais sem reflexões sobre os efeitos de sentido dos
recursos
linguísticos.
Portanto,
tal
compreensão
de
afasta
dos
fundamentos
sociointeracionistas do referido documento.
8.2.3. BILHETE
No que concerne ao gênero bilhete, constatamos que existe uma preocupação das
autoras em apresentá-lo nos quatro volumes da coleção: Ano 2 (08), Ano 3 (15), Ano 4 (11) e
Ano 5 (07), com maior incidência nos anos 3 e 4.
Em geral, os bilhetes explorados na coleção são apresentados em caixas ou
reproduções de folhas e com formato de letra cursiva. Tais aspectos podem representar uma
tentativa da coleção em oferecer pistas acerca do suporte do gênero e esferas de circulação.
Ou seja, ao reproduzir os bilhetes em formatos de papel nos quais, geralmente, são escritos os
bilhetes, parece simular que foram retirados de situações reais de interlocução.
Em relação a sua distribuição por seções no livro, constatamos que o bilhete é
explorado, de forma menos expressiva, nas atividades de estudo do texto e produção e, mais
frequentemente, em propostas voltadas para caligrafia, gramática, acentuação, separação de
sílabas e ortografia, tal como vemos abaixo:
232
Figura 21
(Ano 3, p.39)
Figura 23
( Ano 2, p. 286)
Figura 22
( Ano 4, p.67)
Figura 24
( p.239 , Ano 5)
Embora a coleção apresente vários exemplares do gênero em questão, constatamos
que, nos Anos 4 e 5, não são apresentadas atividades sequenciadas com o bilhete e, nos Anos
1 e 3, apenas duas propostas o abordam de forma mais sistemática. Tal dado nos sugere uma
compreensão de que o bilhete não precisa ser alvo de reflexão em todos os volumes da
233
coleção, pois se trata de um gênero que supostamente apresenta estrutura mais simples e de
fácil apropriação por parte dos alunos.
Na análise das atividades, observamos exploração dos seus aspectos composicionais e
sociodiscursivos, como no caso do estudo da página 155, Ano 3. Vejamos abaixo:
Figura 25
(Ano 3, p. 155)
No bilhete acima, além de repreender o filho em relação à organização do quarto, a
mãe deixa o recado para o filho arrumar o quarto. Observamos também que a disposição do
texto na folha de papel destaca suas características canônicas (destinatário, assunto, despedida
e remetente). Além da apresentação visual das características clássicas do gênero em foco,
verificamos que a utilização da letra cursiva e a distribuição do conteúdo verbal numa folha
colorida e com desenhos pode oferecer ao aluno indícios de que o bilhete foi retirado de uma
situação real de circulação.
Ao indicar o comando “Leia a mensagem abaixo”, verificamos que o aluno é
convidado, inicialmente, a perceber a diagramação espacial do bilhete e seus elementos
constitutivos através de setas e marcações na lateral do gênero em foco. Nesse sentido, as
indicações para os alunos remetem aos elementos sociodiscursivos (“pessoa para quem foi
234
escrito o bilhete” e “pessoa que escreveu o bilhete”) e composicionais (mensagem, data e a
despedida).
Em seguida, apresentadas questões que mobilizam a identificação do gênero (a. Qual o
nome desse tipo de mensagem?), finalidade (b. Qual foi a intenção do remetente ao escrevêlo?), linguagem utilizada (c. Nos bilhetes, as mensagens são curtas ou longas?), situação de
produção (d. Em que situações do cotidiano os bilhetes são produzidos?) e situação de
circulação (e. Como um bilhete pode ser entregue?).
Em suma, as questões propostas mobilizam conhecimentos relacionados ao uso de
mensagens curtas, à necessidade de utilizar o gênero para emitir mensagens rápidas e a forma
de circulação do mesmo.
Na sequência da atividade, verificamos a exploração de outro bilhete com a finalidade
de comparar semelhanças e diferenças entre os mesmos. Nesse sentido, é solicitado ao aluno a
leitura de outro exemplar com as respectivas perguntas:
Figura 26
(Ano 3 , p. 156)
Como verificamos, a disposição do conteúdo verbal retoma as características do
bilhete (destinatário, assunto, remetente). O assunto abordado, provavelmente, dar-se-á numa
situação empresarial, na qual um funcionário convida o outro para conversar. Tais elementos
235
são percebidos através das pistas de variação de registro (Senhor Agenor, atenciosamente) e
pelo assunto abordado (proposta de redução de gastos da empresa). Verificamos, ainda, a
utilização de letra de imprensa, ao invés de cursiva, o que seria um pouco provável em
situações de usos.
Como observamos, o bilhete apresentado ao aluno se diferencia do outro, da página
155, principalmente pela utilização de uma linguagem mais formal. O comando “Agora
compare os bilhetes A e B”, indica o objetivo da atividade que é identificar as semelhanças e
diferenças entre os mesmos.
Portanto, nessa atividade os alunos são convidados a identificar a estrutura do gênero
(a. Quais são as semelhanças entre os bilhetes?), comparação entre a linguagem formal e
informal (b. A linguagem dos bilhetes é a mesma?), o distanciamento entre remetente e
interlocutor (c. No bilhete B, que palavras mostram que Adenor e André não são íntimos?) e a
utilização do registro formal ou informal, de acordo com a relação entre o remetente e
destinatário (d. No bilhete A, a despedida poderia ser “Atenciosamente”? Por quê?; No bilhete
B,o destinatário poderia ser Gegê?).
Em geral, verificamos que nessa atividade o aluno terá que mobilizar o conhecimento
sobre a estrutura do bilhete, ou seja, identificar os aspectos composicionais (destinatário,
mensagem, despedida, remetente e data). Percebemos também perguntas que suscitam
reflexões sobre a linguagem utilizada em função do destinatário. Em outros termos, como não
existe intimidade entre destinatário e remetente, a linguagem usada é mais formal,
diferentemente da informalidade presente no bilhete apresentado na página 155.
Embora verifiquemos que um dos objetivos da atividade é discutir as diferenças de
registro nos bilhetes apresentados, de acordo com grau de distanciamento entre os
interlocutores, a atividade da página 156 se torna emblemática por não ter explorado a
situação de produção e circulação do bilhete. Ou seja, além de não ser apresentado ao aluno
nenhum comentário para contextualizar a produção do bilhete, verificamos a adulteração de
suas características socioculturais, uma vez que se trata de uma simulação de que o mesmo
fora produzido dentro de uma determinada empresa.
Em outras propostas, como a encontrada no livro do Ano 3 (p. 155), também são
explorados os elementos estruturais do bilhete. Na proposta abaixo, antes dos alunos
produzirem um bilhete, as autoras exploram alguns de seus aspectos, tal como observamos
abaixo:
236
Figura 27
(Ano 2 , p. 104)
Conforme vemos, o primeiro bilhete não é indicado o destinatário, o remetente e parte
do assunto para que os alunos completem as sentenças. Como o assunto abordado remete a
possibilidade de uma pessoa ir à casa da outra para pegar o objeto emprestado, o registro da
data é algo essencial. Com isso, verificamos que o objetivo dessa atividade é chamar a
atenção para importância do registro da data no bilhete. Dada a artificialidade do bilhete, a
fragmentação e a característica de completar sentenças o aluno não é mobilizado a refletir
sobre os elementos de circulação e produção.
Na sequência, é apresentado ao aluno outro bilhete. Nesse, inicialmente, é apresentada
ao aluno uma contextualização referente à situação de produção do mesmo (2. Para arrecadar
jornais e revistas que serão usados nas aulas, alunos do 2º ano escreveram bilhetes para os
seus pais.). Logo em seguida, o aluno é convidado a responder as seguintes questões.
Vejamos:
237
Figura 28
(Ano 2 , p. 104 e 105)
A partir das questões a serem respondidas oralmente pelos alunos, mais uma vez são
destacadas as características canônicas do bilhete: destinatário (Para quem foi escrito o
bilhete?), remetente (Quem está enviando o bilhete?), assunto (Qual é o assunto abordado?) e
a data (Qual é a data do bilhete?).
Segundo as orientações dadas ao professor, os aspectos ressaltados a partir das
questões acima oferecem um roteiro que destaca a estrutura do bilhete e sua apropriação por
parte dos alunos. Verificamos, ainda, que as autoras ressaltam a necessidade de se aproveitar
os eventos da escola para produzir bilhetes com interlocutores reais.
Portanto, na exploração das questões, há uma preocupação de que o aluno precisa se
apropriar da estrutura do bilhete para produzi-lo. Em outros termos, é oferecido aos alunos um
“modelo” através do roteiro explorado na atividade para, posteriormente, subsidiar a produção
do gênero em questão.
Já no comando da produção de texto, verificamos a preocupação em proporcionar ao
aluno uma contextualização do que será produzido, ou seja, o convite para fazer a salada de
fruta seria a finalidade pela qual os alunos iriam produzir um bilhete solicitando aos pais ou
responsáveis uma fruta. Trata-se de uma tentativa de criar uma situação real de comunicação,
destacando a dimensão funcional do gênero. Nesse sentido, o comando indica para quem se
238
destina (pais ou responsáveis), o assunto a ser escrito (solicitar uma fruta para a salada) e a
situação de circulação (Copie numa folha em uma folha à parte e entregue-o a quem você
escreveu.) Em geral, essa atividade ressalta tanto os elementos composicionais (nome do
remetente, data, mensagem, despedida) quanto sociodiscursivos (para quem se destina).
Com base no que foi abordado nesse item, verificamos que as atividades da coleção ao
gênero bilhete são abordadas através da exploração de suas dimensões composicionais e
elementos
sociodiscursivos.
Contudo,
nem
sempre
as
atividades
propostas
são
contextualizadas, sendo reincidente a preocupação para que os alunos se apropriem das
características prototípicas do gênero em questão. Além disso, há predominância de atividades
voltadas para o trabalho com conteúdos gramaticais, sem relacionar tais conteúdos aos efeitos
de sentido pretendidos no texto ou aspectos relativos ao estilo do gênero.
Nos objetivos propostos no MP, como já vimos nesse trabalho, constatamos que há
uma preocupação das autoras em ressaltar o desenvolvimento de habilidades voltadas para as
dimensões composicionais (Identificar as características de um bilhete, perceber sua estrutura
e compreende o que é um bilhete) quanto para elementos sociodiscursivos (Refletir sobre a
utilidade de bilhetes), evidenciando atendimento aos pressupostos explicitados no documento.
Já em relação à BCC-PE, percebemos que o bilhete é citado como exemplificação de
gênero a ser trabalhado no ensino de língua materna e, de forma mais específica, em uma
competência no eixo da produção textual. Nessa, a habilidade a ser ressaltada refere à
dimensão composicional: a adequação aos modos típicos de organização, sequência e
apresentação que caracterizam os diferentes gêneros de texto (pág. 94). Tal compreensão se
aproxima dos objetivos didáticos da coleção com o gênero em foco, visto que verificamos
que, em muitas atividades, há uma preocupação com os elementos estruturais. No entanto,
mais uma vez, há um distanciamento entre os livros didáticos e o documento curricular, dado
que a ênfase nos conteúdos gramaticais descontextualizados dos propósitos comunicativos
também é verificada no trabalho com os textos deste gênero nos livros e “desaconselhada” na
BCC-PE.
8. 2.4 CONTO
Em relação ao gênero conto, constatamos que é explorado com frequência e
distribuído de forma equilibrada nos quatros livro da coleção: ano 2 (08), ano 3 (09), ano 4
(07) e ano 5 (07). Em relação a sua disposição nas seções do livro, geralmente, o mesmo está
localizado na parte de destaque da unidade, ou seja, se configura como texto de abertura
239
relacionado às atividades de leitura e compreensão de textos. Percebemos, ainda, que são de
autores diversos e somente 06 (seis) são apresentados na íntegra.
No Manual do Professor não encontramos orientações e nem discussões sobre as
implicações de se trabalhar com fragmentos de textos e/ou o cuidado com a preservação da
unidade de sentido dos textos quando são submetidos a supressões de determinados trechos.
Já a BCC-PE, quando aponta a necessidade de se trabalhar com uma diversidade de textos,
destaca a possibilidade de se trabalhar com trechos de determinados gêneros de textos. Tal
orientação poderia vir acompanhada de maiores discussões, uma vez que o trabalho com
“fragmentos de trechos” dificulta a formação do leitor, principalmente quando este não vem
acompanhado de orientações aos professores sobre a necessidade de incitar os alunos a lerem
a obra. Nesse sentido, a “autorização” de se trabalhar com trechos sem maiores reflexões
sobre as possíveis implicações e a ausência de sugestões acerca do papel mediador docente no
processo de leitura pode não contribuir para despertar o interesse dos aprendizes para leitura
da obra em sua totalidade, o que, por conseguinte, dificulta a formação do leitor crítico. Na
coleção analisada, apenas seis contos foram apresentados integralmente, dentre os 31 contos
inseridos nos livros. Esta prática pode, realmente, distanciar os estudantes da leitura de textos,
pois os fragmentos, sobretudo, dos textos literários corrompe muitos dos sentidos pretendidos
pelos autores. Cafiero e Santos (2009), ressalta que, dentre outros fatores, a apresentação de
textos integrais, mesmo que longo podem contribuir para formação do leitor literário.
No que se refere à indicação do nome do gênero “conto”, verificamos que o mesmo
não é apresentado no topo das páginas, porém é retomado nas questões das atividades com
referência à palavra “história”. A utilização da palavra “história” também foi observada em
algumas sequências com o poema parecendo haver uma preocupação dos autores em destacar
a predominância tipológica do texto.
Vejamos o exemplo abaixo:
Figura 29
(Ano 3, p. 44)
240
Conforme observamos, o nome do gênero “conto” é substituído por história, o que
ocorre também em outros enunciados de questões nos quatro volumes da coleção. Todavia,
constatamos que tal termo também é utilizado para se referir ao conteúdo do conto, tais como:
“Do que você acha que vai tratar a história?” (Ano 2, p.157 – grifo nosso), “Qual a surpresa
da história” (Ano 5, p.86 – grifo nosso), No texto O umbigo do rei, o narrador participa da
história como personagem ou apenas conta fatos vividos pelos personagens? (Ano 3, p.44 –
grifo nosso), A forma como a autora descreveu a cena fez com que você, leitor, se envolvesse
com a história? (Ano 4, p.88 – grifo nosso).
Como já vimos, o termo “história”, na coleção, também é utilizado em outros gêneros,
o que destaca a possibilidade dos autores estarem preocupados com a diferenciação referente
ao conteúdo como um todo. Em espaços não-escolares, observamos que o termo é comumente
empregado (“Vou contar uma história!”) para se referir, muitas vezes, à natureza do texto.
Nesse sentido, muitas vezes a aplicação da palavra “história” na coleção se refere ao conteúdo
dos textos predominantemente narrativos.
No entanto, também ressaltamos que a sinalização do termo “conto” poderia facilitar a
diferenciação entre gêneros em outras situações, como, por exemplo, distinções entre conto,
lenda e fábula. Ambos fazem parte da esfera literária e apresentam estilos diferenciados de
“história”, mas o conto difere da fábula e da lenda pelo fato de estes dois últimos
apresentarem características bem peculiares, como, por exemplo: na fábula, verificamos a
utilização da narrativa curta de natureza alegórica, inserção de figuras de linguagem como
personificação, metáfora, hipérbole, dentre outras; e na lenda, o uso de narrativas fantásticas
sobre fenômenos sobrenaturais, feitos heróicos ligados as tradições culturais de várias regiões
brasileiras e, originalmente, de tradição oral.
Observamos, ainda, que, em alguns momentos, o conto é identificado como “texto
narrativo”, tal como é ressaltado abaixo:
Figura 30
(Ano 2, p. 26)
241
Nessa questão, nota-se que a ênfase do ensino recai na conceitualização do tipo
predominante no texto, mas não há nenhuma discussão para mostrar aos alunos que a
sequência narrativa também está presente em outros gêneros.
A opção pela nomenclatura “texto narrativo” pode orientar o aluno a definir um texto
unicamente por sua natureza tipológica e não por outras características relacionadas à situação
de interação e finalidades. Na compreensão bakhtiniana, os elementos constitutivos do texto
são de natureza essencialmente dialógica, e, dessa forma, os recursos linguísticos não podem
ser vistos dissociados dos elementos inerentes ao processo discursivo.
O fato de apresentar o conto como “texto narrativo” pode induzir o aluno a
estabelecer uma associação equivocada de que todos os textos que se organizam dentro de
uma sequência narrativa são chamados de conto ou, ainda, que no conto não existem outros
tipos de sequências como, por exemplo, descrição. A indicação do gênero, muitas vezes, pode
ajudar ao aluno a reconhecê-lo como portador de uma identidade, mesmo que relativa, em
outros espaços não escolares.
Nos LDs analisados constam numerosas e variadas propostas de leitura e produção de
“histórias”. Essas se organizam em unidade sem vinculação temática, visto que “o que define
a estrutura das unidades, predominantemente, é uma sequência de seções voltadas para os
componentes de ensino [...]” (BRASIL, 2006, p.251). Isto é, as atividades voltadas para as
“histórias” são apresentadas, geralmente, na abertura da unidade e trabalhadas principalmente
nos eixos da leitura e da escrita.
Na análise das atividades propostas pela coleção, verificamos que as dimensões
ressaltadas do conto, em sua maioria, suscitam reflexões sobre os elementos da narrativa e são
modificadas no decorrer dos volumes com objetivos diferenciados. Como exemplo, podemos
citar o estudo sobre o conto “A minhoca e os passarinhos” (Ano 2, pág. 24 a 28). Trata-se de
um texto que narra a disputa de dois passarinhos para comer uma minhoca. Um passarinho a
segurava pela cabeça e o outro pelo rabo. Na confusão, os dois terminam largando a presa, e a
minhoca, por sua vez, livra-se da situação. Vejamos:
242
Figura 31
Figura 32
(Ano 2, p. 24)
(Ano 2, p. 25)
Embora o conto não seja apresentado na íntegra, verificamos o cuidado para se
preservar a unidade de sentido na supressão de determinados trechos. Ou seja, ao ler o texto
em foco, o aluno será capaz de compreender o que está sendo abordado.
Nessa atividade, é orientando ao professor (ao lado do título do conto) que, antes da
leitura, se faz necessária a exploração das imagens disponibilizadas no livro: quem são os
personagens e o que acha que a história vai contar. Tal orientação chama a atenção à
necessidade de se fazer uma preparação para a leitura para o desenvolvimento de estratégias
importantes como antecipação ao texto.
Logo em seguida, são destacadas algumas questões para leitura e compreensão do
texto. Essas se remetem à identificação das características do “texto narrativo”:
243
Figura 33
(Ano 2, p. 26)
A primeira questão (O texto A Minhoca e os passarinhos conta uma história. O texto
que conta uma história chama-se texto narrativo. Marque uma característica do texto A
minhoca e os passarinhos.) solicita que o aluno marque a alternativa que corresponde à
identificação do que é um texto narrativo, chamando a atenção para a característica de que a
narrativa se destina a contar um fato. Em seguida, a segunda pergunta apresenta o conceito de
“personagens” e solicita a identificação dos mesmos na história apresentada. Já a pergunta
número três (Complete a ilustração contando o que aconteceu nesse momento da história.)
destaca um dos fatos que ocorreu na história. As outras questões dessa atividade se destinam a
localizar informações no texto (Os passarinhos conseguiram tirar a minhoca do buraco?),
elaborar inferências (“Era uma vez....Uma minhoca que botou a cabeça de fora para tomar ar.
Na sua opinião a minhoca fez isso para: conseguir respirar ou se distrair) e compreensão de
significados de palavras (Com qual dos significados a palavra presa está sendo usada na
frase?).
Na sequência, pode-se verificar que as questões não contemplam aspectos que
ofereçam reflexão sobre o gênero conto. A própria compreensão de que “todo texto que conta
uma história chama-se texto narrativo” já indica que o foco é que os alunos se apropriem da
244
estrutura narrativa e não como a mesma se faz presente nos contos. Tal aspecto nos sugere
que a atividade em foco objetiva à compreensão da tipologia e dos elementos que a compõem,
no caso, conceito, personagens e fatos.
A compreensão de que os alunos devem se apropriar das características dos textos
narrativos também se faz presente ao longo dos quatro livros da coleção. Os LD não atrelam a
discussão de como a narrativa se organiza no universo dos contos, mas sim ressaltam os
elementos que a compõe, sendo estes introduzidos com mais complexidade de acordo com a
série/ano do livro. Nessa perspectiva, destacamos o estudo do conto intitulado “O umbigo do
rei” (Ano 3, pág. 42-46).
O texto narra uma história de um rei que, por nunca sair do castelo, não conhecia a
realidade do seu povo e estava ficando muito gordo. Certo dia, ele percebe que não tem mais
umbigo e resolve investigar a barriga de todos para poder encontrá-lo. Ao fazer isso, observou
que as barrigas roncavam de fome. Decidido a não mais se preocupar com o próprio umbigo,
saiu para conhecer como seu povo vivia e promove ações visando melhorias nas condições de
vida da população de seu reino. Depois de certo tempo, percebe que ganhou respeito e carinho
do seu povo e, ao se olhar no espelho, notou que estava mais magro e que o umbigo havia
voltado para o lugar.
Primeiramente, observamos que, no estudo em foco, não são apresentadas ao aluno
questões de preparação para a leitura, nem tampouco de exploração do suporte original para o
desenvolvimento da estratégia de antecipação. Na orientação dada ao professor, as autoras
ressaltam que o motivo de escolha pela determinada história foi o fato da mesma:
conter um enredo que apresenta: introdução (exibe os fatos iniciais),
complicação (momento da história em que se desenvolvem os conflitos),
clímax (momento de maior tensão e suspense) e desfecho (solução dos
conflitos) (LD, Ano 3, p.42).
O destaque dado aos elementos estruturais é retomado nas questões propostas ao
aluno. Vejamos:
245
Figura 34
Figura 35
(Ano 3, p. 44)
(Ano 3, p. 45)
A proposta acima demonstra que o seu objetivo central é, essencialmente, fazer o
aluno perceber a diferença entre foco narrativo, no caso o narrador-observador, e se apropriar
como estão organizadas a sequências de fatos. Na questão 1 (Que informações contidas nesse
trecho são importantes para o entendimento da história?), o aluno terá que identificar, no
fragmento apresentado no início do conto, elementos referentes à contextualização.
Já na segunda pergunta é apresentado um texto explicando o papel do narrador e os
tipos de narração. Em seguida, o aluno teria que identificar o tipo de narrador no conto (No
texto O umbigo do rei, o narrador participa da história como personagem ou apenas conta os
fatos vividos pelos personagens?). Quando destaca, na questão 3, a necessidade dos alunos
registrarem os fatos da história em três partes “Ao inicio da história”, “Ao problema a ser
resolvido” e “à resolução do problema” ressalta que o objetivo da atividade está na
organização do texto, de forma mais específica, de como os fatos narrados no texto organizam
os acontecimentos para formar um todo com início, meio e fim. Na questão de número 4, os
elementos a serem ressaltados remetem à identificação dos parágrafos no conto em foco.
246
Nessa atividade, como podemos verificar, duas questões se preocupam em destacar elementos
da narrativa.
A preocupação em torno do foco narrativo e na estrutura da narrativa também se faz
presente em outros volumes, como no estudo do conto “Timorato”. (Ano 4, pág. 86-86).
Trata-se de uma passagem do livro “Seis vezes Lucas”, de Lygia Bojunga, que ressalta ao
aborrecimento que o Pai de Lucas tem com o cachorro Timorato. Por causa de sua resistência
para entrar no carro e a mordida que deu em seu dono, Timorato acaba sendo retirado do
carro, no caminho de ida a Petrópolis. Lucas, mesmo em protesto, vê o seu animal de
estimação correr atrás do carro e desaparecer. Para o estudo desse texto, são propostas as
seguintes questões:
Figura 36
Figura 37
(Ano 4, p. 87)
(Ano 4, p. 88)
Conforme observamos, a questão 2 inicialmente situa o aluno quanto ao conceito de
narrador e aos tipos de foco narrativo, objetivando que o mesmo identifique no conto se o
narrador é um observador dos fatos ou é um personagem. Como podemos verificar tal questão
suscita a compreensão dos tipos de focos narrativos.
247
Já as questões 3 (a. O que Lucas estava sentindo nesse momento? e b.Como, mesmo
sem mencionar o nome do sentimento, a autora conseguiu passar para você, leitor, o que o
Lucas estava sentindo?) e 4 (Leia o fragmento abaixo e escreva os sentimentos passados pela
narração?) ressaltam o estilo da autora ao escrever determinados fragmentos e as sensações
que são provocadas por essa maneira de contar determinados trechos.Ou seja, as questões
incitam o aluno a perceber que, de forma intencional, a autora adota um estilo de escrita para
provocar sensações e sentimentos no leitor. De forma mais diretiva, tal aspecto é destacado
também na questão 5 (A forma como a autora descreveu a cena fez com que você, leitor, se
envolvesse na história? Por quê?) na qual o aluno é questionado sobre os impactos
provocados pela maneira de descrever uma cena do conto.
Como podemos observar, essa atividade, diferente das outras já apresentadas nesse
item, ressalta características que não se remetem apenas aos elementos estruturais da
narrativa, mas também discute recursos utilizados pelo autor para provocar efeitos de sentido
no leitor.
A preocupação com o efeito de sentido provocado pelo estilo do autor também é
ressaltado na proposta de atividade com o conto “O casarão da esquina” (Ano 5, pág. 73-77).
Trata-se de um conto de mistério que narra a trajetória de Dinho, um engraxate que estava
decidido a seguir o homem misterioso para roubar a sua dispensa. Após ter invadido o
casarão, Dinho percebeu que seu plano dera errado, o que causou machucados ao cair da
janela. Na procura pela dispensa da casa, ele percebeu que no centro do primeiro andar da
casa, os móveis estavam perdidos na escuridão e que, no lado oposto à extremidade, havia um
sapo observando-o como um cão de guarda. Ao avançar em direção do sapo, escutou ruídos
na parte escura e resolveu virar para correr. No entanto, se deparou com o dono da casa que o
ergue e o atira num poço escuro. Lá os sapos saltam para cima do menino.
Nesse, inicialmente, é proposta ao aluno uma atividade de preparação de leitura.
Vejamos:
248
Figura 38
(Ano 5, p. 73)
Primeiramente, verificamos que a atividade de preparação para a leitura oferece
elementos relevantes para a contextualização do conto a ser lido. Tais aspectos podem ser
vistos quando as autoras propõem dois textos didáticos que exploram as características dos
personagens e a intenção de Dinho, as questões de antecipação e a apresentação da
informação, no final da página (Dinho arquitetou um plano para invadir o casarão).
Conforme observamos, a atividade explora pistas sobre o conto que será trabalhado,
apresentando os personagens e o cenário descrevendo também algumas de suas
características. Logo em seguida, solicita ao aluno que responda que tipo de texto será lido e o
que levou a essa conclusão. Tal atividade nos sugere uma preocupação em não só
contextualizar o conto, mas também desenvolver a estratégia de antecipação ao que vai ser
lido a partir das pistas oferecidas sobre o cenário e os personagens. Embora a questão “b”
indague qual o “tipo de texto” que será lido, percebemos uma indicação de que o aluno terá
que associar as pistas oferecidas para identificar que se trata de um “conto de mistério”. Em
outros termos, há uma indicação de características próprias do conto de mistério,
corroborando com a orientação dada ao professor de que:
249
espera-se que os alunos concluam que se trata de uma história de mistério, e
as pistas para essa conclusão são: o título, a forma como o velho está
vestido, o hábito estranho que ele tem em relação aos sapos e, finalmente, o
ambiente em que se passa a história. (Ano 5, p. 73)
Depois da atividade de preparação da leitura, o aluno é convidado a realizar a leitura
do conto e, em seguida, responder às questões de estudo do texto. Para o professor é orientado
que uma das finalidades da atividade é ressaltar a importância de como se conta a história de
forma a envolver o leitor. Dessa forma, observamos que, no estudo do texto, algumas
perguntas se destinam, de certa forma, à identificação das características do conto de mistério.
São elas:
Figura 39
(Ano 5, p. 77)
A questão “b” (O final da história foi como você esperava? Justifique a sua resposta.)
nos sugere uma preocupação em ressaltar que o conto de mistério tem um final diferenciado
em relação aos outros contos trabalhados nos LDs. Ou seja, a necessidade de chamar a
atenção para o fato de que os finais dos contos de mistério se diferenciam dos contos que
apresentam finais felizes. Tal aspecto é ressaltado na orientação para o professor quando
destaca a possibilidade de “discutir com os alunos o motivo de, frequentemente, imaginarmos
finais felizes e torcemos por eles. [...] Assim, acabamos por nos acostumar a finais felizes e
previsíveis.” (Ano 5, p.77). Todavia, ressaltamos que, para que os alunos ampliem seus
conhecimentos sobre os finais dos contos de mistério, poderia também ser destacado o fato de
que alguns contos dessa natureza terminam justamente no clímax.
Já a questão “c” (O jeito como o autor contou a história fez você imaginar as cenas?
Por quê?), embora destaque o estilo do autor em relação à descrição da cena, também indica a
necessidade de perceber os detalhes da descrição no gênero em foco. Também é sugerido ao
professor “chamar a atenção dos alunos para a importância da escolha da linguagem para
traduzir as emoções”. (Ano 5, p.77). Tal aspecto é retomado nas questões abaixo:
250
Figura 40
(Ano 5, p. 77)
Conforme vemos acima, as questões ressaltam a necessidade de o aluno perceber o
elemento de descrição (Escreva como você imagina que estavam os olhos do sapo.) como um
recurso utilizado pelo autor para causar sensações no leitor (6.Que efeitos essa descrição
causou em você, leitor?). Apesar de não verificarmos alternativas que problematizem e/ou
sistematizem como a riqueza de detalhes na descrição dos personagens, cenário e cenas e
como esses elementos ocupam um importante papel nos contos de mistérios, a atividade se
preocupa em destacar a relevância da descrição no conto. (6. Releia o décimo parágrafo e
conte como o autor descreveu o velho).
Por último, destacamos uma pergunta que se relaciona diretamente a um dos recursos
linguísticos utilizados no gênero em foco:
Figura 41
(Ano 5, p. 78)
Na pergunta acima, constatamos, primeiramente, a indicação do nome “contos de
terror”. Tal orientação, dificilmente, aparece em outras propostas de atividades dos livros.
Ainda sobre essa questão, verificamos a preocupação em destacar que a seleção de
determinadas palavras são necessárias para o clima de suspense dentro do conto. Nesse
251
sentido, retoma uma das características importantes do gênero em foco que é a seleção lexical.
Em outros termos, a necessidade de perceber que determinadas palavras são comumente
utilizadas por fazerem parte de alguns contos de suspense. Portanto, nessa atividade as
questões retomam peculiaridade no desfecho, relevância da inserção das descrições e a
seleção vocabular pertinente aos contos de suspense.
Dado o exposto, constatamos que as atividades com o gênero conto na coleção, em
geral, se destinam a trabalhar os elementos da narrativa, confundindo, algumas vezes, o
gênero com a tipologia. Sendo assim, sugerem pouca reflexão de como o espaço, tempo,
personagem e ação ocupam um papel relevante dentro do gênero em estudo. Não queremos
com isso afirmar que o trabalho com a sequência narrativa não seja importante, mas destacar a
possibilidade de compreender tais aspectos atrelados às características dos contos
maravilhosos, de terror, aventura, dentre outros. Tais aspectos também são contemplados, mas
com menor ênfase.
Outro aspecto relevante é o fato do termo “história” ser muito utilizado nos
enunciados das atividades com os contos. Percebemos que tal aspecto está relacionado ao
conteúdo como um todo, destacando a própria natureza do que está sendo abordado.
No caso do conto de suspense, embora algumas características do gênero sejam
ressaltadas de forma tímida, as atividades sugerem uma maior aproximação para destacar as
características de estilo. Em outros termos, observamos que algumas questões que mobilizam
conhecimentos referentes à descrição dos ambientes e personagens, a peculiaridade dos
desfechos dos contos de mistérios, como a linguagem utilizada e os recursos lexicais
contribuem para o clima de suspense, dentre outros.
Verificamos, ainda, que os objetivos apresentados nas atividades se articulam com
àqueles que foram propostos no MP. Conforme já discutimos no capítulo 7, os objetivos
apresentados, de forma expressiva, concernem à natureza narrativa (situação inicial, fatos,
conflito, desfecho) e, de forma mais tímida, sobre como a linguagem e o estilo produz efeitos
de sentido com base no interlocutor.
Já em relação à BCC-PE, o gênero em foco é citado para ser trabalhado no ensino de
língua portuguesa. Todavia, não é citado e nem relacionado às competências propostas. Em
outros termos, observamos que, em competências como “Reconhecer características próprias
do texto de ficção” (p.87), os aspectos característicos destes textos não estão arrolados a uma
discussão de como as situações comunicativas que envolvem a ficção poderiam ser
explorados com o gênero conto, conforme já debatemos no capítulo 6.3. Destacamos ainda
que, embora a BCC-PE destaque a competência de reconhecer os elementos constituintes do
252
esquema narrativo, a relação entre as sequências tipológicas e estilo do gênero não são
contempladas.
8.2.5. POEMA
Ao realizarmos a análise do poema nos LDs, contatamos que não há uma distribuição
equilibrada nos 04 volumes da coleção: ano 2 (04), ano 3 (07), ano 4 (15) e ano 5 (05). Em
geral, constatamos a indicação de suporte e autoria dos poemas, bem como a seleção de
autores diversos, tais como: Bia Villela, Gláucia Lemos, Elias José, Lalau e Laurabeatriz, Ruy
Filho, Alexandre Azevedo, Carlos Drummond, Almir Correia, Antonio Barreto, Roseana
Murray, Ruth Rocha, dentre outros. Todavia, ressaltamos que nem todos são apresentados na
íntegra, sendo comum nos LDs o trabalho com fragmentos. Quanto aos aspectos semânticos,
muitos poemas recorrem à narrativa simples, retratam o mundo mágico-maravilhoso, apego à
sonoridade e ao ritmo e, de forma menos expressiva, a expressão de sentimentos.
Ao longo das atividades, não verificamos uma preocupação com a complexidade dos
objetivos propostos, visto que os aspectos a serem ressaltados recaem sobre elementos de
composição do poema. Outro aspecto a ser considerado é que, embora verifiquemos uma boa
representatividade desse gênero na coleção, nem todos são utilizados para estudos mais
sistemáticos. Ou seja, a cada volume, as autoras apresentam um ou dois poemas para as
atividades de leitura e compreensão, sendo os demais textos distribuídos nas seções de
“Gramática” e “Caligrafia” ou nas atividades de “Lição para casa”, como destacamos abaixo:
253
Figura 42
Figura 43
(Ano 2 , p. 213)
(Ano 4, p. 58)
Como vemos no poema “O pulo do gato”, o objetivo da atividade é que o aluno
aprenda o gênero do substantivo através de complementação de sentenças “macaco e
________”, __________ e coelha”, “sapo e ______”, “________ e porca”, “rato... com a
______”. Nessa atividade, não é foco de reflexão a natureza lúdica da temática abordada no
poema e nem seus elementos linguísticos e discursivos. Tal aspecto também é observado com
o poema “A mochila da Mariela”. Nesse, a finalidade é aprimorar o traçado das letras a partir
de cópia, não ressaltando o propósito sociocomunicativo do poema. Como se trata de um
poema que corresponde à expectativa infantil, a poesia é um convite à fantasia e ao
maravilhoso, aspectos que não são ressaltados em atividades como a acima destacada.
Apesar de a coleção eleger trinta e dois poemas para serem trabalhados, grande parte
se destina a ser alvo de cópia no desenvolvimento “dos traçados das letras” dos alunos ou para
atividades de gramática e, em menor frequência, para ortografia, como no caso abaixo:
254
Figura 44
Figura 45
(Ano 3, p. 250)
(Ano 4, p. 137)
Observamos no poema “Espertezas” que a atividade proposta tem como finalidade a
identificação de substantivos próprios e comuns. Nesse sentido, não observamos menções ao
conteúdo abordado no poema, uma vez que o trabalho está focado apenas em um tópico
gramatical: o substantivo. Já no outro poema percebemos que o objetivo é trabalhar a
ortografia através da identificação das palavras com X ou CH. Entretanto, como no caso das
irregularidades, não há como definir uma regra geral para escolha de um ou outro grafema.
Nessa atividade parece haver a compreensão de que os alunos se apropriarão dos usos do X
ou CH com base em cópia das palavras para estímulo da memória visual. Sendo assim, não
percebemos nenhuma exploração acerca de alguma dimensão do gênero, como, por exemplo,
a intencionalidade na escolha do léxico e sua relação com o fazer literário.
Em geral, atividades como as acima discutidas são recorrentes na coleção e se
caracterizam por não explorarem a sonoridade, composição, jogo de rimas e cadência
melódica do poema, mas sim fazerem uso do mesmo como pretexto para aprendizagem de
determinados conteúdos de Língua Portuguesa.
Em contrapartida, constatamos também a presença de estudos mais sistemáticos sobre
o poema. Esses são apresentados em baixa frequência nos livros da coleção, geralmente, um
a dois exemplares a cada ano/série. Como exemplo, citamos o estudo do poema “Era uma vez
uma gato xadrez...” (Ano 2, pág. 42-45):
255
Figura 46
Figura 47
(Ano 2, pág. 42)
(Ano 2, pág. 43)
Percebemos que o poema acima não é apresentado na íntegra, sendo destacadas apenas
algumas estrofes referentes ao gato xadrez, amarelo, laranja, rosa. Trata-se de um poema de
narratividade simples e que corresponde ao mundo maravilhoso. Como a autora brinca
explorando um gato de cor diferente e uma situação que tenha vivido, seria interessante exibir
o poema completo para oportunizar ao aluno a utilização da linguagem lúdica. Verificamos,
ainda, que ao lado de cada estrofe, é apresentada uma legenda indicando quem deve realizar a
leitura: meninos ou meninas.
Nessa atividade, é indicada ao professor a importância da leitura, em voz alta, com
respeito ao ritmo; a sonoridade; a musicalidade; e a expressividade, como também a
possibilidade para os alunos perceberem a disposição gráfica do poema na página.
Na sequência da atividade, os alunos são convidados a responderem a algumas
questões de estudo do texto. Vejamos:
256
Figura 48
(Ano 2 , p. 43)
Após o professor ler em voz alta o poema, respeitando, conforme orientação das
autoras, o ritmo e a sonoridade, na primeira questão (Junto com seus colegas, leia em voz alta
cada estrofe do poema, de acordo com a legenda), é solicitado ao aluno a leitura em voz alta.
No comando, não é explicitada a necessidade de realizar a leitura com expressividade a par
dos efeitos sonoros causados pelas rimas (amarelo/magrelo, laranja/canja, etc).
Após a indicação da leitura em voz alta, algumas perguntas se destinam a destacar os
aspectos composicionais do gênero, como está sendo ressaltado na questão 2 (Na unidade 1
você leu um texto narrativo chamando A minhoca e os passarinhos e agora você leu o poema
Era uma vez um gato xadrez... Existe diferença na forma como esses textos aparecem
dispostos nas páginas). Nessa, os saberes a serem apreendido remetem para a disposição
espacial do gênero para que os alunos percebam a diferença na organização entre um texto
narrativo e um poema, sem haver reflexão de que os poemas também podem ser narrativos.
Logo em seguida, observamos que é exibida ao aluno a conceituação do que é verso e
estrofe e a solicitação de que os mesmos identifiquem tais elementos no poema em foco:
257
Figura 49
(Ano 2 , p. 45)
Como podemos verificar, o livro adota uma perspectiva em que, primeiramente, se
expõe o conhecimento (apresenta a definição, por meio de um texto didático) para posterior
aplicação pelos alunos. Ou seja, primeiro diz o que são versos e estrofes e depois pede que os
alunos identifiquem e quantifiquem as estrofes e versos do poema nas questões letras “a”
(Quantas estrofes tem esse trecho do poema Era uma vez um gato xadrez...?) e “b” (Quantos
versos tem cada estrofe desse poema). Tal foco também é verificado na questão 4 (Copie uma
estrofe do poema e ilustre-a.), na qual, mais uma vez, o que está em jogo é a aplicação de que
o aluno aprendeu o conceito de estrofe através da identificação no poema.
Há, portanto, uma preocupação em fazer com que o aluno se aproprie de
características composicionais do gênero, embora isso seja feito de modo pouco reflexivo e
não sejam inseridas questões em que eles reflitam sobre os efeitos de sentido possíveis com
base nessas estratégias composicionais. Tal modo de “ensinar” é ressaltado na próxima
questão:
258
Figura 50
(Ano 2 , p. 45)
Conforme observamos acima, o foco está no entendimento do que é rima e posterior
identificação das mesmas no poema (a. Pinte, no poema, os pares que rimam. Use uma cor
diferente para cada par). Logo em seguida, há a aplicação do conceito de rima na solicitação
da escrita de quatro palavras que rimam com cada figura. As questões dessa atividade se
direcionam aos aspectos composicionais do poema. Não há, na sequência, outros tipos de
perguntas que favoreçam o desenvolvimento de outras habilidades relacionadas aos aspectos
do gênero, como, por exemplo: contextualização da obra ou autor, temática abordada,
recursos estilísticos, dentre outros.
Os aspectos composicionais do gênero também são ressaltados nos outros LD da
coleção, tal como no estudo do poema “A guerra do gato” (Ano 3 , p. 207) . Trata-se de um
poema que narra as investidas do gato para conseguir comida. Mesmo com disputa do
padeiro, açougueiro e barbeiro para se livrar do gato, o animal cresce comendo no comércio
dos três todos os dias.
Nesse,
inicialmente,
as
autoras
contextualizadores da obra. Vejamos:
se
preocupam
em
apresentar
elementos
259
Figura 51
(Ano 3 , p. 207)
Como vemos, as primeiras questões destacam elementos que se referem ao suporte (a.
Qual o título do livro?; b. Quem o autor da história?; c.Que informações é possível encontrar
na capa do livro?). As duas últimas questões, de forma mais específica, remetem a estratégias
de antecipação à leitura do poema (d. Observando a capa. Você imagina que será uma história
de humor ou de suspense? Por quê?; e. Pelo título, do que você acha que vai tratar a história?).
Verificamos que as autoras indicam que o que vai ser lido se trata de uma “história” e solicita
aos alunos para antecipar se a “história é de humor ou suspense”.
Após, é apresentado ao aluno o poema em foco. Vejamos:
260
Figura 52
Figura 53
(Ano 3 , p. 208)
(Ano 3 , p. 209)
Figura 54
(Ano 3 , p. 209)
261
Como vemos, mais uma vez, trechos do poema são suprimidos. É um poema que
aborda uma temática (a trajetória do gato em busca de comida e lar) que desperta a atenção da
criança.
Na atividade de estudo do texto, são propostas questões de localização de informação,
emissão de opinião, inferência e duas questões sobre o gênero em foco. São elas:
Figura 55
(Ano 3 , p. 211)
Na questão 1 (A história A guerra do gato é contada na forma de poema. Esse poema é
composto de estrofes.) é explicado ao aluno que a história é contada na forma de poema.
Depois de pedir para o aluno ler a primeira estrofe do poema, as perguntas recaem sobre os
aspectos composicionais, conceituação de estrofe (a. O que é estrofe?) e o verso (d. O que é
verso?).
Com isso, observamos que parece haver uma compreensão de que o poema se
caracteriza somente pelos aspectos estruturais, não considerando elementos relacionados à
linguagem utilizada, tema, dentre outros. Analisando atividades com poemas em livros do
ensino fundamental, Alves (2005) constatou que “de maneira geral houve, nos últimos anos,
uma sensível melhora na escolha dos poemas que comparecem nos LDP, embora a
preocupação com a forma do poema ainda predomine”. (p.70)
Ao longo do tratamento dado ao poema nos LD, constatamos que é reincidente, nas
atividades, a preocupação com os elementos estruturais do gênero em foco. Citamos, como
exemplo, o poema “Quem tem medo de ridículo” (Ano 4, pág. 173-176):
262
Figura 56
Figura 57
(Ano 4, p. 173)
(Ano 4, p. 174)
Como observamos, antes da apresentação não verificamos nenhuma exploração sobre
a autora e/ou suporte do poema, o que poderia ajudar aos alunos a desenvolverem estratégias
de antecipação a leitura. Já a temática abordada incorpora elementos da realidade (uma
situação pelo qual o indivíduo pode ser alvo de zombaria) aliados ao universo infantil e os
efeitos lúdicos.
Antes da exibição do poema, é ressaltado ao professor que incite os alunos a
perceberem a estrutura do poema através da diagramação na página e a ilustração. Após,
destaca a importância de o professor realizar a leitura em voz alta para que os alunos
percebam os o ritmo, a sonoridade e a musicalidade.
Em seguida, no estudo do texto, são propostas questões de localização de informação,
emissão de opinião, identificação da temática abordada e, para foco de nossa análise, duas que
se remetem composição do gênero:
263
Figura 58
(Ano 4 , p. 175)
Na atividade de estudo do texto, como vimos em outros volumes da coleção, são
apresentados os conceitos de versos e estrofes (O texto Quem tem medo de ridículo? É um
poema. Cada linha do poema chama-se verso e cada grupo de versos chama-se estrofes.). Na
segunda questão (Leia o texto junto com seus colegas. As estrofes pares deverão ser lidas
pelos meninos; as ímpares, pelas meninas), embora observemos a indicação para o professor
salientar o ritmo de leitura característico dos textos poéticos, não é ressaltado para o aluno
nenhum comentário e/ou reflexão que destaque a importância de se observar os recursos
expressivos do poema. Já na terceira pergunta (Sublinhe no poema as palavras que rimam.
Use cores diferentes para indicar rimas diferentes.), o aluno é convidado a identificar rimas
sem maiores reflexões sobre os efeitos provocados por estes recursos.
Em geral, as perguntas acima suscitam que os alunos se apropriem das estruturas
externas do poema em seus aspectos métricos (versos, estrofes e rimas) pela estratégia de
identificação e conceituação. Tal aspecto também é destacado abaixo:
264
Figura 59
(Ano 4 , p. 175)
Figura 60
(Ano 4 , p. 176)
Conforme observamos, um dos focos da atividade é perceber a utilização da rima para
conservação do ritmo no poema. Em outros termos, a preocupação é na seleção de pares para
rimas não oportunizando, por exemplo, maiores debates sobre a seleção lexical e sua relação
com os efeitos de sentido.
Em geral, encontramos poucas discussões sobre a tessitura interna no gênero, ou seja,
questões que destaquem a linguagem poética e seus múltiplos recursos. Trata-se de ressaltar
características como a subjetividade (emoções e sentimentos), a polissemia e a utilização de
metáforas, repetições, aliterações, enfim, dos recursos responsáveis pela expressividade do
poema.
Nos LDs analisados, localizamos poucas sequências de atividades que chamam a
atenção de outras dimensões do gênero além da estrutura. Destacamos, como exemplo, o
estudo de dois poemas presente no Ano 5 (p. 10-14). Nesse, inicialmente é orientado ao
professor que explore a forma como cada texto aproveita o espaço no qual está disposto,
ressaltando que o poema a ser apresentado possui uma disposição gráfica das palavras
diferenciadas. Vejamos o poema:
265
Figura 61
Ano 5 (p. 10-14).
Como percebemos, trata-se de um poema concreto que suscita reflexões sobre como as
árvores representam a “vida”. Nesse sentido, através da forma como organiza as palavras, a
posição que ocupam no poema, a utilização das cores, o poema
busca conquistar e
surpreender o leitor levando a realizar uma leitura a partir dos elementos verbais e nãoverbais. Todavia, vale ressaltar que não verificamos indicações de suporte e autoria do
poema.
Em geral as perguntas exploradas no estudo do texto se destinam a ressaltar os
recursos gráficos, sua organização e os efeitos expressivos do poema. Nesse sentido, a
primeira questão (a. Nesse poema, as palavras foram distribuídas pela página de forma
diferente. Que imagem esse poema sugere?) suscita que o aluno analise a disposição gráfica, o
que mobiliza conhecimentos relativos à construção de significados com base na organização e
disposição das palavras do poema (raiz, tronco, terra, galho, folha, flor e vida). Trata-se de
uma pergunta que mobiliza saberes relacionados à multiplicidade da linguagem, ou seja, a
simultaneidade entre os elementos verbal e não-verbal
Ainda na primeira questão, letra “b” (O que foi usado para compor esse poema?),
chama a atenção para como as palavras e as letras consistem também no material de
266
composição. Tais questões mobilizam conhecimentos relativos à compreensão de que a
estrutura do poema também é o seu conteúdo
Em relação ao jogo e as cores das palavras que compõem o poema e seus significados,
duas perguntas são direcionadas a tais aspectos: letra “a” (O que as letras na cor marrom estão
representando?) e “b” (Que palavras ela formam?). Nesse caso, as perguntas chamam a
atenção dos alunos para observar a relação entre a cor (marrom) e sua representação (terra).
Ou seja, é ressaltado como o recurso de cor também pode ser utilizado para construção de
significados no poema.
A terceira questão (3. Escreva as palavras que foram usadas para formar o poema?),
suscita, sem maiores problematizações, a identificação do material verbal no corpo do texto.
Também percebemos questões referentes à ideia de movimento pela distribuição
gráfica das letras na página. Após chamar a atenção para a forma da palavra “folha” e “flor”, a
quarta pergunta (Que impressão essa imagem lhe causa?) tem como finalidade refletir acerca
da virtualidade das ideias (movimento das folhas e flores caindo das árvores) através da
formatação e diagramação de tais palavras.
Após toda a exploração dos aspectos gráficos como elemento essencial para a
construção da significação do poema, os alunos são convidados a refletir sobre o sentido da
palavra “vida”, na quinta pergunta letra “a”, e criar um título para o poema.
Como vimos, nessa atividade, também são explorados os elementos da matéria física
do poema, principalmente os elementos gráficos. Todavia, observamos questões que
relacionam os aspectos visuais e os significados produzidos ressaltando para o aprendiz que a
estrutura do poema concreto é também o conteúdo. Vale ressaltar que, nessa atividade, são
poucas as perguntas que problematizam os motivos pelos quais esse tipo de poema não
poderia ser apenas ouvido tendo em vista que o aspecto gráfico é um elemento intrínseco.
Na seção “Outro texto”, desse mesmo LD, também é explorado outro poema concreto
“As estrelas” (Ano 5, p. 13-14). Nessa, inicialmente, é apresentado ao aluno o poema:
267
Figura 62
(Ano 5 , p. 13)
Primeiramente, observamos que nesse poema há indicação de autoria e suporte. Tratase de um poema que brinca com o fato da estrela dar origem à estrela-do-mar. Ou seja, faz
parte do imaginário humano a crença de que as estrelas, como habitantes do céu, caem no mar
originando uma estrela-do-mar. Observamos, ainda, a presença de recursos de animação na
construção do poema contribuindo assim para a linguagem visual. A atividade indica as
seguintes questões:
Figura 63
(Ano 5 , p. 74)
268
Como podemos observar, a primeira questão (Se o autor tivesse escrito o poema dessa
forma, teria a mesma graça?) ressalta os efeitos de sentido provocados pela diagramação
espacial do poema. Esse tipo de questão mobiliza conhecimentos acerca da disposição das
palavras e o uso dos espaços do poema, ou seja, aspectos que remetem a exposição dos
aspectos icônicos do texto. Já a segunda questão, letra “a” (Qual a intenção do autor, da ao
escrever a palavra cadente da forma como o fez?), destaca a maneira como o autor escreveu a
palavra “cadente” e suas implicações para o sentido na tessitura do poema. O aluno é também
convidado a refletir sobre a utilização da onomatopéia (b.O que significa a palavra tchibum?)
e a forma como o poema foi escrito, além de sua distribuição na página.
Já as questões letra “c” (Em que a estrela cadente se transformou?) e “d”(Na realidade,
isso pode acontecer?) confrontam os conhecimentos míticos e científicos sobre a formação da
estrela cadente. No entanto, não verificamos problematizações sobre o fato de a poesia criar e
recriar tais conceitos retomando característica própria do texto literário.
Por fim, na questão letra “e” (Na sua opinião, é melhor ler ou ouvir esse tipo de
poema? Por quê?), observamos uma preocupação em mobilizar conhecimentos referentes à
importância da visualização desse tipo de poema. Ou seja, ressalta a necessidade de que os
aspectos gráficos são elementos construtores básicos para a construção de significados.
Em geral, essa atividade nos sugere a preocupação das autoras introduzirem os alunos
no universo dos poemas concretos, bem como desenvolver capacidades associadas à
compreensão do projeto gráfico desses poemas e seu teor poético de movimento.
Outra atividade, que, diferentemente das outras, chama a atenção para o fato de que
nem todos os poemas têm rima e sobre as sensações que poderão ser provocadas é o estudo do
ano 4 (p.180). Vejamos:
269
Figura 64
(Ano 4 , p. 180)
Primeiramente, observamos que a coleção, na maioria das atividades, não faz
explorações sobre os autores e/ou suportes antes de trabalhar com o texto. Tal aspecto, no
caso do gênero poema, poderia contribuir para a ampliação do conhecimento do aluno, por
exemplo, em relação aos poetas, sua vida e estilo. O poema em foco nos convida a enxergar a
beleza da lagoa.
Nessa atividade é indicado ao professor que comente o fato de que muitos poemas não
possuem rimas e também são gostosos de ler porque têm ritmo. Tal informação é destacada
também para o aluno através do comando (Muitos poemas não têm rima. Leia um poema de
Carlos Drummond de Andrade e, em uma folha à parte, faça uma ilustração de acordo com as
sensações que ele causou.)
O comando dessa atividade estimula o aluno a fazer uma leitura do poema percebendo
que uma das finalidades do texto literário é a capacidade de sensibilizar e comover pelo modo
que o autor cria o seu texto.
A partir do que foi discutido nesse item, percebemos que os autores da coleção
propõem atividades que, de forma expressiva, enfatizam os conhecimentos sobre a estrutura
do poema. Nesse sentido, constatamos ser reincidente a exploração de objetivos que enfocam
a identificação e conceituação de versos, estrofes e rimas. Ao longo dos quatro livros, são
270
propostas questões cânones, o que não sugere complexificação dos objetivos de acordo com o
ano/série.
A abordagem dada ao trabalho didático ao poema coaduna-se perfeitamente com o que
orienta os objetivos propostos no MP, tais como: perceber a disposição gráfica do texto;
compreender o conceito de rima; identificar estrofes, versos e rimas; perceber o ritmo, a
sonoridade e a musicalidade do texto e identificar a impressão que a disposição das palavras
no poema provoca no leitor.
Observamos acima que o trabalho didático com o poema na coleção não se distancia
aos objetivos propostos no Manual do Professor. Entretanto, como vimos no capítulo 7, há um
clima de tensão quando, ao mesmo tempo, a coleção se propõe a “auxiliar tanto o professor
quanto o aluno a vivenciarem, juntos, as diversas possibilidades de Língua Portuguesa em
seus diferentes usos” (MP, p.5).
Sem dúvida, destacamos que é de extrema relevância trabalhar com determinados
elementos composicionais e gráficos dos poemas, haja vista a necessidade dos alunos
compreenderem e diferenciarem tal gênero em outros espaços. Todavia, apontamos que
habilidades, por exemplo, voltadas para o ludismo sonoro, a seleção dos recursos lexicais e
seus efeitos de sentidos, a natureza plurissignificativa da poesia, poderiam ajudar o aluno a
utilizar e compreender outras dimensões constitutivas do gênero em seu contato com o
universo literário.
Embora a BCC – PE aponte a necessidade de se trabalhar com poemas, seja no
principio da diversidade de textos referentes à seleção dos recursos didáticos ou no princípio
teórico de que textos se materializam no gênero, não constatamos discussões nas
competências atreladas ao gênero em foco. Ou seja, algum aspecto que ressalte as dimensões
a serem destacadas ao longo dos anos/série ou debate que remeta a como o trabalho a partir de
poemas poderiam desenvolver as competências sociodiscursivas dos aprendizes. No entanto,
percebemos um distanciamento, mais uma vez, ao verificarmos que na coleção há
reincidentemente o uso dos textos desse gênero para o trabalho com conteúdos gramaticais,
sem reflexões acerca de como tais conteúdos podem causar efeitos de sentido.
Uma aproximação entre os livros didáticos e a BCC PE é quanto à ênfase em aspectos
relativos à forma composicional dos gêneros. No documento curricular, há várias referências
às dimensões composicionais e, nos livros, quando há exploração do gênero, a forma
composicional predomina como objeto de estudo. Também há pouca atenção a questões
relativas ao estilo do gênero tanto na coleção investigada quanto no documento curricular.
271
Por fim, destacamos a necessidade de se propor, ao longo dos quatro anos de uso da
coleção, objetivos mais complexos com o gênero em foco para o desenvolvimento das
habilidades voltadas para a linguagem poética. Nesse sentido, constatamos a necessidade de
proporcionar aos alunos atividades que incitem reflexões sobre possibilidade de recursos
responsáveis pela expressividade do poema, a poesia do texto e o encantamento da palavra
objetivando o despertar da sensibilidade que o poema proporciona. Trata-se de destacar os
outros elementos que compõem o poema e que o configuram como instrumento capaz da
aproximar o aluno de uma rede tecida de significados, oportunizando releituras através da
linguagem em sua função poética.
8.3. Como os livros da coleção organizam a sequência e as propostas de atividades com
os gêneros discursivos.
Como evidenciamos no item anterior, a coleção analisada enfoca de modo reincidente
o trabalho com conteúdos gramaticais, sem articulação com reflexões sobre os gêneros aos
quais os textos pertencem e sem análise dos efeitos de sentido provocados pelos recursos
linguísticos utilizados pelos autores. Distancia-se, neste sentido, das orientações e princípios
presentes na Base Curricular Comum de Pernambuco, apesar de contemplar, tal como está
proposto no referido documento, diversos gêneros discursivos.
Contraditoriamente, pode-se dizer que há, em algumas sequências de atividades,
aproximações aos preceitos do documento curricular, pois existem sequências de atividades
que se propõem a realizar atividades de leitura e produção de textos que objetivam
desenvolver estratégias variadas de leitura e escrita de textos e refletir sobre algumas
características dos gêneros a que os textos pertencem, tal como já evidenciamos nas análises
do tratamento dado aos gêneros mais presentes na coleção. Nesse item, retomaremos algumas
discussões do tópico anterior, com base em uma classificação que fizermos dos tipos de
sequências de atividades que enfocavam, de algum modo, o trabalho com gêneros discursivos.
Nesta classificação, consideramos não apenas os gêneros mais freqüentes nos livros, mas a
totalidade de sequências de atividades. Assim, discutiremos como estão sendo exploradas as
atividades que tinham algum tipo de reflexão sobre os gêneros discursivos, ou seja, as
propostas que traziam alguma questão que se remetia a dimensões composicionais e/ou
sociodiscursivas dos gêneros.
Percebemos, ao analisarmos os quatro volumes da coleção, as atividades que
contemplavam algum tipo de trabalho de apropriação dos gêneros discursivos estão
272
distribuídas em três categorias: (1) sequências de atividades que exploram as características
do gênero, por meio da apresentação e/ou explanação de conceitos; (2) sequências de
atividades que favorecem reflexões sobre o gênero, explorando seus aspectos por meio da
análise e/ou identificação das características composicionais ou sociodiscursivas e
desenvolvimento de estratégias de leitura; (3) sequências de atividades que aproximam o
gênero das situações reais de uso, as quais, além de desenvolverem um trabalho mais
sistemático com o gênero enfocando suas dimensões, propõem a inserção dos alunos em
situações que se aproximam dos usos reis da língua.
8.3.1 Atividades que apresentam as características do gênero
Nesse subitem, apresentaremos propostas de atividades que se preocupam em
apresentar algum aspecto do gênero ou oferecer conceitos. Ou seja, destacaremos questões
que não incitam os alunos a refletirem sobre o gênero, mas que apenas explicitam, de forma
sutil, algumas de suas características. Sendo assim, as evidências de tais propostas estão
distribuídas nos livros da coleção da seguinte forma: Ano 2 (04), Ano 3 (07), Ano 4 (08) e
Ano 5 (04).
Diante desse tipo de atividade, destacamos a proposta do livro do Ano 2 (p. 250 a
253), a qual propõe um trabalho sobre a reportagem “Mestre no disfarce”. Trata-se de uma
reportagem temática retirada da “Revista Recreio” que aborda a capacidade que alguns bichos
têm de se camuflar. Nessa atividade, uma questão remete à finalidade da reportagem e outra
ao aspecto composicional da legenda. Vejamos:
Figura 65
(Ano 2, p. 252)
273
Figura 66
(Ano 2, p. 252)
.
Na questão 1 (O texto Mestre no disfarce conta uma história ou dá informação?), ao
perguntar se o texto “conta uma história ou dá informações”, parece estar subjacente uma
preocupação de estimular os estudantes a perceberem que alguns textos, os narrativos,
“contam histórias” enquanto outros, os expositivo-explicativos destinam-se mais a “discutir
temas”. No entanto, não há reflexões que mostrem aos alunos que qualquer texto pode dar
informações. Todo ele tem um conteúdo informacional. Sendo assim, a atividade, embora
remeta às finalidades da linguagem, não colabora para uma aprendizagem mais consistente
dos modos de lidar com os diferentes gêneros e suas múltiplas funções.
Na BCC-PE não encontramos discussões e/ou competências que relacionem a
habilidade de identificar a finalidade do texto a partir das características do gênero em foco.
No entanto, propõe-se que os alunos identifiquem as finalidades dos textos, de um modo
geral. Desse modo, inserir atividades de reconhecimento de finalidades dos textos é uma
orientação presente na BCC-PE, mas o modo como tal habilidade é trabalhada no livro não
assegura o desenvolvimento de tal habilidade.
Outra questão a ser discutida é que não há, nem no manual, nem no documento
curricular, discussão sobre como as dimensões do gênero poderiam ajudar a desenvolver a
habilidade de reconhecer o objetivo do texto. Nas atividades dos livros, como se pode notar
neste exemplo, tal habilidade não é estimulada de modo consistente. A ideia é que
explicitando as grandes “finalidades dos textos” (contar história, informar) tal objetivo estaria
sendo atendido.
Em relação à segunda questão, observamos que o enfoque dado refere-se à definição
de “legenda” (Nas reportagens de revistas e jornais, as fotos costumam ser acompanhadas por
pequenos textos explicativos chamados legendas.). Tal como está formulado no comando, o
objetivo é que os alunos se apropriem de um gênero, no caso a “legenda”, a partir de uma
definição: “as fotos acompanhadas por pequenos textos explicativos”. Percebemos também
274
que a questão em foco solicita aos alunos a leitura da legenda para localizar a informação
acerca do objetivo da camuflagem dos animais (Além de proteger os animais do perigo, para
que mais serve a camuflagem?) Como podemos observar, a atividade introduz o gênero
legenda de forma expositiva, através da explanação do conceito e depois realiza uma
atividade de localização de informação explícita na legenda. Não há outras atividades de
exploração deste gênero posteriormente. Desse modo, a conceituação estaria sendo suficiente
para a aprendizagem dos estudantes.
Observa-se em outras atividades questões que apresentam alguma característica do
gênero partindo do princípio de explicitar alguma dimensão e/ou apresentar conceitos, como
no estudo voltado para instrução de jogo (Ano 2, p.218-219). Nesse, após apresentar algumas
perguntas de preparação para a leitura, as autoras chamam a atenção para a brincadeira a ser
apresentada ao explanarem sua finalidade (Você conhece uma brincadeira chamada Jogo dos
pontinhos? É fácil e divertida. O texto a seguir ensina as regras desse jogo. Leia)
Depois da apresentação do texto “Jogo dos pontinhos”, a atividade informa, na
primeira questão, o conceito de textos instrucionais (Textos que apresentam regras para uma
brincadeira ou um jogo são chamados instrucionais, porque ensinam as pessoas a brincarem
ou jogarem. Será que você aprendeu como se joga o Jogo dos Pontinhos? Então, responda às
questões abaixo.).
Na sequência das questões, os alunos são convidados a responder várias perguntas de
localização de informação (a. Quantas pessoas podem participar desse jogo?; b. Que material
é necessário?; Qual o objetivo do jogo?, Como cada participante marca seus quadradinho?),
de reflexão sobre recursos linguísticos (É importante fazer essa marcação? Por quê?) e sobre a
finalidade (2. Agora que você aprendeu a jogar, que tal convidar um colega para brincar?)
Como vemos, através desses tipos de pergunta, o aluno é convidado a entrar em
contato com o gênero em foco inicialmente por meio da definição e, posteriormente, através
da interpretação do texto lido. Embora nessa atividade encontremos uma questão em que os
estudantes são convidados a jogar o jogo dos pontinhos, observamos que não há questões em
que as crianças reconheçam situações em que tal gênero de texto apareça ou mesmo
atividades posteriores em que tenham que comparar tal texto com outros que tenham a mesma
finalidade. Também não é objetivo da atividade fazer com que os alunos reflitam sobre as
características do gênero em questão, visto que a perspectiva que permeia a atividade é de
apresentar uma conceituação e, posteriormente, explorar, principalmente, de questões de
localização de informação.
275
Em outro estudo, do Ano 3, p. 140-141, observamos o princípio de a atividade
apresentar um exemplar do gênero resenha para solicitar a produção:
Figura 67
(Ano 3, p. 140)
Como vemos, a resenha exibida tem como objetivo incentivar a leitura do livro
“Abaixo das canelas”, de Eva Furnari. Como o texto principal da unidade trabalha com uma
parte desse conto (p.128), as autoras indicam, no comando inicial, que tal resenha foi
produzida por uma turma para indicar do referido livro.
Nesse sentido, a proposta de
produção apresenta a finalidade do gênero ao anunciar que uma turma gostou muito do livro
e, por isso, “resolveu indicar a leitura do livro a alunos de outras turmas, produzindo uma
resenha”.
Após da apresentação da resenha, é solicitado que os alunos produzam “textos curtos,
indicando livros que leram e gostaram.” Segundo o comando da atividade, tais resenhas serão
expostas na biblioteca da escola, para motivar a leitura dos livros.
Ao orientar a produção indicando que o texto a ser produzido deve ser curto e com
indicações do livro que leram e gostaram, a atividade está apresentando uma das
características da resenha: a opinião sobre um livro, destacando as qualidades que julga
importantes para o leitor.
276
Embora observemos que a atividade sugere algumas orientações para o professor de
forma a “chamar a atenção dos alunos para a organização desse tipo de texto” (p. 140),
ressaltamos que seria necessário um maior contato com o gênero por meio de leitura /
discussão de outros textos semelhantes ao que eles iriam produzir. As dicas apresentadas são
pertinentes, conforme trechos abaixo:
[...] escrever um texto curto contando por que vale a pena ler esse livro.
(Ano 3, p. 141)
Não esqueça de escrever o título do livro, o nome do autor e do ilustrador
assim como informar o número de páginas. (Ano 3, p. 141)
Seu texto deve deixar o leitor curioso para ler o livro. Então, vá lá, hein, não
conte a história toda! (Ano 3, p. 141)
Tais orientações nos sugerem que o aluno se aproprie do gênero através da
apresentação de alguns de seus elementos, tais como a necessidade de utilizar estratégias que
chamem a atenção do público para a leitura do livro e a apresentação das características gerais
da obra.
Entretanto, o fato de apresentar algumas características sem atividades que remetam a
discussões mais sistemáticas não oportuniza ao aluno reflexões sobre elementos relevantes da
resenha. Em outros termos, dependendo da resenha, também se faz necessário discutir sobre a
natureza avaliativa do gênero, na qual são destacados os aspectos positivos e/ou negativos,
como a utilização da linguagem que varia de acordo com o público ao qual se destina, a
tessitura argumentativa e/ou descritiva do texto, o nível de linguagem em relação ao
interlocutor e veículo, enfim, a compreensão de que a elaboração de uma resenha depende da
finalidade a que ela se presta. Portanto, verificamos que a estratégia adotada pela proposta
parte da perspectiva de explorar, de forma sutil, a resenha, apresentando sua finalidade e
indicando algumas de suas características, mas não orienta o professor a realizar outras
atividades de leitura de textos do mesmo gênero, que possam familiarizar mais os estudantes
com seus usos e funções e promoverem reflexões sobre as estratégias discursivas dos autores.
Encontramos também propostas que anunciam uma definição do gênero sem explorar
os propósitos comunicativos do mesmo, como no caso abaixo:
277
Figura 68
(Ano 4, p. 181)
Podemos verificar que a atividade acima apresenta uma definição de paródia, ao
mesmo tempo em que oferece um modelo e convida o aluno a produzir outro texto do mesmo
gênero. Ou seja, os alunos se apropriam das características do gênero através da exploração
do conceito de paródia “uma imitação cômica de um texto”, da apresentação dos textos-base e
as paródias e, por fim, da produção do gênero.
Embora solicite aos alunos para compararem o texto imitado (quadrinhas) com as
paródias, não observamos reflexões sobre o reconhecimento dos diferentes sentidos
provocados pelas paródias e seus textos-base.
Ainda sobre a atividade, encontramos a orientação para o professor trabalhar com os
alunos os efeitos de humor provocados pela escolha dos novos acontecimentos que o
personagem do texto imitado está vivenciando. No entanto, a atividade, tal como está
proposta, não propicia a discussão sobre as propriedades desse gênero. A preocupação,
portanto, recai na necessidade da quadrinha rimar, como está sendo ressaltado na questão 2,
sem refletir sobre a natureza da paródia, a qual precisa adquirir novos sentidos num
movimento de aproximação (com o texto de origem) e afastamento (efeito de humor
pretendido).
Encontramos também atividades que envolvem a indicação de um elemento
composicional do gênero sem maiores reflexões, como no caso da mensagem educativa (Ano
5, p.221-222). Primeiramente, ressaltamos a não identificação do que está escrito devido à
baixa qualidade da reprodução da foto. Vejamos abaixo:
278
Figura 69
(Ano 5, p. 221)
Observamos acima que a mensagem do saco plástico é referente a uma campanha que
orienta as pessoas para não jogarem lixo plástico na estrada. Entretanto, ressaltamos, mais
uma vez, que a reprodução gráfica do suporte dificulta a leitura da mensagem educativa.
Nessa atividade, o aluno é convidado a responder a questões sobre a finalidade do
suporte (1/a. Para que serve esse saco plástico?), inferência (1/a.Por que não se deve jogar
lixo na estrada? Justifique sua resposta.; 2.Porque materiais como latas, vidros e plástico
podem prejudicar a natureza?) e apreensão de sentido de palavras (Nas frases abaixo, as
expressões em destaque foram usadas com duplo sentido. Escreva quais são esses sentidos/ a.
Na estrada, não deixe pintar sujeira./ Se você suja as estradas, suas férias viram um lixo.).
Em relação aos elementos que compõem a mensagem educativa, apenas uma pergunta é
ressaltada:
279
Figura 70
(Ano 4, p. 221)
Conforme verificamos, o aluno terá que identificar que, numa campanha educativa, há
empresas ou órgãos financiadores que são citados ao final da mensagem. Além de
observarmos que a reprodução gráfica do gênero no livro não proporciona legibilidade ao
texto, a atividade se remete a um elemento muito presente nas campanhas educativas (órgãos
patrocinadores), mas não aborda maiores discussões sobre o gênero, nem tampouco acerca de
suas dimensões. Portanto, tal atividade parte do principio de explorar, sutilmente, um
elemento composicional da mensagem da campanha educativa.
Observamos, ainda, outra atividade que, além de partir da perspectiva de apresentar as
características do gênero, aborda-o numa situação de tensão de aproximações e afastamentos
dos usos sociais. A atividade a ser discutida está localizada na unidade 15 do Ano 4. Nessa
unidade, é proposto um estudo do texto acerca de uma notícia sobre uma chuva de sapos
provocada por um tornado no noroeste do México.
Vejamos, então, a atividade apresentada na seção de “Produção”:
280
Figura 71
(Ano 4, p. 226)
Como percebemos acima, as autoras apresentam algumas dicas de como produzir uma
notícia. Dentre elas, está a de apresentação da notícia “Lobo ataca avó e neta”. Com o intuito
de oferecer suporte didático para o desenvolvimento da atividade e para se aproximar do
universo infantil, as autoras da coleção transformam o conto “Chapeuzinho Vermelho” em
uma notícia.
Como bem sabemos, as notícias que circulam socialmente realizam um discurso sobre
um determinado acontecimento, geralmente, de interesse geral. Sendo assim, seu principal
objetivo é relatar fatos verídicos. Na atividade proposta, percebemos nuances de tensões na
didatização do gênero em foco, ou seja, afastamentos e distanciamentos quando consideramos
a notícias de circulação social.
Ao transformarem o conto de Chapeuzinho em notícia, as autoras tentam se aliar ao
universo mítico da criança (conto de fadas), distorcendo uma das principais características das
notícias que circulam nos espaços não-escolares: um discurso reportado sobre um fato real.
Ou seja, tal aspecto consiste em um afastamento das práticas de referência. Por outro lado, a
atividade em foco tenta conservar elementos composicionais que são destacados na
281
diagramação do texto na página, contemplando os objetivos didáticos da atividade: imaginar e
contar um fato interessante do Bosque dos Contos Encantados.
Schneuwly e Dolz (2004) ressaltam o desdobramento que o gênero sofre ao ser, ao
mesmo tempo, objeto de ensino e instrumento de interação. Tal compreensão implica que, ao
ser inserido no LD, os gêneros saem de sua situação real de circulação para contemplar
objetivos específicos referentes ao ensino da língua. Isso, entretanto, não significa afirmar que
na exploração didática acerca de um determinado gênero sejam desconsiderados os aspectos
sociodiscursivos e linguísticos.
Portanto, a notícia “Lobo ataca avó e neta” retrata as nuances de tensão entre a
necessidade de se propor objetivos didáticos para que o aluno apreenda as características do
gênero notícia e o atendimento ao mundo imaginário infantil. Nesse conflito, a notícia sofre
uma deturpação de sua principal característica (relatar um acontecimento verídico), se
afastando, portanto, das condições culturais/interacionais em que é produzida.
No comando da atividade, por sua vez, é simulado numa situação imaginária, uma vez
que solicita aos alunos a elaboração de uma notícia contando um fato interessante do Bosque
dos Contos Encantados. Tal aspecto, como já vimos, retrata as intenções de considerar o
universo infantil produzindo um efeito lúdico-pedagógico. Ainda na explicitação do comando,
observamos a preocupação em ressaltar aspectos composicionais da notícia: “verifiquem se a
notícia responde as seguintes questões: O quê? Onde? Quem? Quando? Como? Por quê?” e
sua diagramação espacial na folha, “passem a limpo, organizando-o em duas colunas”. Além
de apresentar a característica do gênero a produzir, verificamos também que a notícia, “Lobo
ataca avó e neta”, é indicada com nomenclatura “reportagem”, o que nos sugere a presença de
conflitos referentes às diferenças entre notícia e reportagem.
Em geral, podemos observar que a atividade em foco parte do princípio de indicar, no
comando, as características composicionais da notícia e, em seguida, apresentar um modelo
de notícia considerando os distanciamentos e afastamentos de tal gênero em relação às
práticas de referência aqui já discutidas.
Outra atividade que utiliza a estratégia de apresentar e depois identificar é a
exploração do verbete abaixo:
282
Figura 72
(Ano 5, p. 33)
Observamos, primeiramente, a necessidade de se apresentar informações que
indiquem o suporte do verbete (O dicionário pode ser usado com a necessidade de quem o
consulta. Ele dá o significado da palavra, resolve dúvidas sobre ortografia e oferece
informações gramaticais.), seus elementos (abreviaturas, indicações de definições) e,
posteriormente, a identificação dos aspectos ressaltados. Ou seja, após da apresentação do
gênero e sua composição, é solicitado ao aluno o reconhecimento de seus elementos
composicionais (a. Que informação gramatical podemos obter nesse verbete?; b. Quantas
definições tem o verbete?)
Nessa atividade, as apresentações em torno do gênero verbete servirão de subsídios
para que os alunos identifiquem sua composição em outra situação. Tal como está sendo
apresentada a atividade, não observamos questões mais especificas sobre a finalidade do
verbete nas situações de uso. Ou seja, embora o comando apresente finalidades dos verbetes
(dá o significado da palavra, resolve dúvidas sobre ortografia e oferece informações
gramaticais), não é foco dessa atividade direcionar perguntas que oportunizem aos alunos
reflexões sobre os verbetes em determinadas práticas sociais.
283
Com os dados discutidos nesse item, verificamos que as questões se destinam a
transmitir informações sobre o gênero através da explicitação de conceitos e/ou questões que
ressaltam seus elementos de forma sutil.
Observamos também a exploração de atividades, no caso da mensagem educativa, que
não expõem com clareza quais são suas dimensões ensináveis. Ou seja, apesar de estarem
atreladas ao discurso de oferecer ao aluno o contato com gêneros que circulam socialmente,
não oportunizam reflexões mais sistemáticas sobre as características do gênero.
Outro aspecto observado se refere às nuances de tensão ao propor que os alunos se
apropriem dos elementos do gênero adequando-o ao mundo imaginário infantil. Em outros
termos, no processo de escolarização do gênero, as transformações são inevitáveis, visto que
ao ser escolarizado, esse objeto é ao mesmo tempo instrumento de comunicação e objeto de
ensino (cf. Schneuwly e Dolz, 2004). Nesse sentido, encontramos atividades que embora
explorem sutilmente as características do gênero, desconfiguram algumas de suas
propriedades com o objetivo de se aproximar do universo infantil.
De forma consensual, o manual do professor e a BCC-PE destacam, como
fundamento, o trabalho com os gêneros que circulam socialmente. Todavia, ambos não
deixam claro quais as dimensões desse objeto de ensino poderiam ser trabalhadas, ou então,
que tipos de atividades poderiam ser propostas ao aluno de forma a favorecer o
desenvolvimento de suas capacidades sociodiscursivas e linguísticas.
Ressaltamos, ainda, que o enfoque metodológico nessas atividades se afasta dos
princípios defendidos no documento curricular. Ou seja, como essas atividades se embasam
na transmissão ou explanação de conceitos sem problematizações não corrobora com o perfil
de desenvolvimento de saberes e competências apresentadas na BCC-PE.
8.3.2 Atividades que favorecem reflexões sobre as características dos gêneros
Ao fazermos um mapeamento sobre as atividades que suscitam algum tipo de reflexão
sobre o gênero, através da análise e/ou identificação de suas dimensões, verificamos as
seguintes ocorrências: Ano 2 (05), Ano 3 (12), Ano 4 (11) e Ano 5 (17). Como podemos
observar, nos anos 3 e 5, há maiores índices de evidências quanto ao trabalho com os gêneros.
De forma geral, verificamos que as atividades remetem diretamente aos gêneros e ressaltam
tanto seus elementos composicionais quanto aspectos socidiscursivos/ situação de interação.
Outro aspecto a ser considerado é o fato das atividades estarem associadas aos gêneros de
menor frequência na coleção, tais como cartaz, entrevista, notícia, receita, dentre outros.
284
Destacamos, como exemplo, o estudo de um cartaz educativo no livro do Ano 2 (p.
153-154). Nesse é apresentado o seguinte cartaz:
Figura 73
(Ano 2, p. 153)
O cartaz acima chama a atenção para a necessidade de vacinar cães e gato de forma a
prevenir a raiva. O assunto abordado chama a atenção das crianças, tendo em vista a
divulgação, em campanhas, sobre a importância de vacinar os animais. Com relação às suas
características gráficas, verificamos que são conservadas, garantindo, assim, a legibilidade.
Na primeira questão, é indicado ao aluno o gênero a ser lido e a entidade responsável
pela mensagem veiculada. Logo em seguida, é proposta ao aluno uma questão que remete à
compreensão do significado da palavra “raiva” no cartaz através do confronto com o verbete
da palavra (2.Leia os significados da palavra raiva, de acordo com o Dicionário júnior da
língua portuguesa, de Geraldo Mattos. Depois sublinhe o que está de acordo com o cartaz.).
Na sequência, é destacada uma questão de identificação da finalidade do cartaz (Na
sua opinião, com que objetivo, ou seja, para que foi feito esse cartaz?). Conforme verificamos,
ao destacar “para que foi feito esse cartaz”, a coleção propõe uma discussão sobre a finalidade
do mesmo. Nesse sentido, mobiliza conhecimentos referentes à intenção sociocomunicativa
do cartaz se aproximando da compreensão de que os gêneros são determinados pelas funções
285
que exercem socialmente, ou seja, não são definidos tão somente por uma de suas
características, mas sim “como instrumentos semióticos complexos” (cf. Schneuwly e Dolz,
2004) que nos possibilitam a realização de ações de linguagem.
Já na quarta questão, é apresentada ao aluno a frase “Com raiva, seu bichinho pode
virar uma animal”, para que este sintetize a compreensão da frase (O que você entendeu dessa
frase?). Nessa pergunta, é orientado ao professor que chame atenção dos alunos ao fato das
sombras dos bichinhos parecerem dois monstros. Como podemos observar, os alunos terão
que mobilizar conhecimentos concernentes ao jogo de sentidos presentes na frase a partir dos
elementos não verbais (as sombras do cão e gato que dão a impressão de serem monstros).
Como vemos, a pergunta atenta para um elemento muito presente, que é o jogo de sentidos
das frases, no caso a raiva (a doença) e animal (a possibilidade dos animais ficarem ferozes e
atacarem as pessoas caso contraiam a raiva).
Com base na compreensão de que a função social do gênero é relevante, a quinta
questão ressalta a finalidade da imagem e a linguagem utilizada no cartaz. Vejamos:
Figura 74
(Ano 2, p. 153)
Apesar das questões acima apresentarem proposições, a priori, ao aluno, verificamos
que o mesmo terá que retomar o cartaz para refletir como a constituição da linguagem nãoverbal está atrelada ao objetivo de atrair o leitor. Quando a questão chama a atenção da
necessidade da mensagem e dos usos de tipos gráficos, está se remetendo aos elementos
estruturais dos cartazes, fazendo com que o aluno mobilize conhecimentos sobre o gênero em
questão. Em outros termos, os objetivos se voltam para a necessidade de compreender que o
cartaz informa o público sobre algum assunto e se utiliza de uma linguagem verbal clara e
curta para facilitar a leitura rápida por parte do leitor. Tal aspecto também é orientado ao
professor:
286
O objetivo da questão 5 é levar os alunos a concluírem que um cartaz deva
ser escrito com letra de forma de tamanho grande para facilitar a leitura. A
mensagem deva ser curta para que a leitura seja rápida e possa ser feita
mesmo quando se estiver caminhando. A ilustração do cartaz deve estar
relacionada com o texto escrito e ser atraente para chamar a atenção do leitor
e ajudar no entendimento da mensagem. (Ano 2, p. 153)
Quando o mesmo gênero é alvo de estudos no livro do Ano 5, constatamos que os
mesmos tipos de questões são explorados. Ou seja, as atividades propostas em torno do cartaz
se propõem a ressaltar as mesmas características, como discutimos acima, sem contemplarem
maiores problematizações e aumento de complexidade. Vejamos:
Figura 75
(Ano 5, p. 55)
Como vemos, o cartaz chama a atenção para um dos problemas que assolam a Mata
Atlântica: o desmatamento. O assunto abordado é de cunho social, tendo em vista a
necessidade de preservação dos resquícios de mata e das espécies que nela ainda habitam.
Com relação às suas características gráficas, verificamos que são conservadas, garantindo,
assim, a legibilidade.
287
Primeiramente, percebemos que a atividade antecipa a finalidade do cartaz a partir do
texto explicativo localizado acima do cartaz (Campanhas têm sido feitas para alertar as
pessoas quanto às graves competências do desmatamento e a importância de preservação
dessa floresta.). Em seguida, são apresentados dois textos didáticos que apresentam
características sobre a jaguatirica e a onça-pintada para que o aluno aponte qual dos dois
animais é alvo do cartaz (Qual desses animais aparece no cartaz da página anterior?)
Nessa atividade, podemos encontrar questões que contemplam a finalidade do gênero
(Com que finalidade você acha que esse cartaz foi criado?) e a reflexão sobre a relação entre
texto verbal e não-verbal (A imagem contribui para passar essa mensagem? Por quê?).
Por fim, nas duas últimas questões, os alunos são convidados a refletir sobre os efeitos
de sentido provocados pela imagem e sobre a estrutura do cartaz. Vejamos:
Figura 76
(Ano 5, p. 57)
Como vemos acima, para responder a questão 3 (Na sua opinião, qual a intenção de
retratá-lo dessa maneira?), os alunos terão que mobilizar conhecimentos referentes aos efeitos
provocados pela imagem. Trata-se de ressaltar a relação intrínseca entre imagem e texto para
que o apelo ao não desmatamento seja mais convincente ao público-alvo. Já a pergunta 4 (Os
cartazes são geralmente bem ilustrados, com textos curtos e escritos com letras grandes. Na
sua opinião, por que isso acontece?), suscita do aluno a compreensão acerca da relação entre
os aspectos composicionais e o interlocutor. Em outros termos, o entendimento de que os
288
elementos constitutivos dos cartazes se voltam a leitor e precisam permitir a leitura a
distância. Ou seja, as mensagens devem ser atraentes, as imagens devem estar em
consonância com o assunto abordado e devem provocar impactos no leitor, dentre outros.
Em
geral,
essa
atividade
mobiliza
conhecimentos
acerca
das
dimensões
composicionais e sociodiscursivas do gênero, corroborando com os objetivos didáticos
apresentados no manual do professor. Nesse, os objetivos para com os cartazes são
identificação de finalidade, interlocutor, relação texto verbal e não-verbal e diagramação do
gênero no suporte.
Portanto, as habilidades envolvidas na atividade acima se referem à finalidade, uso dos
tipos gráficos, fontes e imagens como recursos necessários para oferecer ao leitor apreensão
da mensagem a ser repassada de forma rápida e eficaz. Todavia, quando comparada às
questões propostas no livro Ano 2, observamos que os objetivos para o gênero em foco são
retomados sem progressão.
De acordo com a proposta de Schneuwly & Dolz (2004), os objetivos relativos aos
gêneros poderão ser abordados de forma mais complexa dependendo do ano/série ao qual se
destina. Portanto, embora tais atividades destaquem os elementos composicionais e a
finalidade do cartaz, não encontramos maiores discussões sobre a intencionalidade discursiva
referente ao emprego da função apelativa.
Ao explorar as características do gênero, é reincidente encontrarmos questões que
partem do pressuposto de análise e/ou identificação do gênero. Nesse sentido, ressaltamos o
trabalho com o gênero receita no estudo do livro Ano 3 (p. 177-178). Trata-se de um texto que
ensina como um suco de laranja diferente, intitulada de “Laranja borbulhante”. Tal título
remete à inserção de um dos seus ingredientes: uma garrafa pequena de água gasosa.
289
Figura 77
(Ano 3, p.177)
Figura 78
(Ano 3, p.178)
Como podemos constatar, as questões acima se voltam para a identificação do gênero
(a. Que tipo de texto é esse?), finalidade (b.Para que serve esse tipo de texto?; c.Você acha
que alguém lê uma receita pelo mesmo motivo que lê um texto narrativo?), orientação
espacial do gênero (1c. A forma de ocupar o espaço no papel quando escrevemos uma receita
é a mesma de um texto narrativo? Explique.), forma composicional (a. Em quantas partes foi
dividido esse texto?/ b.Quais são elas?; d. É importante separar todos os ingredientes antes de
iniciar o preparo da receita? Por quê?; f. Para indicação serve a indicação do rendimento da
receita?) conteúdo (c. Do que trata a parte “ingredientes”?/ e. E do que trata a parte “Modo de
preparar”?/) e estilo (4. Leia o trecho de uma receita escrita e sublinhe as palavras utilizadas
com a finalidade de indicar a sequência de ações.)
290
Diferentemente das propostas com outros gêneros, as quais ressaltam duas, três ou
quatro questões relacionadas ao gênero, o trabalho com a receita é feito a partir de várias
perguntas. No caso desse estudo, com quatorze questões. Tal ênfase pode nos indicar que
gêneros com uma estrutura mais estável recebem maior atenção no tratamento das dimensões
ensináveis. Ou seja, parece haver a compreensão que a receita apresenta suas dimensões,
principalmente, as composicionais, mais perceptíveis e, por isso, possuem objetivos mais
definidos. A BCC-PE apresenta, como princípio teórico, o fato de os gêneros se constituírem
como formas relativamente estáveis, acompanhado da reflexão do gênero em todas as suas
dimensões tema, composição e estilo.
Todavia, como vimos discutindo nesse item, os aspectos destacados na atividade com
a receita estão direcionados ao reconhecimento da finalidade e a apreensão referente à sua
estrutura. Sendo assim, não verificamos, por exemplo, reflexões sobre a linguagem utilizada
(direta e clara) e o emprego de verbos no imperativo. O fato de a atividade priorizar tais tipos
de questões pode não ajudar os alunos a desenvolverem habilidades de seguir instruções,
como também a importância de compreendê-las. Tal comentário é feito porque concebemos
que o trabalho com textos da ordem do descrever ações favorece a aprendizagem no que se
refere ao modo de como realizar uma atividade necessitando de compreensão precisa das
instruções.
Já em relação à entrevista, podemos encontrar reflexões não só voltadas para a
estrutura, mas também ao suporte e linguagem utilizada em relação ao público-alvo, como no
estudo do livro Ano 4 (p. 39-43). Vejamos:
291
Figura 79
Figura 80
(Ano 4, p.39)
(Ano 4, p.40)
Figura 81
(Ano 4, p.41)
292
Nesse, a entrevistada é Katherine Schurmann, 11 anos, filha da família Schurmann,
que vive navegando pelos mares do mundo. Ela concede uma entrevista à revista Gênios,
conversando sobre as suas aventuras no mar. Trata-se de uma entrevista que pode suscitar a
curiosidade dos alunos sobre como é passar uma parte da vida dentro de um veleiro.
A orientação para trabalhar com a entrevista em foco é dada ao professor em três
momentos diferentes. O primeiro, no início da entrevista, as autoras sugerem a exploração da
distribuição espacial do gênero e a forma como as perguntas e respostas estão dispostas nas
páginas. Observemos:
antes dos alunos iniciarem a leitura, peça-lhes que observem a disposição do
texto nas página e leiam o título. Pergunte: Que tipo de texto vocês irão ler?
Como chegaram a essa conclusão? A diagramação do texto dá pista de que
se trata de uma entrevista – perguntas e respostas dispostas em colunas e
cores diferentes para distinguir a fala da entrevistada da fala do
entrevistador. (Ano 3, p.39)
Durante a entrevista, a orientação dada é que o docente chame a atenção para observar
que, na alternância entre a fala do entrevistador e entrevistado, uma resposta remete à
pergunta seguinte. No final da entrevista, a autoras solicitam que o professor chame a atenção
para as seguintes dimensões do texto:
 linguagem clara e objetiva, tanto na formulação das perguntas, como
na formulação das respostas;
 compromisso com a realidade, uma vez que os fatos relatados não são
fictícios , mas reais;
 variação na diagramação para diferenciar a fala do entrevistado da fala
do entrevistador. Em alguns casos, existe diferenciação no tamanho
ou na cor das letras; em outros são citados, o nome da revista ou
jornal, para indicar as perguntas, e o nome do entrevistado, para
indicar as respostas. (Ano 3, p.41)
Como vemos, as autoras da coleção se preocupam em orientar o professor sobre quais
dimensões do gênero devem ser enfatizadas no trabalho com o gênero entrevista. Nesse
sentido, destaca elementos referentes à composição (orientação espacial do gênero e modelo
cânone de perguntas e respostas), ao conteúdo (o compromisso com a realidade dos fatos) e
ao estilo (linguagem clara e objetiva).
Na atividade proposta ao aluno, tais elementos são retomados através de questões de
localização de informação e reflexão sobre aspectos específicos do gênero, as quais remetem
a certas características do gênero em foco. Na primeira questão (1.a.A entrevista é uma
conversa ou uma história contada por um narrador?), o aluno é convidado a perceber
293
elementos inerentes à natureza do texto (dialogo ou narração) e, na segunda, é suscitado o
reconhecimento da finalidade do texto (1.b/ Para que serve esse tipo de texto?). Em seguida, o
foco recai sobre as possíveis situações de circulação da entrevista (1.c /Onde você costuma
ler, ouvir ou ver entrevista?).
Na sequência da atividade, através de uma pergunta de localização de informação, os
aspectos composicionais são destacados (1.d/ Quem é a pessoa entrevistada; 1.e/ Quem é o
entrevistado?; 1.g. Nesse tipo de texto, são apresentadas, de forma diferente, as perguntas do
entrevistador e as respostas da entrevistada. Na entrevista com Katherine Schurmann, como
foi feita essa diferenciação?).
Em seguida, é proposta uma questão que chama a atenção ao fato de a pessoa a ser
entrevistada ser conhecida publicamente, de forma permanente ou circunstancial (1.f/ O que a
vida dessa menina tem de diferente para se tornar assunto de uma entrevista publicada em
revista?).
Como podemos observar, os aspectos ressaltados acima se voltam para a identificação
da finalidade, da situação de circulação, e, de forma mais expressiva, aos elementos
estruturais da entrevista. Ou seja, a preocupação com a composição é caracterizada por
perguntas e respostas, envolvendo, pelo menos, dois sujeitos (o entrevistado e o
entrevistador). Segundo Hoffnagel (2002), trata-se de um modelo cânone de entrevista, sendo
o entrevistador responsável pelos questionamentos e o entrevistado, pelas respostas.
Entretanto, não observamos reflexões mais sistemáticas sobre a distribuição de funções
referentes aos papéis desempenhados na entrevista. Segundo Schneuwly e Dolz (2004):
o entrevistador abre e fecha a entrevista, faz perguntas, suscita a palavra do
outro, incita a transmissão de informações, introduz novos assuntos, orienta
e reorienta a interação; o entrevistado, uma vez que aceita a situação, é
obrigado a responder e fornecer as informações pedidas (p. 86)
No final da atividade, podemos encontrar mais duas perguntas que remetem ao suporte
no qual foi veiculada a entrevista e a adequação da linguagem, tal como:
294
Figura 82
(Ano 4 p.42)
Nessas questões, o que está sendo mobilizado é a relação entre a adequação da
linguagem ao público-alvo. Ou seja, os alunos precisam compreender que o tipo de entrevista
a ser inserido na revista dependerá do leitor em potencial. Sendo assim, chama a atenção dos
elementos sociodiscursivos do gênero em foco: para quem se destina tal entrevista.
Ressaltamos também que perguntas dessa natureza destacam, ainda que de forma
tímida, a compreensão de que os tipos de entrevistas variam de acordo com a
intencionalidade, alterando o tipo de informação ao público-alvo. Nessa perspectiva,
Hoffnagel (2002) ressalta três tipos:
a) as que entrevistam um especialista em algum assunto com as finalidade de
explicar um fenômeno. [...];
b) as que entrevistam uma autoridade, geralmente conhecida pelo público,
para obter sua opinião sobre um evento em destaque nas noticias [...];
c) as que entrevistam pessoas públicas [...] e que têm a finalidade de
promover o entrevistado [...] ou de fazer com que o público conheça melhor
a pessoa entrevistada. (p.183)
No entanto, na atividade proposta em torno desse gênero, não foram observadas
discussões mais aprofundadas sobre a natureza do gênero que, sendo “oral”, pode ser
295
transcrito para publicações em revistas e jornais. Além do mais, as fases de sua construção
interna (abertura, apresentação do entrevistado e assunto, desenvolvimento e encerramento) se
movimentam de acordo com a situação de produção e a constituição das sequências dialogais.
O suporte e os elementos estruturais também são ressaltados no gênero notícia, na
atividade do livro Ano 4 (p. 202-204). Trata-se de uma notícia intitulada “Um macaco amigo
para um leão faminto” que relata a apreensão de um leão, através de denúncias de maustratos. Como o macaco esperneou para não se separar do leão, acabou indo junto para o 146 º
Departamento de Policia em Campos no Rio de Janeiro. Embora a notícia não seja
apresentada na íntegra, há um cuidado em relação à preservação de sentido.
Observamos que, para o professor, as orientações se voltam à necessidade de discutir
com os alunos o contexto de circulação dos jornais, distribuição em cadernos, sua finalidade e
os elementos que compõem a página principal do jornal. Após a apresentação da notícia
intitulada “Um macaco amigo para um leão faminto”, é sugerido um estudo sobre o gênero
em foco. Dentre as questões, destacamos aquelas que remetem ao gênero. São elas:
Figura 83
(Ano 4, p.203)
296
Conforme verificamos, quando as questões ressaltam a distribuição espacial da notícia,
os títulos e subtítulos oferecem aos alunos conhecimentos sobre os aspectos estruturais dos
mesmos. Nesse sentido, ao chamar a atenção, na questão 2, de como o “texto é organizado na
página”, sugere uma preocupação com o reconhecimento do gênero em outros espaços de
circulação ou quando destaca “a identificação dos títulos e subtítulos”, nas questões 3 e 4, se
aproxima da compreensão de que tais elementos são relevantes para antecipar ao leitor o que
será abordado. Ou então destaca a situação de circulação do gênero ao perguntar de que jornal
foi retirada a notícia, na questão 1. Além do mais, buscando a constituição da veracidade da
notícia, a atividade realça a necessidade de inserir depoimentos, tal como vemos abaixo:
Figura 84
(Ano 4, p.203)
Grillo e Cardoso (2003), a partir dos pareceres dos avaliadores dos LDP do 3º e 4º,
destacam que “já se encontram questões envolvendo a finalidade, os interlocutores
preferenciais e o suporte dos textos em estudo, principalmente quando estes foram extraídos
de revistas ou jornais” (p. 112)
Dado o exposto, constatamos que, embora as atividades desse item suscitem alguma
reflexão sobre o gênero, tais discussões ocorrem, principalmente, relacionadas à dimensão
composicional do gênero.
Em contrapartida, verificamos, ainda de forma tímida, que algumas atividades
oferecem algumas reflexões sobre produção/recepção dos gêneros, sobretudo nos seguintes
aspectos: as características do suporte, a orientação espacial do gênero na página de jornal ou
revista, a finalidade dos respectivos gêneros.
As atividades adotam um enfoque metodológico que propicia reflexões sobre as
dimensões do gênero sem, necessariamente, problematizar e sistematizar tais conhecimentos.
Constatamos, ainda, que as questões de compreensão eram, principalmente, de localizar
informação.
Outro aspecto que observamos é que, quando o trabalho é em torno dos gêneros
cartaz, receita, entrevista, a coleção propõe um maior quantitativo de questões. Tal abordagem
297
nos sugere que, por apresentar composição mais delimitada visivelmente, os objetivos
didáticos para com o cartaz, receita e entrevista são expostos com maior clareza. Sendo assim,
há uma oferta maior de perguntas que remetem aos elementos composicionais e, de forma
menos expressiva, aos elementos sociodiscursivos.
Tais tipos de atividades discutidas neste tópico, sem dúvida, favorecem, apesar das
ressalvas feitas, a apropriação de conhecimentos importantes sobre os gêneros e o
desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, estando, portanto, em consonância com as
proposições da BCC – PE.
No entanto, tais sequências não eram freqüentes e a maior parte delas não promovia,
nas situações de produção de textos, situações em que os estudantes pudessem interagir com
interlocutores para atender às finalidades sociais próprias dos diferentes gêneros em pauta. No
tópico a seguir, são discutidas proposições que tinham tal característica.
8.3.3 Atividades que aproximam o gênero das situações reais de uso
Como já vimos discutindo anteriormente, o trabalho com os gêneros discursivos
oportuniza aos alunos o desenvolvimento de habilidades para agir discursivamente em
determinadas interações verbais. Corroboramos com Schneuwly & Dolz (2004) quando
destacam que, embora o gênero passe por uma transformação quando introduzido em outro
espaço social fora daquele de referência, podemos oferecer aos alunos situações que estejam
mais próximas de verdadeiras situações de comunicação. Nesse sentido, procuramos, nesta
categoria, discutir as atividades que propõem estudos sobre os gêneros numa perspectiva de
contextualização, problematização e reflexão de suas características.
Com a análise dos dados, percebemos que determinadas propostas favorecem o uso da
linguagem em situações próximas às extra-escolares, nas quais os gêneros são compreendidos
em sua natureza dialógica. Nesse sentido, as atividades aqui citadas, em geral, se vinculam a
práticas de projetos e oportunizam ao aluno pesquisas sobre o gênero, reflexões sobre
algumas de suas características e apresentam uma situação prática. Segundo o manual do
professor:
Os projetos têm a intenção de colocar os alunos em contato com práticas de
língua oral e escrita amparadas por propósitos sociais definidos e com
interlocutores reais, previamente determinados. Ler, escrever, falar e escutar
ganham dimensão prática, com objetivos imediatos, tendo em vista o
objetivo final. Dizendo de outra forma, o trabalho com projetos possibilita
situações de produção em os contextos diferem daqueles do cotidiano
escolar. (p. 15)
298
Tal como vemos acima, o propósito de se oferecer algumas sugestões de projetos ao
longo dos quatro livros da coleção parte da necessidade de inserir os alunos em práticas mais
de usos da língua miméticas às extra-escolares. Todavia, nem todos os projetos apresentados
pela coleção exploram de forma equilibrada as dimensões do gênero, composição, tema e
estilo. Ou seja, embora encontremos os projetos trovas e seminário (MP, p.39 a 44) no
primeiro ano; histórias e poemas (MP, p. 44 a 53), no terceiro ano; seminário e literatura de
cordel (MP, p. 40 a 53), no quarto ano; e, por fim, biografia e historias de suspense (MP, p.45
a 52) no quinto, verificamos que apenas um deles explora, de forma sistemática, todas as
dimensões do gênero favorecendo aos alunos reflexão acerca de suas características próximas
as situações reais de uso. Já os outros, embora, retomem algum aspecto do gênero e
apresentem situações de produções com etapas a serem desenvolvidas, a ênfase ora recai
sobre os aspectos tipológicos, (Ano 3, histórias), ora enfatizando mais a estrutura (Ano 5,
biografia e historias de suspense), ou então em situações que exploram de forma sutil alguma
característica (Ano 4, literatura de cordel).
Nessa perspectiva, destacamos, como exemplo, o projeto intitulado “Seminário e
mural com informações sobre animais do Polo Sul” (Apêndice, Ano 2, p.41-44). Essa
proposta se articula a uma atividade da unidade 12 (Ano 2 p.190 a 192), na qual são
oferecidas aos alunos questões que remetem às características dos pinguins a partir de um
artigo científico. Portanto, o projeto proposto incita os alunos a pesquisarem informações
sobre animais da Antártida para um seminário e montar um mural intitulado “Fique Sabendo”.
Trata-se de um projeto interessante, visto que elege um gênero oral que mobiliza
conhecimentos referentes à exposição das informações pesquisadas, uso da linguagem formal,
elaboração de esquemas para orientar a fala, utilização de recursos, entre outros.
A partir do seminário, os alunos poderão se apropriar de certos conhecimentos para
pensar em gêneros mais próximos que também precisam de atividades de antecipação e
planejamento, como apresentações empresariais, conferências etc. Na perspectiva de
Schneuwly & Dolz (2004), “é preciso que nos concentremos no ensino do gênero da
comunicação
pública
formal.
(p.174).
Nas
orientações,
também
são
oferecidos
esclarecimentos referentes aos procedimentos de organização de equipes, coleta das fontes de
pesquisas, leitura e registro de informações. Tais aspectos são relevantes, pois os alunos são
convidados a ter autonomia, envolvendo as capacidades de levantar, selecionar, analisar e
registrar informações relevantes.
299
Depois de toda coleta, registro de informações curiosas e importantes sobre os
referidos animais, o projeto em foco orienta as etapas para a apresentação do seminário: (a)
apresentação, (b) ensaio da apresentação e (c) apresentação.
A explicitação de tais aspectos tanto orienta o professor acerca das características do
gênero a serem trabalhadas, como oferece ao aluno a oportunidade de refletir sobre o
seminário de maneira mais sistemática. Sendo assim, na etapa de planejamento da
apresentação, é destacado:
Será preciso orientar os grupos sobre o que cada um vai dizer, em que ordem
vão falar.
Informe aos alunos que não é necessário decorar as palavras do texto, mas é
preciso saber as informações que serão apresentadas. Comunique-lhe
também que cada equipe terá 10 minutos para se apresentar, daí a
importância de ensaiarem o que vão contar (Apêndice, Ano 2, p. 43)
Conforme observamos, a atividade está sendo pensada com propósitos definidos,
proporcionando ao aluno uma reflexão sobre o que será apresentado. Ou seja, mobiliza
habilidades referentes ao planejamento da ação destacando a relevância de saber o que dizer e
como dizer. Portanto, o aluno estará refletindo sobre o que será abordado e a distribuição do
tempo para o atendimento a algumas das características do seminário: a objetividade e a
segurança.
Logo em seguida, na etapa ensaio da apresentação, a atividade orienta o professor a
combinar o ensaio de cada grupo, destacando que o interlocutor será o próprio professor e os
integrantes da equipe. Nessa fase, são sugeridos ao professor não só a necessidade de ensaiar,
mas também alguns critérios de avaliação. Vejamos:
Durante os ensaios, dirija a atenção dos alunos para a importância de
ouvirem os colegas com atenção. Após cada apresentação, estimule-los a
darem dicas sobre o jeito de falar de cada componente – se a voz está alta ou
baixa, se está sendo claro, se fala olhando para a platéia e num bom ritmo:
nem devagar nem depressa demais etc. Participe também fazendo
comentários. (Apêndice, Ano 2, p. 43)
As orientações acima citadas proporcionam o desenvolvimento da capacidade de
organização do que será exposto e como será exposto, contribuindo, assim, para que a
finalidade do seminário seja alcançada. Trata-se de um trabalho organizado e planejado para
que tal atividade não consista apenas numa atividade que ofereça aprendizagens somente para
aqueles que apresentam o seminário, mas também traga contribuições para o ouvinte.
300
Ao destacar “se a voz está alta ou baixa, se está sendo claro, se fala olhando para a
platéia e num bom ritmo: nem devagar nem depressa demais etc”, a atividade atenta para que
o aluno reflita sobre suas escolhas linguísticas e sociodiscursivas frente ao interlocutor de
forma a atender a uma das características do seminário, que é a objetividade e clareza.
Por fim, a última etapa destacada pelo livro remete à ação da apresentação. Nessa, são
dadas ao professor orientações gerais, tais como a escolha da data para a apresentação e os
informes aos alunos para exporem as ilustrações coletadas das características do animal
escolhido pela equipe.
Assim, os gêneros são introduzidos na escola sob uma decisão didática, passando a ter
novos objetivos: primeiro, o aluno precisa aprender a dominar o gênero para, posteriormente,
desenvolver capacidades que lhe possibilitem ultrapassar outros gêneros.
Com o exposto, observamos que a atividade em torno do seminário auxilia os alunos a
produzirem textos de diferentes gêneros, selecionando recursos linguísticos e discursivos em
função das finalidades, da situação de interlocução e das características dos interlocutores.
Sendo assim, oportuniza o desenvolvimento da linguagem oral através do contato com os
gêneros de contextos mais estruturados e formais.
Corroboramos com Schneuwly e Dolz (2004), quando ressaltam:
a escolarização dos gêneros orais suscita inevitavelmente transformações,
algumas sob o controle mais ou menos consciente dos parceiros de ensino,
outras automaticamente ligadas às restrições das situações didáticas. (p. 179)
Nesse sentido, a atividade destacada nesse item representa a tentativa da coleção de
oferecer ao aluno a oportunidade de se apropriar das dimensões do gênero, enfatizando, ao
mesmo tempo, os objetivos didáticos e uma interface com os usos reais da língua. Tal
perspectiva metodológica se aproxima da perspectiva da língua em seus usos, uma vez que
corrobora com a compreensão de que os gêneros são modos de dizer, numa visão histórica e
são utilizados conforme as necessidades situações de práticas da língua.
A BCC-PE e o manual do professor apontam para a necessidade de se trabalhar com a
língua materna na perspectiva de seus usos sociais. O documento indica princípios de que os
gêneros devem se constituir como ponto central para o trabalho com a linguagem, embora
nem sempre tal aspecto seja alvo de reflexão nas competências apresentadas. O manual do
professor, por sua vez, apresenta como objetivo a possibilidade de vivenciarem a língua em
seus usos. Desse modo, a presença de sequências como a que apresentamos neste item
evidenciam proximidade entre o que é orientado na BCC e o que é proposto ao professor
301
vivenciar com seus alunos na coleção mais adotada em Pernambuco. No entanto, na BCC é
indicado que esta seria a tônica central do processo de ensino da língua, enquanto que, nos
livros, tais propostas convivem com outras que tem princípios didáticos bastante diferentes,
conforme apresentamos nas análises das atividades que acompanham mais frequentemente os
textos didáticos, as tirinhas, os bilhetes, as piadas e os poemas.
Síntese do capítulo
Nesse capítulo, analisamos os saberes e habilidades relativos aos gêneros que estão
sendo contemplados na proposta da coleção Porta Aberta. Primeiramente, constatamos que o
material da coleção é bastante diversificado e contempla os cinco agrupamentos propostos por
Schneuwly e Dolz (2004), sendo o de instruções e prescrições os que apresentam menor
percentual. Todavia, verificamos que nem sempre os gêneros mais frequentes são os mais
enfocados em atividades de interpretação de textos e de reflexão sobre as diferentes
dimensões dos gêneros.
Em relação ao tratamento didático dado aos gêneros na coleção, constatamos que, em
geral, os textos didáticos são explorados para o estudo de conteúdos do eixo de análise
linguística, mais especificamente, para o estudo de ortografia, pontuação, paragrafação,
classes gramaticais, sem haver reflexões acerca das relações entre tais conteúdos os efeitos de
sentido dos textos ou das relações entre os recursos linguísticos e o estilo dos gêneros. O
mesmo acontece com as tirinhas, as piadas, e vários bilhetes e poemas
Em relação ao poema, embora também sejam encontradas atividades voltadas para
conteúdos gramaticais descontextualizados das características dos gêneros, várias sequências
da coleção propõem questões que, de forma expressiva, enfatizam os conhecimentos sobre a
estrutura do poema com objetivos voltados para a identificação e conceituação de versos,
estrofes e rimas. Neste caso, são contempladas as dimensões forma composicional e estilo do
gênero.
No que concerne ao conto, observamos, em geral, que se destinam a trabalhar os
elementos da narrativa, confundindo, algumas vezes, o gênero com a tipologia. Em
contrapartida, algumas atividades, principalmente nos contos de suspense, discutem recursos
utilizados pelo autor para provocar efeitos de sentido no leitor remetendo ao estilo do gênero.
Assim, são contempladas as dimensões forma composicional, com as ressalvas apontadas no
início deste parágrafo, e estilo. No entanto, pode-se apontar como problema na abordagem
deste gênero, a grande quantidade de textos fragmentados, que terminam por reduzir a riqueza
302
textual presente nos textos autênticos. O mesmo também pode ser apontado em relação aos
poemas, que também são introduzidos muitas vezes incompletos.
Em relação às histórias em quadrinhos, verificamos que as dimensões do gênero
destacadas nas atividades remetem aos aspectos de circulação, elementos não-verbais
(expressões e gestos) e/ou características composicionais. Todavia, são oportunizados poucos
momentos para os alunos sistematizar conhecimentos referentes aos elementos constitutivos
das histórias em quadrinhos.
No que se refere à abordagem metodológica relativa às sequências de atividades que
contemplam interpretação de textos e reflexões sobre as características dos gêneros
discursivos, foram elaboradas três categorias, que abrangem os modos como o trabalho com
gêneros aparecia na coleção.
A primeira categoria consiste em apresentar e/ou explanar conceitos referentes a
alguma dimensão do gênero. Nessa, o enfoque metodológico perpassa pela transmissão de
algum conceito e/ou questões que ressaltam seus elementos de forma sutil. Constatamos
também, em algumas atividades dessa natureza, a falta de clareza em relação às dimensões
ensináveis do gênero ou então a desconfiguração da alguma propriedade do gênero tendo em
vista a necessidade de se adequar ao universo imaginário infantil.
Já na segunda categoria, as atividades favorecem reflexões sobre o gênero, explorando
seus aspectos por meio da análise e/ou identificação das características composicionais ou
sociodiscursivas. Nessa, os alunos são convidados a refletir acerca da dimensão
composicional e, de forma menos expressiva, produção/recepção dos gêneros.
Por fim, na última categoria, encontramos um exemplar de atividade que aproxima o
gênero das situações reais de uso, pois, além de desenvolver um trabalho mais sistemático
com o gênero, enfocando suas dimensões, propõe a inserção dos alunos em situações que se
aproximam dos usos reis da língua.
Vemos, assim, que na coleção convivem diferentes concepções acerca dos objetos de
ensino do componente curricular língua portuguesa. Em muitas sequências de atividades,
enfoca-se o trabalho com conteúdos gramaticais, tal como tradicionalmente era realizado o
ensino da língua. Subjaz a tais propostas uma concepção de língua como sistema e pouca
atenção é dada aos efeitos de sentido que os recursos linguísticos provocam ou mesmo à
relação entre recursos linguísticos e estilo do gênero.
Em outras sequências, o foco nos gêneros discursivos é claro, embora sejam
observados resquícios de um ensino centrado nos tipos textuais, a que Schneuwly e Dolz
(2004) denominam de Pedagogia do Coroamento. Fazem-se presentes, também, propostas em
303
que o trabalho com gêneros prioriza claramente a dimensão forma composicional, com
reflexões quase exclusivamente acerca da estrutura do texto, e outras em que se agregam,
também, reflexões sobre os aspectos sociodiscursivos e estilo.
Desse modo, a coleção é bastante eclética, o que talvez seja resultado de um momento
histórico em que muitas mudanças curriculares vem sendo realizadas em um curto período de
tempo. Como dito anteriormente, também na BCC – PE diferentes tendências teóricas
parecem orientar as concepções e a definição dos objetos de ensino. Assim, tanto um
documento quanto o outro contemplam o trabalho voltado para o ensino da leitura e produção
de textos na perspectiva dos gêneros discursivos, apresentando alguns distanciamentos quanto
aos princípios desta abordagem teórica.
No próximo tópico, destacaremos as considerações finais desse trabalho. Para tanto,
retomaremos aos dados buscando tecer compreensões entre a BCC-PE e a coleção mais
adotada no estado de Pernambuco referentes à abordagem didática do gênero.
304
CAPÍTULO 9
Considerando os encontros e desencontros
Como foi discutido no capítulo 4, buscamos, nesta pesquisa, analisar a Base Curricular
Comum de Pernambuco e a coleção de livros didáticos destinada ao ensino de língua
portuguesa mais adotada neste estado. Neste capítulo final do trabalho, podemos tecer
algumas considerações sobre as semelhanças e diferenças entre as orientações da BCC-PE
relativas ao trabalho com o texto e as proposições didáticas da coleção “Porta Aberta” para o
trabalho com leitura, produção e reflexão sobre os textos orais e escritos. Por meio das
análises realizadas nos documentos, foi possível responder às questões propostas neste estudo,
as quais revelaram movimentos de aproximações e afastamentos entre os princípios
defendidos no documento curricular e na coleção em foco.
Por meio de leitura prévia da BCC-PE - a pré-análise, de acordo com Bardin (2004) -,
foi possível constatar que nesse documento é explicitada a adoção de uma perspectiva
curricular em que o texto é a unidade linguística prioritária no ensino da língua e não mais os
conteúdos relativos à teorização gramatical com foco nas classes gramaticais e análise
sintática, tal como predominava no ensino da língua portuguesa. Foi possível também
verificar que a abordagem dos gêneros discursivos exerceu influência marcante na construção
da proposta, sendo um conceito chave, sobretudo, na apresentação dos fundamentos teóricos
subjacentes à proposta curricular.
Nessa perspectiva, considerando que a teoria bakhtiniana de gêneros discursivos
perpassa as orientações constantes na BCC-PE, objetivamos aprofundar as análises, a fim de
compreender os impactos dessa abordagem nas prescrições apresentadas no documento.
Desse modo, inicialmente, buscamos analisar a concepção de gênero discursivo expressa na
BCC-PE, os princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos que perpassam a
proposta, os saberes e habilidades relacionados aos gêneros discursivos indicados para as
diferentes etapas de escolaridade, as orientações relativas à metodologia a ser empregada no
trabalho com os gêneros discursivos na BCC-PE, tanto na modalidade oral quanto na escrita,
as orientações relativas à escolha dos recursos didáticos, com foco na escolha dos livros
didáticos de língua portuguesa. Logo após, foram realizadas as análises do manual do
professor da coleção de livros didáticos e os princípios didáticos relativos ao ensino de
305
gêneros discursivos que perpassam tal recurso didático, considerando-se as categorias
construídas nas análises da BCC-PE.
Justificamos, portanto, a importância da realização de tal comparação devido ao fato
de que o momento da escolha desta coleção no âmbito das secretarias de educação foi
concomitante às discussões relativas ao processo de elaboração da BCC-PE. Desse modo, é
importante analisarmos se as mesmas concepções acerca do ensino da língua estavam
orientando a elaboração do documento curricular e a escolha dos livros didáticos nas
secretarias de educação.
Como foi explicado no capítulo 4, após a pré-análise, em que as abordagens centrais
que perpassavam a BCC foram identificadas, foram realizadas novas análises do documento
por meio de uma leitura exploratória, na qual foram construídas categorias de análise. Por fim,
foram feitos os tratamentos dos dados, considerando as categorias construídas. Isto é, fizemos
a exploração mais detalhada dos dados identificados na pré-análise. Assim, inicialmente,
isolamos as recorrências das informações, suas características semelhantes e/ou relacionadas
para, em seguida, darmos continuidade ao processo de classificação e agregação, ou seja, a
formulação de categorias.
Com base nas categorizações e interpretações dos dados, foram extraídas algumas
conclusões, descritas a seguir.
Em relação à concepção de linguagem, texto e gênero, constatamos que tanto o
documento curricular quanto o manual da coleção apresentaram indícios de que o ensino de
língua portuguesa deve se pautar na perspectiva da língua como interação social. Todavia, tal
compreensão é mais discutida no documento curricular, o qual apresenta pressupostos que se
aproximam do caráter social da linguagem humana proposto pela perspectiva bakhtiniana. Já
na coleção, especificamente no MP, constatamos fragmentos que ora aproximam a linguagem
de seus usos ora a distancia. Esse aspecto é constatado pelo movimento de conflitos no MP, o
qual orienta tanto à necessidade de se trabalhar numa abordagem de linguagem como
atividade social, como também apresenta sugestões que enfocam um trabalho com a língua a
partir de pressupostos transmissivos e dissonantes das práticas sociais.
Quanto à compreensão dialógica da língua, a BCC-PE destaca, em seus pressupostos
teóricos, que os textos são respostas a outros textos produzidos numa situação específica. Esse
princípio se aproxima da compreensão bakhtiniana de que os sujeitos estão imersos em um
elo contínuo na cadeia de comunicação verbal na qual os enunciados estão relacionados às
construções coletivas de significações. Portanto, os enunciados definidos pela situação de
interação, além de estarem sujeitos ao movimento de compreensão e respostas determinado
306
pela alternância dos ouvintes, também se configuram em respostas a outras vozes que
circulam na sociedade. Todavia, tal princípio defendido no referido documento não é
aprofundado com relação à intencionalidade dos sujeitos nos discursos e como as formas
relativamente estáveis poderiam ajudar a antecipar os objetivos pretendidos do texto. Já no
que concerne à coleção, não observamos orientações e/ou discussões que remetam à
compreensão de que os textos são produtos histórico-sociais e estão inseridos numa cadeia
dialógica. Não há discussão sobre a constituição dos gêneros como objetos culturais.
A concepção de que o texto é uma entidade concreta e se materializa no gênero foi
observada na proposta curricular e no manual da coleção. Nesses, constatamos fragmentos
que remetiam ao entendimento de que os textos se configuram como materialidade empírica
e, como tal, pertencem a gêneros diversos. Sendo assim, dependendo da finalidade, os gêneros
operariam como ferramentas nas situações sociais. Entretanto, ressaltamos que tal aspecto foi
verificado, de forma mais explícita, na BCC-PE.
Observamos também que ambos os documentos analisados retomavam o
embasamento do gênero como forma relativamente estável do enunciado. Esse princípio na
BCC-PE estava relacionado às condições particulares dos enunciados e a uma determinada
situação de interlocução, embora tenhamos constatado que tal compreensão não está sendo
retomada na maioria das competências apresentadas pela proposta curricular. Já o MP da
coleção sequer discute tal aspecto, relacionando-o ao ensino de língua portuguesa.
Outro dado refere-se à compreensão de que os gêneros são definidos por
características composicionais e sociodiscursivas. A BCC-PE apresenta algumas passagens
que destacam os elementos do gênero: composição, tema e estilo. Nessa discussão, se
aproxima da perspectiva bakhtiniana ao compreender que um enunciado pode ser
relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico, dependendo da
esfera de circulação e função. No entanto, os pressupostos remetem, de forma mais
expressiva, à forma composicional do gênero, com poucas discussões sobre os objetivos e as
diferentes situações de circulação do gênero. Já a coleção, quando apresenta os objetivos
didáticos, remete tal aspecto aos elementos constitutivos do gênero. Ou seja, ao expor as
orientações para cada unidade dos livros, ressalta, de alguma forma, as dimensões ensináveis
do gênero. Sendo que, em geral, também neste documento, os aspectos composicionais se
destacam frente aos elementos sociodiscursivos.
No que concerne aos princípios didáticos relativos ao ensino de gêneros discursivos
que perpassam a proposta, verificamos que, inicialmente, ambos os documentos analisados
corroboram com o princípio da diversidade de gêneros. Na BCC-PE esse princípio é
307
ressaltado tanto na fundamentação teórica quanto na seleção dos recursos didáticos. Na
coleção, o princípio supracitado aparece, em algumas passagens do manual do professor,
relacionado aos usos sociais mais frequentes. Todavia, em ambos os documentos, não
constatamos problematizações e/ou sugestões que possam orientar o público leitor a outros
critérios que poderiam a eles estar relacionados. Ou seja, quais gêneros selecionar para
trabalhar em cada etapa da escolaridade e/ou quais dimensões dos gêneros orais e escritos
poderiam ser enfocadas para desenvolver as habilidades linguísticas e discursivas dos alunos.
A compreensão de que o texto deve ser a unidade de ensino também foi outro
aspecto constatado, tanto na BCC-PE quanto na coleção. No primeiro, tal pressuposto é
apresentado na fundamentação teórica e nas sugestões de competências dos diversos eixos de
ensino. O desenvolvimento das habilidades se associa, de forma geral, aos objetivos e
finalidades previstas nos textos e às estratégias de leitura. Entretanto, constatamos que a
discussão acerca da materialização do texto em um determinado gênero não é contemplada na
maioria das competências apresentadas. Já o manual do professor também destaca a
relevância de utilizar os textos como unidade para o ensino de língua materna, embora
também não contemple, muitas vezes, a discussão associada ao gênero.
Ainda sobre o trabalho com os textos, a BCC-PE elege como fundamento a
necessidade de se trabalhar com textos orais e escritos, entretanto, não aponta discussões
sobre como esse material também podem servir de suporte para maiores reflexões e
teorizações. No MP da coleção também não observamos discussões sobre como o trabalho
com os textos orais e escritos pode possibilitar ao aluno não só o desenvolvimento de certas
competências linguísticas e discursivas, mas também a compreensão de que o referido
material se configura em um objeto de aprendizagem que se pode sistematizar. Ressaltamos,
ainda, relações entre a necessidade de se trabalhar com as semelhanças e diferenças e a
modalidade oral e escrita a partir dos textos orais e escritos.
Já no que diz respeito às orientações relativas à escolha dos recursos didáticos, a
BCC-PE apresenta nove princípios referentes à seleção dos textos a serem trabalhados. Tais
proposições recaem sobre a natureza do conteúdo dos textos (temática), as esferas de
circulação (universos culturais diferentes, textos de gêneros variados, dialetos e registros,
domínios de produção) e/ou os aspectos gráficos editoriais (extensão compatível à faixa
etária, unidade de sentido, projeto gráfico, elementos de contextualização). Já em relação ao
recurso livro didático, a discussão apresentada pela BCC-PE permeia dois pólos: a relevância
de esse instrumento estar disponível aos professores e a ressalva do mesmo não ser o único
recurso didático a ser utilizado. Todavia, não há discussão no documento sobre critérios de
308
escolha do livro e/ou orientações sobre a relação entre os princípios propostos por este e o
livro didático a ser adotado.
Outra evidência, a partir da análise dos dados, remete aos saberes e habilidades
relacionados aos gêneros discursivos indicados nos eixos da oralidade, leitura, escrita e
análise linguística mapeados na BCC-PE. Em geral, verificamos que são apresentadas poucas
competências que articulam as habilidades aos gêneros.
Nesse sentido, no eixo da oralidade, constatamos a presença de duas competências
que remetem mais explicitamente ao(s) gênero(s), sendo que uma se aproxima da teoria
bakhtiniana, por ressaltar as diferenças entre discurso primário e secundário, e a outra se
afasta por não considerar todas as dimensões do gêneros, especificamente, os elementos
sociodiscursivos. Outras habilidades são apresentadas para o trabalho a partir dos textos orais,
tais como as que estão direcionadas à utilização do registro, dos recursos coesivos,
identificação de objetivos e ponto de vistas, sem apresentar elementos que retomem um
princípio defendido pelo documento: a materialização dos textos em determinados gêneros.
No eixo da leitura, encontramos apenas uma competência diretamente referente aos
gêneros discursivos, mais especificamente ao aspecto composicional. Nesse sentido, há uma
maior indicação de saberes relacionados aos textos enfocando as situações de produção,
efeitos de sentidos, usos de recurso coesivos dos textos, dentre outros. Portanto, não há
indicações de como o trabalho com os gêneros poderia ajudar no desenvolvimento dessas
habilidades propostas.
No eixo da escrita também é reincidente encontrarmos poucas competências que
favoreçam uma discussão entre o desenvolvimento da habilidade articulado às reflexões sobre
os gêneros ou à consideração das características dos gêneros. Verificamos a indicação de
apenas duas competências que articulam tal aspecto. Em movimento contrário, há um número
significativo de competências voltadas para os elementos sociodiscursivos relativos aos
textos, sem considerar o seu pertencimento aos gêneros discursivos, às estratégias de
organização dos textos e aos aspectos linguísticos. Ressaltamos, entretanto, que algumas
dessas competências estão pautadas numa compreensão de linguagem embasada no
pressuposto do dialogismo proposto por Bakhtin (2002).
Por fim, no eixo de análise linguística, verificamos a ausência de competências
associadas à noção de gênero. Dentre as que se relacionam ao texto, uma se refere à natureza
discursiva e interdiscursiva da língua, se aproximando da compreensão de discurso tecido
num elo contínuo de linguagem, tal como postula Bakhtin (2002). Já as outras habilidades
309
remetem aos elementos mais estruturais da língua e de pontuação, não aprofundando as
relações com as situações de uso e construções de sentido.
Em suma, foi observado que na BCC – PE é defendido explicitamente, nos tópicos de
apresentação dos princípios e fundamentos teóricos, que o texto é a unidade de ensino no
componente curricular língua portuguesa e que o trabalho com o texto deve ser realizado com
base nos pressupostos subjacentes à abordagem dos gêneros discursivos. Reincidentemente
são apresentados vários princípios que aproximam tal documento dos preceitos defendidos na
teoria bakhtiniana de linguagem.
No entanto, contraditoriamente, nos tópicos em que são materializados os objetos de
ensino (conhecimentos, habilidades, competências), são valorizados aspectos relativos ao
trabalho com texto como espaço de interação, mas há pouca articulação entre tais aspectos e
os pressupostos relativos aos gêneros. Não são dadas pistas suficientes que evidenciem como
tais instrumentos culturais – os gêneros discursivos - podem mediar a aprendizagem das
práticas de linguagem. Isto é, quais dimensões dos gêneros seriam ensináveis de modo a
contribuir para o desenvolvimento das habilidades de leitura e produção dos diferentes textos
que circulam socialmente. Parece estar subjacente uma suposição de que o mero contato com
os diversos gêneros seria suficiente para que os estudantes aprendam a lidar com os textos que
circulam socialmente. No entanto, tal princípio didático não é defendido explicitamente.
Em resumo, a defesa de um trabalho centrado nos gêneros discursivos é presente nos
tópicos de fundamentação e apresentação dos princípios da BCC-PE, mas não é enfatizado
nos tópicos em que são expostos os objetivos de aprendizagem. Não há, também, discussão
sobre as estratégias didáticas que orientem o trabalho com os gêneros: é necessário investir na
reflexão sobre as características dos gêneros ou basta o contato com a variedade textual?
Quais dimensões deveriam ser alvo de reflexão / teorização? Como promover de modo
articulado a reflexão sobre o gênero e o desenvolvimento das estratégias de leitura e de
produção de textos para dar conta de diferentes finalidades?
Frente a tal constatação, buscamos, em um segundo momento da pesquisa, analisar os
livros didáticos que compõem a coleção, com atenção aos textos selecionados para compor as
sequências de atividades e aos tipos de atividades propostas. Assim, investigamos quais
gêneros discursivos estão inseridos nos livros e quais gêneros são mais intensamente
explorados nos diferentes volumes da obra. Nas análises dos tipos de atividades, verificamos
se há ênfase em atividades que exploram as características dos gêneros discursivos, se
favorecem a reflexão/explicitação sobre as características dos gêneros discursivos, se há
310
inserção de conceitos e propriedades dos gêneros discursivos. Por fim, buscamos entender
como o livro organiza a seqüência e as propostas de atividades com os gêneros discursivos.
Verificamos inicialmente que a coleção Porta Aberta contempla uma grande variedade
de gêneros, em consonância ao que é orientado na BCC-) PE, e alguns desses gêneros são
mais frequentemente inseridos nos volumes da coleção, possibilitando um maior contato dos
estudantes com suas regularidades: texto didático (94 ocorrências), tirinhas / histórias em
quadrinho (77), resenhas de livros (54), bilhetes (50), piadas (37), contos (33) e poemas (32).
Frente a tal constatação, analisamos as sequências didáticas que envolviam a leitura
dos textos exemplares desses gêneros mais presentes nos livros. Uma hipótese que guiou a
análise dessas sequências foi a de que seria possível que determinados gêneros tivessem sido
escolhidos pelos autores da obra para que os estudantes pudessem se debruçar sobre eles,
refletindo sobre diferentes dimensões dos gêneros. No entanto, no aprofundamento das
análises das sequências de atividades que envolveram os gêneros mais freqüentes na coleção,
foi observado que a presença de muitos textos de um mesmo gênero não significou uma
atenção especial às características composicionais, estilísticas e sociodiscursivas destes
gêneros.
Alguns desses gêneros mais freqüentes sequer eram trabalhados quanto aos seus
conteúdos, como os textos didáticos. Havia, sim, em muitas sequências, a utilização dos
textos como pretextos para atividades gramaticais desprovidas de estímulo às reflexões sobre
os efeitos de sentido ou aspectos discursivos dos gêneros a quem pertencem. Isto é
ressaltamos que o fato de tais gêneros serem mais evidenciados nas atividades não corrobora
com a afirmação que as dimensões composicionais, temática e estilo são mais trabalhadas nas
sequências em que os exemplares desses gêneros aparecem.
Em geral, o trabalho com os textos didáticos, as tirinhas, as piadas e vários bilhetes e
poemas está voltado para estudos de conteúdos gramaticais de modo desarticulado das
reflexões sobre os gêneros discursivos a que tais textos pertencem ou mesmo das reflexões
sobre os efeitos de sentido provocados pelos recursos linguísticos em foco.
Contraditoriamente, em outras sequências, como várias que envolvem histórias em
quadrinhos, contos, bilhetes e poemas, dimensões sociodiscursivas, composicionais e
estilísticas dos gêneros eram foco de atenção. Em algumas sequências, tais reflexões
aparecem articuladas às questões de interpretação de textos em que se busca refletir sobre os
efeitos de sentido dos recursos linguísticos utilizados e sobre as situações de produção dos
textos.
311
No que concerne ao trabalho com as histórias em quadrinhos, as atividades destacam
os aspectos de circulação, elementos não-verbais (expressões e gestos) e/ou características
composicionais. Como são ofertadas poucas atividades desse tipo nos quatros livro da
coleção, os alunos têm poucas oportunidades de refletir sobre tais elementos. Ressaltamos,
ainda, que não foram encontradas questões que problematizem acerca de como a linguagem
falada se atrela à escrita na composição das histórias em quadrinhos.
Quanto ao gênero bilhete, foram encontradas atividades que exploram suas dimensões
composicionais e sociodiscursivas. Há uma preocupação da coleção em evidenciar as
características prototípicas do gênero em foco. Com isso, os conhecimentos relacionados a tal
gênero remetem ao uso de mensagens curtas, à necessidade de utilizar o gênero para emitir
mensagens rápidas, além de sua forma de circulação.
No caso do conto, em geral as atividade se voltam para exploração dos elementos da
narrativa, com pouca reflexão acerca de como o espaço, o tempo, a personagem e a ação
podem estar atrelados às características peculiares dos contos maravilhosos, de terror,
aventura, dentre outros. Outro aspecto observado é o fato do conto estar associado ao termo
“história”, entretanto, a utilização desse termo nos enunciados das atividades e seu significado
remetem, na maioria das vezes, ao conteúdo como o todo. Ou seja, destaca a natureza do que
está sendo abordado no conto. Foi verificado também que, ainda que de forma tímida, existe
uma preocupação em aproximar o aluno às características voltadas ao estilo. Nesses casos,
envolvendo contos de terror e/ou mistérios, essas questões mobilizavam conhecimentos
referentes à descrição dos ambientes e personagens, à peculiaridade dos desfechos dos contos
de mistérios, à linguagem utilizada e à seleção dos recursos lexicais para o clima de suspense.
Com relação ao poema, foi verificada a presença de atividades que destacam os
elementos composicionais do gênero em questão e, de forma menos expressiva, questões que
mobilizam conhecimentos referentes à linguagem poética e a relação da utilização dos seus
recursos com as finalidades do texto literário. Nesse sentido, há evidências de que o foco para
o trabalho com poemas nas atividades da coleção seja na identificação e conceituação de
versos, estrofes e rimas. Com isso, observamos que parece haver uma compreensão de que o
poema se caracteriza mais pelos aspectos estruturais, não considerando elementos
relacionados à linguagem utilizada, tema, dentre outros.
Em síntese, as análises das sequências que envolviam os gêneros mais frequentes na
coleção mostraram que diferentes objetivos didáticos permeavam a proposta e frequentemente
não havia atenção aos aspectos composicionais, estilísticos e sociodiscursivos dos gêneros ou
mesmo às reflexões sobre os efeitos de sentido dos textos. No entanto, algumas sequências
312
tinham o foco nas dimensões dos gêneros contemplados. Assim, em uma última fase da
investigação, buscamos aprofundar um pouco mais as reflexões analisando-se como a coleção
organiza as propostas de atividades, considerando não apenas as sequências de atividades
envolvendo os gêneros mais freqüentes, mas todas as sequências de atividades que, de algum
modo, enfocam aspectos relativos ao trabalho com os gêneros discursivos.
Tais atividades foram classificadas em três categorias: (1) sequências de atividades
que exploram as características do gênero, por meio da apresentação e/ou explanação de
conceitos; (2) sequências de atividades que favorecem reflexões sobre o gênero, explorando
seus aspectos por meio da análise e/ou identificação das características composicionais ou
sociodiscursivas e desenvolvimento de estratégias de leitura; (3) sequências de atividades que
aproximam o gênero das situações reais de uso, as quais, além de desenvolverem um trabalho
mais sistemático com o gênero enfocando suas dimensões, propõem a inserção dos alunos em
situações que se aproximam dos usos reis da língua. .
Na primeira categoria, foram identificadas sequências de atividades que, de forma
sutil, buscavam transmitir algum conceito. Algumas vezes, após a apresentação do conceito,
eram propostas atividades de aplicação. Por exemplo, após definir o que é verso e estrofe,
solicitar que identifiquem em um poema estrofes e versos. Constatamos também, em algumas
atividades dessa natureza, a falta de clareza em relação às dimensões ensináveis do gênero ou
então a desconfiguração da alguma propriedade do gênero tendo em vista a necessidade de se
adequar ao universo imaginário infantil.
A segunda categoria refere-se às atividades que favorecem reflexões sobre o gênero,
explorando seus aspectos por meio da análise e/ou identificação das características
composicionais ou sociodiscursivas. As atividades com gêneros como receita, entrevista,
dentre outros apresentam um quantitativo de questões desse tipo maior que as sequências com
outros gêneros, parecendo haver a compreensão de que as dimensões ensináveis desses
gêneros são mais delimitadas e, por isso, possuem objetivos mais definidos. Verificamos,
ainda, que o enfoque metodológico propicia reflexões sobre as dimensões do gênero sem,
necessariamente, problematizar e sistematizar tais conhecimentos. Em geral, essas atividades
utilizam questões de localizar informações retomando os elementos composicionais,
características do suporte, a orientação espacial do gênero na página de jornal ou revista e a
finalidade dos respectivos gêneros.
Por último, no terceiro bloco, que remete às atividades que aproximam o gênero das
situações reais de uso, as quais, além de desenvolverem um trabalho mais sistemático com o
gênero, enfocando suas dimensões, propõem a inserção dos alunos em situações que se
313
aproximam dos usos reais da língua, encontramos um exemplar de atividade Trata-se da
atividade com o gênero seminário. Constatamos que, através de objetivos bem definidos, os
comandos favorecem situações de reflexão, planejamento, produção e troca de ideias com os
colegas. Destarte, essa atividade ajuda os alunos a produzirem textos de diferentes gêneros,
selecionando recursos linguísticos e discursivos em função das finalidades, da situação de
interlocução e das características dos interlocutores.
Como pode ser deduzido com base nas reflexões apresentadas, a coleção é bastante
eclética quanto ao modo de focar aspectos relativos aos gêneros discursivos: muitas
sequências desconsideram não apenas as dimensões dos gêneros, como os próprios sentidos
textuais, enfatizando o trabalho com conteúdos gramaticais de modo desarticulado da
interpretação textual; outras sequências abordam a questão do gênero com base em um ensino
transmissivo em que primeiro se apresenta um conceito e depois se busca a aplicação dele,
sem, em vários momentos, relacionar as características dos gêneros à busca de causar efeitos
de sentido; outras sequências estimulam os estudantes a refletir sobre as características dos
gêneros e, ao mesmo tempo, interpretar os textos, refletindo sobre os efeitos de sentido de
diferentes recursos linguísticos; de modo pouco expressivo, mas também presente na coleção,
atividades que, além de estimularem a reflexão sobre as características dos gêneros,
compreensão de textos, propõem situações em que os estudantes são conduzidos a produzir
textos para atender a finalidades interacionais.
Essa diversidade de estratégias didáticas, tal como foi interpretada neste estudo, parece
decorrer da falta de delimitação clara dos fundamentos teórico-metodológicos que servem de
base para a elaboração deste recurso: o livro didático. Parece haver uma pressuposição de que
é necessário inserir o trabalho com os gêneros discursivos, mas não há clareza sobre a melhor
forma de conduzir tal trabalho. Como foi dito anteriormente, também na BCC-PE não há
clareza quanto aos princípios didáticos relativos ao trabalho com os gêneros discursivos,
embora na fundamentação teórica tais instrumentos culturais – os gêneros – sejam apontados
como centrais no ensino da língua.
Em suma, constatamos que certos fundamentos são contemplados tanto na proposta
curricular, sobretudo nos tópicos de apresentação dos fundamentos e princípios gerais, como
no MP da coleção mais adotada, parecendo haver uma hegemonia do pensamento bakhtiniano
entre os assessores e equipes que trabalharam na elaboração da BCC-PE e os que escolheram
o LD em foco.
Todavia, a coleção analisada se afasta de um ensino de língua pautado nos usos
sociais na maior parte de suas atividades. Tal aspecto não fora observado somente nas
314
contradições teórico-metodológicas presentes no MP, como aqui já discutimos, mas também
na exploração de diversas atividades que partiam dos textos para ensinar regras e conceitos
sem maiores problematizações. Também foi observado no LD a exploração de conteúdos
linguísticos e estruturas do texto numa perspectiva dedutiva, não oportunizando momentos de
reflexão sobre o objeto e, portanto, de construção do conhecimento. A BCC-PE, por outro
lado, como dito anteriormente, carece de melhor explicitação dos princípios teóricometodológicos, o que pode favorecer interpretações muito discrepantes do que seria um
trabalho com base nos gêneros discursivos, inclusive muito do que foi observado na coleção
investigada poderia ser considerado como consonante com o que está disposto no documento
curricular, que peca por omissão.
Por fim, considerando que o processo de escolha dos livros (2007) ocorreu no
período de elaboração e publicação da BCC-PE (2004 a 2008) e que o documento curricular
fora produzido com ampla representatividade, reiteramos a relevância dos princípios
norteadores da BCC-PE estarem em consonância com a coleção de língua portuguesa mais
distribuída no estado. Foi observado, no entanto, necessidade de maior delimitação dos
princípios teórico-metodológicos nos dois documentos, o que pode ser um reflexo do
momento vivido, em que se postula a necessidade de trabalhar na perspectiva dos gêneros
discursivos, mas poucos estudos enfocam a didática do ensino com base em tal abordagem
teórica.
Dada a natureza inconclusiva da pesquisa, acreditamos que esse trabalho possa
fomentar outros estudos voltados à elaboração do currículo, bem como a avaliação e produção
de livros didáticos. Nesse sentido, acreditamos também estar contribuindo para debates no
âmbito educacional acerca do trabalho com os gêneros discursivos no processo de
ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa. Ressaltamos, ainda, a necessidade de aprofundar,
em outros momentos de pesquisa, determinadas questões, dentre as quais, destacamos: como
o leitor, em especial o professor, interpreta as orientações dos textos prescritivos e os
pressupostos teóricos e metodológicos propostos pela coleção? Até que ponto as orientações
curriculares e as propostas de atividades da coleção sobre o ensino dos gêneros trazem
implicações para a construção dos saberes docentes? Como as redes públicas de ensino
implementam e trabalham com suas propostas curriculares tendo como parâmetro a Base
Curricular Comum? Como orientar as escolhas dos recursos didáticos tendo em vista a
necessidade de contemplar os pressupostos da proposta curricular?
315
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